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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
O trenzinho do Jabaquara (2)

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No início da construção do cais do porto santista, um pequeno trem era usado para transportar pedras desde a pedreira situada no morro do Jabaquara até o cais.


A Avenida Gaffrée e Guinle, destacada em trecho de um mapa de 1910, onde também aparecia o depois desbastado Morro do Lima, contornado pela pequena ferrovia

Embora quase toda a área da antiga ferrovia já tenha sito tomada por construções, ainda no início do século XXI era possível observar (desde que com atenção e conhecendo a história) vestígios de sua passagem, cortando a cidade.

Mas, em 1986, havia ainda a idéia de se criar nesse caminho uma avenida. Como relatou o jornal santista A Tribuna, na edição de 29 de junho de 1986:

Aqui passava o trenzinho, levando pedras para a construção do cais

(E a Prefeitura quer conseguir a posse da área, que atravessa toda a cidade)

Lane Valiengo

I - Lá vai o trem...

Passava ali, espalhando fumaça, levando as pedras usadas na construção do cais. Era o pequeno trem das Docas, dois ou três vagões. Um trenzinho, com sua acanhada locomotiva. Mas tinha fôlego para cruzar toda a Cidade, desde o Jabaquara, onde ficava a pedreira, até o outro lado, a Rua Manoel Tourinho. Perto de onde hoje fica a área conhecida como Santa.

Não mais que vinte quilômetros por hora, só isso. E cruzava ruas e avenidas importantes, Washington Luiz, Conselheiro Nébias, Ana Costa, Constituição. Passava por uma faixa própria, quase em linha reta, em terrenos que ainda hoje estão parcialmente desocupados. Uma faixa extensa e valiosa.

O trenzinho começou a funcionar por concessão do Município, de acordo com decisão da Câmara em 12 de janeiro de 1889, permitindo que a linha fosse instalada pela Gaffrée, Guinle e Companhia. Foi esta empresa que construiu o Porto. Depois, a linha pioneira foi substituída pela Cia. Docas, que colocou trens de bitola mais larga. E que foi desativada há 25 anos, aproximadamente (N.E.: portanto, por volta de 1961).

Mas os terrenos ainda estão lá, murados, cercados, sob a guarda da Codesp. Alguns, ocupados por empresas de contêineres. Ao todo, treze áreas, que deveriam formar uma grande avenida, que aparece projetada em praticamente todos os mapas de Santos: a Avenida Gaffrée, Guinle.


A faixa cruza ruas e avenidas importantes
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria

II - Quem é o dono?

Maquininha respeitosa aquela: em cada esquina, uma parada. O maquinista descia, olhava para todos os lados, para saber se poderia atravessar as ruas e avenidas sem atrapalhar ninguém. E aproveitava para fechar as cancelas. Outros tempos, sim. Algumas pessoas lembram bem do velho trem. E de que no Jabaquara, o ponto final, junto à pedreira, havia uma vila de operários da Docas. Lá onde hoje a Codesp está criando um horto, bem atrás do clube Portuários.

Agora, a Cidade é outra. Todos os espaços foram ocupados, o concreto brotou em toda parte. Só os terrenos da antiga linha ferroviária continuam lá, vazios.

O Instituto Portobrás de Seguridade Social - Portus - quer ocupar a faixa. Técnicos da entidade estiveram na semana retrasada na Prefeitura, pedindo informações sobre os recuos e normas para construção. Pois há a intenção de iniciar, em breve, a construção de casas para trabalhadores portuários.

Em tese, as treze áreas são da União, de acordo com o decreto que, em 1980, transferiu os bens da Cia. Docas para a Codesp. O diretor gerente da antiga concessionária do Porto, José Menezes Berenguer, na época explicou que os terrenos não eram da companhia: "A CDS não tem nada. Ela só tem o capital reconhecido pelo Governo. Tudo quanto é bem pertence à União".

Só que muito antes disso já existiam dúvidas sobre a propriedade dos terrenos.

Em 1948, exatamente no dia 8 de abril, o prefeito Rubens Ferreira Martins assinou a lei nº 944, extinguindo a concessão para a linha ferroviária. A lei está reproduzida num processso existente na Prefeitura e que se arrasta desde 1941, quando moradores da Rua Paraná pediram a abertura de rua sobre a linha, entre Prudente de Moraes e Almeida Moraes. Ao longo dos anos, aconteceram outros pedidos semelhantes.

Mas o processo revela surpresas, muitas surpresas.

III - É tudo da Prefeitura

Em 1969, o historiador Francisco Martins dos Santos enviou documento ao interventor Clóvis Bandeira Brasil contando a história. E dizia que a autorização para a construção da linha foi concedida apenas pelo tempo necessário para a construção das duas primeiras fases do Porto, de 1890 a 1910, aproximadamente. "Apesar disso, a Cia. Docas continuou com sua linha de ferro principal, através da Cidade, sem ligar a isso, e após a demolição de morros no Jabaquara e desmontes em outros lugares, construiu uma vila operária, casas, chalés, escolinha etc., naquele bairro em início, usando tudo isso como pretexto para a continuação da linha de ferro, como verdadeira dona das terras ocupadas".

Depois de lembrar a extinção da concessão, em 1948, e outra lei no mesmo sentido, em 27 de setembro de 1951, Chico Martins observa que a linha foi finalmente retirada, tempos depois, mas que os terrenos continuaram fechados, "impedidos ao uso público". E comenta: "Lá ficou em poder da Cia., como terra particular, abrangendo uma grande área quadrada, até o coração do Jabaquara, onde aparece, ainda hoje, uma enorme área também de sua propriedade". Solenemente, Chico Martins pedia que os terrenos fossem reintegrados ao Município.


Em alguns pontos ainda existem os trilhos
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria

IV - E o decreto?

Se já existiam, dentro do processo, motivos para pensar que as áreas seriam mesmo da Prefeitura, quando chegou o ano de 1979 surgiram outros detalhes que, a princípio, confirmariam o fato.

Existem vários expedientes dentro do processo, indicando que o ex-prefeito Paulo Gomes Barbosa havia determinado medidas judiciais para que as terras fossem devolvidas ao Município, ainda no tempo da Cia. Docas. O secretário jurídico da época, Luís Antônio de Oliveira Ribeiro, estudou o assunto e chegou à conclusão que tudo pertencia à Prefeitura. E isso por causa de um decreto-lei federal que determinava a passagem para os municípios dos bens desativados, sob responsabilidade das empresas administradoras dos portos, em todo o País.

Só que Barbosa era um prefeito nomeado pelo Governo Federal. E teria que acionar uma empresa também do Governo Federal, a Portobrás. Por isso, preferiu desistir da idéia de uma ação judicial e conseguir a reintegração dos terrenos na área política. Foi então enviado um ofício nesse sentido ao Ministério dos Transportes, dizendo que o Município precisava daquelas áreas para instalar creches, escolas e pronto-socorros.

Até o dia em que Barbosa deixou a Prefeitura, o Ministério dos Transportes não havia dado nenhuma resposta ao ofício.

V - Argumentos e mais argumentos

O ex-secretário jurídico, Luís Antônio de Oliveira Ribeiro, diz que o decreto-lei é genérico e fala de todos os portos brasileiros. E que as áreas que não estivessem servindo especificamente para atividades portuárias passariam para o Município.

Trata-se do decreto-lei 178, de 12 de fevereiro de 1967. Mas o que interessa mesmo é o ato da Presidência da República que especifica os terrenos do decreto. É exatamente esse ato que fala dos bens desocupados administrados pelas empresas portuárias.

Na época, a Codesp usou o argumento de que as áreas estavam, sim, sendo usadas para atividades portuárias. Quais, não se sabe...

Na verdade, duas áreas já foram cedidas ao Sindicato dos Operários nos Serviços Portuários; três estão cedidas em comodato às empresas Benatti e Retroporto, que ali montaram pátios para contêineres; uma outra é usada pelo Círculo dos Amigos do Menor Patrulheiro de Santos - CAMPS - e, em outra, há até uma placa da Prefeitura e do Demutran. Além, é claro, do trecho hoje ocupado pela Portuguesa e, outro, pelo Portuários.


A linha férrea chegava até este barracão, no Jabaquara
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria

VI - Avenida sim, casa não

Moradores e proprietários de terrenos vizinhos à antiga faixa ferroviária ficaram assustados quando souberam que o Portus pretende, numa primeira etapa, construir ali 50 casas. Alguns, como dona Maria José Godinho, começaram a procurar informações a respeito, com a Codesp e a Prefeitura. Ela defende a abertura da tão sonhada avenida, a Gaffrée, Guinle.

Proprietária do imóvel da Rua Braz Cubas, 409, ela pergunta: "A Vila Matias, que já foi uma área nobre, está deteriorada. E o que se faz? Nada? Isso interessa não só a mim ou a quem mora lá, mas interessa a toda a Cidade. A avenida é muito mais importante que as casas. Não são 50 ou 200 unidades que resolverão o problema habitacional de Santos. É claro que, com a avenida, minha propriedade seria valorizada, e podem pensar que estou preocupada só comigo. Não é nada disso. Veja como são as ruas da Vila Matias, todas pequenas, sufocadas. Imagine o que a cidade ganharia".

Basicamente, é o que pensa também o secretário de Planejamento, Jean Jacques Leopoldo Monteux: a simples perspectiva de contar com toda aquela área deixa o secretário muito animado. "Do ponto de vista urbano no sentido Leste-Oeste, não temos muitas ligações, só a Francisco Glicério, a praia e, em parte, a Carvalho de Mendonça. A ilha já tem tão poucas áreas que isso seria ótimo".

O prefeito Osvaldo Justo ficou ainda mais eufórico e pretende fazer tudo o que for possível: "Isso é fabuloso. Mudaria totalmente a vida da Cidade". E o prefeito já entrou em contato com o presidente da Codesp, Hélio Nascimento, para tratar do assunto.

VII - Descoberta

O receio de dona Maria José Godinho motivou uma pesquisa sobre o volumoso processo existente na Prefeitura. O secretário de Assuntos Jurídicos, Écio Lescreck, mostrou o processo e começou a se interessar. Descobriu as referências (faltam dados e mesmo algumas folhas) ao decreto-lei e procurou novas informações.

E agora? Bem, Lescreck pretende reunir os procuradores da Prefeitura e analisar a questão. Se a conclusão for a de que as áreas podem passar para a Prefeitura, levará essa posição ao prefeito. E, certamente, o Município pedirá a reintegração de posse de todos os terrenos.

E talvez Santos ganhe excelentes condições de revitalizar a Vila Matias. Além de criar uma ótima opção de tráfego, capaz de resolver muitos problemas.

Principalmente num Município que sofre com a total falta de espaço e de áreas livres.


Hoje, algumas áreas estão ocupadas por pátios de contêineres... 
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria

VIII - Final

No caminho do acanhado trenzinho, amanhã pode estar a solução para o sistema viário da Cidade. Desde que seja possível, realmente, conseguir a posse de todas as áreas. Uma ligação entre o Jabaquara e a área da Santa, para melhorar, e muito, o trânsito e a situação urbana de toda a zona atravessada pela faixa ferroviária.

E o trenzinho responsável pela construção do cais talvez tenha oportunidade de dar um pouco mais à Cidade. Mesmo que já não circule mais.


... e outras estão vazias, devidamente cercadas e muradas
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria

Do Jabaquara até a Manoel Tourinho

São essas as áreas por onde passava o antigo trenzinho:

1 - Um grande terreno no Jabaquara, em que a Codesp está implantando o seu horto e que ainda conserva um antigo barracão de madeira, onde a locomotiva entrava (no chão, ainda existem alguns trilhos). Fica ao lado da empresa Transbrasa, atrás do Portuários e junto à antiga pedreira do Jabaquara, com entrada pela Avenida Francisco Manoel (canal da Santa Casa). É exatamente ali que começaria a Avenida Gaffrée, Guinle, como mostram os mapas da Cidade.

2 - Trecho lateral ao Portuários, ocupado pelo clube.

3 - Terreno ocupado pela Portuguesa Santista (estacionamento).

4 - Um grande terreno na Praça Dr. Dutra Vaz (ao lado de onde existe hoje um supermercado, quase na junção dos canais 1 e 2). Ali existia o Morro do Lima.

5 - Área entre as ruas São Paulo e Paraná, bem ao lado de um colégio municipal.

6 - Terreno entre a Paraná e a Antônio Bento - ocupado parcialmente por uma chácara, com um pinheiro e uma linda mangueira.

7 - Área entre a Antônio Bento e a Ana Costa (ao lado do Edifício Arrastão).

8 - Entre Ana Costa e Júlio Conceição, terreno ocupado atualmente pela quermesse promovida pela Associação Mariana Cristã. A entidade pensa em fazer ali uma área de lazer para todo o bairro.

9 - Entre Júlio Conceição e Comendador Martins, terreno desocupado.

10 - Entre Comendador Martins e Senador Feijó, terreno vazio.

11 - Entre Senador Feijó e Washington Luiz, área ao lado do Centro Espírita Beneficente 30 de Julho. Uma parte do terreno é ocupada pelo Círculo Amigos do Menor Patrulheiro de Santos - CAMPS -, com frente para o Canal 3 (estacionamento, quadra de esportes etc.).

12 - Entre Canal 3 e Constituição, área ocupada pela Transportadora Benatti Ltda. (terminal de contêineres).

13 - Entre Constituição e Conselheiro Nébias, um grande terreno que passa ao lado da Açúcar Pérola. Lá existem apenas montes de madeira velha, empilhados.

14 - Entre Conselheiro Nébias e Campos Mello - área ao lado do Sesc-Senac e a Escola Docas. Não há separação física entre esse terreno e o colégio.

15 - Entre Campos Mello e Silva Jardim - funciona o pátio de contêineres da Retroporto Terminais e Despachos Ltda. (cedida em comodato).

16 - Entre Silva Jardim e Manoel Tourinho - também ocupado pela Retroporto.

Aí começa o Porto, próximo à Santa. Os trilhos do antigo trem ainda estão lá, saindo do pátio de contêineres e ingressando na área portuária, na altura do Pátio de Volumes Pesados. O trem ia até a oficina da Cia. Docas, entre a Rua João Guerra e a Avenida Rodrigues Alves.


Uma das locomotivas, a Outeirinho, em foto de cerca de 1901
Foto: Álbum CDS, circa 1900/1, Acervo José Pascon Rocha, coleção Marcello Tálamo


Uma das locomotivas, junto à pedreira no Jabaquara, cerca de 1901
Foto: Museu do Porto de Santos - Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp)