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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES - 2012
Os imigrantes - 2012 [7 - Uruguaios]

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Trinta anos depois da primeira série de matérias, o jornal A Tribuna iniciou em agosto de 2012 uma nova série Os Imigrantes, abordando em páginas semanais as principais colônias de migrantes estrangeiros estabelecidas em Santos. Esta matéria foi publicada no dia 24 de setembro de 2012, na página A-8:


Imagem publicada com a matéria

A dor não conhece fronteiras

Uma ditadura, a escolha que não teve. Como muitos de sua geração, nos anos 70, 'Marisa' Castro foi obrigada a imigrar

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

Se a polícia bate à sua porta apenas porque você expressou publicamente a sua opinião, então é hora de ir embora. Por isso, a uruguaia Maria Elisa Castro Sierra está na região desde 1979. E, como ela, muitos de seus compatriotas tiveram de deixar o Uruguai nos anos da ditadura civil-militar, entre 1973 e 1984.

"Foi uma época decadente. Vimos coisas muito duras, de ambas as partes", diz. De seu apartamento no centro de São Vicente, Marisa, como é chamada, se debruça sobre o passado já tão distante como se fosse ontem.

Mas, em meio aos livros de Mario Benedetti – o maior escritor uruguaio – ou às pinturas de Carlos Kis na parede, ela não nutre mágoa ou sofrimento: as coisas são como têm de ser, apesar de ainda ter a mãe e uma irmã morando em Montevidéu, a capital do Uruguai.

"Há dez anos tentei trazer minha mãe para morar comigo, mas ela não se adaptou. Dizia: 'Estão me nascendo umas ruguinhas aqui'", sorri. A mãe tinha então 78 anos.

O contexto que forçou Marisa a imigrar não era muito diferente do vivido no Brasil, na Argentina e em outros países da América Latina, no período. A precariedade econômica e as desigualdades sociais se transformavam em palco e combustível de conflitos ideológicos entre a direita e a esquerda. Conflitos que, em todos os países, evoluíram para as armas.

Professora secundária, casada com um oficial da Marinha, Marisa nutria, como diz, "uma simpatia pela esquerda". Um pecado mortal, quando o então presidente Juan María Bordaberry deu um golpe de estado, apoiado pelos militares, em 1973.

Ela viu amigos serem torturados, o marido passar longos dias na prisão militar por se recusar a matar outros uruguaios e viu, até, o fuzilamento de estudantes, na faculdade ao lado de sua casa. Mas a pressão se tornou insustentável quando ela mesma acabou presa e interrogada.

"Sair já era uma necessidade moral". Com os quatro filhos e a roupa do corpo, Marisa e o marido chegaram ao Brasil, e depois, a Santos – um lugar que já lhes era familiar.

Choque cultural – Marisa já estivera em Santos, em 1970, acompanhando o marido, em uma das escalas dos inúmeros navios a caminho da Europa. A primeira imagem foi a dos prédios tortos. "'Será que estou enjoada?', pensei. Meu marido riu e me explicou que eram assim mesmo".

Naquela época, os navios demoravam alguns dias no Porto, para carga e descarga. Foi o tempo suficiente para Marisa se encantar com os canais. "De alguma maneira, a baía aqui me lembrou a de Montevidéu".

Em Santos, criou os filhos e ficou viúva, há dez anos – quando se mudou para São Vicente. Psicopedagoga por formação, trabalhou em escolas de idiomas. Em Santos, no Centro Cultural Brasil-Estados Unidos (CCBEU), introduziu o Centro Cultural Latino-Americano.

Hoje, o descanso. Mas a aposentadoria não se estende a alguns hábitos que a acompanham desde o Uruguai. O de vestir impecavelmente é um deles. Aliás, o despojamento brasileiro no vestir foi o motive do primeiro choque cultural que sofreu.

"Fui ao banco abrir uma conta. Estava de blazer, camisa, salto alto, como estava acostumada a me vestir. A gerente virou e perguntou: 'De que casamento a senhora vem?' (risos)".

Preconceito está na cabeça – Na mesa, o feijão continua sendo apenas o branco, o mais popular no Uruguai. No dia a dia, o império da batata: em purê, frita ou assada. Do chimarrão, não é lá muito fã. Mas confessa o preconceito que carregava. "Os homens de classes mais baixas andavam pela rua com a cuia. Havia esse estigma". Até uma de suas viagens à Europa com o marido, em que o dono de um estaleiro em Hamburgo, na Alemanha, provou, gostou e aderiu ao chimarrão. "Ele chegava todo dia na sua BMW com a cuia na mão", cai na gargalhada. "Aprendi: preconceito só está na cabeça da gente".

E a carne bovina, tão cara aos uruguaios – há quase três bois para cada habitante -, Marisa deixou para trás, por causa dos 70 anos recém-completados. Um paradoxo é que sua mãe, com 88, come carne vermelha todos os dias – e nem imagina o que seja colesterol alto, por exemplo. O segredo talvez esteja no hábito de consumir vinho com regularidade, especialmente o da uva Tannat, bastante popular no Uruguai.

Mas, para Marisa, o sabor da saudade responde pelo nome de Postre Chaja, uma sobremesa de pão de ló regado ao vinho, com pêssego, chantili e suspiro. A água na boca não disfarça um certo amargor: quisera a saudade sempre fosse assim tão doce. Mas não é. "Dói. Ter me decepcionado. Ter sido agredida pelo meu próprio povo".

Ao Brasil, é grata. "Nunca me faltou trabalho, nunca me faltou dinheiro, nunca me faltaram amigos". Já pensou em retornar à terra onde nasceu. Mas essa terra talvez não seja mais a sua. "Não sei se me acostumaria. Seria como imigrar novamente".


Maria Elisa e os livros: fonte de libertação, levam o Homem a viagens inimagináveis, sem sair do lugar. Mario Benedetti, um dos autores preferidos, mantém-na em contato com sua língua, sua gente e com a sua cidade natal, Montevidéu, banhada pelas águas do Rio da Prata

Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria

O tango é uruguaio? - Também. Embora o gênero seja quase um sinônimo da Argentina, sabe-se que o estilo era interpretado nos prostíbulos de Montevidéu, tanto quanto nos de Buenos Aires, no final do século 19. Como a popularização do gênero se deu pela difusão fonográfica, Buenos Aires, com melhor estrutura de gravação e distribuição, angariou a fama.

Mas, fatos como o mistério envolvendo o nascimento de Carlos Gardel, um dos expoentes do gênero, que ganhou notoriedade mundial a partir da Argentina, alimentam a polêmica da paternidade. Não se sabe ao certo se Gardel nasceu em Toulouse, na França, ou em Tucuarembó, no interior do Uruguai. A respeito da origem do tango, o mais certo, porém, é que tenha nascido nas duas capitais, na mesma época.


Foto: Luigi Bongiovanni, publicada com a matéria

Patinação – "A vida vai nos levando de um lugar a outro", diz Herbert Hugo Tort Laureiro, a certa altura. Em seu caso, o levou de Montevidéu ao posto de cônsul honorário de Santos. E o percurso, ele fez de patins: Tort integrou a seleção uruguaia de patinação artística, nos anos 50. Entre idas e vindas ao Brasil, acabou ficando em Santos, nos anos 60. Sempre trabalhou no consulado e produzindo espetáculos de patinação – ele introduziu aqui as águas dançantes, sistema de luzes e fontes aquáticas, programadas de acordo com a coreografia.

Sua mulher, Leonor Ester Quiche, foi uma das primeiras professoras de patins no Clube Internacional de Regatas. Tort está com 84 anos. O Uruguai, hoje, é um lugar e um tempo distantes. "A maioria das pessoas que saiu de lá foi para tentar uma vida melhor fora, ganhar mais", analisa. E foram tantos os que saíram que a população uruguaia no Exterior é maior do que no próprio país, acredita-se.

Agora, as coisas melhoraram, ninguém mais sai. Embora 1 peso uruguaio valha cerca de 10 centavos de real, o custo de vida é baixo, e a distribuição de renda, boa. "Não há analfabetismo no Uruguai", orgulha-se.

Outras coisas, porém pioraram. É difícil crer que Tort viverá em 2014 a mesma emoção do dia 16 de julho de 1950. Ele se lembra bem daquela tarde, depois que o árbitro inglês George Reader apitou o fim de Uruguai 2, Brasil 1. "Estávamos ouvindo no radio. Aos poucos, as pessoas foram saindo das casas e se abraçando nas ruas. Sem ninguém combinar nada, foram todos indo para a Avenida 18 de Julho (a Praça Independência de Montevidéu) comemorar". Era o Uruguai, sagrando-se campeão do mundo de futebol pela segunda vez e em pleno Maracanã. "Foi fantástico", emociona-se Tort.

Foto: Luigi Bongiovanni, publicada com a matéria

Gaúcho – Os gaúchos estão presentes nos vales ao longo do Rio da Prata (Argentina e Uruguai) e no Sul do Brasil. Mas sua origem é mesmo uruguaia. A palavra pode derivar de guanchos, os nativos das Ilhas Canárias.

Muitos deles foram mandados pela coroa espanhola para colonizar Montevidéu. Depois, se estabeleceram mais ao Norte – até o Rio Grande do Sul.

Detêm uma cultura própria e bem característica. Nas roupas, por exemplo, há a bombacha – calças abotoadas no tornozelo – e o ponche – espécie de sobretudo, feito com lã de ovelhas.

Mas a maior expressão da cultura gaúcha é mesmo o chimarrão (erva-mate moída, diluída em água quente, servida em uma cuia – vasilha feita da cueira ou do porongo -, e consumida através de um canudo de nove milímetros de diâmetro e cerca de 25 centímetros de altura, normalmente de prata lavrada, chamado bombilha).

Na extremidade inferior da bombilha, há uma espécie de peneira, do tamanho de uma moeda para filtrar o liquido da erva.

Uruguai (República Oriental de Uruguay)

População – 3,3 milhões (2011)
Capital – Montevidéu
PIB – US$ 49,4 bilhões (2011)
Renda per capita – US$ 14.671 (2011)
IDH – 0,783 (elevado)
Colônia em Santos - cerca de 350 famílias (estimativa do Consulado Honorário)
Datas Nacionais - 18 de julho (Dia do Juramento da Constituição) e 25 de agosto (Independência).

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