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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - PARQUE
Itutinga-Pilões (2)

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Em 17 de dezembro de 1984, o jornal santista A Tribuna publicou esta matéria:
 


Foto: Araquém Alcântara, publicada com a matéria

Neste vale, a vida ainda preservada

A 15 minutos de Santos pode surgir um parque ecológico com riachos, cachoeiras, ciclovias, quiosques, creche e muitos ambientes e equipamentos para um lazer cultural, social e esportivo junto à natureza. Mais: esse parque pode receber até 15 mil pessoas por dia, em pouco tempo, no município mais poluído do País, Cubatão.

Não se trata de nenhum absurdo. Dois estudantes de Arquitetura desenvolveram uma tese mostrando que é possível preservar a natureza dando-lhe um uso planejado. E que no Vale do Rio Cubatão a vida natural ainda está garantida, e lá, a partir de um antigo núcleo - a fazenda Itutinga -, pode surgir uma nova vida comunitária para toda a região.


Cenário é magnífico, e o seu aproveitamento racional, sem agressões à natureza, abriria perspectivas para o lazer da população local e até mesmo para o turismo, numa região onde só as praias constituem fator de atrativo
Foto: divulgação, publicada com a matéria

Um parque na Baixada com riachos, aves e ciclovia

Luiz Dias Guimarães

Um parque com muito verde, aves, rios, ciclovias, quiosques e pronto-socorro, em meio a ponte e casarios antigos, numa distância de apenas 15 minutos de Santos. Utopia de cabeças que habitam uma ilha de concreto?

Dois estudantes de Arquitetura demonstram que é possível resgatar-se, no próprio meio, um ambiente que se supõe impossível bem no centro de uma das regiões mais caóticas do País. Preocupados com a preservação da Serra do Mar, eles partiram do conceito de que a melhor maneira de proteger o patrimônio natural é dar-lhe um uso planejado. E chegaram a um plano que poderia ser aplicado no Vale do Quilombo ou no Morro da Nova Cintra, mas que foi previsto para implantação pioneira no Vale do Rio Cubatão, uma das áreas mais esquecidas mas belas da Baixada.

Assim nasceu o Parque Regional de Cubatão, na tese de graduação que obteve nota máxima, segunda-feira, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos. O plano de implantação do parque visa demonstrar que é perfeitamente possível compatibilizar o interesse da preservação ambiental com atividades comunitárias, atendendo a uma das maiores carências contemporâneas: o lazer cultural, social e esportivo, integrado à natureza.

Antônio Cláudio Rodrigues dos Santos e Bechara Abdalla Pestana Neves, orientados pelo professor Roberto Machado de Almeida, partiram de um diagnóstico do atual sistema de preservação ambiental no País e em especial no Estado, para constatarem, mais uma vez, que a legislação florestal é irreal e superada, e que a fiscalização e administração das áreas simplesmente não acontece por falta de condições operacionais dos órgãos responsáveis.

Essa situação, aliada à ausência de uma consciência preservacionista ao longo das últimas décadas, acelerou um processo de perda de áreas naturais no Estado, de características marcantemente industriais e agrícolas. São Paulo, que possuía cerca de 80% de sua cobertura vegetal em situação primitiva, possui hoje cerca de 6% e, segundo a Coordenadoria da Pesquisa e Recursos Naturais, na virada do século contará com apenas 4% de áreas intactas.

Metodologia - Os estudantes aplicaram na tese, intitulada Preservação de Áreas Naturais, uma metodologia moderna que concilia preservação e desenvolvimento econômico com o uso planejado. Essa metodologia foi preparada pela Comissão Internacional de Parques Nacionais e Áreas Protegidas da União Internacional de Conservação da Natureza e seus Recursos, em 1976.

Na opinião dos estudantes, a metodologia deveria ser aplicada nos 495.353 hectares de áreas naturais administradas pelo Instituto Florestal, da Secretaria da Agricultura, e especialmente nos 315 mil hectares (60% do total) correspondentes ao Parque Estadual da Serra do Mar. Apenas três parques - Campos do Jordão, Ilha Comprida e Cantareira - recebem uma atenção um pouco mais planejada.

A Serra do Mar está preservada legalmente desde 1977, assegurando-se sobre ela o direito de desapropriação. Mas, embora o Instituto Florestal mantenha postos na região, entre o Planalto e o Litoral, nada se faz efetivamente para assegurar esses recursos naturais e impedir sua exploração e uso indiscriminado. O parque envolve 26 municípios, incluindo a Baixada Santista, e não existe também qualquer ação conjugada com as prefeituras.

A metodologia empregada divide as áreas naturais em categorias. Entre as de importância nacional, estão os parques nacionais, as reservas científicas biológicas, os monumentos naturais e os santuários ou refúgios da vida silvestre. Nas categorias de manejo (uso) complementares, as estações ecológicas, os rios cênicos, as estradas-parque e as reservas florestais. A Estrada Velha que liga a Baixada ao Planalto deveria ser, na opinião dos estudantes, uma estrada-parque.

Estas são as unidades complementares: nas categorias adicionais, os parques naturais, as florestas nacionais, as reservas indígenas, as reservas de fauna, os parques de caça e os monumentos culturais; nas categorias de manejo regionais ou locais, os parques estaduais, os parques municipais, as reservas biológicas estaduais e as municipais, os parques de caça estadual e os parques de caça municipal; e finalmente, nas categorias de manejo de importância mundial, as reservas da biosfera e as reservas do patrimônio mundial.

Cada uma dessas unidades corresponde a objetivos específicos e implica uma intervenção própria também. Antônio Cláudio e Bechara, depois de analisarem a região, decidiram planejar um parque regional no Vale do Rio Cubatão por possuir valor cênico e científico, ainda que não de importância nacional, e em que se possa promover áreas de recreação e educação ambiental.

Os estudantes propõem a realização de convênios entre Estado e os municípios, visando, em todo o Parque Estadual da Serra do Mar, estudos e implantação de planos de uso a cada zona. É dentro, desta política que surgiria, a cinco quilômetros do Centro de Cubatão, o Parque Regional, dentro do município considerado o mais poluído do País. Pelos dados obtidos na tese, o vale se mostra razoavelmente livre de poluição hídrica e atmosférica, permitindo, assim, seu aproveitamento comunitário.

"Embora Cubatão apresente um caráter tétrico e até mesmo perigoso", comentam os autores, "não podemos deixar de observar determinadas áreas de relevante beleza cênica e valores culturais únicos, que ainda não sofreram consideráveis alterações ambientais, e que hoje são reivindicadas pela população e órgãos ligados à preservação". É no Vale do Rio Cubatão que surgiria uma alternativa de lazer, turismo e educação ambiental científica.


Bechara Abdalla Pestana e Antônio Cláudio dos Santos, autores do projeto
Foto publicada com a matéria

Renascer a velha Itutinga

O parque regional surgirá, na vontade dos estudantes de Arquitetura, junto à Serra de Cubatão, em torno do Bairro de Itutinga, e envolvendo os rios Cubatão e das Pedras, até próximo da captação de água de Pilões. A Norte, limita-se na divisa de Cubatão com São Bernardo; a Leste, com a margem direita do Rio das Pedras; a Oeste, com a divisa de Cubatão e São Vicente e ao Sul com a Rodovia dos Imigrantes.

O Vale ainda está vivo. É o que demonstram as inúmeras aves, a flora abundante, as águas cristalinas e os peixes. Lá, mais especificamente no Vale dos Pilões, até se cria carpas em viveiros. Anus, pacas e capivaras podem ser encontrados em meio à vegetação entremeada por riachos e cachoeiras.

É nesse mundo, conhecido à distância pela população quando transita nas vias Imigrantes e Anchieta, que se desenvolvem atividades agrícolas, com muitas chácaras, plantações de banana e mexerica; onde a Sabesp capta água e onde quatro núcleos habitacionais - as famosas cotas - acolhem mais de 30 mil pessoas.

Conciliar isso tudo com a atividade comunitária é possível? Os estudantes dizem que sim. Desde que haja uma definição política. O Estado e o Município, por convênio, invistam na região e dotem-na da indispensável infra-estrutura básica. Em primeiro lugar, seria indispensável [remover] os pontos de risco com habitações na encosta da Serra do Mar, e dotar as cotas de condições básicas. Em segundo, a Prefeitura e o Instituto Florestal dividirem funções e buscarem recursos para converter o parque numa atração satisfatória.

O importante disso tudo, porém, é que para os estudantes esse uso não implica em desapropriações, as propriedades e interesses são conciliáveis, e os recursos necessários para o parque são baixos, considerando-se que, em um ano, poderia começar a receber até 15 mil visitantes por dia. Grande parte dos equipamentos surgiria a partir dos prédios velhos e abandonados de Itutinga.

Cidade revive - Renascer Itutinga. Essa é a idéia mágica do plano. As informações sobre a posse desses imóveis são controvertidas e podem representar algum problema no equacionamento do plano. Mas é impossível imaginar-se um parque sem sonhar com o aproveitamento das casas velhas de fazenda que surgiram próximas de uma ponte inglesa construída em 1898, e do leito de uma estrada de ferro por onde, num tempo perdido da Baixada, trafegava-se da adutora de Pilões até Cubatão.

A vida social de Cubatão já girou em torno da velha ponte preta por onde passava o trenzinho. Hoje a ponte está deteriorada e os trilhos foram aterrados, surgiram dois núcleos - em Itutinga e Pilões -, a exploração florestal foi abandonada, mas as margens do Rio Cubatão recebem o constante ataque de mineradores em busca de areia.

"Mesmo diante desse quadro, o Vale do Rio Cubatão, juntamente com a encosta da Serra do Mar e do Morro do Marzagão, ainda constituem beleza e valores naturais", comentam os estudantes, que ressaltam as águas claras e saudáveis, o fácil acesso e a riqueza vegetal.

Os objetivos para a área são: proteger o valor cênico e científico; conservar a produção hídrica; proteger os recursos naturais (a flora e a fauna); proteger locais da herança cultural e histórica; promover a educação, estudos e divulgação ambiental; administrar e manter os serviços recreativos e de turismo; e ordenar e conter o uso habitacional e agrícola.

O Parque Regional de Cubatão foi dividido em seis zonas de uso (primária, extensiva, intensiva, histórico-cultural, de uso especial e zona de recuperação natural). No parque haveria áreas para estudos, passeios, circulação de veículos, recreação, educação ambiental e cultural através dos monumentos, administração, serviços, habitação, controle ambiental e até orientação aos agricultores.

Os estudantes prevêem detalhes como o piso das áreas de acesso e circulação; coleta de lixo, material para fabrico de equipamentos (madeira); drenagem, contenção de encostas; e orientação visual. Há, no plano, dois tipos de equipamentos: os pontuais e os de rede, sendo os primeiros instalados a partir das construções existentes, como a antiga cadeia, o casarão administrativo da velha fazenda de Itutinga, a casa do senhorio e a oficina do trenzinho.

Entre as atividades administrativas: portaria, sanitários, sala da Guarda Florestal, guarnição do Corpo de Bombeiros, vestiários e segurança. Para as atividades recreativas e de lazer: trilhas na mata, ciclovias, canoagem, quiosques para piqueniques, quadras e campos para esporte, pontos de observação, viveiro de mudas, estufa, salas de instrução, área de camping e trailers, lanchonetes, posto médico, chalés, restaurante, mercearia, creches, pronto-socorro, além das chácaras-cotas, e equipamentos agrícolas.

Ao analisar a tese, um professor e arquiteto comentou: "Esses espaços oferecem a oportunidade para que as pessoas possam se aproximar melhor, se conhecerem, num ambiente sadio, e ver uma forma de compensar o quadro triste, frio e pouco humano das ruas, praças, fábricas e oficinas da Cidade. Assim, sentir-se-iam mais felizes".


A pequenina vila apresenta sinais de decadência,
que se refletem sobre o cotidiano de seus humildes moradores
Foto: divulgação, publicada com a matéria

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