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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CUBATÃO EM... - 1839 - BIBLIOTECA NM
1839-1855 - por Kidder e Fletcher - 18

Clique na imagem para ir ao índice do livroEm meados do século XIX, os missionários metodistas estadunidenses Daniel Parrish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901) percorreram extensamente o território brasileiro - passando inclusive por Santos e por Cubatão em 1839 (Kidder) e 1855 (Fletcher) -, fazendo anotações de viagem para o livro O Brasil e os Brasileiros, que teve sua primeira edição em 1857, no estado de Filadélfia/EUA.

Kidder fez suas explorações em duas viagens (de 1836 a 1842), e em 1845 publicou sua obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (leia), sendo seguido por Fletcher (a partir de 1851), que complementou suas anotações, resultando na obra O Brasil e os Brasileiros, com primeira edição inglesa em 1857 e sucessivamente reeditada.

Esta transcrição integral é baseada na primeira edição brasileira (1941, Coleção "Brasiliana", série 5ª, vol. 205), com tradução de Elias Dolianiti, revisão e notas de Edgard Süssekind de Mendonça, publicada pela Companhia Editora Nacional (de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre), publicada em forma digital (volume 1 e volume 2) no site Brasiliana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - acesso em 30/1/2013 - ortografia atualizada - páginas 35 a 58 do volume 2):

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O Brasil e os Brasileiros

Daniel Parrish Kidder/James Cooley Fletcher

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Casa de emigrante alemão na Colônia de Dona Francisca

Imagem: reprodução da página 38 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Capítulo XVIII

Colônia Dona Francisca


A Colônia Dona Francisca é um novo empreendimento, cuja origem pode ser exposta em poucas palavras. Em 1843, o príncipe de Joinville casou-se com Dona Francisca, a irmã do imperador do Brasil. Recebeu, então, como dote, grande extensão de terras cobertas de matas na província de Santa Catarina.

Não faz muitos anos, numa das estações de água da Alemanha, o príncipe encontrou-se com o senador Schroeder, de Hamburgo, que lhe propôs um plano para valorizar o seu dote — isto é: conceder uma certa porção das terras para uma companhia, que nela fundaria uma colônia. O príncipe concedeu nove léguas quadradas, reservando uma certa quantidade de acres para si próprio, nas melhores situações.

A companhia se constituiu, e concordou em trazer uns mil e seiscentos colonos num dado prazo de tempo. De março de 1851 a março de 1855, o número estipulado no contrato havia sido atingido. A maioria dos colonos eram alemães-suíços, embora franceses e alemães estivessem representados por considerável minoria.

A vila de Joinvile contém cerca de sessenta casas; nas regiões adjacentes há cento e vinte, e outras em construção. Deduzidas as mortes, há aproximadamente mil e quinhentos habitantes nessa colônia; por outro lado, há um considerável número de franceses, e franceses-suíços, nas colônias adjacentes fundadas pelo príncipe de Joinville em suas próprias terras. Dois terços da totalidade dos colonos são sem dúvida protestantes, e o outro terço é constituído por católicos.

Qual será o sucesso da colônia, esperemos para ver. Os colonos, com poucas exceções, não são da melhor classe dos que procuram o Novo Mundo; naturalmente a companhia, desejando cumprir seu contrato quanto à quantidade, não pôde ser mais cuidadosa na seleção dos emigrantes.

Estes são obrigados a pagar a sua terra, que é muito mais cara do que nos Estados Unidos e, tendo uma densa floresta para derrubar, ficam logo sem dinheiro. Sua distância de qualquer mercado, e a impossibilidade de obter colheitas remunerativas, até que os pesados trabalhos do pioneiro sejam executados na mata virgem, influem contra poderosamente, por mais ardoroso que seja o ânimo dos colonos.

Nas terras, entretanto (que a companhia obteve presentemente), longe dos distritos baixos que margeiam o rio, a perspectiva será mais brilhante. Estou convencido, todavia, que o melhor meio de colonizar o Brasil não é por exploração particular em lotes urbanos e terrenos para plantação.

O mestre-escola

Herr Palma voltou acompanhado pelo professor da escola local. Este era um senhor de aparência elegante, vestido pela última moda de Paris e, além disso, pessoa a quem não faltavam habilitações e conhecimentos, pois em seus quartos encontrei aparelhos químicos, com os quais estava constantemente experimentando, e também certifiquei-me que era um engenheiro e um artista de mérito não ordinário. Ofereceu-me seus serviços para acompanhar-me ao sacerdote luterano, ficando à minha inteira disposição.

Para o sacerdote eu não trouxera recomendação escrita. Pouco tempo depois estávamos em sua casa, modestamente mobiliada; com efeito, raramente eu vira, nas zonas mais primitivas dos Estados Unidos um ministro rodeado de tão pouco conforto, com tão pouco do que é indispensável à vida. Não falava francês nem português, e seu cabedal de inglês excedia muito pouco o meu de alemão, de forma que tive grande dificuldade em fazê-lo compreender a minha missão.

Tentei ser mais explícito por intermédio do professor, a quem eu me dirigia em francês, e que traduzia em alemão. Mesmo assim ele não parecia compreender, e deixei sua casa um tanto desanimado com a recepção, especialmente quando contrastei-a com a viva cooperação que tinha recebido do sacerdote luterano em Petrópolis.

Nesse ínterim, um rumor correu pela vila que um estrangeiro chegara trazendo bíblias, e quando voltei para a pequena casa de pensão, tive que atender tanto quanto podia aos visitantes. Entre esses havia uma senhora bem educada e fina, a filha de um L. L. D. de Hamburgo, e esposa do principal diretor da colônia do príncipe de Joinville, que não deve ser confundida com a colônia hamburguesa de Joinville. Minhas Bíblias alemãs e Testamentos brasileiros foram logo esgotados, mas tinha deixado ainda alguns exemplares em São Francisco, que adiantadamente me pagaram e que lhes enviei no dia seguinte ao de minha volta.

O sacerdote veio ter conosco, um pouco mais cordial desta vez. Ele e o professor convidaram-me para tomar chá. Durante a minha visita, este último deixou-nos por alguns momentos, e depois voltou; mas durante a sua ausência, o sacerdote me disse: "Como tornou-se conhecido do professor? Ele é um vira-casaca." E então compreendi sua reserva, e a não compreensão de minhas observações, que lhe fizera na presença do pedagogo quando visitávamos junto o presbitério.

O professor nascera na Bulgária, e era maometano: foi depois para a Alemanha, e finalmente veio para o Brasil com alguns sábios belgas cujo objetivo era realizarem explorações científicas. O jovem afeiçoou-se por uma moça brasileira de vinte anos de idade, renegou à sua religião, tornou-se católico romano e casou-se com ela.

Pude apreciar ainda mais a prudência do sacerdote, quando ele me informou que o professor era um boêmio de nascimento, educado em Viena; e que, por causa de converter setenta papistas ao protestantismo, fora expulso da Áustria. Embora recebesse o melhor dos tratamentos do professor, a verdade obriga-me a dizer que, entre os habitantes da vila, ele tem a reputação de ser católico romano apenas em teoria, pois na prática era tão turco como se residisse no coração do Império Otomano.

A sociedade que nos rodeava era uma mistura, sendo alguns católicos romanos, outros protestantes. Nessa tarde um suíço Berbesse, de aparência honesta, veio para o nosso quarto. Saudei-o e falei-lhe da Bíblia, mas observei que ele me olhava com olhos desconfiados. Pouco depois o pastor, também presente, saiu em sua companhia. Voltaram alguns minutos depois; Berbesse chamou-me à parte e disse: "Estou convencido de que tens um bom propósito em vista. Tive receio que fosses um jesuíta," (ele não esquecera o Sonderbund no seu próprio país); "mas o pastor assegurou-me que não o és. Desejei certa vez ser missionário, mas circunstâncias contrárias me impediram, mas apesar disso, devo estar contente por trabalhar por intermédio de outrem. Assim sendo, aceita por favor essa pequena soma de dinheiro, e tudo o que desejo que faça é divulgar as boas novas do abençoado Salvador."

Depois que ele saiu, o pastor entregou-me uma outra pequena quantia, que o mesmo Berbesse lhe dera para mim. O total era apenas de nove francos; mas essa quantia corresponde a cem francos nos Estados Unidos. Enviei-lhe depois, de São Francisco do Sul, bíblias de valor equivalente à sua dádiva, desejando que elas se tornassem o instrumento da divulgação "das boas novas do abençoado Salvador."


Camadas carboníferas no Rio Candiota, Província do Rio Grande do Sul

Imagem: reprodução da página 50 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Já era tarde quando meus visitantes retiraram-se. Na manhã seguinte, muito cedo, montado em um cavalo de aparência selvagem, e passando por cima da lama e do lodo, fui almoçar com o diretor da colônia hamburguesa (a de Joinville, não a do príncipe).

Enquanto cavalgava, vi dos dois lados da estrada as pequenas cabanas dos colonos (que se distinguem das casas brasileiras por suas chaminés), erguidas entre as largas e protetoras folhas das bananeiras, nesta região onde não há inverno. Mas eles têm uma dura sorte, pois a região de floresta é difícil de limpar; o solo não é tão rico para cereais e outros produtos que estão acostumados a cultivar e, sobretudo, o povo é pobre, e pertencendo muitos deles às mais baixas classes na Alemanha, entregam-se em grande número à bebida. Foi por causa disso que o pastor pediu-me mais publicações sobre temperança.

Ao passar por uma casa, metida entre dezenas de palmeiras e outras soberbas árvores, ouvi uma doce voz de mãe ensinando o filho a balbuciar seu A B C.

Para mim foi um espetáculo novo observar a floresta virgem dos trópicos derrubada pelo cruel machado dos mateiros. Por todos os lados, nobres palmeiras e raras e gigantescas parasitas estavam espalhadas pelo solo em selvagem confusão. Perto da casa do sr. H., vi um desses reis da floresta erguendo sua altura solitária entre suas companheiras caídas. O monarca estava coroado e ornado com magníficas orquídeas e trepadeiras silvestres. Sua própria folhagem verde-clara exprimia vida e vigor; e as gotas de orvalho pareciam lágrimas lamentando a desolação em redor. Mas, para tornar este mundo habitação apropriada para o homem, a natureza, bem como o homem, devem fazer seus sacrifícios: e assim, a utilidade reconciliou-me.

Os passarinhos de longa cauda (que muito se assemelham aos whidah da África) que muitas vezes vira presos em gaiolas, estavam aqui em gloriosa liberdade, pulando diante de mim, saltitando graciosamente de feto em feto, ou volteando em destemida alegria sobre as baunilhas pendentes que enchem o ar da manhã com o seu rico perfume.

A casa do sr. H. ocupava uma bela situação e, nesse remoto recanto do mundo, era tão interessante como estranho depararem-se, nessa pequena casa, o último Illustrated New de Londres, La Presse e a Illustration de Paris. A senhora H., filha da bela França, mostrava assim que outras mulheres, além das americanas, podiam residir nas matas virgens e suportar com contentamento as fadigas e as emoções de uma vida pioneira.

Quando o sr. H. e eu estávamos prontos para voltar à vila, trouxeram os nossos cavalos; o meu tinha o mau gosto de tomar o cabresto nos dentes e, bufando uma despedida, saiu correndo pela estrada até Joinville. Na sua disparada, sacudindo a crina, e ventas dilatadas, parecia a todo mundo um dos corcéis dos mármores de Elgin; o cavalo parecia, mas excetuado o cavaleiro. Quando desapareceu de vista, lançou as patas para o ar, e deu para despedida uma série de coices e outros gestos clássicos bastantes para provocar o riso mesmo na mais melancólica das pessoas.

O sr. H. ofereceu-me gentilmente outro cavalo, e a última vez que vi o meu indomável corcel, foi justamente quando chegamos a Joinville; estava pacificamente gozando, numa pequena plantação de açúcar, uma agradável refeição de canas tenras e apetitosas.

Antes de entrarmos na vila, tomamos um desvio da estrada, subimos um morro coberto de florestas, em cuja encosta via-se o cemitério rural, onde eram enterrados os colonos da colônia hamburguesa. Era um lugar triste, embora lindo. O sol da manhã já se tinha elevado acima das florestas, se bem que a densa folhagem tivesse ainda os vestígios do orvalho matinal.

Cada dia e cada ano o sol brilhará sobre este remoto e pequeno cemitério; mas, os que lá descansam, jamais contemplarão as soberbas manhãs dessa esplêndida região. A terra, que cobria os restos de um dos melhores homens da colônia, estava ainda fresca: umas coroas de sempre-vivas tinham sido penduradas com singelo bom gosto por alguma bondosa mão perto da humilde sepultura; mas nem o pai nem a mãe ou a gentil irmã derramariam silenciosas lágrimas sobre o morto.

Do alto desse morro, podia-se ter uma bela vista do povoado. Os vivos e os mortos eram assim colocados uns perto dos outros; mas o homem é uma criatura esquecida, e as lições dos cemitérios e das sepulturas recém-abertas são tão facilmente esquecidas nesse recanto solitário, como entre o importuno barulho das grandes cidades.

Antes de deixar a colônia, visitei a escola, que é sustentada pelo fundo escolar comum da província, e verifiquei que o búlgaro não se descuidara dos seus encargos, que soubera dar instrução em alemão e português.

Percorrendo Joinvile, fiz uma rápida visita a um colono, cujo irmão está em Nova York e, quando estava em sua casa, um homem de aparência distinta entrou. Pela sua conversa verifiquei tratar-se de um médico. Logo que ele soube quem eu era, e em que caráter visitava a colônia, segurou-me efusivamente as mãos e vi que era um destes médicos que cuidam da alma tão bem como do corpo de seus pacientes. A minha palestra com ele foi muito agradável; pois, além da sua devoção, mostrou-se uma pessoa de espírito cultivado, tendo sido educado na Universidade de Halle; e o que particularmente interessou-me, ao lado de seus estudos profissionais, frequentara as lições de Tholuck.

Ele, juntamente com o sacerdote luterano, aprovaram vivamente a proposta de um outro pastor alemão no Império, que devia ser um missionário regular, que também distribuísse livros religiosos, para ir de colônia em colônia através de todo o Brasil, com bíblias e folhetos, encorajando essas comunidades a ter pastores; pela Palavra impressa e trabalhos religiosos congregando os que vivem privados de sacerdote; e efetuando as cerimônias do casamento onde, na falta de um ministro, isso que é tão essencial à pureza de uma comunidade, tem sido muitíssimo descuidado.

Há colônias alemães espalhadas por toda a extensão da costa brasileira, e há, em virtude desse fato, uma alta missão para os alemães evangélicos de nossa terra, a de cuidar do progresso espiritual de seus compatriotas no Brasil. Acredito que tal palavra, levada por algumas das igrejas luteranas dos Estados Unidos, redundaria em um grande bem. Podiam assim dirigir os trabalhos daquele, que seria estimulado em sua tarefa melhor do que uma grande sociedade beneficente que tem cinquenta outras regiões para cuidar. Tal empresa é da mais imperiosa necessidade, não apenas por conservar viva a piedade evangélica, mas também tornar mais conhecida a cristandade protestante.

De volta ao hotel, verifiquei que uma grande cesta de orquídeas, das espécies mais raras, havia sido preparada por ordem minha, para eu mandar de presente a um bom amigo no Rio de Janeiro. As orquídeas, mais a cesta, custam apenas três dólares: na Inglaterra valeriam um preço fabuloso, considerando a mania que existe atualmente entre os horticultores nobres e reais por estes curiosos súditos do reino da flora. Podem ser facilmente transportadas por mar, se se tomar todo o cuidado a fim de evitar o contato com a água salgada. Soube de um naturalista, não muito longe do Rio, que mandava muitas vezes orquídeas para a Inglaterra.

O Brasil é extremamente rico em parasitas e plantas trepadeiras; mas nenhuma, entre a grande variedade delas, é mais graciosa do que a baunilha, encontrada em maior ou menor abundância, desde o extremo Norte do Império até à província de Santa Catarina. Sua pequena flor estrelada, sua linda folha, e sua deliciosa fragrância, tornam-na um objeto de beleza e admiração. Todavia, nunca pude compreender porque a fava da baunilha é importada para o Rio do México e da América Central, via Nova York, quando a própria planta é tão abundante no Brasil.

Deixei a colônia com sincero pesar, mas não podia permanecer por mais tempo e conhecer melhor o povo: de acordo com o anunciado, o vapor que me levaria de volta a Santos devia chegar na manhã seguinte. Assim, disse adeus às minhas amizades recentemente feitas e, depois de várias horas de duro remar numa estreita canoa, cheguei a São Francisco do Sul.

São Francisco do Sul

O vapor estava no porto no dia marcado, e passei o tempo muito agradavelmente com o sr. V. e alguns alemães, um dos quais era um jovem médico educado em Breslau, que estava para se retirar desgostoso da colônia e do Brasil. Certamente estava mais adaptado a uma sociedade já formada do que a uma em formação. Alegou, como sua principal razão, que o Brasil era um grande campo para o charlatanismo; os pretensiosos e espertos podem sempre substituir com vantagem os regular e cientificamente preparados.

Ele exemplificou com o caso de um barbeiro do exército de Schleswig-Hoktein, que emigrou para a nova província do Paraná e é agora o médico ali da mais alta reputação. Eu soube depois que esse ex-espadachim mostrara-se recentemente no teatro de Paranaguá tendo uma decoração brilhando-lhe no peito, dizendo que a mesma lhe fora conferida na Europa por seus distinguidos serviços cirúrgicos!

Meu amigo de Breslau era evidentemente um homem cultivado, e bem versado em sua profissão, mas a sua nostalgia foi sem dúvida o mal que o fez olhar tudo desvirtuadamente; duvido que encontrasse no continente ocidental um país onde o governo e a faculdade de Medicina sejam mais rigorosos do que no Brasil. Há charlatães bem-sucedidos debaixo das próprias vistas das escolas médicas de Paris, e não é portanto estranho que ocorram exemplos em um vasto e pouco populoso país.

Muitas vezes, deixando meus companheiros, perdia-me nos caminhos umbrosos que se encontram espalhados por toda a região, e aí podia estar tão retirado como se estivesse distante mil milhas da convivência dos homens. Um de meus passeios favoritos era às ruínas de um velho convento no alto de um morro coberto de trepadeiras, perto do qual estavam as novas fundações de um hospital mandado construir em obediência a um voto de alguma rica senhora de São Francisco: temo que tendo ela falecido, a sua obra piedosa esteja em breve nas mesmas condições da dos Jesuítas.

Em uma de minhas excursões, fiz uma visita à cadeia, cujo único ocupante era um alemão que, num acesso de raiva, atirou no diretor da colônia hamburguesa. Atualmente, é perfeitamente lícito, no Brasil, chamar um homem dos mais fortes qualificativos e enganá-lo tanto quanto se queira impunemente; mas atirar em um homem excede a todos os limites da tolerância, e a cadeia ou alguma outra pena será a consequência certa de tal ato. O prisioneiro parecia muito feliz, dadas as circunstâncias, tendo um quarto melhor do que o que ocupei em casa de herr Sneider, e perfeita liberdade para ir onde lhe aprouvesse, em certas horas do dia.

Da cadeia, entrei na grande igreja, situada perto do centro da vila. O soalho era todo construído de madeira, podendo ser levantado em seções, o que era sempre feito quando havia enterros. Aproximadamente há dois séculos, eram aqui enterrados os que morriam com a ardente esperança de serem levados mais depressa para o céu, por terem seus corpos no interior desses recintos feitos pela mão do homem.

Um velho negro estava cavando uma sepultura, e de cada vez que a sua pesada enxada (a pá é raramente usada) descia, esmagava ou quebrava cruelmente crânios e costelas e tudo que era frágil na nossa pobre compleição humana. Os fragmentos eram jogados fora como se fossem a terra comum.

Fui perturbado nas meditações sugeridas por essa cena, pelo gordo, alegre e arredondado padre, que, com sua face risonha, deu ordens, em voz alta e um tanto solene, a uma pessoa que estava segurando um caixão no centro da igreja. Era um pequenino caixão, embora suficientemente grande para a sua finalidade. Estava descoberto, e nele jazia, no descanso da morte, uma criancinha de doze meses. Um doce sorriso cobria a sua face; suas delicadas mãos estavam juntas, e seus olhos abertos brilhavam com uma expressão tão agradável, que pareciam estar contemplando o céu.

Dificilmente pude ver os ornamentos com que o corpo estava enfeitado. Três mulheres, cobertas de profundo luto, e com mantilhas do mais rico pano, caindo-lhe da cabeça até o chão, caminhavam arrastada e silenciosamente pela igreja, dando um aspecto lúgubre àquela inocente morte.

O sacerdote aproximou-se e saudou-me. Eu o conhecera logo que chegara ao lugar, e por isso animei-me em fazer algumas perguntas a respeito da criança. Informou-me que estava justamente preparando-se para dizer missa em sua intenção: eu, entretanto, lembrando as palavras do nosso Salvador, disse: "Destes é o reino do céu," e que o pequeno ser remido pelo Salvador, era já um anjo nos reinos da luz, e que não havia necessidade de dizer missa em sua intenção, mesmo deixando de lado a questão do direito de dizer missa para qualquer um. Ele replicou com um é verdade, senhor, mas, não obstante, continuou no seu trabalho — porque com isto receberia dinheiro — pois a igreja o ambiciona, e o homem procura novas invenções, ao invés de seguir os verdadeiros preceitos da verdade.

Depois de falar-lhe contra os enterros intermurais, espreitei um púlpito, e perguntei-lhe se ele pregava, respondeu-me: "Algumas vezes, especialmente nos dias Santos." A todas as minhas observações de apenas se dever pregar as verdades de Cristo, ele balanceava a cabeça, sorria, proferia muitos "é verdade" e "muito obrigado"; deixei-o, profundamente convencido que um terremoto moral seria necessário para sacudir a indiferença do clero brasileiro antes que as suas mentalidades se orientem como deve.

O vapor entrou na baía, e novamente levou-me em direção do Norte.

Província de Santa Catarina

A província de Santa Catarina, na qual a colônia de Dona Francisca está situada, é a maior das províncias do Sul do Império. Em fertilidade e salubridade não tem segunda. Seus recursos, no entanto, só têm sido desenvolvidos a apenas cinquenta ou sessenta milhas da costa: além disso, os índios ainda existem aí abundantemente, e no interior distante são combatíveis, e nutrem um ódio mortal pelo homem branco.

Mesmo assim, não quero dar através dessa narrativa a impressão de que a província é um medonho deserto, pois as cidades na costa do mar, as vilas, e as pequenas e florescentes plantações mais afastadas do litoral, e as numerosas colônias fundadas pelos governos imperial e provincial, por companhias particulares e por simples indivíduos, na faixa de terra que se estende do Rio São Francisco do Sul ao Mambituba, tudo fala de uma certa soma de civilização e progresso. A população está avaliada em noventa mil habitantes.

Desterro

A capital da província é muitas vezes chamada Santa Catarina, embora seu verdadeiro nome seja Nossa Senhora do Desterro. Está situada na ilha que dá o nome à província, e seu porto, embora pequeno, é comparado com o do Rio de Janeiro em excelência e beleza. Desterro
(N. E.: atual Florianópolis) é ponto de considerável comércio, embora os colonos não estejam empenhados em grandes operações agrícolas, como na província mais ao norte. O café que daqui se exporta goza de alta reputação, e é de superior qualidade.

A Ilha de Santa Catarina é montanhosa e lindamente arborizada, e o cenário que cerca a cidade do Desterro tem merecido os elogios de todos os viajantes que têm o privilégio de visitar essa pitoresca região. Um amigo que residiu muitos anos passados nas ilhas do Pacífico, ao visitar a de Santa Catarina, escreveu para casa suas impressões, declarando que o aspecto geral de tudo em volta dele, era tão semelhante ao dos ares do Sul, que se sentiu como que repentinamente transportado para lá e novamente vivendo as cenas que vivera anos passados.

E acrescentou: "As palmeiras, lançando seus plumosos galhos ao vento, as largas folhas das bananeiras sussurrando à brisa, o perfume das flores de laranjeiras e jasmins do Cabo, as canas-de-açúcar, os cafeeiros, os algodoeiros, as palmas-crísti e as goiabeiras, bem como as ligeiras canoas sobre as águas, e as rudes cabanas de vez em quando aparecendo nas praias — tudo me fez surgir na imaginação as Marquesas, a Sociedade, e as Ilhas Sandwich".

Há aqui um comércio em flores artificiais feitas de asas de escaravelho, escamas de peixe, conchas do mar e penas, que atraem a atenção de todo visitante. São feitas pelas mulheres de quase todas as classes, que assim conseguem não só dinheiro para seus alfinetes, como avultadas quantias no negócio. Os ornatos de colares e braceletes feitos com as escamas de um grande peixe não são apenas curiosos, mas extremamente lindos. Seu efeito à noite é o do mais brilhante colar de pérolas, e são tão superiores em esplendor às pequenas amostras de flores de escama de peixe, manufaturadas na Irlanda, e expostas no Sydenham Palace,
em Londres, como o diamante sobrepuja em resplendor o vidro lapidado.

Não apenas as flores e frutas tropicais são aqui encontradas em profusão, como também as mais finas hortaliças da Europa podem ser cultivadas perfeitamente; e, tal é a salubridade do ar, que Desterro é muitas vezes visitado por inválidos das províncias mais ao norte, e mesmo de regiões mais distantes.

A história natural de Santa Catarina é peculiarmente interessante. Entre as conchas que abundam na costa, há uma espécie de Murex, de cujo animal se pode extrair uma linda tinta vermelha. Mas são os domínios da entomologia que têm excitado a mais viva admiração dos naturalistas que visitaram a província.

As borboletas são as mais esplêndidas no mundo. Langsdorff diz que não são como os mansos e pequenos lepidópteros da Europa, que podem ser apanhados com um paninho de seda. Pelo contrário, elas se elevam no ar, com um voo pronto e rápido. Algumas vezes elas pousam e descansam nas flores no alto das árvores, e raramente arriscam-se ao alcance da mão. Parecem estar constantemente alerta e, para serem apanhadas deve ser no voo, por meio de uma rede presa na ponta de uma vara. Algumas espécies são observadas vivendo em sociedade, centenas e milhares algumas vezes encontradas juntas. Essas espécies geralmente preferem os lugares mais baixos e as margens dos rios. Quando uma delas é apanhada e fincada por um alfinete sobre o solo, bandos da mesma espécie se reúnem em redor dela, e podem ser apanhadas à vontade.

Minas de carvão

Tem-se propalado há muitos anos a existência de minas de carvão dentro dos limites desta província; mas, apesar de algumas pesquisas feitas por ordem do governo, ainda não foram feitas descobertas satisfatórias.

O dr. Parigot [T66] que estava empenhado em realizar tais pesquisas na província em 1841, informou a existência de um stratum carbonífero, de vinte a trinta milhas de largura e cerca de trezentas de comprimento, atravessando de norte a sul a província. O melhor veio de carvão que descobriu foi por ele declarado semibetuminoso, e situado entre espessas camadas de óxido hidratado de ferro e xisto betuminoso; mas até a presente época não se conhece nenhum resultado verdadeiramente animador dessas explorações.

Na província vizinha do Rio Grande do Sul, carvão de melhor qualidade, se bem que algum tanto argiloso, foi encontrado pela mesma época em um lugar chamado Herval, não distante de São Leopoldo. Mas, em 1861, a mais importante descoberta mineral feita no Brasil foi devida ao sr. Nathaniel Plant, no Rio Grande do Sul; e o nome de Candiota, ligado ao carvão, será tão famoso no Brasil, como Cardiff na Inglaterra. Para maiores informações sobre essa grande descoberta, veja-se o apêndice.

Província do Rio Grande do Sul

A província de São Pedro do Rio Grande do Sul (mais comumente conhecida simplesmente como Rio Grande do Sul) constitui o extremo Sul do Império do Brasil. É assim denominada por causa da primeira Igreja Paroquial de São Pedro, e do rio chamado Grande, (ver no mapa, Barra do Rio Grande), perto de cujas margens foi edificada.

Em muitos dos documentos oficiais do Império, esta província aparece como São Pedro, para distingui-la do Rio Grande do Norte. Pela salubridade do clima e fertilidade do solo, assemelha-se à República do Uruguai, com a qual confina. É admiravelmente adaptada à emigração europeia, e a mais bem-sucedida de todas as colônias estabelecidas pelo Governo Imperial é a de São Leopoldo, fundada em 1825, que hoje conta uma ativa e próspera população de mais de onze mil almas.

Todos os cereais e frutas da Europa Central podem ser cultivados nesta província, e outrora havia aí plantadas imensas quantidades de trigo não apenas suficientes para suprimentos locais, como para exportação. Este ramo da agricultura tem presentemente diminuído de tal forma que a farinha de trigo é, em grande escala, importada dos Estados Unidos.

Rebanhos e vaqueiros

A grande riqueza do Rio Grande do Sul consiste naquilo que outrora foi a fortuna dos patriarcas — rebanhos de ovelhas e de gado. Os gaúchos de Buenos Aires não são mais hábeis em montar a cavalo ou usar o laço do que os rio-grandenses, cuja ocupação desde a infância é cuidar da criação dos rebanhos de gado que erram pelas vastas campinas ou pradarias.

Avalia-se que na província do Rio Grande do Sul, não mencionando as terras de Santa Catarina e São Paulo que são dedicadas a mesmo fim, quinhentas mil cabeças de gado são anualmente mortas para fornecer couros e carne, enquanto outro tanto é mandado para o Norte para o consumo ordinário.

A maior parte da carne-seca, comumente comida em todo o Brasil, é aqui preparada. Depois de retirado o couro do boi, a carne é esfolada igualmente de cada lado do animal, em faixa de meia polegada de espessura. A carne é então, sob essa forma, estendida ao sol para secar. Muito pouco sal se emprega na sua conservação e, quando suficientemente curada, é embarcada para todas as províncias marítimas, e é a única forma pela qual se utiliza no país a carne de vaca conservada. Montões de carne-seca (que exalam um odor não muito agradável) jazem empilhadas, como lenha, nas casas de mantimentos do Rio de Janeiro.

No ano financeiro de 1853-54, o Rio Grande do Sul exportou quase $3.000.000 (dólares) em couros, chifres, peles e lãs, $1.000.000 dos quais foram importados pelos Estados Unidos.

O caráter do povo é um tanto peculiar, devido às circunstâncias do seu modo de viver. São geralmente altos, de aparência ativa e enérgica, com feições gentis, tendo a pele mais clara do que a que se encontra mais comumente entre os habitantes das regiões Norte do Império. Ambos os sexos estão acostumados, desde a infância, a montar a cavalo, e consequentemente adquirem grande habilidade no manejo destes nobres animais, com que realizam seus folguedos, fazem suas viagens e perseguem o gado selvagem nas planícies.

O uso do laço.

O uso do laço lhes é ensinado entre os primeiros exercícios da juventude, e isso é levado avante até adquirirem uma destreza quase inconcebível. Criancinhas, armadas de laços ou bolas, fazem guerra aos frangos, patos e gansos do terreiro, até que a ambição e a força os levem para um campo de atividade mais amplo.

Para a perseguição do gado bravio, os cavalos são admiravelmente adestrados, tanto assim que, quando o laço é atirado, sabem precisamente o que devem fazer. Algumas vezes, no caso de um animal furioso, o corredor estaca o cavalo e desmonta, enquanto o touro está puxando todo o comprimento da corda de couro cru.

O cavalo dá um giro em redor e entesa suas pernas para sustentar o choque que o impulso do animal capturado inevitavelmente lhe transmite. O touro, que não espera ser apanhado tão de repente, é atirado ao chão, enlaçado. Levantando-se, precipita-se sobre o cavalo para matá-lo; mas este conserva-se à distância, até que o touro, achando que nada poderá conseguir por esse lado, tenta fugir outra vez, mas a corda atira-o uma segunda vez ao chão. Assim o pobre animal é atormentado, até ficar inteiramente à mercê de seus perseguidores.

Não é apenas no Rio Grande do Sul ou São Paulo que cenas desta espécie podem ser observadas. Eram antigamente testemunhadas no próprio Rio de Janeiro. No matadouro público, situado na Praia da Ajuda, antes que os matadouros municipais fossem removidos para as espaçosas instalações de São Cristovão, grande quantidade de gado era diariamente abatido.

Entre as manadas de gado que chegavam à capital, dos distantes sertões, acontecia várias vezes vir um boi tão bravio e possante que não estava disposto a entregar a vida sem uma luta desesperada. Fugia de seu cercado e lançava-se pelas ruas da cidade, ameaçando destruir quem se opusesse à sua passagem. Um cavalo, aparelhado com sela e rédea, e com um laço amarrado a ele por uma forte cilha, estava sempre pronto para a emergência, e era logo utilizado para a perseguição do animal fugido.

A caçada era bem diversa em suas peripécias da que se faz em campo aberto; mas o interesse era o mesmo nas rápidas voltas das esquinas de ruas, no forte bater dos cascos no calçamento, e na rapidez com que se aglomeravam os espectadores. Em poucos momentos, geralmente, o laço se enrolava nos chifres do fugitivo, uma área ficava desembaraçada, e a cena acima descrita se passava, até que o boi desertor fosse morto no local ou conduzido em triunfo para o matadouro.

O laço, além disso, é de uso frequente no Campo de Santana, na mesma cidade, onde grandes tropas são frequentemente reunidas para a venda. O comprador tem apenas que indicar qual o animal que, na indômita multidão, ele gostaria de examinar, e o tropeiro prontamente o traz preso pelo focinho na extremidade de sua longa corda, com a qual o segura ou o conduz à vontade.

O Rio Grande do Sul era habitado no período colonial por duas características tribos de selvagens. Na parte Leste da atual província e em Santa Catarina estavam os Carijós, que diziam ser os mais humanos de todos os aborígenes, e eram os mais acessíveis aos costumes europeus.

Ao Norte do Rio Grande, estavam os Guaicurus — "cavalaria indígena" — assim chamada porque os portugueses encontraram-nos prontos a combatê-los a cavalo. Onde obtinham seus cavalos é um inexplicável mistério, mas provavelmente buscavam-nos ou entre os espanhóis na costa do Pacífico, ou em alguma das primitivas colônias do Prata. Tenho em minha posse uma velha gravura de Guaicurus atacando soldados, e sua posição na montaria lembra a dos selvagens Camanches do Novo México.

O Rio Grande do Sul é, em população e comércio, a quinta ou sexta província do Império. Até o rápido aumento da exportação do Pará, ocupava o quinto lugar.


O laço

Imagem: reprodução da página 52 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Antigas revoltas — Atual tranquilidade

Por uma série de anos, o Rio Grande esteve em rebelião aberta contra o governo imperial, fato esse a que já aludimos. O efeito dessas lutas foi a proclamação da liberdade dos escravos, por ambos os partidos, tanto assim que o número deles foi grandemente diminuído.

A proximidade dessa província em relação aos governos hispano-americanos, sem dúvida, muito contribuiu, antes que o Império do Brasil estivesse inteiramente consolidado, para imbuir-lhe de princípios republicanos, e julgou-se mesmo em certa época que o Rio Grande se separasse do Império e, como a Banda Oriental, ou Uruguai, (antigamente uma província do Brasil), se tornasse um Estado independente.

Mas, por generosas concessões e enérgicas medidas, o Rio Grande foi trazido à obediência, e hoje nenhuma de suas províncias irmãs excedem-na em lealdade para com o regime existente. Todavia, o Brasil, tomou medidas eficazes e preventivas para que seu limite Sul não seja por muito tempo perturbado.

O tirano Rosas [A44] foi derrubado com a cooperação do exército e da armada brasileira, e o Brasil está presentemente (1866) esforçando-se em conquistar a paz, derrubando um novo déspota, Lopez Junior. O Brasil está empenhado em uma justa guerra, embora por ele não desejada, e a queda do segundo Lopez produzirá um benefício tão grande como a vitória sobre esse outro perturbador da paz sul-americana — Rosas.


Notas do Autor

[A44] Tendo aqui aludido à parte que o Brasil tomou na queda dos Nero-Borgia do Novo Mundo, a nota seguinte de um livro do sr. Hadfield dará a ideia geral dos acontecimentos desenrolados na Confederação Argentina:

"
Em janeiro, de 1831, as províncias de Buenos Aires, Entre Rios, Corrientes e Santa Fé formaram entre si uma união federal, à qual todas as outras províncias posteriormente se vieram reunir. A união era uma aliança voluntária. Nenhuma constituição geral foi promulgada, e a adesão dos vários membros ficou para ser assegurada por aquele que viesse a obter a direção dos negócios.

Esta Confederação Argentina, como a República que a sucedeu, caiu logo em estado de anarquia; e antes da eleição do general Rosas como governador ou capitão geral, com quase absolutos poderes, em 1835, nem mesmo uma tranquilidade temporária pôde ser assegurada. Mas a crueldade e o despotismo assinalaram a sua passagem pelo poder e sua ambição, que continuamente o inspirava a estender o seu domínio sobre toda a região banhada pelo Prata e o Paraná, levou-o a entrar em luta com governos estrangeiros; e estes finalmente causaram a sua queda.

"Com a morte de Francia, ditador do Paraguai, Rosas recusou-se a reconhecer a independência desta nação, insistindo que ela deveria se unir à Confederação Argentina. Ao mesmo tempo, recusou-se a permitir a navegação do Paraná por navios destinados ao Paraguai.

Lopez, o novo ditador do Paraná, entretanto, entrou em aliança com a Banda Oriental, atualmente chamada Uruguai, com que Rosas estava em guerra. Essas forças apelaram para o auxílio do Brasil. A guerra se prolongou até que abrangeu todo o território de ambas as margens do Prata e do Paraná.

A Grã-Bretanha ofereceu sua mediação, mas foi rejeitada por Rosas. A Inglaterra e a França tentaram várias medidas junto a Rosas de 1845 a 1849, mas em vão. Com a final queda dos dois grandes poderosos em 1850, o Brasil decidiu uma interferência ativa. Em fins de 1850, o Brasil, o Uruguai e Paraguai assinaram um convênio, a que Corrientes e Entre Rios, representadas pelo general Urquiza, vieram se reunir, convênio pelo qual concordaram em continuar as hostilidades, até que tivessem efetuado a deposição de Rosas, "cujo poder e tirania" eles declaravam ser "incompatível com a paz e felicidade desta parte do mundo".

Imediatamente, na primavera de 1851, uma esquadra brasileira bloqueou Buenos Aires, e logo depois uma força argentina, comandada por Urquiza, atravessou o Uruguai. O general Oribe, que comandava o exército de Rosas em Montevidéu, capitulou. Seus soldados, pela maior parte reunidos ao exército de Urquiza que à frente de uma força, que se compunha, dizem, de setenta mil homens, atravessou o Prata, direção a Buenos Aires.

Uma batalha geral teve lugar nas planícies de Moron, a 2 de fevereiro de 1852, quando o exército de Rosas foi inteiramente destroçado. Rosas, que comandara em pessoa, conseguiu escapar do local e, disfarçado de camponês, chegou em segurança à casa do ministro britânico em Buenos Aires. Daí, com sua filha, seguiu a bordo do vapor H. B. M. Locust, e a 10 de fevereiro, viajava no vapor Conflict para a Inglaterra".

Nota de 1866 — A Guerra do Paraguai de 1865-66 — Em 1862, Lopez Senior, o segundo ditador do Paraguai, morreu. Em 1859, criara para o governo brasileiro dificuldades com a sua discordância para com os solenes tratados feitos em 1850, que garantiram o direito de trânsito para vapores que fossem para Mato Grosso, acima do rio Paraguai, e também por sua recusa de estabelecer a questão de limites entre o Paraguai e o Brasil. Assim tratava ele o poder que tinha salvo o Paraguai do tirano Rosas. As coisas se haviam arranjado porque o Brasil fez importantes esforços diplomáticos, acompanhados por uma enérgica demonstração de força.

Em 1862, Lopez morreu. O segundo assumiu o governo, e tornou-se o terceiro ditador do Paraguai. Enviou mecânicos para Europa, importou grandes quantidades de maquinaria e ferro, nominalmente para estrada de ferro de Assuncion a Vila Rica, mas na realidade, como mostraram os acontecimentos posteriores, para fins de guerra, quando começou a votar intenso ódio ao Brasil por supor que esse país, por intermédio do estadista Paranhos, estava interferindo nos negócios paraguaios.

Em 1863-64, a Banda Oriental, ou República do Uruguai, dividiu-se por lutas internas: aos blancos se opuseram os colorados, conduzidos pelo General Flores. Os cidadãos brasileiros no Uruguai, sofriam da parte dos blancos, e o Brasil viu-se compelido, depois de longos e pacíficos protestos, a enviar o vice-almirante visconde de Tamandaré, com a esquadra brasileira, para proteger seus cidadãos.

Isso, na verdade, foi feito para ajudar Flores e o governo do Uruguai a cair nas mãos dos colorados. Forçado a pegar em armas para proteger súditos seus no Uruguai contra o mau tratamento e extorsão, o governo brasileiro mostrava com a sua moderação, na hora do triunfo, que as práticas condiziam com as suas promessas, e que nenhuma ideia de conquista ou opressão se misturara à exigência de reparações que tinha por tanto tempo e em vão procurado conseguir por meios pacíficos.

Mas Lopez, antes que o partido blanco, caísse, dissera ao Brasil: "Se o Uruguai for atacado, eu vos atacarei". Isto foi um mero pretexto, como sua completa preparação o mostrava. No dia 13 de novembro de 1864, sem declaração de guerra, Lopez mandou apreender o navio mercante brasileiro Marquês de Olinda, que se dirigia a Mato Grosso, levando-o para Assunção, juntamente com seus passageiros, incluindo o presidente de Mato Grosso, e vários oficiais do exército e da marinha brasileira, que foram postos na prisão, onde estão até hoje (março de 1866).

O ministro brasileiro Vianna de Lima não pôde obter seu passaporte sem a intervenção do ministro dos Estados Unidos, sr. Washburn. Vapores paraguaios subiram, então, o rio, bombardearam e apoderaram-se de Coimbra, tomaram Albuquerque, Corumbá e outros pontos do Brasil, e cometeram grandes violências para com seus habitantes quase indefesos.

Mas o Brasil, como os corpos volumosos, move-se lentamente, e nesse ínterim Lopez (cujo objetivo teria sido assegurar a neutralidade da Confederação Argentina), sem julgamento e sem conhecimento da lei internacional, pediu que a Confederação Argentina desse passagem às armas paraguaias através do estado argentino de Corrientes. O presidente (Mitre) da Confederação respondeu: "Estamos em paz com o Brasil: não podemos fazer semelhante coisa". Em vista disso, Lopez apreendeu, sem declaração de guerra, vapores pertencentes à Confederação.

O Uruguai, a Confederação Argentina e o Brasil formaram então uma aliança, em virtude dos bons ofícios do enviado brasileiro, sr. Octaviano. Em 11 de junho de 1865, num certo ponto do Rio Paraná, não distante de Corrientes, teve lugar a primeira batalha naval entre paraguaios e brasileiros. Barroso comandava a frota brasileira. As desigualdades (em número de navios paraguaios e baterias de terra) eram contra os brasileiros; mas a vitória alcançada foi das mais brilhantes nos anais da América do Sul.

As tropas de Lopez tinham invadido Corrientes e o Rio Grande do Sul, mas foram destroçadas em Yaty (ou Ytati) no dia 17 de agosto de 1865, e em Uruguaiana (Rio Grande do Sul) no dia 18 de setembro de 1865, o imperador comandando em pessoa.

O grande conflito nas margens do Paraná e do Paraguai extinguirá sem dúvida para sempre o despotismo do Paraguai, que conservou um dos mais belos países do nosso globo como um Japão interno sem progresso nem desenvolvimento.

Nota do tradutor:

[T66] Julius Parigot, autor de Minas de Carvão de Pedra de Santa Catarina, 1841, e Memória sobre as Minas de Carvão de Pedra do Brasil, 1841.