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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CUBATÃO EM... - 1839 - BIBLIOTECA NM
1839-1855 - por Kidder e Fletcher - 17

Clique na imagem para ir ao índice do livroEm meados do século XIX, os missionários metodistas estadunidenses Daniel Parrish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901) percorreram extensamente o território brasileiro - passando inclusive por Santos e por Cubatão em 1839 (Kidder) e 1855 (Fletcher) -, fazendo anotações de viagem para o livro O Brasil e os Brasileiros, que teve sua primeira edição em 1857, no estado de Filadélfia/EUA.

Kidder fez suas explorações em duas viagens (de 1836 a 1842), e em 1845 publicou sua obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (leia), sendo seguido por Fletcher (a partir de 1851), que complementou suas anotações, resultando na obra O Brasil e os Brasileiros, com primeira edição inglesa em 1857 e sucessivamente reeditada.

Esta transcrição integral é baseada na primeira edição brasileira (1941, Coleção "Brasiliana", série 5ª, vol. 205), com tradução de Elias Dolianiti, revisão e notas de Edgard Süssekind de Mendonça, publicada pela Companhia Editora Nacional (de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre), publicada em forma digital (volume 1 e volume 2) no site Brasiliana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - acesso em 30/1/2013 - ortografia atualizada - páginas 19 a 34 do volume 2):

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O Brasil e os Brasileiros

Daniel Parrish Kidder/James Cooley Fletcher

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Subindo o Rio São Francisco do Sul

Imagem: reprodução da página 26 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Capítulo XVII

Província do Paraná

A província do Paraná, cujo porto principal, Paranaguá, acabáramos de deixar, merece ainda outras referências. Começou a sua existência independente como província no ano de 1853, embora já havia alguns anos tivessem sido discutidos na Assembleia Geral do Rio de Janeiro, projetos visando separar a comarca de Curitiba como província distinta de São Paulo. Quanto aos seus limites, são essencialmente os mesmos do antigo distrito de Curitiba.

Seu primeiro presidente, Zacarias de Goes e Vasconcelos, foi ministro da Marinha em 1852-53, e é um dos exemplos frequentes no Brasil de um homem moço que, subindo rapidamente pelo seu talento, atingiu as mais altas posições oficiais. É provavelmente o mais jovem de todos os que têm sido chamados a ocupar um lugar no Gabinete Imperial, onde, por sua eloquência e pela presteza de suas respostas (pois os ministros são interpelados como antigamente na França e como presentemente na Inglaterra), elevou-se a um eminente lugar entre os homens de estado do Brasil.

Em 1854, abriu pela primeira vez as sessões da Assembleia Provincial do Paraná, e seus Relatórios (mensagens) desse e dos seguintes anos, que tenho diante de mim, demonstram habilidade e capacidade de estudos.

Avalia a população em 62 mil habitantes, apenas um sexto da qual é composta de escravos; se suas estatísticas são exatas, a província do Paraná deve gozar de uma salubridade acima da de qualquer outra parte do mundo — os nascimentos excedendo os falecimentos de duzentos a trezentos por cento.

Insiste junto aos legisladores pelo dever de tornar a educação primária muito mais obrigatória do que é. A instrução primária, insiste ele, é mais do que um mero direito da criança, um dever cumprido para com ela; é uma rigorosa obrigação. É assim que vós (os deputados) deveis considerá-la e providenciar sobre ela na legislação da nova província.

O povo toma a si a obrigação de se vacinar. Responde sem falta a esse apelo, pois a vacinação é um preservativo contra a peste fatal.

Ora, a instrução primária é, por assim dizer, uma vacina moral, que preserva o povo da pior das pestes — a ignorância — dessas ideias erradas que abaixam o homem ao nível do bruto, e que o transformam no pronto e fácil instrumento do roubo, do assassínio, da revolução, enfim, de todo mal".

A educação primária é mais: é uma espécie de batismo, com o qual o homem é regenerado da triste ignorância em que nasceu, e faz verdadeiramente sua entrada na sociedade civil e no gozo dos direitos e privilégios que são a sua herança".

Quando levamos em conta o que pensa o Catolicismo Romano a respeito do batismo, podemos avaliar a força das palavras do sr. Zacarias.

O presidente não limitou sua atenção à instrução da juventude, mas as suas observações relativas aos vários ramos da agricultura, mostram ser ele um homem de largas vistas, e que se mostra tão resolvido a combater a indolência como a ignorância. Alude ao fato de que o trigo foi antigamente, não apenas um artigo de cultura na fértil comarca de Curitiba, mas também de exportação.

Esse ramo da agricultura está presentemente quase abandonado e, segundo seus relatórios, isto se deu porque grande parte da população fugiu ao trabalho exigido pela produção dos cereais, e corre para as florestas virgens, onde tirando as folhas sempre verdes e os tenros galhos da Ilex Paraguayensis, converteram-nos facilmente na popular beberagem sul-americana conhecida como a yerba mate ou "erva paraguaia", acumulando assim fortunas ou obtendo o necessário para o seu sustento sem a intervenção de uma perseverante indústria e grandes esforços.

O mate

Grandes quantidades dessa espécie de chá são anualmente exportadas da província do Paraná. O sr. Zacarias não precisaria mandar arrancar do solo a ílex produtora do chá para conseguir os mesmos resultados do enérgico marquês de Pombal quando, para conseguir o intento que tinha em vista mandou destruir, no século passado, as vinhas de Portugal; desejou apenas controlar a sua colheita, para moderar as inclinações e as causas que levaram o povo a se ocupar em tal ramo de trabalho que o ocupa por alguns meses apenas e depois o deixa indolente durante o resto do ano.

O mate do Paraguai, sem dúvida devido a um preconceito, é considerado superior em qualidade ao do Paraná; mas os habitantes do interior das nações vizinhas preferem este àquele, pois estão acostumados a usar a beberagem sem açúcar; enquanto na cidade de Buenos Aires e Montevidéu o primeiro é o favorito, e é quase sempre adoçado antes do consumo.

No interior da província de São Paulo, depois da minha visita a Santa Catarina, encontrei um médico americano, homem de grande experiência e conhecimentos científicos, que fixou sua residência na América do Sul com o propósito de realizar pesquisas nos domínios da sua ciência favorita, a botânica.

No decorrer de muitas interessantes conversações que tive com ele, a respeito das várias riquezas vegetais e maravilhas das regiões que visitávamos, não fiquei pouco satisfeito verificando que ele estava perfeitamente ao par do modo de preparação, bem como da classe e família a que pertence a planta em questão.

Mate, como já tenho dito é o nome do artigo preparado da árvore ou arbusto comumente conhecida pelos botânicos como Ilex paraguayensis. É classificada por Von Martius como pertencendo à família das Rhamnéas, dando-lhe o nome científico de Cassine congonha. Os espanhóis a denominam usualmente Yerba de Paraguai ou mate.

Quando estive em Paranaguá, observei muitas peles de couro cru, que os pretos estavam descarregando das mulas ou transportando para os navios ancorados na linda baía. Indagando dos mesmos, soube que esses fardos, pesando cerca de cento e vinte libras cada um, continham mate.

Essa substância, tão pouco conhecida fora da América do Sul, forma em verdade a principal beberagem refrigerante dos hispano-americanos ao Sul do Equador, e milhões de dólares são anualmente gastos em Buenos Aires, Bolívia, Peru e Chile no seu consumo. Esta cidade de Paranaguá, com apenas cerca de três mil habitantes, exporta cada ano mate no valor quase de um milhão de dólares.

No Brasil e no Paraguai, o mate pode ser colhido durante todo o ano. Os interessados vão para a floresta, ou lugares onde ele é abundante, e quebram os seus galhos juntamente com as folhas. Um processo de secagem ao forno é empregado nas matas, e depois os galhos e folhas são transportados para um tosco moinho onde, pela força da água, são triturados em pilões.

A substância, depois dessa operação, fica quase reduzida a pó, embora pequenas hastes, despojadas de suas cascas, sejam toleradas na mistura. Por este simples processo, o mate é preparado para o mercado. A preparação da bebida é igualmente simples. Uma pequena quantidade das folhas, com ou sem açúcar, é colocada em uma cuia comum, sobre a qual se derrama água fria. Depois de algum tempo, adiciona-se água fervendo, e está pronto para o uso.

Os americanos que visitaram Buenos Aires ou Montevidéu podem lembrar-se de ter visto, numa bela tarde de verão, os habitantes dessa parte do mundo, empenhados em chupar, através de longos tubos metidos dentro de cuias de coco altamente ornamentadas, um líquido que, embora não tão saboroso como o julepo gelado, é certamente muito menos prejudicial.

Esses cidadãos de Montevidéu e Buenos Aires estavam saboreando em suas bombilhas, um refrescante gole de mate. Deve ser absorvido através do tubo, por causa das partículas de folha e hastes que flutuam na superfície do líquido. Este tubo tem um coador fino e globuloso na extremidade.

Grandes virtudes são atribuídas a esse chá. Substitui a carne e as bebidas. Os índios, que passam remando todo o dia, sentem-se imediatamente refrescados com um copo da erva misturada simplesmente com a água do rio. No Chile e no Peru o povo acredita que não podem passar sem ele, e muitas pessoas tomam-no a todas as horas do dia. Seu uso foi aprendido dos nativos; mas, tendo sido adotado, espalhou-se entre os espanhóis e portugueses, até que a procura do mate tornou-se tão grande que a erva do Paraguai tornou-se uma ocupação para os índios dessa parte da América tão imperiosa como as minas e a pesca de pérolas em outras partes do mundo.

O mate cresce em estado selvagem, e nunca foi cultivado com sucesso, muito embora tenham sido feitas tentativas pelos jesuítas do Paraguai de transplantá-lo das florestas para as suas plantações. Tais tentativas foram consideradas por muitos como infrutíferas; todavia, há outros que consideram que a experiência justifica novos esforços, e que já está tardando o dia da domesticação, por assim dizer, e da cultura, do mate por um processo regular.

O que mais me surpreendeu porém na conversa do doutor, foi a afirmação de que um arbusto similar a Ilex paraguayensis era natural dos Estados Unidos, e que o cozimento de suas folhas e galhos estava sendo atualmente usado como beberagem na região onde a planta dá.

A vida do meu interlocutor tem sido cheia de aventuras em várias partes do globo; quando era mais jovem, vagou por todos os estados do Sul e do Oeste dos Estados Unidos, procurando a planta silvestre que era vulgarmente suposta causar a doença ali conhecida por milk-sickness. Embora não encontrasse a causa dessa doença, que tem prejudicado tantos negócios nas cidades e vilas do Oeste (dos Estados Unidos), fez conhecimento de uma pequena árvore da Carolina do Norte, com cuias folhas muitos dos habitantes do velho Estado do Norte fazem chá. Se bem me lembro informou-me ele que era a Ilex euponia; mas os cientistas que me leem não me devem responsabilizar por esse nome, pois meu caderno de notas pode me ter possivelmente traído.

Alguns anos depois, o dr. F... estava aqui, no mais esplêndido campo de ação para um botânico no mundo — neste Sul do Brasil, cuja magnífica flora tem sido uma fonte virgem de satisfação para todos os felizes continuadores de Linnaeus que nele puderam penetrar. No decorrer de suas excursões, o dr. F... encontrou a Ilex Paraguayensis, e imediatamente saudou-a como sua velha conhecida da Carolina do Norte (apenas um pouco modificada).

Passados alguns meses, visitou Paranaguá e ficou quase tão surpreso diante de outra descoberta que, desta vez, não foi, porém nos domínios da botânica. Encontrou, nessa parte remota do Brasil, uma mulher americana empenhada na agradável arte de preparar feijões e toucinho para os nacionais e estrangeiros que frequentavam o seu estabelecimento. Em conversa com o dr. F. referindo-se ao mate, ela disse: "Pois fique sabendo dr., que isto é o mesmo truck que usamos na Carolina para fazer chá". Eis uma mais admirável confirmação das verdadeiras conclusões da ciência.

Ora, se essa árvore ou arbusto realmente existe em abundância na Califórnia do Norte, porque os seus cidadãos não tomam a iniciativa de somar o mate às suas exportações (que são, como vem declarado em qualquer geografia, alcatrão, fumo, terebintina e madeiras)? O Brasil e o Paraguai estão recolhendo milhões de dólares de um arbusto que cresce espontaneamente, e o assunto merece realmente ser estudado nos Estados Unidos.

Província de Santa Catarina

Voltando da jovem província do Paraná, a nossa atenção será agora dirigida para a província de Santa Catarina.

São Francisco é uma antiga cidade que, evidentemente, teve melhores dias. A chegada de um estrangeiro, com uma profissão tão singular como a que tenho, produziu sensação na sociedade habitualmente estagnada desta parte Norte da província de Santa Catarina. Todas as pessoas desocupadas, conservadoras, e mesmo alguns homens de negócio, e até mesmo o padre, vieram ver os novos livros. O sacerdote não encontrou objeção para fazer, e não se havia passado duas horas e já os tinha todos distribuídos, fazendo em seguida os meus preparativos para subir o Rio São Francisco do Sul, até as colônias alemãs e francesas, fundadas nas terras que pertenceram ao Príncipe de Joinville.

Entrementes, na companhia do sr. V. e de dois novos conhecidos, ambos alemães, demos uma volta pela cidade, que está lindamente situada na ilha separada do continente apenas por um pequeno estreito. Diante de nós estendia-se uma baía de três milhas de largura e seis de comprimento. É bem protegida do oceano, e nela deságua o Rio São Francisco do Sul, que corre das montanhas que erguem seus verdes cumes muito ao longe.

Essa escarpada serra, em sua maior altura, tem mais de quatro mil pés acima do nível do mar, e da sua raiz no interior até à rica planície em que está situada Curitiba, há uma elevação gradual de vinte milhas. Com uma população ativa, essa região que, no que respeita à fertilidade e ao clima é uma das melhores do mundo — teria uma cultura florescente não excedida pelos ricos campos da Lombardia ou pelas plantações modelo de Midlothian.

Havia grandes esperanças, no começo deste século, de que São Francisco do Sul se tornaria um florescente mercado, em virtude da estrada que veio abrir as altas planícies ao comércio da baía de São Francisco. Além disso, houve grande atividade nessa época, consistindo a principal ocupação dos habitantes na construção de navios e no corte de madeiras.

Embarcações de grandes dimensões foram antigamente construídas em São Francisco, bem como navios costeiros, por ordem de negociantes do Rio, Bahia, e Pernambuco. A madeira usada era tão forte, segurando o ferro tão firmemente, que os navios construídos com ela eram da mais durável qualidade, e mais estimados pelos portugueses e espanhóis do que os construídos na Europa.

Em 1808, o sr. Mawe, um dos primeiros viajantes ingleses no Brasil, escreveu que, por causa de sua construção de navios, "o porto de São Francisco do Sul é provável que se torne um porto de considerável valor para o Brasil; e se fosse ligado a Curitiba, cujo gado é julgado superior ao do Rio Grande, havia toda a probabilidade de que, em dia não muito distante, a frota portuguesa viesse aportar aqui para se suprir de provisões salgadas."

Quando contemplava as sossegadas ruas de São Francisco — quando observava a sua baía privada de qualquer navio que não fossem os pequeninos costeiros, e os seus estaleiros, ativos em tempos passados, com apenas duas pequenas chalupas de mandioca em conserto — pensei quanta diferença havia entre a realidade do presente e as considerações de meio século passado relativas à atividade comercial e o futuro progresso desta cidade, situada nas águas da Babitonga, nome pelo qual a baía era conhecida dos indígenas. Pensava-se que o estabelecimento de uma colônia de europeus na vizinhança da decadente cidade a faria ressurgir; mas até aqui não se deu tal resultado, e temo que muitos anos se passarão ainda, sem que isto se venha a dar.

Determinei partir para a colônia muito cedo na manhã seguinte, e para este fim, o sr. V. procurou uma canoa que pertencia a um corpulento escravo que desfrutava do nome apropriado de José Grande. Depois do anoitecer, o africano apareceu, e ficou estabelecido que iniciaríamos nossa caminhada às três e meia da manhã.

O sr. V. sentiu que as condições da sua pensão o impediam de me oferecer hospitalidade, mas recomendou-me um hotel ou, mais propriamente falando, uma regular estalagem da roça, que havia há pouco sido aberta por um alemão, da colônia de Dona Francisca. A minha experiência nesse estabelecimento foi, então, relatada em carta a um amigo do Rio.

Colonização alemã

"Herr Sneider, o meu hospedeiro, e toda a sua família falam dificilmente outra língua que não o alemão, e de inglês e português apenas sabiam dizer yes e "sim, senhor". Diga-se de passagem, eu havia colhido, aqui e ali, certa quantidade de expressões dessa língua de Goethe e Schiller, tão dura de pronunciar que esqueci desde meus tempos de universidade em proveito das línguas do Sul da Europa.

Minha ceia foi perfeitamente alemã, pois terminou por cerveja que, na falta de cevada, é feita de arroz, abundante nesta zona. Tendo terminado minha refeição, dei ordens para que, como tivessem preparado ceia suficiente para três homens, o resto fosse guardado para o meu almoço no dia seguinte, na canoa, pois seria demasiado cedo almoçar na pensão antes de embarcar.

"Fizemos então uma sociedade de ensino mútuo — uma troca de inglês e alemão. Quantos alunos ao todo não sei dizer; mas certo número de sadias e jovens frauleins de dezenove anos ou menos, juntamente com alguns robustos e rosados rapazes. Há tanto tempo não via crianças de olhos azuis e cabelos louros, que foi para mim uma curiosidade. Tendo ocasião de ver o sr. V. antes de me retirar, disse-lhes: vou agora para a casa do sr. V., quando voltar, desejo ter um quarto grande e uma cama boa e limpa. Um empregado da pensão informou-me que eu seria perfeitamente bem acomodado.

Quando entrei novamente em casa de herr Sneider, disseram-me que meu quarto estava pronto, e declarando ser minha intenção ir para a cama, toda a família — herr Sneider, frau Sneider, frauleins Sneider, e os rapazes — com espanto meu, seguiram-me ao apartamento, procedimento esse que não imaginava, por não parecer próprio tendo em vista a parte feminina do acompanhamento. Contudo, deixei-me conduzir aos meus apartamentos, pois estava ansioso por conhecê-los.

A minha expectativa foi correspondida no que dizia respeito ao tamanho do quarto; mas, desgraçadamente, a minha cama não era a única pois havia quatro ou cinco outras, ocupadas com pessoas que roncavam. Decidi ser agradável e não fazer queixas, pois certamente meus limpos lençóis compensariam um pouco o excesso da companhia. Mas, puxando para baixo o cobertor, verifiquei que era um acolchoado de plumas feito para o inverno prussiano. Estes alemães, quando deixam a terra natal, não conhecem região onde o inverno e a neve pudessem ser estranhos.

Descobri também que, em vez do bom, saudável e duro colchão brasileiro, havia um segundo e imenso acolchoado de penas; e eu devia meter-me entre os dois. Quando pude tirar os olhos do primeiro, dei com meus limpos lençóis da cor do sujo algodão de Minas que tão abundantemente (ou escassamente, conforme o caso) veste os escravos por toda a extensão do Império. Uma inspeção mais acurada esclareceu-me que eles haviam tido dias mais alvos e tinham também travado conhecimento com muitos outros locatários.

Resolvi, entretanto, passar por cima de tudo isso, esperando que me deixassem dormir, mas o fato é que o acompanhamento que me levara ao quarto não se ia embora. Um jovem alemão que vendia material para navios tinha sua cama no mesmo quarto e, sem cerimônia, começou a despir-se diante dos presentes. Semelhante coisa eu não conseguiria fazer, sentei-me e comecei a ler. Finalmente a família deixou-nos com muitos schlafen Sie wohl.

Tendo lido à vontade, resolvi meter-me na cama, protegido por um par de calções (não esqueci os lençóis) que, passado alguns momentos, pareceram-me um tanto desconfortáveis num leito com cobertas de penas, e atirei-o do lado. Mas esta operação causou ao meu companheiro, o jovem vendedor, sérias apreensões; pois, ouvindo-me dar voltas na cama no escuro, e supondo-me doente, gritou pela família, e a cena que se seguiu foi de fato indescritível: somente o lápis de Rembrandt podia pintar a profundeza da sombra e o rico claro-escuro, e o de Teniers as feições rosadas e alegres do grupo de jovens alemães que despertaram para ver o que acontecera com o americano, que por este tempo estava comodamente escondido em sua cama e quase estourando de rir.

"Dormi muito mal, e às três e meia horas ouvi os pesados passos de José Grande. Seguindo-o através da profunda escuridão que nos rodeava (pois dera permissão a um alegre alemão para ir comigo), entramos na canoa, que foi logo empurrada para a costa, e fomos impelidos por José até Dona Francisca. O jovem alemão e eu íamos sentados no fundo da estreita embarcação.

"A manhã estava escura e brumosa, e um sentimento de solidão se apoderou de mim enquanto eu ouvia o gotejar dos pingos da chuva e o barulho dos remos, perturbando o silêncio opressivo. Pensei nos que me são caros, agora separados de mim por milhares de milhas de oceano; mas senti-me menos só quando preferi uma oração em sua intenção e senti em meu coração o sempre animado sentimento do pobre Pringle:

"A still small voice comes through the wild,
(Like e father consoling his fretful child,)
Which banishes bitterness, wrath, and fear,
Saying, "Man is distant, but God is near!
"

"Tentei dormir, mas foi impossível; e passadas três horas, disse para José, "Vamos almoçar ". Ao abrir a sacola, encontrei dois pratos, dois pedaços de carne, e — nada mais — nem mesmo uma faca ou um garfo; mas, como não sou leão, nem abutre, nem sequer um gaúcho de Corrientes, não podia almoçar somente carne.

A chuva tinha cessado, e propus ao José desembarcar e comprar alguma coisa numa das casas de fazenda, da costa. "Não tem nada, não senhor", foi a grave resposta de José. Não obstante isso, a meu pedido, entrou numa linda enseada, ao sopé de uma montanha, e saiu a negociar. Voltou logo, acompanhado por um rapaz de aparência doentia, trazendo laranjas, bananas e farinha para quatro homens.

O jovem alemão e eu começamos a comer enquanto os fortes braços de José nos impeliam sobre as águas espelhantes. No Rio de Janeiro presenciei muitas vezes os escravos nos botes fartando-se com atirar farinha dentro da boca; mas nunca imaginaria então que haveria de empregar meus dedos em semelhante ofício. Devo admitir, todavia, que nem havia graça nem destreza de minha parte; pois minha face tornou-se empoeirada com os esforços de comer farinha à la Brésilienne.

Tínhamos um outro companheiro de viagem mas este não comia. Velha e fiel mala! Que descrições poderias dar da Europa, América (Norte e Sul) e das ilhas africanas! — que cenas não testemunhaste em três zonas, nos Oceanos Atllântico e Pacífico, no Estreito de Magalhães e no istmo do Panamá, no Golfo do México e, finalmente, no Rio São Francisco do Sul! Cada vez que te abro, e vejo impresso "W. S. Chase, fabricantes de malas e arreios, Providence, R. I.", meus pensamentos voltam ao passado, e evocam o luminoso dia de verão em que te comprei, na véspera de minha primeira viagem "pelos longínquos mares". Evocas-me um punhado de lembranças,

"the fond recollections of former years,
And the shadows of things that have long since fled
Flit over the brain like the ghots of the dead
".

Envio-lhe um desenho que fiz de mim próprio e dos meus companheiros de viagem. Lembram (na verdade, muito de longe) uma mistura de Gainsborough e Turner, com um leve complemento de Wilkie e Kenny Meadows".

O rio se foi estreitando, e a cada momento grandes aves aquáticas se espantavam com as nossas vozes e com as pancadas dos remos. Ora um lindo e branco ibis, ora uma garça real azul ou um bando de saltitantes grous. Do intrincado dos mangues e das matas mais distantes podíamos ouvir o som da "araponga", por vezes impertinente e por vezes musicalmente solene, fazendo o ar vibrar com a sua nota peculiar e solitária.

Ouvi frequentemente o grito dessa ave em minhas viagens por diferentes partes do Brasil, mas nunca tivera a boa sorte de ver uma delas sequer e tal só se deu na província de São Paulo. O som que a araponga (que doce onomatopeia indígena!) emite, varia pouco, mas pode-se sempre dizer que é metálico. Ouvido de longe não parece muito com o badalar de um sino; mas, quando a distância não abranda a cadência, semelha mais o bater do malho na bigorna ou o limar de um pedaço de ferro. Ouvi-lo em uma floresta brasileira ao meio-dia, retinindo seu lúgubre dobre, quando todos os outros cantores estão mudos, nos predispõe poderosamente.

"To musing and dark melancholy."

Diz Wallace, em sua descrição das regiões amazônicas: "Tivemos a boa fortuna um dia, de topar com um pequeno bando dos raros e curiosos pássaros sinos (Casmarhynchos carunculata), mas estavam em uma árvore muito espessa e alta, e voaram antes que pudéssemos atirar neles. Embora estivessem eles numa floresta cerca de quatro milhas distante, voltamos novamente no dia seguinte, e encontramo-los comendo na mesma árvore, mas não tivemos melhor sucesso. No terceiro dia, voltamos ao mesmo lugar, mas desta vez não os vimos mais.

O pássaro é de cor branca, do tamanho de um melro, tem um bico largo, e come frutas. Da base do bico para cima, cresce um tubérculo carnudo, de duas ou três polegadas de comprimento da espessura de uma pena de tubo para escrever, parcamente revestido de diminutas penas; é bem frouxo, e pende para baixo, de um dos lados da cabeça do animal. O pássaro é notável por sua nota retumbante, alta e nítida — tal como um sino — que ele emite ao meio-dia, quando a maioria dos demais pássaros se conservam silenciosos."

Waterton, em suas excursões por Demerara, alude muitas vezes ao campanero (araponga). Em uma passagem, diz ele: "
Nunca deixa de atrair a atenção do viajante: a uma distância de quase três milhas pode-se ouvir este pássaro, da brancura da neve, soar cada quatro ou cinco minutos, como o distante sino de um convento. Das seis às nove da manhã, as florestas ressoam com os misturados sons das representantes do mundo das penas; depois cessam gradualmente. Das onze às três, toda a natureza está tranquila no silêncio da meia-noite, e raramente uma nota é ouvida, exceto a do campanero."

Nenhum pássaro tem sido mais mal representado pelos artistas do que a araponga. O erro provém de copiarem-no de espécimes empalhados. A ilustração que damos junto é uma das muitas que representam a araponga com um chifre rijo, de estilo unicórnio. O corpo está aceitável, mas o apêndice rinócero discorda totalmente do natural.

Fui surpreendido pelo fato de que, embora as aves aquáticas ficassem a princípio sobressaltadas pela nossa presença, não pareciam ter muito medo. Batiam suas grandes asas e moviam-se lentamente alguns passos longe de nós, e rapidamente retomavam a sua antiga posição.

A nossa canoa caminhava para a frente, com as vigorosas remadas de José. O cenário era ainda mais maravilhoso e lindo. Um fundo de altas montanhas era prefaciado por suaves eminências e por uma margem coberta de matas verde-claras. Até o corpulento africano, que ninguém teria suspeitado que tivesse gosto para apreciar esses lindos cenários, exclamava, de vez em quando, "É muito bonito senhor!" Diga-se de passagem: José deu-me a conhecer a ideia que fazia dos protestantes; pessoas que não foram batizadas e destinadas ao inferno.

Joinville

Depois de algumas horas de remagem, o rio tornou-se extremamente estreito, tanto assim que as árvores, com suas ricas parasitas, dobravam-se por sobre as nossas cabeças. Já nos encontrávamos próximos da nova vila de Joinvile, na colônia de Dona Francisca. Saltamos em terra, amarramos nossa canoa a um tronco de árvore recentemente caída, e viajamos sobre — ou antes, dentro de uma estrada encharcada como uma esponja dentro d'água.

O lugar em que nos achávamos era, na verdade, o início de uma nova cidade no deserto, — casas fincadas no recesso de matas e abundância de lama e de criança; mas, não fosse a diversidade da flora, ter-me-ia acreditado para lá do Missouri, nos limites de Kansas. Por todos os lados a floresta, e aqui e ali uma clareira, no centro da qual estava a cabana de um colono. O tamanho e o aspecto novo das casas, as árvores derrubadas, as trilhas enlameadas, a aparência geral de tudo, recordava-me uma colônia pioneira no Oeste. Era curioso ver homens do Reno, e alguns dos arredores de Berlim, plantados aqui entre matas virgens, em cabanas da mais rude construção, cobertas com folhas de palmeira.

O "Hotel" de herr Palma era o meu alvo, e nele me aguardava uma cordial acolhida; as cartas do sr. V., somadas à perspectiva de tirar lucro do estrangeiro, contribuíram para isso. Os alemães não podem esquecer sua terra natal; e um golpe de vista mostrou-me que, embora o trabalho pesado deva necessariamente ser o regime da manhã, da tarde e da noite do colono nessas matas, mesmo assim ali estavam todas as instalações para as diversões — um salão de baile e estrado para a orquestra. O meu hospedeiro mandou chamar imediatamente o professor, para que eu pudesse receber todas as homenagens e provas de distinta consideração da vila
[A43].


Nota do Autor

[A43] Nota de 1866 — Relativamente à emigração do Sul dos Estados Unidos, insiro aqui a circular publicada pelo sr. Galvão, o agente oficial no Rio, e referendada pelo cônsul geral brasileiro em Nova York:

"
EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

"O Governo Imperial olha com simpatia e interesse a emigração americana para o Brasil, e está resolvido a dar-lhe a mais favorável consideração. Os emigrantes acharão uma abundância de terras férteis, adequadas para a cultura de algodão, cana-de-açúcar, café, fumo, arroz, etc.. Estas terras estão situadas nas províncias do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro; e cada emigrante pode escolher suas próprias terras.

Logo que o emigrante tenha escolhido sua terra, será essa medida pelo governo e dada posse em pagamento do preço estipulado. Terras desocupadas serão vendidas ao preço de 23, 46, 70 ou 90 centavos por acre, a serem pagos antes de tomar posse, ou vendidas por tempo limitado de cinco anos, pagando os emigrantes seis por cento de juros anualmente, e recebendo o título da propriedade, somente depois de ter pago a terra vendida.

As leis em vigor concedem muitos favores aos emigrantes, tais como isenção de direitos de importação sobre todos os objetos de uso pessoal, utensílios de comércio e utensílios de agricultura e maquinaria. Os emigrantes gozarão, sob a Constituição do Império de todos os direitos e liberdades civis, que pertencem aos brasileiros natos. Eles gozarão da liberdade de consciência em assuntos religiosos, e não serão importunados por suas crenças religiosas. Os emigrantes podem tornar-se cidadãos naturalizados depois de dois anos de residência no Império, e estarão isentos de todos os deveres militares exceto a Guarda Nacional (milícia) na municipalidade.

Nenhum escravo pode ser importado para o Brasil de qualquer país. A emigração de agricultores e mecânicos é particularmente desejada. Bons engenheiros são procurados no Império. Há estradas de ferro em construção e outras em projeto: além disso há muitas estradas a serem construídas e rios para serem navegados.

À venda, à disposição dos emigrantes, terras das melhores qualidades, pertencentes a particulares. Essas terras, variando, em preço de $1.40 a $7.00 por acre, são próprias para a cultura de café, cana-de-açúcar, algodão, fumo, arroz, milho, etc., e podem ser obtidas em todas as condições, desde a floresta virgem até terras em estado de serem cultivadas".