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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS 1888/89
Interesses paulistas: separar do Império?

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No final da Monarquia, em Santos, as campanhas abolicionista e republicana eram na prática uma só, com os mesmos personagens, nos mesmos locais, simultâneas. Se o trabalho dos abolicionistas terminou em maio de 1888, com as festas pela promulgação da Lei Áurea, o dos republicanos se completou um ano e meio depois, com a Proclamação da República.

Essa relação próxima entre as duas campanhas fica patente nesta mensagem publicada por um santista, no jornal paulistano Província de S. Paulo, na página 2 da edição de 22 de dezembro de 1887 (Acervo Estadão Digital - acesso em 25/1/2013 - ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da página 2 de A Província de S. Paulo de 22/12/1887

Interesses paulistas

A lavoura, a província e a separação

Fez espécie e teve o encontro da surpresa a ideia lembrada por um fazendeiro, aliás cidadão respeitável, de a lavoura paulista representar ao governo fluminense, pedindo providências concernentes ao problema servil.

Nota cômica a amenizar as agruras do primeiro ato do drama de autonomia, que começou a ser ensaiado pelos paulistas na assembleia de 15 de corrente, o inesperado alvitre, se captasse aderentes, parodiaria sofrivelmente o papel daqueles trácios que imploravam providências romanas, quando a grande cidade, incapaz de cuidar de si, entregava as águias decaídas ao comandante dos hérulos.

A província vive apesar do que paga; o império estrebucha, apesar do que recebe. Somente o espírito estranho ao meio que o cerca aconselhará que a primeira reclame proteção do segundo.

O autor de tão original projeto está distanciado do seu tempo. Manifesta um brasileirismo tombado felizmente em desuso.

Contra as leis gerais do estado, contra os interesses centralizadores, contra os cálculos dos políticos-chefes, contra o Brasil- falemos claro –, a lavoura paulista, classe essencialmente conservadora proclama que quer, independente do Executivo e do Moderador, das câmaras e dos tribunais, libertar escravos localizados em zona determinada, modificar o trabalho, regularizar o serviço, resolver o problema por sua conta e risco, atirando ao esquecimento as atribuições do governo geral.

O que é isso senão um aceitável e eloquente estado de revolta? Senão a antinomia entre o direito escrito e o fato vencedor? Senão a diversidade de direções constatada pela diferença de providências?

Não nos iludamos, pois: é a separação que principia. Deixam de compreendê-la os que, sem noção da atualidade, olham para o trono. A medicina centralista já não nos serve; despedida e bem remunerada, cedeu espaço ao tratamento provincial. S. Paulo não morrerá no cancro-escravidão.

Acresce que o império fez o que podia; providenciou, receitou de acordo com a sua capacidade: remeteu-nos 358 praças que por aí andam, deleitando os que apreciam as marchas militares e os toques de corneta.

O cão de fila descadeirado já deu o ronco que leva o susto aos passantes desprevenidos. O que mais exigem dele? Para quê aborrecê-lo com representações?

Outras províncias libertaram os seus escravos sem que a aspiração separatista sucedesse à vitória emancipadora. É exato, porém nessas províncias quase não havia lavoura e o preço da carne humana, em consequência do fechamento dos mercados do Sul, descera a ponto de não compensar os gastos com a própria subsistência do escravo.

Aqui e agora os fenômenos afastam-se dessa bitola; o escravo significa valor e obtém preço.

O absenteísmo do império busca, pois, outra explicação que não a que se aninha nas frases do unitarismo insustentável.

* * *

Há um ano, em polêmica que entretive com cavalheiro amigo e de mentalidade educada, terminei artigo sobre a independência de S. Paulo com a seguinte afirmativa; o que peço e desejo há de vir fatalmente trazido pela lógica dos acontecimentos.

E estes não me desmentiram. Em prazo menos longo do que eu esperava, a classe mais acertadamente conservadora da província declara a incapacidade do governo brasileiro e delibera, com espanto da reportagem fluminense, em tribunal popular, em sessão pública, diante da polícia, a respeito de negócios que, por lei, competem ao rei, aos ministros, aos deputados e aos senadores!

Dentro em um ano o assunto estará praticamente esgotado. A lavoura paulista terá cumprido o seu dever.

Chegará então a vez de aparecer a segunda classe conservador – o comércio.
Já no horizonte político do país delineava-se o problema da segregação da renda, mais importante, mais difícil, mais carregado de consequências do que a questão do trabalho que lhe é conexa. O Rio Grande assevera que dispõe de força para bater vinte impérios; o Pará vocifera contra o polvo central; em toda a parte os homens observadores sentem quanto o Brasil tem de provisório; a impaciência é unânime contra o prolongamento de uma véspera que já não se justifica.

Em S. Paulo o comércio há de desvendar a dificuldade; há de vencer o pleito com a mesma galhardia com que a lavoura está procedendo nas circunstâncias atuais.

E o império trêmulo, calado, com toda a hipocrisia de uma decadência mascarada pela ganância, semelhante àquele indolente de que nos fala Zimmermann, que parece ocupado e nada faz, que caminha sem sair do lugar, sofrerá cabisbaixo a segregação de renda como sofre hoje em silêncio a emancipação dos escravos paulistas.

Que há de fazer o infeliz? Como reagir? Pois ousará a decrepitude doutrinar a mocidade? Tentará a caduquice subordinar a altivez?

S. Paulo é a colonização italiana; o império é a perspectiva da imigração chinesa.
S. Paulo é a zona temperada; o império é o Senegal do novo continente.

S. Paulo é a renda; o império é o déficit.

Nós somos a produção, a seriedade, o trabalho; ele é o imposto indireto, o desfalque, o parlamentarismo.

Nós somos uma pátria que se organiza; ele é um falido hipotecado ao acionista inglês.

Nós somos S. Paulo; ele é o Egito.

* * *

- Basta de tréguas! – tal se traduz o grito de guerra que o procedimento da lavoura representa perante a inércia dos ministros.

Desde 1866 discute-se o elemento servil, e o governo geral o que tem feito?

Promulgou-se a lei de 28 de setembro para sofismá-la na execução, adotou a Lei Saraiva e, com espantoso esforço, conseguiu regulamentá-la, tirando um ano de liberdade à desventurada raça escrava; atacou a independência do Poder Judiciário, rasgando-lhe as decisões relativas à filiação desconhecida; e, para cúmulo de perfídia, mandou que presidentes brasileiros autorizassem a matrícula de escravos chegados a S. Paulo, depois da lei que lhes vedava a entrada!

Porque os negros fogem das fazendas, não se queixe o império dos abolicionistas. Queixe-se de si, de sua deslealdade, de seus caprichos.

Não se irrite contra os fazendeiros paulistas. Eles estão cansados de esperar o resultado dos estudos que o chefe do gabinete anunciou que ia iniciar um pouco fora de tempo.

* * *

Quem há três anos procurasse reunir fazendeiros para libertarem escravos seria apupado entusiasticamente.

Hoje…

Todas as transições sociais seguem caminho predeterminado pelos princípios da sociologia. Os agitadores não são os organizadores. A vanguarda raras vezes dura até o fim da batalha.

O separatismo, entende o senador Godoy, é o recurso dos políticos sem paciência, a birra dos que aspiram ao poder, que tarda.

Atrapalhou-se s. excia. no exame do assunto. Nenhum separatista sincero procura ou aceita carreira dentro dos limites da atualidade política. Convença-se de que o império não esmigalhou todos os caráteres; saiba que ainda o patriotismo não subsidiado perdura em alguns corações nesta terra paulista, onde tantos nomes desarmam a calúnia.

Esperemos três anos. E enquanto corre este prazo medite o meu distinto e posicionado patrício a respeito dos seguintes casos: a pequenez da próxima safra de café, o aumento dos impostos gerais, as novas tarifas e os próximos empréstimos.

Medite, e prepare a atenção para examinar os protestos do comércio.

Medite, e não se zangue quando sua terra lhe ofertar uma cadeira no futuro senado.

Medite, e estude desde agora os agradecimentos aos meus prováveis aplausos quando, cedendo posição aos mais capazes, eu felicitá-lo, vendo-o contribuir para o estabelecimento de uma pátria mais barata, mais limpa e mais briosa do que esta cujos titulares recebem do imperador itinerante e bem pago a qualificação de "loucos soltos".

Santos, 18 de dezembro.
Nemo.


Imagem: reprodução parcial da página 2 de A Província de S. Paulo de 22/12/1887

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