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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1587 - BIBLIOTECA NM
1587 - Notícia do Brasil - [I - 19]

Clique na imagem para voltar ao índice desta obraEscrita em 1587 pelo colono Gabriel Soares de Souza, essa obra chegou ao eminente historiador Francisco Adolpho de Varnhagen por cópias que confrontou em 1851, para tentar restabelecer o texto original desaparecido, como cita na introdução de seus estudos e comentários. Em 1974, foi editada com o mesmo nome original, Notícia do Brasil, com extensas notas de importantes pesquisadores. Mais recentemente, o site Domínio Público apresentou uma versão da obra, com algumas falhas de digitalização e reconhecimento ótico de caracteres (OCR).

Por isso, Novo Milênio fez um cotejo daquela versão digital com a de 1974 e com o exemplar cedido em maio de 2010 para digitalização, pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá. Este exemplar corresponde à terceira edição (Companhia Editora Nacional, 1938, volume 117 da série 5ª da Brasiliana - Biblioteca Pedagógica Brasileira), com os comentários de Varnhagen. Foi feita ainda alguma atualização ortográfica:

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Tratado descritivo do Brasil em 1587

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Trecho do capítulo, na edição de 1938 da Biblioteca Pública Alberto Sousa

PRIMEIRA PARTE - ROTEIRO GERAL DA COSTA BRASÍLICA

Capítulo XIX

Que trata de quem são estes caetés, que foram moradores na costa de Pernambuco.

Parece que não é bem que passemos adiante do Rio de São Francisco sem dizermos que gentio é este caeté, que tanto mal tem feito aos portugueses nesta costa, o que agora cabe dizer deles.

Este gentio, nos primeiros anos da conquista deste estado do Brasil, senhoreou desta costa da boca do Rio de São Francisco até o Rio Paraíba, onde sempre teve guerra cruel com os potiguares, e se matavam e comiam uns aos outros em vingança de seus ódios, para execução da qual entravam muitas vezes pela terra dos potiguares e lhes faziam muito dano. Da banda do Rio de São Francisco guerreavam estes potiguares em suas embarcações com os tupinambás, que viviam de outra parte do rio, em cuja terra entravam a fazer seus saltos, onde cativavam muitos, que comiam sem lhes perdoar.

As embarcações de que este gentio usava, eram de uma palha comprida como a das esteiras de tábua que fazem em Santarém, a que eles chamam periperi, a qual palha fazem em molhos muito apertados, com umas varas como vime, a que eles chamam timbós, que são muito brandas e rijas, e com estes molhos atados em umas varas grossas faziam uma feição de embarcações, em que cabiam dez a doze índios, que se remavam muito bem, e nelas guerreavam com os tupinambás neste Rio de São Francisco, e se faziam uns a outros muito dano. E aconteceu por muitas vezes fazerem os caetés desta palha tamanhas embarcações que vinham nelas ao longo da costa fazer seus saltos aos tupinambás junto da Bahia, que são cinqüenta léguas.

Pela parte do sertão, confinava este gentio com os tapuias e tupinaés, e se faziam cruéis guerras, para cujas aldeias ordinariamente havia fronteiros, que as corriam e salteavam. E quando os caetés matavam, ou cativavam alguns contrários destes, tinham-no por mor honra, que não quando faziam outro tanto aos potiguares nem aos tupinambás. Este gentio é da mesma cor baça, e tem a vida e costumes dos potiguares e a mesma língua, que é em tudo como a dos tupinambás, em cujo título se dirá muito de suas gentilidades.

São estes caetés mui belicosos e guerreiros, mas mui atraiçoados, e sem nenhuma fé nem verdade, o qual fez os danos que fica declarado à gente da nau do bispo, a Duarte Coelho, e a muitos navios e caravelões que se perderam nesta costa, dos quais não escapou pessoa nenhuma, que não matassem e comessem, cujos danos Deus não permitiu que durassem mais tempo; mas ordenou de os destruir desta maneira.

Confederaram-se os tupinambás seus vizinhos com os tupinaés pelo sertão, e ajuntaram-se uns com os outros pela banda de cima, de onde os tapuias também apertavam estes caetés, e deram-lhe nas costas, e de tal feição os apertaram, que os fizeram descer todos para baixo, junto do mar, onde os acabaram de desbaratar; e os que não puderam fugir para a serra do Aquetiba, não escaparam de mortos ou cativos. Destes cativos iam comendo os vencedores quando queriam fazer suas festas, e venderam deles aos moradores de Pernambuco e aos da Bahia infinidade de escravos a troco de qualquer coisa, ao que iam ordinariamente caravelões de resgate, e todos vinham carregados desta gente, a qual Duarte Coelho de Albuquerque por sua parte acabou de desbaratar.

E desta maneira se consumiu este gentio, do qual não há agora senão o que se lançou muito pela terra adentro, ou se misturou com seus contrários sendo seus escravos, ou se aliaram por ordem de seus casamentos. Por natureza, são estes caetés grandes músicos e amigos de bailar, são grandes pescadores de linha e nadadores; também são mui cruéis uns para os outros para se venderem, o pai aos filhos, os irmãos e parentes uns aos outros; e de maneira são cruéis, que aconteceu o ano de 1571 no Rio de São Francisco estando nele algumas embarcações da Bahia resgatando com este gentio, em uma de Rodrigo Martins estavam alguns escravos resgatados, em que entrava uma índia caeté, a qual enfadada de lhe chorar uma criança sua filha a lançou no rio, onde andou de baixo para cima um pedaço sem se afogar, até que de outra embarcação se lançou um índio a nado, por mandado de seu senhor, que a foi tirar, onde a batizaram e durou depois alguns dias.

E como no título dos tupinambás se conta por extenso a vida e costumes, que toca a maior parte do gentio que vive na costa do Brasil, temos que basta o que está dito até agora dos caetés.