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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - II GUERRA
Santos na II Guerra Mundial (4)

Sociedades secretas também praticaram atos terroristas em Santos, numa tentativa de desmentir que o Japão tivesse perdido a Segunda Grande Guerra
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A Segunda Guerra Mundial foi traumática para os santistas, que temiam ataques por submarinos alemães ao porto e pela aviação nazista à Usina Henry Borden ou à própria cidade. Japoneses, italianos e alemães tiveram de deixar a região às pressas, pelo receio que colaborassem com seus países de origem, então inimigos do Brasil. E a cidade também compareceu com sua cota de sacrifício humano e material para o esforço de guerra brasileiro, enviando seus pracinhas para o combate nos campos de batalha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália.

Mas, após o anúncio da vitória dos Aliados sobre as nações do Eixo, grupos de japoneses formaram sociedades secretas que apelaram para a falsificação e a violência, numa tentativa de provar que o Japão estava vencendo a guerra e que as notícias do fim do conflito não eram verdadeiras. No jornal santista A Tribuna, em 26 de outubro de 1946, há um amplo noticiário na última página sobre as atividades de uma dessas organizações secretas, a Shindo Remmei.

O tema - que ainda carece de análises mais aprofundadas pelos historiadores - foi tratado por Fábio Galvão, em artigo publicado no CD-ROM II Guerra Mundial, editado em São Paulo em 1995 pela revista Neo Interativa, com materiais da Agência Estado e do jornal Estado de Minas):


Tela do CD-ROM II Guerra Mundial

Perseguição aos japoneses, alemães e italianos

As colônias dos povos cujos países entraram em guerra contra os aliados sofreram uma série de violências no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Lojas, clubes, jornais e associações foram fechados. O clube Germânia teve que trocar o nome para Espéria e o Palestra Itália passou a se chamar Sociedade Esportiva Palmeiras [*].

Segundo o escritor Handa Tomoo, autor de O Imigrante Japonês: História de sua Vida no Brasil, a colônia japonesa foi sofrendo um aumento gradativo de dificuldades na medida em que a guerra se aproximava. Em julho de 1933, a Lei dos 2% restringia a entrada de japoneses no Brasil a 2% do total nos últimos 50 anos. Ao todo, 219 escolas foram fechadas e professores que não falavam o português passaram a ser proibidos de lecionar japonês. Até calendários comerciais não podiam apresentar caracteres em japonês.

A reunião de mais de cinco pessoas dessas colônias nas ruas era proibida e ocorreu invasão sistemática de residências em bairros orientais, onde eram confiscados rádios, através dos quais os imigrantes sintonizavam a Rádio de Tóquio.

Em 1943, cerca de 10 mil famílias descendentes de japoneses e alemães que habitavam o litoral paulista foram obrigadas a mudar-se para o interior de São Paulo. Em agosto de 1945 o Imperador Hiroito reconheceu a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, mas não foi essa a versão que chegou aos japoneses no Brasil. Inconformadas com a derrota, as sociedades secretas nipônicas, especialmente a Shindo-Renmei e a Liga do Caminho dos Súditos, utilizaram todos os meios, até o assassinato dos considerados "derrotistas", para tentar convencer a colônia de que o Japão vencera.

Em agosto de 1945, após a rendição, japonesa chora 
ao receber a notícia da morte de seu filho em combate
Foto: História do Século 20, vol. 5 (1942/1956), Ed. Abril Cultural, São Paulo/SP, 1975

Fotomontagens, panfletos, jornais mimeografados, estações de rádio clandestinas e atentados foram utilizados na tentativa de induzir os japoneses a acreditarem na vitória do Eixo. Entre março e agosto de 1946 foram registrados 37 atentados. Os assassinatos, no entanto, começaram no próprio ano da rendição. Em 4 de outubro de 1945, 38 dias depois da declaração da rendição de Hiroito, sete japoneses foram mortos. A primeira vítima foi o diretor da Cooperativa Agrícola de Bastos, Ikuta Mizobe. Ele havia traduzido para a comunidade instalada na pequena cidade do interior paulista os termos da rendição por entender que a notícia havia sido divulgada apenas pelos jornais brasileiros, sem penetração entre os japoneses.

Ao final da guerra proliferavam as sociedades secretas japonesas, como a Associação dos Ex-Militares Japoneses no Brasil (Zaihaku aigo Gunjin Kai) e a Liga pela Prática das Diretrizes do Imperador (Kodo Jissem Renmei), entre outras. A atividade desses grupos preocupou o governo brasileiro, que chegou a processá-las em 1950, em um inquérito que indiciou mais de mil pessoas e determinou a expulsão de 176. (Fábio Galvão).

[*] Sobre a denominação dos clubes, representantes do Arquivo Histórico do Clube Esperia enviaram em 10/8/2005 mensagem a Novo Milênio para "... esclarecer que no período da 2ª Guera Mundial o Clube Esperia teve seu nome mudado para Associação Desportiva Floresta, e o Clube Germânia, para Esporte Clube Pinheiros...".

Corrige-se assim a informação constante na matéria do CD-ROM II Guerra Mundial, acima transcrita, em que o Germânia teria passado à denominação Esperia. Os representantes do clube informam ainda que "... cerca de duas décadas depois a A. D. Floresta voltou ao nome de origem italiana, Clube Esperia, que permanece até os dias atuais".

No mesmo CD-ROM, outro artigo sobre o tema:


Tela do CD-ROM II Guerra Mundial

Shindo Remmei: os japoneses no pós-guerra

Por Celina Kuniyoshi (*)

No dia 14 de agosto de 1945, sob o impacto da destruição atômica de Hiroshima e Nagasaki, o Imperador Hirohito assinou o Rescrito Imperial pondo fim à guerra e comunicou aos governos da Inglaterra, Estados Unidos, China e União Soviética a aceitação dos termos da Declaração de Potsdan, de 26 de julho de 1945, entre os quais constam a rendição incondicional das forças armadas japonesas, a ocupação do território nipônico pelas forças aliadas e a limitação de sua soberania exclusivamente sobre o arquipélago do Japão.

No dia 15 de agosto de 1945, ao meio-dia, pela primeira vez, o povo japonês escutou pelo rádio a voz estridente e fina do imperador. Não se ouviu a palavra capitulação nem rendição incondicional uma única vez, embora fosse evidente que a nação estava sendo conclamada a aceitar a derrota" (Nakadate).

Espanto, consternação, tristeza, desilusão, abatimento, suicídios (hara-kiri). Esses foram os sentimentos e reações do povo japonês diante do fracasso do sonho da "Grande Ásia Oriental" e da queda do mito do "Imperador divino" e do "Japão invencível". E também alívio, pois a paz representava um paradeiro para as pesadas perdas humanas e materiais impostas pela guerra.

Cinqüenta anos após o fim do conflito mundial, lançamos nosso olhar para o passado e perscrutamos as emoções dos imigrantes japoneses e seus descendentes no Brasil. Como teriam recebido as duras notícias de agosto de 1945? Deram-lhes crédito, resignando-se à vida e trabalho em terras brasílicas? Ou revoltaram-se, exprimindo de diversos modos sua inconformidade?

Em setembro de 1945, uma estranha mobilização de japoneses pelo interior de São Paulo chamou a atenção das autoridades e policiais. Convergindo para o Estado, os nipônicos, carregando bandeiras de seu país, lotaram os hotéis pertencentes a seus patrícios. Diziam ter vindo recepcionar uma missão de conforto ou simpatia ou missão militar enviada pelo Japão para comunicar a vitória do País do Sol Nascente!

Por esse registro percebe-se o clima de irrealidade vivido pelos nipônicos no Brasil. Muitos deles passaram da tristeza profunda para um inusitado estado de euforia. O desejo de que a derrota não fosse real conseguiu travestir a notícia verdadeira em falsa. No lugar da verdade, que o Japão perdera a guerra - via-se apenas a propaganda do inimigo americano - a notícia da derrota japonesa era falsa e visava apenas enfraquecer o espírito nipônico.

Observa-se nessa controvérsia entre verdade e falsidade a manifestação das duas correntes de opinião em que se dividiu a colônia japonesa, no Brasil. De um lado os "derrotistas" (makegumi) ou "esclarecidos", isto é, aqueles que aceitaram a realidade da derrota procurando divulgá-la a seus compatriotas. No outro extremo, os "vitoristas" (kachigumi), que defendiam a crença na vitória do Japão, congregando-se em sociedades secretas que tinham por finalidade a conservação do espírito japonês, transmitidos principalmente pelo ensino da língua pátria e pela mística do imperador divinizado e da imbatividade do povo nipônico. Segundo as lendas difundidas pelos ultranacionalistas, o Japão nunca fora invadido porque contava com a proteção do "vento divino" (kamikaze) que soprava na hora certa afundando a tropa inimiga.

Das diversas sociedades secretas nipônicas fundadas durante a guerra e no pós-guerra, a Shindô Remmei (Liga do Caminho dos Súditos) e a Zaihaku Zaigô Gunjin-kai (Associação dos Ex-Militares Japoneses do Brasil) são as mais conhecidas.

A primeira, melhor organizada, expandiu-se com suas filiais pelo interior de São Paulo chegando até outros Estados. A radicalização de alguns dos dirigentes da Shindô Remmei propiciou o surgimento de ameaças de morte, atentados a bomba e, finalmente, assassinatos de japoneses "derrotistas" ou "esclarecidos". Nos últimos anos da guerra, elementos vinculados à organização secreta que deu origem a Shindô Remmei já haviam praticado atos de sabotagem a propriedades e lavouras pertencentes a nipônicos, sob a alegação de que a seda e o mentol eram exportados para os Estados Unidos, favorecendo a produção inimiga de pára-quedas e de explosivos, respectivamente.

A fanatização de membros da Shindô Remmei se materializou na formação de grupos de terroristas (por exemplo, Tokkôtai, Grupos Especiais de Ataque; Kessitai, Esquadrões Suicidas), que perpetraram o assassinato de várias lideranças "derrotistas", chamadas pejorativamente de "traidores" do Japão, "antipatriotas" ou "judeus", em especial as que tiveram a ousadia de assinar mensagem explicativa acompanhando o Rescrito Imperial de Hirohito, enviado pelo governo japonês aos súditos de além-mar, por intermédio da Cruz Vermelha Internacional.

Os resultados trágicos desse movimento terrorista foram 23 mortos e 86 feridos, totalizando 109 indivíduos atingidos brutalmente entre março de 1946 a janeiro de 1947. Desses, 66 pertenciam ao grupo dos "derrotistas" ou "esclarecidos" e 43 eram "vitoristas".

O inquérito policial aberto pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) ouviu milhares de pessoas, separando cerca de 600 que foram apontados à justiça como líderes terroristas. Para 81 japoneses foi pedida a pena de expulsão. Diversos documentos escritos em japonês foram apreendidos nas batidas policiais realizadas nas sedes das sociedades secretas e residências dos implicados nos crimes. Todo esse trabalho policial levou apenas 86 dias para ser concluído.

Chegando à Justiça, os 23 volumes do processo-crime permaneceram sem desfecho de 1950 até agosto de 1958, quando um dos advogados de defesa, alegando prescrição legal, obteve o benefício para todos os denunciados, do arquivamento do processo do Shindô Remmei. Mesmo assim, os "expulsandos" tiveram seus direitos políticos cassados e foram obrigados, durante anos, a comparecer à Delegacia, mensalmente, para assinar sua presença. Os implicados nas tentativas de homicídios foram julgados também pelo Tribunal Popular do Júri e condenados a dez anos ou mais de prisão.

Lembramos aqui que o inquérito policial levantou outros aspectos intervenientes na questão da Shindô Remmei, que também merecem ser examinados e analisados por pesquisadores: a ação de elementos japoneses que habilmente exploraram a ingenuidade de seus patrícios, vendendo-lhes terras em Cingapura, nas Filipinas etc., passagens de volta ao Japão e, ainda, dinheiro japonês (iene) desvalorizado. Para os "derrotistas" ou "esclarecidos", só os "traidores" seriam capazes de atos tão infames. Outro aspecto interessante a ser analisado é a atividade de deturpação do noticiário e das fotografias sobre a guerra a cargo de alguns membros da Shindô Remmei.

(*) Nakadate, Jouji. O Japão venceu os aliados na Segunda Guerra Mundial? O movimento social shindô remmei em São Paulo (1945/1949). Dissertação (mestrado). Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1988, 3v.

(*) Celina Kuniyoshi é historiadora pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e doutoranda no Departamento de História da mesma unidade.

O escritor Fernando Morais lançou em 2000 o livro Corações Sujos, publicado pela editora Companhia das Letras, sobre das atividades dos "kachigumi", os "vitoristas" da seita Shindo, que aterrorizavam os "makegumi" ou "derrotistas", também chamados "corações sujos" - daí o nome de seu livro -, contando que além de enviarem cartas sugerindo que seus adversários se suicidassem, escalavam matadores para executá-los. Com 100 mil sócios e 60 mil simpatizantes, totalizando 80% da comunidade japonesa no Brasil, a Shindo atuou em 1946 e 1947, matando 23 pessoas e ferindo outras 147.

Esses ativistas da Shindo chegaram a fraudar várias reportagens que tratavam da rendição japonesa na guerra, como relata Fernando Morais. Em artigo sobre o lançamento do livro, a revista semanal brasileira Veja reproduziu, em 22 de novembro de 2000, duas fotos da revista norte-americana Life fraudadas pela seita, para fingir que o Japão vencera a Segunda Guerra Mundial:

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