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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (A)
Uma cidade dormitório?

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas. É desse período esta matéria, publicada no Jornal da Tarde/O Estado de São Paulo em 2 de junho de 1978:
 

"É incontestável o rápido crescimento que vai tendo esse importante município. Sua população cresce e cada dia mais se ressente de casas: a cidade tende a estender-se necessariamente para o bairro do quartel e em direção à barra".
A observação é de Ignácio Wallace da Gama Cochrane, presidente da Câmara Municipal de Santos, em relatório enviado a São Paulo.
Data: 30/agosto/1873.

Santos: no futuro,
apenas uma cidade dormitório?

Texto de Oswaldo de Mello
e fotos de Araquém Alcântara

1978: a ilha de São Vicente, 55 quilômetros quadrados, 550 mil habitantes, está definitivamente ocupada. Suas duas cidades, São Vicente e Santos, que nos fins de semana das temporadas de férias recebem quase um milhão de turistas, são hoje o maior exemplo que se tem, no Brasil, da degradação urbana provocada pela expansão sem controle e criminosa.

Doze quilômetros de praias extremamente poluídas por coliformes fecais lançados ao mar por milhares de ligações clandestinas de esgotos, praias onde nem mesmo os moradores da ilha se arriscam mais a tomar banho; uma rede de esgotos superada há 40 anos e que só agora vem sendo atualizada, com a construção de um sistema de interceptadores e emissário submarino, sem data certa para entrar em funcionamento; a ameaça permanente de surtos epidêmicos gerados por essa poluição, sem que nenhum deles (hepatite, cólera, intoxicação alimentar causada por metais pesados) tenha sido confirmado até agora, embora médicos da cidade recomendem aos seus clientes que se afastem do mar da ilha.

São as ruas estreitas, insuficientes para dar vazão aos milhares de automóveis da sua população fixa e flutuante, que nas temporadas de verão ficam tão congestionadas como as ruas de São Paulo. É a parede de prédios que se estende ao longo de suas praias e que nos últimos anos vem avançando para os bairros internos, porque estão acabando os terrenos livres em frente ao mar. Prédios onde a maioria dos apartamentos permanece fechada oito meses por ano, pois seus proprietários residem em outras cidades. Apartamentos que vêm sendo colocados à venda e não encontram compradores, porque a ilha de São Vicente está em decadência como área de lazer para a classe média da Grande São Paulo.

São os 32 prédios tortos da orla da praia, ameaçando cair porque foram mal construídos, numa época de aventureirismo imobiliário, quando a qualidade das construções era menos importante que a quantidade - havia milhares de compradores à disposição, encantados com a possibilidade de terem um apartamento no litoral. É a falta de gêneros alimentícios de primeira necessidade nos bairros turísticos, nos meses de julho, dezembro, janeiro e fevereiro. O racionamento de água nos imensos condomínios da praia, onde os minúsculos apartamentos quarto-sala se enchem de pessoas. É a falta de espaço nas garagens desses prédios, porque nos anos loucos da especulação imobiliária os construtores não se preocupavam muito com esse detalhe, considerando que garagem encarece a obra.

São as seguidas e inexplicáveis mortandades de peixes, que provocam a queda imediata na comercialização do produto e vêm causando imensos prejuízos às muitas e tradicionais peixarias da ilha. É a falência de bares, restaurantes e hotéis, que a cada ano têm menos fregueses em condições de pagar os altos preços que os comerciantes se acostumaram a cobrar no tempo em que o turismo dessas cidades era tido como "elegante". É o aumento do número de turistas de baixa renda, classificados como "farofeiros" porque trazem sua própria comida de casa, não deixando dinheiro na cidade.

São os canais cheios de lixo e esgoto, cheirando a cloro, recurso que o serviço de saneamento da cidade passou a usar para neutralizar parte da poluição. São as enchentes que se repetem a cada chuva mais forte, porque os canais já não conseguem dar escoamento às águas pluviais, embora tenham sido construídos para esse fim. É a extinção dos últimos pescadores artesanais, que ainda insistem em sair para o mar poluído da baía, mas já não conseguem muitos peixes nem tantos fregueses quanto há 10, 15 anos.

É, agora, o início da ocupação definitiva dos morros, últimas áreas livres e arborizadas da ilha, onde a população, que era de 25 mi pessoas em 1968, já se aproxima dos 50 mil habitantes. Ali, ao lado da devastação provocada pela retirada de material para aterro sanitário dos trechos de mangue da parte plana da ilha, abrem-se estradas de interligação que vêm valorizando a área (8 quilômetros quadrados de morros), facilitando a implantação de novos loteamentos.

Prevê-se que dentro de mais duas ou três décadas Santos e São Vicente não passarão de cidades-dormitório, completamente tomadas por edifícios, repletas nos fins de semana, vazias de segunda a sexta-feira. Com a entrada em operação dos novos interceptores e do emissário submarino de esgotos, promete-se eliminar 80 por cento da poluição das águas da baía, mas pouca gente acredita que as praias voltem a ter a mesma freqüência dos primeiros anos da ocupação, quando ainda não se falava dos perigos da poluição.

No centro histórico de Santos e São Vicente, os locais onde essas cidades floresceram nas primeiras décadas de 1500, pouco ou nada restará da arquitetura que marcou os primeiros séculos da vida nesta ilha, porque as autoridades não se interessam por monumentos históricos, preferindo derrubá-los para o alargamento de ruas onde possam circular mais automóveis.

Acabaram-se os bondes, foram derrubados os antigos hotéis onde funcionavam cassinos que deram fama à ilha e, nos últimos anos, sem entenderem que o padrão do turismo de Santos e São Vicente vem (e continuará) caindo por culpa exclusiva da ocupação descontrolada de seu solo e da poluição de suas praias, os comerciantes protestam contra "as campanhas contra a Baixada Santista", as famílias tradicionais lamentam a destruição do passado, as autoridades não sabem o que fazer e pedem a ajuda da imprensa "para recuperar a imagem da região".

Esquecem-se de que, por culpa da má administração, da ganância imobiliária, dos interesses inconfessáveis, a paz de Santos e São Vicente está no fim. Lá, "prainha, shortinho, chinelinho, chopinho, solzinho" já não têm mais o romantismo de antigamente O turista está ficando exigente e seu destino, agora, são as praias ainda pouco degradadas dos litorais Norte e Sul.

História de uma cidade à procura do mar

Foi na segunda metade do século passado (N.E.: século XIX) que a ilha de São Vicente começou a sair do centro histórico, hoje ocupado por casas de comércio, financeiras, bancos, órgãos públicos, comissárias e corretoras de café, armazéns gerais, pequenos hotéis e pela "boca" que funciona na periferia do cais.

Naqueles anos, 1850, já havia um caminho estreito, por dentro do mato, atravessando rios e charcos, que levava à praia do Embaré (em tupi, "refere-se à propriedade dos banhos de mar tomados nesta praia, para cura de várias moléstias", conforme o historiador Francisco Martins dos Santos), nome de todo o trecho de areia hoje compreendido pelas praias do Aquário, Embaré, Boqueirão, Gonzaga, José Menino, Itararé. O velho "Caminho da Barra", seguindo o traçado das atuais ruas Brás Cubas, parte da avenida Washington Luiz, Luiz de Camões e Oswaldo Cruz, saía no local hoje ocupado pelo bairro do Boqueirão.

Santos despertava de uma longa estagnação colonial, reerguendo sua economia a partir do segundo ciclo açucareiro e do início do ciclo do café. Agora, na segunda metade do século XIX, a agricultura cafeeira florescia no interior de São Paulo, suplantando a açucareira, fazendo com que fazendeiros e comerciantes do porto de Santos passassem a se preocupar com uma ligação mais rápida entre o litoral e as zonas agrícolas. Estudava-se uma ferrovia, que foi logo construída (São Paulo Railway), fazendo novas fortunas e movimentando a vida da cidade.

A ocupação da ilha se expandia. O velho "Caminho da Barra" já não era suficiente para atender à movimentação de seus 3 mil habitantes, e um novo caminho foi aberto, mais largo, planejado para ser uma avenida, a Conselheiro Nébias, primeira da cidade. "Os novos ricos achavam muito chique ter uma chácara longe do centro histórico, embora permanecessem ainda morando ali", diz a professora Wilma Therezinha de Andrade, contando como as primeiras residências começaram a surgir no lado oposto ao centro histórico, em frente ao mar.

Vias perpendiculares à Conselheiro Nébias seguiam para as encostas dos morros. Era o "Caminho do Marapé", hoje ocupado pela rua Carvalho de Mendonça, que propiciou a formação dos bairros do Campo Grande, Vila Belmiro, Marapé, e facilitou a ocupação do morro da Nova Cintra. No sentido Leste da ilha, abriu-se o "Caminho do Barnabé", hoje avenida Epitácio Pessoa, formando a antiga Vila Santista e a Ponta da Praia. As chácaras, naqueles anos, ainda não tinham a frente de suas casas voltadas para o mar, "pois essa valorização da praia é recente. Quando as primeiras chácaras surgiram havia muito espaço, vegetação abundante, e o mar era apenas uma parte do conjunto natural", explica Wilma Therezinha.

Para facilitar o acesso à praia, foram criadas linhas de bonde, puxados a burro (a primeira começou a funcionar ao longo da conselheiro Nébias, no dia 7 de setembro de 1872). A faixa das praias já se transformava numa área de descanso e diversão. Em 1896, a Companhia Viação Paulista, que explorava os bondes a burro, construiu o Recreio Miramar, no bairro do Boqueirão, onde funcionavam bares, cinema ao ar livre, pistas de patinação, dança e depois um cassino: "Vá ao Miramar, mesmo que chova", era o slogan. Uma nova avenida, a Ana Costa, fora aberta: um novo caminho entre o centro histórico e o mar.

Parte das chácaras passou a ser vendida e, em frente à praia, começaram a surgir as mansões dos barões do café. O negócio cafeeiro continuava fazendo riquezas e a população de Santos, que no final da primeira metade do século passado (N.E.: século XIX) não era maior do que 6 mil habitantes, já atingia 30 mil pessoas. Não faltava trabalho: o porto se expandia, e desenvolviam-se diversas obras de saneamento para acabar com as epidemias que infestavam a ilha. Uma novidade surgiu: o bonde elétrico, que começou a funcionar a 28 de abril de 1909.

Primeiras décadas deste século (N.E.: XX), e a industrialização chegava a São Paulo, fazendo surgir uma nova classe média brasileira que descia de trem para passar os fins de semana em Santos. A primeira tentativa de especulação imobiliária se deu nessa época: um grupo de pessoas, entre as quais muitos comerciantes, solicitou o aforamento (posse) de toda a extensão de terra em frente ao mar, valendo-se da lei de Marinha que permite esse tipo de ocupação e vigora até hoje.

Vicente de Carvalho, o poeta, escreveu uma carta aberta denunciando a ameaça de se entregar aquelas terras (onde hoje estão os jardins da praia) a particulares interessados em loteá-las, e conseguiu que o presidente Epitácio Pessoa concedesse o aforamento à Câmara Municipal de Santos. Mesmo assim, a ocupação não parou: o primeiro edifício era construído em frente ao mar - Olympia, com cinco pavimentos, localizado no bairro do José Menino, em 1926.

Final da década de 30 e a crise da Bolsa de Nova Iorque atingiu o Brasil, que tinha nos Estados Unidos seu maior comprador de café. Barões foram à falência, chácaras passaram a ser loteadas, e os bairros trabalhadores de Santos continuavam em expansão ao longo dos velhos e novos caminhos de terra. A classe média paulista aumentava, descendo para aproveitar os benefícios medicinais das praias da ilha em número cada vez maior, e a década de 40 trouxe um novo meio de ligação com o planalto: a primeira pista da via Anchieta, inaugurada em 1947, que veio juntar-se à estrada do Mar (antiga estrada da Maioridade), pavimentada na década de 20.

Com essas facilidades, as primeiras linhas de ônibus entre São Paulo e Santos foram criadas, luxuosas para os padrões da época. Na praia, o primeiro prédio de 10 andares era erguido (Conde do Mar), esquina da avenida Bartolomeu de Gusmão com rua Oswaldo Cochrane, praia do Embaré) e se iniciava a "fase de ouro" da especulação imobiliária. Décadas de 50, 60 e o turismo (palavra nova para os moradores do Planalto que buscavam descanso no litoral) passava a ser importante fonte de renda para a Baixada. São Vicente, lado Oeste da ilha, se expandia; mansões eram transformadas em pensões; novos hotéis eram construídos.

Final da década de 60 e as cidades de São Vicente e Santos já contavam com 300 mil habitantes. O sistema de esgotos da ilha estava superado há duas décadas, levando para as praias as águas poluídas dos canais, onde iam parar as primeiras ligações clandestinas. Naqueles anos, as maiores empresas imobiliárias construíam até 60 prédios simultaneamente, muitos sem garagem, que eram vendidas à parte, a maioria sofrendo atrasos e até quatro reajustes de preço no tempo de desenvolvimento da obra, porque o País atravessava um período de violenta inflação, e os incorporadores trabalhavam com o dinheiro que recebiam da venda dos apartamentos.

A segunda pista da via Anchieta fora inaugurada, os bairros da área interna da ilha se enchiam de pequenos prédios de três e quatro andares, a poluição aumentava (embora ainda não fosse denunciada e discutida), os turistas desciam em massa para a Baixada, faltava água, recolhimento de lixo, transportes, locais para estacionamento.

Década de 70, e os bondes foram eliminados "porque atravancam a cidade", segundo explicação do general Clóvis Bandeira Brasil, interventor federal na cidade. Começou-se a falar em poluição: os canais cheiravam a esgoto, os comerciantes ficaram com medo de perder os turistas e inventaram "as campanhas contra a Baixada".

Março de 76 e a praia do Gonzaguinha, em São Vicente, era interditada com cordas pelo prefeito da cidade, Jorge Serra, devido à grande quantidade de coliformes fecais encontrados na água. A ilha entra em decadência.

Com a inauguração da rodovia dos Imigrantes, em 1976, facilitando ainda mais a descida de milhares de automóveis para a região, as praias dos litorais Norte e Sul passaram a ser mais procuradas pelos turistas. Santos e São Vicente sofrem outro baque: as conseqüências das restrições impostas pelo governo federal às importações, que esvaziam o porto de Santos. A ilha de São Vicente está ocupada e pobre.


Muitos edifícios, muitos automóveis, muitos turistas. E poucas condições de abrigar tudo isso
Fotos publicadas com a matéria. Legenda única das fotos conforme o original

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