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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - BIBLIOTECAClique na imagem para ir à página principal desta série
Jornada do Ipiranga (5)

A história do Patriarca da Independência e sua família

Esta é a transcrição da obra Os Andradas, publicada em 1922 por Alberto Sousa (Typographia Piratininga, São Paulo/SP) - acervo do historiador Waldir Rueda -, volume II, com ortografia atualizada (páginas 643 a 692):
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SEGUNDA PARTE - INDEPENDÊNCIA OU MORTE!

Capítulo II - A jornada do Ipiranga (cont.)

[...]

Apreciação do que se tem escrito a respeito do Grito do Ipiranga

Antes de narrarmos o que sucedeu na Capital de S. Paulo após o grito do Ipiranga, devemos entrar numa sumária apreciação dos escritos que, a respeito, nos legaram algumas testemunhas presenciais do grande evento.

Já dissemos que tais escritos se contradizem até em pontos essenciais, dificultando a tarefa de todos os modernos investigadores de nossa história. Quem primeiro traçou, em rápido bosquejo, a empolgante cena de 7 de setembro, foi o padre Belchior Pinheiro, pois que o seu trabalho saiu publicado em 1826, apenas quatro anos depois da memorável data. É por isso que lhe demos preferência nesta obra, pois a impressão dos fatos ainda recentes deveria achar-se bastante viva na sua recordação. Entretanto, o alferes Canto e Mello e o coronel Marcondes afastam-se da narrativa do padre Belchior em detalhes da mais evidente importância.

Diz este que foi quem leu, por ordem do príncipe, a correspondência urgente vinda do Rio; e após, trêmulo de indignação, perguntou-lhe d. Pedro o que devia fazer, ao que o interpelado respondeu-lhe como já vimos. Em seguida, acompanhado do mesmo padre, de Cordeiro, Bregaro, João Carlota e outros, entre os quais seu ajudante-de-ordens, por quem mandara avisar de sua resolução aos Dragões da Guarda, pôs-se à frente da comitiva, em caminho de S. Paulo.

O coronel Marcondes - quarenta anos depois - afirma que d. Pedro estava sozinho com ele quando recebeu "ofícios ou cartas por um próprio", dizendo-lhe, depois de lê-los, que as Cortes de Portugal queriam massacrar o Brasil.

Mais adiante, no terceiro quesito proposto por MELLO MORAES, quando indaga se foi o padre Belchior quem leu a correspondência e se o príncipe perguntou a este sacerdote o que devia fazer - já o coronel Marcondes manifestamente se contradiz, asseverando que ignorava completamente o que se passou nesse ato porque estava adiante do príncipe, isto é, a distância dele, quando lhe foram entregues os ofícios trazidos pelo major Cordeiro e Paulo Bregaro.

Aliás, na narrativa verbal que fez ao dr. JOÃO ROMEIRO e que este reproduziu em sua obra [1], o barão de Pindamonhangaba acha-se em contradição flagrante com a carta que mandou ao velho MELLO MORAES.

No relato verbal a que aludimos, diz ele que, tendo-se apartado de d. Pedro, por ordem sua, encaminhou-se, com a Guarda que comandava, para o Ipiranga, estacionando numa casinhola que lá existia à margem do riacho. Aí se achavam, quando se lhes aproximaram, vindos de S. Paulo, o major Cordeiro e Bregaro, à procura de d. Pedro, a cujo encontro se dirigiram os emissários "ficando nós ansiosos por sabermos do motivo que determinara tanta pressa". Poucos minutos depois, ao sinal dado pela sentinela, que ele, coronel Marcondes, postara em certa eminência do terreno, mandou formar a Guarda, pois que o príncipe a galope caminhava naquela direção.

"Vendo-o voltar-se para nosso lado, saímos ao seu encontro". Aí deu d. Pedro conhecimento do que se passava à sua Guarda e mais membros da comitiva, ansiosos por notícias; aí então é que ele declarou o Brasil separado de Portugal e soltou na solidão da colina o brado histórico de Independência ou Morte!

Ora, a versão oral refuta completamente a versão escrita: nesta, o coronel Marcondes diz que estava sozinho com d. Pedro, quando chegaram as cartas, e que a Guarda de Honra vinha mais atrás; naquela, ao contrário, conta-nos que não se achava presente quando Cordeiro e Bregaro entregaram a correspondência ao príncipe e que a referida Guarda, sempre obediente ao seu alto comando, marchara adiante, fora estacionar às margens do Ipiranga e só depois é que veio a saber das notícias do Rio.

Preferimos a versão transmitida oralmente pelo venerando paulista ao dr. ROMEIRO, por dois motivos: 1º) porque se concilia com a narração do padre Belchior, que é a que nos parece a mais fiel, pelas razões expostas; 2º) porque se concilia também com a resposta dada ao 3º quesito de MELLO MORAES, resposta essa que se choca flagrantemente com os pormenores descritos no quesito 1º, ambos da versão escrita.

Aliás, se a resposta ao 1º quesito fosse verdadeira, chegaríamos a conclusão contrária à que chegou o dr. ROMEIRO - quando, em contestação formal a todos os historiadores, assevera que quem comandava a Guarda de Honra era o coronel Marcondes. Ora, todos afirmam que quem a comandava era o coronel Gama Lobo (1º comandante) e que o coronel Marcondes era o 2º comandante. Pois bem: se este vinha sozinho com o príncipe e a Guarda ficara um pouco atrás, segue-se que não era ele quem a estava comandando no momento.

Já o relato de outra testemunha de vista, o ajudante-de-ordens Canto e Mello, difere dos outros dois, quanto à ocasião em que o grito da separação foi proferido. Ao passo que, para aquele, o príncipe recebeu as cartas, estando rodeado de alguns membros do séqüito, leu-as, comentou-as, manifestou suas intenções e só depois é que comunicou umas e outras aos Dragões e mais pessoas que às margens do Ipiranga o esperavam - para Canto e Mello a cena foi uma única e num só local: d. Pedro recebeu, abriu e leu a correspondência no alto da colina, a três quartos de légua da cidade, contou aos que o rodeavam aquilo que estava para acontecer; gritou - Independência ou Morte!; arrojou para longe o tope lusitano que no chapéu trazia e partiu para esta Capital a toda a velocidade.

Outra contradição entre os depoimentos dessas três testemunhas: o coronel Marcondes, em seu relato verbal, e o alferes Canto e Mello, depõem que o príncipe, depois de ter soltado o grito - Independência ou Morte!, é que embainhou a espada, que desembainhara entusiasticamente um pouco antes.

O padre Belchior, ao contrário, não se refere a esse vibrante brado teatral; conta-nos que o regente, já então diante da Guarda reunida, fez apenas estas falas: 1ª) "Amigos, as Cortes Portuguesas querem escravizar-nos e perseguem-nos. De hoje em diante as nossas relações estão quebradas. Nenhum laço nos une mais". E fazendo involuntariamente um trocadilho, com a última frase e o gesto imediato, arrancou do chapéu o laço português e atirou-o ao chão, bradando: 2ª) "Laços fora, soldados! Viva a Independência, a Liberdade e a Separação do Brasil!". Correspondidos os vivas, desembainhou a espada, e jurou: 3ª) "Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade do Brasil". Repetido o juramento pelos da comitiva, embainhou a espada, pôs-se à frente do séqüito, e, ficando de pé nos estribos, voltou-se e assim falou: 4ª) "Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será Independência ou Morte".

Dessas falas, a 1ª é uma simples comunicação preliminar; a 2ª é um brado - o único que ele soltou, mas onde não se vê Independência ou Morte; a 3ª é um juramento, e é só então que ele desembainha a espada para emprestar-lhe mais solenidade; e a 4ª, finalmente, é uma ordem, instituindo a divisa da nova Pátria; e ele a dá depois de ter reposto na bainha a espada.

Por conseguinte, ele somente puxou desta arma cavaleiresca na ocasião de prestar seu juramento em prol da nossa liberdade; e nem houve o grito de Independência ou Morte!, mas apenas o de viva a Independência, a liberdade e a separação do Brasil.

Entendemos que, ainda neste particular, é a narrativa do padre Belchior a mais verdadeira, não só - repetimo-lo  - por ter sido escrita logo depois de sucedidos os fatos, como também por outras razões que daremos quando tratarmos de saber se a resolução tomada no Ipiranga foi um ato espontâneo e inopinado do príncipe ou o remate final de uma deliberação definitivamente assentada no Rio por José Bonifácio, de combinação com dona Leopoldina, Martim Francisco e outros iniciados no movimento prestes a tocar ao termo.

***

A espontaneidade do gesto de d. Pedro

Aludimos à possibilidade de não ter sido o grito do Ipiranga o produto de uma exclusiva e inesperada resolução de d. Pedro - e é tempo de tratarmos deste importante objeto.

Diante dos fatos, das provas indiciárias colhidas com inteligência na letra dos documentos e de respeitáveis testemunhos - é para nós ponto indiscutível que d. Pedro, quando partiu de visita a esta Província, já estava deliberado a fazer a separação, ou por outra, era isto assunto assentado entre os promotores principais do movimento; e mais de um historiador inclina-se a pensar igualmente deste modo.

"Já se despediu quase resolvido a declarar a independência" - pronuncia-se VARNHAGEN [2], citando, em abono de sua opinião, a circular dirigida por José Bonifácio ao Corpo Diplomático, a 14 de agosto, com a qual lhe transmitia o manifesto do dia 6 aos governos das nações amigas.

A referida circular assim expressava, num só e longo período, que grifamos no trecho essencial, quais eram naquelas circunstâncias os intuitos do príncipe real: "Tendo o Brasil, que se considera tão livre como o Reino de Portugal, sacudido o jugo da sujeição e inferioridade com que o Reino irmão o pretendia escravizar, e passando a declarar solenemente a sua independência, e a exigir uma Assembléia Legislativa dentro do seu próprio território, com as mesmas atribuições que a de Lisboa, salvo, porém, a devida e decorosa união com todas as partes da grande família portuguesa e debaixo de um só chefe supremo, o senhor d. João VI, ora oprimido em Lisboa por uma facção desorganizadora e em estado de cativeiro, o que só bastava para que o Brasil não reconhecesse mais o Congresso de Lisboa, nem as ordens do seu Executivo, por serem forçadas e nulas por Direito; e devendo, para se evitar a queda da Monarquia e a confusão dos interregnos, devolver de toda a autoridade e plenitude de ação em S. A. R. o Príncipe Regente do Reino do Brasil, Herdeiro do Trono e legítimo Delegado de S. M., o qual tem, com efeito, a pedimento dos povos, reassumido toda a autoridade de sua Regência, para dela usar constitucionalmente, como tudo se acha expendido no Manifesto que o mesmo Augusto Senhor acaba de dirigir às Potências amigas: cumpre-me, por ordem de S. A. R., dar toda a publicidade à pureza e justiça de seus procedimentos, transmitir a V. Mercê o dito Manifesto, para o levar ao conhecimento de sua respectiva Corte, bem assim alguns outros impressos que lhe são relativos e servirão a ilustrá-lo" [3].

O documento prova que a independência era pensamento assentado nas altas esferas do Governo; e algumas restrições que a prudente linguagem de José Bonifácio estabelece na circular, quanto à fidelidade a d. João, o seu reconhecimento como Supremo Chefe dos dois reinos e a intenção de se manterem intactas e unas as diferentes partes da lusa monarquia, indicam bem que d. Pedro, por amor e respeito ao pai e à indivisibilidade do trono histórico, ainda nutria a ilusão de garantir-nos a independência sem atentar contra os direitos de Portugal e da dinastia de Bragança a esta porção de seu vasto patrimônio territorial.

O primeiro-ministro contemporizava com essas ilusões, transigia com as inveteradas tendências do príncipe opinioso para não perder a cartada quando o momento oportuno finalmente aparecesse.

Também o ilustre sr. OLIVEIRA LIMA [4] pensa da mesma forma que VARNHAGEN, quando assevera que, ao encetar d. Pedro a jornada para S. Paulo, "a separação estava, teórica e praticamente, deliberada, restando apenas a formalidade do seu anúncio, isto é, a ocasião que qualquer nova pressão devia produzir". E registra a opinião dos que pensam que José Bonifácio, ao insistir com d. Pedro para vir a S. Paulo restabelecer a harmonia política desfeita, não escondia o desejo de ver proclamada em sua província natal, que tanto amava, a independência do povo brasileiro.

Além disso, era conveniente, à união das várias províncias em torno do centro fluminense, que o fato se desse fora dele como espontânea manifestação de causas e sentimentos nascidos n'alma d'outros povos,  evitando-se destarte que a preponderância da Corte na evolução nacional continuasse a provocar atritos e rivalidades entre ela e as referidas províncias. Proclamada a independência em território paulista, não haveria a repetição das velhas queixas de que o Rio pretendia, em tudo e por tudo, absorver a direção geral dos negócios do País e exercer uma inaceitável hegemonia sobre as províncias co-irmãs.

Igualmente opina o ilustrado ROCHA POMBO, na sua obra principal [5], que a "independência, já de fato estabelecida, só precisava de um ato solene que a fizesse de direito. Com toda a segurança e decisão preparara José Bonifácio esse ato... Quer ele assegurar para S. Paulo a glória de ser o teatro da augusta cerimônia - ... por um capricho de seu coração desejava que isto se desse lá na terra de seu nascimento"...

E VASCONCELLOS DE DRUMMOND, amigo e confidente do Patriarca, colaborador e testemunha presencial de todos os grandiosos acontecimentos dessa quadra excepcional de nossa existência histórica, informa [6] que José Bonifácio desejava que a nossa independência fosse proclamada em sua província natal e foi essa uma das causas que o levaram a não aguardar o regresso do príncipe para dar-lhe conhecimento das noticias chegadas de Portugal a 28 de agosto, preferindo despachar com urgência ao seu encontro os emissários de toda a capacidade e confiança.

Trabalhos finais da Maçonaria

A verdade positiva, de que nos dão conta as atas das sessões realizadas no Grande Oriente Maçônico, é que, logo após a partida de d. Pedro, José Bonifácio, que era o grão-mestre daquela instituição secreta, achou azado o momento de redobrar de esforços no sentido de intensificar os trabalhos das diversas Lojas e dos Corpos Superiores dirigentes, a prol da causa que precisava de ter o seu desfecho previsto.

Apesar de não ligar aparente importância à associação que presidia, tanto que pouco a freqüentava, talvez por cálculo, para não supor-se que as resoluções dela eram inspiradas pelo próprio ministro e, portanto, não refletiam um sentimento generalizado no seio de todas as classes da população carioca - apesar dessa aparência de quase completo descaso pelo movimento maçônico, é claro que ele não podia pôr à margem, sem perigo para o êxito de seus planos, aquele incessante foco de manifestações independencistas.

Se lhe era preciso, às vezes, demonstrar, com a sua ausência prolongada, que o radicalismo propagado pela Maçonaria era incompatível com a vitória da causa, pela sua prematuridade e pelos seus excessos, não poderia, entretanto, deixar de recorrer a tamanha força organizada quando o momento propício de rematar a questão se lhe impusesse francamente ao espírito.

É assim que, na sessão de 20 de agosto, e não de 9 de setembro, como erradamente consignam PEREIRA DA SILVA e MELLO MORAES, corrigidos pelo BARÃO DO RIO BRANCO, segundo já dissemos anteriormente, o Grande Oriente, em sessão extraordinária, para a qual tinham sido convocados especialmente os membros das três Lojas Metropolitanas, aprovou por "aclamação unânime e simultânea" uma enérgica moção apresentada e fundamentada pelo primeiro grande vigilante Joaquim Gonçalves Lêdo, que empunhava o malhete na ausência do grão-mestre José Bonifácio, moção propondo a proclamação de nossa independência e da realeza constitucional na pessoa do príncipe regente.

A aclamação aprobatória não agradou a Lêdo, desejoso de que sua proposta fosse amplamente discutida com a máxima liberdade pelos obreiros presentes; em vista do quê alguns ânimos prudentes e cautelosos alvitraram que, antes de se tornar pública qualquer deliberação a respeito, se convidassem as províncias para aderirem ao pensamento maçônico, expressamente manifestado pela ruidosa aclamação havida pouco antes.

A discussão foi, por isso, adiada para outra assembléia, que se realizou daí a três dias, com o mesmo concurso entusiástico de iniciados das referidas Lojas. Gonçalves Lêdo, que a presidiu como da outra vez, propôs que se enviassem às províncias emissários encarregados de propagar a grande causa e de prepará-las para a realização da obra projetada, gastando-se para isso os metais existentes em caixa, destinados à decoração do Templo, mas que seriam melhor empregados em serviço da Pátria.

A primeira parte da proposta foi unanimemente aceita; não assim a segunda, porquanto não concordaram os irmãos em que se desse aos fundos orçamentários destino diverso daquele que lhes marcava a lei. Os que discordaram do alvitre ofereceram logo recursos pecuniários para o custeio das despesas a efetuarem-se. J. Fernandes Lopes e J. M. Lourenço Vianna tomaram o encargo de "satisfazer aos emissários as precisas assistências"; Francisco Xavier Ferreira, da Loja Comércio e Artes, ofertou 100$000 réis; Amaro Velho, 300$000; Ruy Germack Possolo, 1º vigilante da Loja Esperança de Niterói, à qual José Bonifácio era filiado, 50$000 réis, e outros conforme suas posses.

Ofereceram-se para ir a Minas o padre-mestre Januário da Cunha Barbosa, grande orador do Grande Oriente; a Pernambuco, o capitão João Mendes Vianna, 2º grande vigilante; a Santa Catarina, Alexandrino José Tinoco; ao Espírito Santo, Manuel Pinto Ribeiro Pereira de Sampaio, da Loja União e Tranqüilidade; ao Rio Grande, Francisco Xavier Ferreira; à Bahia, o brigadeiro José Egydio Gordilho de Barbuda; a Montevidéu, Lucas Obbes; e à cidade de Cabo Frio, à sua própria custa, Ruy Germack Possolo.

Manobras de Lêdo

Já então tinha o Grande Oriente, por proposta de Gonçalves Lêdo, e na ausência de José Bonifácio, eleito d. Pedro para as eminentes funções de seu grão-mestre [7]. Não se conhece o dia exato em que esse acontecimento se passou, mas o príncipe ainda se achava em S. Paulo, pois daqui escreveu ao Grande Oriente agradecendo a escolha com que fora dignificado.

Lêdo, que gozava de incontestável influência no seio da comunhão maçônica, lembrara-se de imitar José Bonifácio, no avisado gesto que tivera de colocar à testa do Apostolado o Regente; e, sem consulta prévia ao grão-mestre em exercício, antes, à completa revelia dele, tramou com seus partidários e conseguiu de surpresa a eleição de d. Pedro para aquele cargo. Pura trapaça de mestiço velhacaz - e mais nada.

Conseguiu com ela pôr a direção suprema do Grande Oriente em pé de igualdade com a do Apostolado, onde o primeiro-ministro dominava; satisfez momentaneamente suas orgulhosas aspirações de orientar e dirigir a seu bel-prazer a caprichosa vontade do futuro imperador; mas teve a inglória responsabilidade de suscitar, logo ao alvorecer dos primeiros dias da nascente pátria, lutas que prejudicaram e retardaram sua organização definitiva, dividindo a opinião do país em duas extremadas correntes antagônicas que tão fatais foram à estabilidade, à segurança e ao progresso do novo regime.

A sua índole insidiosa, o seu caráter sem firmeza nem dignidade, a sua natural tendência para a intriga, para o mexerico e para a bajulação, de nada lhe valeram na carreira pública, que só teve algum passageiro fulgor no período preparatório da independência: apesar de servir ao primeiro imperador com a incondicional dedicação de um fâmulo submisso que não discute as ordens que recebe, nunca o chamou d. Pedro para seu ministro, tanto o conhecia, para querer acrescentar, às dificuldades de seu agitadíssimo governo, os incômodos que lhe ocasionaria a colaboração de um auxiliar destituído dos predicados necessários aos altos cargos a que se propunha.

Tombou rapidamente na maior impopularidade, embora a tríplice luz de seu grande talento de escritor, de jornalista e de polêmico lhe granjeasse merecida fama. Após a abdicação, viu-se energicamente repulsado por todos os partidos políticos e teve que exilar-se em sua propriedade agrícola, fora e longe de todos os contatos da vida pública, que não soubera honrar como devera.

Sabendo naturalmente quais as disposições, mais ou menos assentadas, com que d. Pedro saíra da Corte para S. Paulo, relativamente ao problema em foco, Lêdo não quis que a Maçonaria fosse, naquele instante decisivo, apenas o reflexo do pensamento governamental, transmitido pelo primeiro-ministro, e tratou, no mistério das secretas confabulações com seus partidistas, de afastá-lo da cadeira de grão-mestre, oferecendo-a ao príncipe real. Assim, abaixo deste, no Grande Oriente, só haveria ele, que era o primeiro grande vigilante. Para entender-se, pois, com d. Pedro, não precisava mais de recorrer ao seu ministro; tê-lo-ia perto de si nas noites de sessão e com ele conversaria pessoalmente na intimidade que a convivência contínua, sob as abóbodas dos Templos maçônicos, estabelece naturalmente entre os seus adeptos nos diversos graus da respectiva iniciação.

José Bonifácio, que contava com a Maçonaria como elemento subsidiário para auxiliar a vitória, tê-la-ia acoroçoado nos seus trabalhos, embora fossem patentes as manobras hostis comandadas contra ele pelo primeiro grande-vigilante.

É possível que a sua dignidade pessoal se tivesse mui justamente molestado com a sua substituição, pelo príncipe, no cargo de Grão-Mestre, sem aviso, consulta ou simples atenciosa participação; mas a verdade é que ele, à grandeza da Pátria, sacrificou seus melindres, e não deu nenhuma demonstração de que se sentira atingido pela traição do golpe vibrado de emboscada, pois não é verdade, como afirmou MELLO MORAES, e, baseado nas suas infundadas afirmativas, repetiram outros escritores, que, despeitado, José Bonifácio se retirara do Grande Oriente, indo fundar, nos mesmos moldes, o Apostolado, porque o BARÃO DO RIO BRANCO - e não será demais insistir neste detalhe - provou que a fundação desta sociedade fora anterior à entrada de d. Pedro para a Maçonaria, como simples aprendiz [8].

O que é fato, porém, e fato incontestável, porquanto se baseia na exatidão cronológica das datas, é que, quando a Maçonaria começou a tomar as providências que acima referimos, d. Pedro já estava em território paulista e vinha convencido de que era preciso proclamar quanto antes a independência. Algumas resistências que ainda lhe opunha a afetuosa consideração filial ao rei seu pai, incumbir-se-ia o primeiro-ministro de quebrá-las resolutamente na primeira oportunidade, como dissemos. Assim, pois, não foi atuado pela Maçonaria, como pretendem os mareadores do papel de José Bonifácio nos fastos da independência, que d. Pedro agiu no alto da colina histórica, às margens do Ipiranga; mas sim persuadido pela palavra e pela convicção de seu grande ministro, cujos conselhos a princesa Leopoldina pedia-lhe que seguisse.

A oportunidade - que o ilustre paulista desejava para que o ato da separação se realizasse na sua amada província natal - apareceu-lhe finalmente com a chegada da correspondência de Lisboa, trazendo notícias pormenorizadas do que lá se estava passando em relação ao  Brasil, e que era muito grave.

José Bonifácio não quis aguardar a volta do príncipe, nem a chegada do próximo correio português, trazendo a confirmação oficial das notícias recebidas pelo navio Três Corações. Caso retardasse uma deliberação definitiva a respeito, já não alcançaria o príncipe em S. Paulo e a independência, para a qual viera ele preparado, não seria proclamada em território paulista. Quem sabe mesmo se o coração do velho santista não propendia para fazer com que o grito fosse dado na própria terra de seu berço - na vilazinha gentil que ele tanto queria?

O certo é que se Cordeiro e Bregaro se antecipam vinte e quatro horas, iriam topar com d. Pedro em Santos e o berço dos Andradas teria sido o cenário onde o glorioso evento aconteceria. O caso é que não se sabe ao certo que é que o príncipe fora lá fazer, pois as conjeturas dos historiadores divergem a respeito. Convencidos como estamos de que ele viera à nossa província, habilmente industriado no papel que aqui devia representar - segundo veremos um pouco mais adiante - é admissível supormos que à mente do Patriarca tivesse ocorrido a idéia de fazê-lo dar o brado libertador em Santos, o que não sucedeu, já porque a nascente paixão por dona Domitila de Castro o tivesse desviado do programa assente, já porque a sua conhecida irresolução, quando se tratava de dar tão grave e arriscado passo, não tinha sido abalada por nenhum decisivo sucesso posterior.

O ministério e dona Leopoldina resolvem proclamar a independência

Logo, porém, que as notícias de Lisboa chegaram, tratou José Bonifácio de reunir o ministério, sob a presidência da princesa, reunião que se efetuou no Paço de São Cristóvão, às 11 horas da manhã de 1º de setembro, de acordo com os melhores dados, ou no dia seguinte, como pretendem alguns.

Resolveu-se, então, definitivamente, sobre os meios de proclamar a independência, mandando-se aviso imediato dessa resolução ao príncipe itinerante. Contam vários autores que Martim Francisco, por essa ocasião, voltando-se para a princesa, dissera-lhe: "Se se tem de fazer, senhora, que se faça já", frase que não é confirmada por VASCONCELLOS DE DRUMMOND, presente ao memorável Conselho, e que parece indicar ter havido da parte de dona Leopoldina qualquer objeção quanto à oportunidade do momento, o que não julgamos razoável, visto como essa inteligente princesa estava mais decidida pela nossa causa do que seu esposo, conforme se conhece não só pelo depoimento de contemporâneos do fato como da correspondência particular da mesma senhora com seus amigos privados.

A VASCONCELLOS DE DRUMMOND mostrou ela a carta que acabava de escrever a d. Pedro, e o grande amigo de José Bonifácio narra-nos em sua preciosa autobiografia: "Eu a li e tive ocasião de admirar o espírito e a sagacidade da princesa" [9].

Prontos os ofícios ou cartas que iam seguir para S. Paulo, ao encontro do regente, virou-se José Bonifácio para o correio Paulo Bregaro, que na varanda externa do palácio aguardava ordens para partir: "Se não arrebentar uma dúzia de cavalos pelo caminho, nunca mais será correio. Veja o que faz". A pressa, a urgência, a patente sofreguidão manifestada nesse instante pelo primeiro-ministro,  prova o quanto ele se impacientava e ardia por que o correio achasse ainda o príncipe em território paulista e quem sabe mesmo se na vila de Santos, porquanto o itinerário e os atos de d. Pedro nesta província tinham sido necessariamente combinados no RIo com o Governo, como sucedera em relação a Minas para onde até levara ele, já redigido e referendado, o decreto que dissolvia a Junta anárquica de Vila Rica.

E Paulo Bregaro, acompanhado do major António Ramos Cordeiro, partiu imediatamente, dando à sua comissão o mais satisfatório desempenho. Dissemos atrás, baseados no insuspeito depoimento do padre Belchior Pinheiro, que d. Pedro não soltara a 7 de setembro o tão falado grito - Independência ou Morte! - mas apenas propusera essas palavras como a divisa a ser adotada pela Nação d'ora em diante.

E, de fato, não se tratava de um espontâneo brado que lhe tivesse então saído d'alma, num jorro de entusiasmo patriótico, mas sim da denominação que tinha a primeira das três Lojas em que se dividia o Apostolado, de que era ele o chefe supremo, por inspiração de José Bonifácio que o fundara [10].

D. Pedro que, segundo a opinião dos vários historiadores que citamos, viera para S. Paulo já quase decidido a proclamar a separação, trazia consigo os elementos necessários para dar maior teatralidade ao gesto premeditado. Para a divisa do Brasil independente trazia o nome da Loja principal da sociedade secreta a que presidia - Independência ou Morte. Enfatuado e presumido certas vezes, teria oportunidade de apresentá-lo aos olhos dos circunstantes como o produto natural de sua inspiração naquele momento. Assim também procederam quando, em carta ao Rei, se gabava de ter lavrado, de um jato e de seu próprio punho, o decreto de 5 de junho de 1821, pelo qual, sob a dupla imposição da Força armada e dos civis amotinados, instituíra a Junta que deveria governar conjuntamente com ele.

Conhecida por todos como é - e aí estão os seu autógrafos a corroborarem-na - a sua falta quase absoluta de instrução, a dificuldade com que se exprimia escrevendo, está-se vendo, nessa ostentosa confissão ao pai, que d. Pedro se emplumava com as vistosas penas das alheias produções que o aulicismo da época elaborava para ele.

***

A benemérita dona Leopoldina, primeira imperatriz do Brasil

Imagem publicada com o texto

 

O papel de dona Leopoldina. Suas cartas inéditas

A princesa teve, nesta fase culminante da agitação independencista, um papel preponderante, pois foi, sem dúvida alguma, sua carta, aconselhando o marido a seguir a orientação de José Bonifácio, que desfez as últimas objeções vacilatórias ainda porventura de pé no ânimo de d. Pedro.

José Bonifácio manobra essa vontade tíbia por intermédio da esposa dedicada e enérgica. Aliás, desde que, com a chegada do ilustre paulista ao Rio, a propaganda se intensificara, dona Leopoldina tomou nela grande parte, buscando, com seus carinhosos e inteligentes conselhos, convencer o príncipe da necessidade de subtrair o país, que na sua lealdade confiava, ao jugo metropolitano.

O referido DRUMMOND escreve a respeito as seguintes linhas impregnadas da mais sã justiça e do mais profundo sentimento de grata e póstuma veneração: "Fui testemunha ocular, e posso asseverar aos contemporâneos, que a princesa Leopoldina cooperou vivamente, dentro e fora do País, para a independência do Brasil. Debaixo deste ponto de vista, o Brasil deve à sua memória gratidão eterna" [11].

Pelas cartas inéditas atribuídas à excelsa princesa, e publicadas recentemente pelo Instituto Histórico Brasileiro, se vê o quanto foi contínua e dedicada essa cooperação, principalmente no que se refere ao trabalho constante junto ao esposo trêfego e volúvel. Mas, apesar de ter o ilustre secretário perpétuo daquele Instituto, o conhecido escritor sr. MAX FLEIUSS, afirmado categoricamente ao sr. OLIVEIRA LIMA, em resposta a uma consulta, que as referidas cartas são positivamente autênticas - dúvidas permanecem em nosso espírito, pelo menos em relação a algumas delas [12].

Trata-se de documentos achados no arquivo da referida sociedade, mas "cuja procedência não foi possível averiguar" [13]. É uma coleção de cartas dirigidas, em alemão, ao dr. Jorge António Shäffer, comensal do príncipe, agenciador de colonos e soldados mercenários em Hamburgo [14], e mais tarde, já nos tempos do Império, agente secreto do imperador, e encarregado de negócios do Brasil nas Cidades Hanseáticas e na Baixa Saxônia, nos ducados de Mecklenburgo e de Oldenburgo e na Dieta da Confederação Germânica em Francfort-sobre-o-Meno. Tinha, na Imperial Guarda de Honra criada pelo decreto de 1º de dezembro de 1822, o posto de major [15]. Todos estes títulos e cargos são demonstrativos do grau de apreço e confiança em que era tido no Paço Real, depois Imperial. Ao lado das cartas originais encontravam-se as respectivas traduções para a nossa língua, nem sempre bem feitas e, neste ou naquele ponto, pouco fiéis.

A primeira dessas cartas parece-nos que deve ser acolhida com as necessárias reservas. Não traz data, nem assinatura, o que não deixa de ser estranho, em se tratando de uma senhora de fina educação mental e moral como dona Leopoldina.

Dir-nos-ão que o misterioso da comunicação e o segredo que nela se pede ao destinatário, indicavam essa cautela indispensável, para evitar possíveis dissabores a Schäffer e mesmo à sua ilustre correspondente. Mas o próprio conteúdo da missiva, caso fosse ela parar em mãos que a não deviam conhecer, era bastante para que de pronto se descobrisse quem a escrevera. Entretanto, admitamos, sem mais objeções, que foi por simples cautela que a princesa a não datou nem autenticou com sua real assinatura; e prossigamos em nossas averiguações.

No alto há a seguinte nota, em francês, e que a Revista do Instituto não esclarece por quem teria sido lançada: - Reçu 28 d'Avril 1821. O francês está errado - 28 d'Avril - em vez de, simplesmente, 28 Avril, prova que quem o escreveu estava mais familiarizado com a língua portuguesa do que com o idioma dos Francos. Todavia, parece evidente que o destinatário é que a exarou no alto do papel, pois nenhuma outra pessoa teria essa preocupação em assinalar o recebimento de uma epístola que lhe não era endereçada.

Assim, pois, embora seja curioso que Schäffer, patrício de dona Leopoldina, correspondendo-se com ela na língua de seu país, lançasse uma nota em francês, numa carta que acabava de receber escrita em alemão - não obstante essa curiosa particularidade, aceitemos como positivo que é do punho dele a dita nota.

Segue-se, de tão claro indício, que a carta foi redigida nesse mesmo dia - 28 de abril, pois, tratando-se de matéria grave e urgente, não se admite a hipótese de uma delonga. O destinatário morava no RIo e ainda que morasse distante da Quinta da Boa Vista, tal circunstância não o impediria de recebê-la no mesmo dia da expedição, porque lhe fora levada forçosamente por um correio do Paço, a cavalo, ou por qualquer mensageiro especial da princesa.

A Revista do Instituto Histórico Brasileiro parece também estar convencida de que a data do recebimento é a mesma da expedição, porque assim se exprime em sua aludida nota: "São 12 cartas de dona Maria Leopoldina a Schäffer, amigo particular e devotado da Família Imperial; são datadas; a primeira de 28 de abril de 1821 e a última de 8 de outubro de 1826" [16].

A última está realmente datada de São Cristóvão, 8 de outubro de 1826, mas a primeira só tem a data do recebimento pelo destinatário, como fizemos ver. Logo, para o Instituto, a carta foi escrita, enviada e recebida no mesmo dia, o que é plausível, pois deve ter sido entregue por intermédio de um próprio da confiança da expedicionária.

É, pois, de 28 de abril de 1821, e nela recomenda dona Leopoldina ao seu "excelente" patrício, o seguinte, debaixo do "maior segredo, de modo que nem viv'alma o possa sequer suspeitar": 1º) que frete para ela uma embarcação pronta a partir brevemente para Portugal, visto como seu esposo devia partir dentro de três dias, devendo ela, entretanto, ficar, por motivos que não lhe era permitido dizer; procurava, por isso, salvar-se pela fuga, autorizada, aliás, por d. Pedro; 2º) que a embarcação, "segura e veleira", devia conter cômodos para uma família alemã composta de seis pessoas; 3º) que procurasse "uma boa ama de leite, saudável e jeitosa, para seu filhinho, que nasceria no mar e que, dessa forma, não seria nem brasileiro, nem português" [17].

Ora, em 28 de abril de 1821, dona Leopoldina não estava para dar à luz, por ter tido essa ventura havia pouco menos de dois meses, a 6 de março do mesmo ano, com o nascimento do príncipe da Beira, d. João Carlos. Assim, pois, a carta não foi escrita a 28 de abril.

Como, porém, escrita por pessoa residente no RIo a outra pessoa residente na mesma capital - ambas da mais alta posição pública no País - gastou ela tão longo tempo para chegar às mãos do destinatário? Ainda se fosse hoje, em que há repartições postais complicadíssimas, e a condução das malas se faz em trens de ferro - tal se poderia ter dado. Mas a correspondência então era confiada a próprios e, no caso de que falamos, a princesa teria tido a precaução de mandar tão grave documento por mão de portador de sua inteira confiança.

Dar-se-á que a nota indicativa do recebimento fosse lançada por algum diplomata a quem Schäffer tivesse enviado confidencialmente a epístola - e daí a razão de estar escrita em francês a referida nota, segundo os usos na diplomacia? Seja como for, a verdade incontestável é que a carta, conforme se vê de seu conteúdo, não é da data de 28 de abril, como se diz na Revista do Instituto Histórico, mas anterior a 6 de março, porque tendo tido a princesa seu bom-sucesso nesse dia, como esperar nova parturição para o mês de maio? Mas, se ela é de antes de 6 de março, que acontecimentos a teriam então determinado? É isto uma verdadeira incógnita até hoje difícil de conhecer.

Na época em que dona Leopoldina se achava no último período gestatório, a partida do príncipe para a Europa, como representante e mensageiro de seu pai junto às Cortes, era assunto peremptoriamente resolvido pelo decreto real de 18 de fevereiro, publicado a 23, não havendo, portanto, motivo algum para que ela recomendasse a Schäffer o rigoroso sigilo que lhe recomendou expressamente.

Teriam assentado, nos conselhos da Coroa, que o príncipe partisse sozinho, ficando aqui sua esposa, por motivos ligados à política internacional, visto tratar-se de princesa pertencente a uma dinastia que se opunha com todas as forças á vitória do constitucionalismo? O seu regresso, em companhia do príncipe, talvez parecesse, aos olhos do mundo, uma aquiescência ao regime inaugurado em Portugal, o que a Santa Aliança não poderia absolutamente permitir. Daí a secreta combinação entre os dois cônjuges, para que a mulher acompanhasse às ocultas o marido logo depois de seu embarque.

É uma série de conjeturas em que o espírito do investigador, consciente de sua tarefa, se debate às tontas. Em todo o caso, o que está inteiramente fora de dúvida, ante a impassibilidade da cronologia, é o seguinte: 1º) a carta não foi escrita em abril; 2º) não foi recebida em abril pelo destinatário, justamente por não ter sido escrita nesse mês; 3º) a gravidez de dona Leopoldina, a que no documento se alude com toda a precisão, tivera o seu termo normal e feliz quase dois meses antes - a 6 de março -, e portanto, em abril ela não poderia estar à espera de um novo filho para breve.

São particularidades estas que, quando não levantem fundadas suspeitas sobre a autenticidade da referida carta, estabelecem contudo algumas dúvidas a tal respeito [18].

Também na tradução portuguesa da segunda carta (igualmente sem data), dona Leopoldina dá a d. Pedro, indevidamente, o tratamento de imperador. Embora não datada, é ela - vê-se de seu conteúdo - da época em que a Divisão Auxiliadora Portuguesa queria forçar o príncipe a embarcar-se de regresso para Lisboa, entre o dia do Fico e o da expulsão daquela tropa, isto é, entre 9 de janeiro e 15 de fevereiro.

Ora, d. Pedro então era ainda simplesmente príncipe real, não se justificando, pois, que o tradutor pusesse na pena da princesa o anacrônico tratamento de Imperador, dado ao marido, quando a verdade é que no trecho original correspondente não existe esse vocábulo. Onde o tradutor incapaz o introduziu inabilmente, o que se lê é o seguinte: "Pernambuco deseja voltar à obediência, mas não quer nada saber das Cortes - não deverá, porém, externá-lo, sob pena de Ele não aquiescer" [19]. O pronome Ele refere-se a meu Esposo, do período inicial da epístola.

As missivas restantes, umas datadas, outras não datadas, dão uma idéia perfeita da dedicação com que a ilustre senhora trabalhou pela nossa independência e por fixar a respeito do assunto a vontade de d. Pedro. Na de 8 de janeiro, por exemplo, declara que ele "está decidido, mas não tanto quanto eu desejaria". Refere-se ao Fico esta frase e combina bem com a primeira resposta aleatória dada pelo príncipe, no dia 9 de janeiro, ao Senado da Câmara e delegações diversas, resposta que foi depois retificada de modo mais peremptório e incisivo, conforme vimos no competente lugar.

Na mesma carta - escrita na véspera do Fico - acrescentava com certo desânimo a sua eminente signatária: "Muito me tem custado a alcançar isto tudo - só desejaria insuflar uma decisão mais firme".

Da leitura dessas epístolas conclui o sr. OLIVEIRA LIMA [20] que dona Leopoldina atuou no espírito do marido, "anteriormente ao Patriarca da Independência". Ora, na coleção existem apenas três cartas relativas á sua atuação em tal sentido: a de 8 de janeiro, a de nº 4 (sem data) mas que é evidentemente do mesmo dia e como que um anexo complementar da anterior [21] e a de nº 2, igualmente sem data, mas que, sem dúvida alguma, foi escrita, segundo dissemos fundamentadamente, entre 11 de janeiro e 15 de fevereiro, de acordo com a matéria de que trata.

Todas elas são, portanto, posteriores ao recebimento da representação da Junta Paulistana, cuja leitura, conforme o testemunho unânime dos historiadores - tamanha e tão decisiva impressão causara no espírito do jovem príncipe; e a última, é possível mesmo que fosse escrita depois da entrada de José Bonifácio para o ministério, quando se cogitou definitivamente de reembarcar a Divisão Portuguesa para a Europa, pois que ela é de um dos dias que vão de 11 de janeiro a 15 de fevereiro, como praticamente o demonstramos há pouco.

Por quê, pois, concluir, por uma declaração epistolar posterior à leitura da aludida representação de S. Paulo, que a atuação da princesa foi anterior à de José Bonifácio? O que dona Leopoldina diz a Schäffer, na véspera do Fico, mas depois da representação, é que muito lhe tem custado decidir o príncipe. Decidi-lo a quê? A ficar no Brasil, a atender, em todos os seus termos, ao apelo chegado de S. Paulo e ao desejo das outras províncias.

Na carta nº 2, após o Fico, acha a princesa necessário impedir que a tropa obrigue o príncipe a embarcar à força. Em nenhuma de suas epístolas se encontra uma só frase, pela qual se chegue à conclusão de que ela agisse sobre o príncipe antes de José Bonifácio. Tudo o que ela diz é atual, isto é, refere-se aos fatos proximamente anteriores e posteriores ao Fico, e, portanto, depois que a palavra do Patriarca já tinha impressionado vivamente a alma vibrátil de d. Pedro. Não há nas cartas uma só palavra indicativa de que a sua influência viesse de mais longe. Aliás, desde outubro do ano anterior, José Bonifácio, pela Junta de S. Paulo, tentava persuadir d. Pedro da necessidade de sua permanência no Brasil.

O que é inegável, todavia, é que dona Leopoldina muito cooperou, com a sua influência, para decidir o príncipe a corresponder aos votos da Nação brasílica; e a sua participação no chamado grito do Ipiranga, por meio da carta que a seu esposo escreveu, é matéria que não comporta discussão alguma.

***

Trecho do Pátio de São Gonçalo em 1822

(na casinha assinalada com o nº 1 morava o padre Ildefonso Xavier Ferreira)

Imagem publicada com o texto

 

Reentrada em S. Paulo

Na Capital sabia-se que d. Pedro regressaria de Santos no dia 7 de setembro, e, por isso, à tarde desse dia, já se achavam a postos na torre da Boa Morte os espias encarregados de dar o sinal convencionado quando avistassem, numa das eminências do caminho, o séqüito envolto na poeira que as patas das cavalgaduras levantavam pelo trajeto.

De repente, os sinos daquela Igreja deram o primeiro sinal, a que logo corresponderam, espalhando pela Cidade em júbilo a festiva nova, os do Carmo, os de Santa Teresa, os da Sé, os do Rosário, os de S. Bento, todas as igrejas, em suma.

A população começou a alvoroçar-se, a mexer-se, a sair para a rua, a fim de recebê-lo respeitosamente, mas tal era a pressa com que vinha ele, que gastou menos tempo para vencer a distância entre o Ipiranga e o centro urbano do que o que os outros viajantes consumiam geralmente para fazerem esse percurso, de modo que muita gente não chegou a vê-lo senão depois de sua entrada em palácio.

Ao sair da estrada do Ipiranga, o itinerário que, naquele galope vertiginoso, observou, foi o seguinte: Largo do Cambuci, Rua do Lavapés, Rua da Glória, Largo do Pelourinho (hoje Sete de Setembro), Pátio de São Gonçalo (atual Praça de João Mendes), rua do mesmo nome (ora do Marechal Deodoro), Rua de Santa Teresa, Rua do Carmo e Pátio do Colégio [22].

Os que o viram passar, assim agitado, compreenderam logo que algo de grande importância tinha acontecido com a chegada dos emissários vindos da Corte. A curiosidade estendeu-se a todos os habitantes, que rebentavam de impaciência para conhecer os motivos de tão estranha comoção, até que, por informações prestadas sumariamente ao capitão António da Silva Prado e ao padre Ildefonso Xavier Ferreira, pelo ajudante-de-ordens Canto e Mello, de tudo foram sem demora satisfatoriamente cientificados.

Os mais influentes cidadãos da Cidade acudiram pressurosos a palácio, a fim de protestarem inteira solidariedade ao príncipe pelo seu gesto libertatório, e oferecerem-lhe seus serviços para quanto Sua Alteza ordenasse em prol da Independência.

À noitinha, a Guarda de Honra, e vários membros da comitiva, que não tinham conseguido acompanhar d. Pedro, e sua desabriga cavalgada, pelos campos do Ipiranga até a Capital, chegaram ao centro, dando vivas entusiásticos ao herói do dia, ao Brasil, a S. Paulo, e à causa separatista, no que foram correspondidos com intenso delírio pela massa popular que, aglomerada no Pátio de São Gonçalo, acolheu-os debaixo de estrondosa ovação até o Largo do Colégio, aí recebendo a dita Guarda ordem de quem de direito para se recolher a quartéis.

Os edifícios públicos, as casas residenciais da gente mais abastada, as colunas e coretos ornamentais levantados em honra da visita de d. Pedro foram profusamente iluminados com velas de cera ardendo no interior de inúmeras lanternas, penduradas às janelas, às paredes e aos vistosos sarrafos das decorações. Alguns reinóis retrógrados, que se manifestaram contrários ao grande acontecimento, foram duramente esbordoados por catervas de nacionalistas que percorriam em algazarra as ruas principais, impondo pela força o predomínio de suas opiniões aos vencidos.

O príncipe, para solenizar condignamente o cívico sucesso, determinou que se desse na Ópera um espetáculo extraordinário, franqueado à generalidade da população mais grada. Narram velhos cronistas, e repetem-no servilmente os mais modernos, que d. Pedro, depois de ter destramente recortado num pedaço de papel o molde da legenda patriótica - Independência ou Morte! - que mandou o ourives Lessa, estabelecido à Rua da Boa Vista, executar em ouro, e em duplicata, uma para ele e outra para seu ajudante-de-ordens [23] - sentiu-se tocado subitamente das inspirações do gênio e compôs ali mesmo em palácio, a música do Hino da Independência, que foi partiturado pelo maestro André Gomes da Silva, de quem já falamos; ensaiado pela orquestra sob sua direção; e cantado no Teatro, com a letra do Hino Constitucional Português, por distintas damas da alta sociedade paulista, entre as quais as crônicas do tempo registram com orgulho dona Maria Alvim e dona Rita.

Bem e imparcialmente examinado este pormenor do Hino, é claro que não passa de narração fabulosa com que os contemporâneos quiseram bajular d. Pedro. Basta considerar-se que nem mesmo o indispensável tempo material havia para tal façanha.

Partindo do Ipiranga por volta das 4 e meia da tarde, só muito depois das 5 horas - e assim mesmo em galope desenfreado - poderia ter chegado a palácio, onde naturalmente recebeu, como rezam os documentos da época, visitas de cidadãos prestigiosos que lhe foram protestar seu franco apoio naquela grave emergência e com os quais entreteve por certo animada palestra sobre o feito.

Em seguida, fez com suas próprias mãos o molde para a divisa da Pátria que acabava de fundar. Depois, escreveu o Hino, que foi entregue ao maestro André Gomes, que o partiturou e distribuiu pelos diversos instrumentos da sua orquestra, que o ensaiou caprichosamente, passando-o após aos coros femininos para o estudarem e lhe adaptarem a letra do Hino Português. Em seguida, houve forçosamente um ensaio conjunto da orquestra e vozes para que os respectivos intérpretes imprimissem às suas partes o brilho, a expressão, a tonalidade que de seu concurso estético se esperava. Às 9 horas fazia o príncipe sua entrada na Ópera, cuja lotação, para cerca de 350 pessoas, estava já excedida.

Ora, é possível que no curto espaço de 3 horas afobadíssimas, d. Pedro escrevesse a música, que o maestro a partiturasse, que a orquestra a ensaiasse convenientemente e que, de seguida, orquestra e coros procedessem conjuntamente, como se fazia mister, ao indispensável ensaio instrumental e vocal para o apuro final da execução?

Dada a estreiteza do tempo, não se vê logo que é tudo isso positivamente impossível? Além disso, d. Pedro, entre as intensas comoções daquela tarde memorável, devia estar fatigadíssimo, não só pelos abalos morais sofridos na jornada e pela constante confabulação em que deveria estar a toda a hora com as pessoas gradas e as autoridades públicas que o procuravam para adivinhar seus pensamentos e cumprir sem a menor hesitação suas ordens quaisquer. Ainda que fosse ele um prodígio inédito de improvisação musical, havia de sentir-se em dificuldades mui sérias para vencer o cansaço e desembaraçar-se dos que subiam as escadas do Paço para se colocarem à sua disposição.

Este caso da composição do Hino é lenda imaginada pela bajulação cortesã. Partindo do Rio, com a resolução quase tomada de proclamar a independência em terra paulista, a pedido e por sugestão de seu notável primeiro-ministro, assim como trouxera a divisa política da nova Pátria, não se esquecera de trazer na bagagem o Hino que tinha de ser adotado na ocasião, da lavra do maestro marcos António Portugal [24], com quem, na delicada expressão de um velho cronista brasileiro, "o príncipe escrevia músicas" [25].

É questão inteiramente líquida esta da autoria do nosso Hino da Independência, que os foliculários do tempo, por espírito de lisonja, pois conheciam o fraco do príncipe, atribuíram-lhe indevidamente. O dr. LUÍS FRANCISCO DA VEIGA, na sua pequena Memória lida perante o Instituto Histórico Brasileiro, a 3 de agosto de 1877 [26], assevera que a "primeira música que se compôs, e por meio da qual, foi, nos primeiros tempos, cantado o Hino da Independência" é da lavra do "provecto compositor português Marcos Portugal", asseveração que lhe foi confirmada pelo maestro fluminense Francisco Manuel da Silva, autor do Hino Nacional [27].

E o sr. MAX FLEIUSS, digno secretário perpétuo do mesmo Instituto, em conferência que lá realizou a 12 de outubro de 1916, depois de dizer: "Acreditou-se, a princípio, que o Hino chamado da Independência tivesse sido da lavra de d. Pedro I, tanto a letra como a música", acrescenta: "A música (hoje também constitui fato incontestável) que interpretou tal letra - a mais conhecida - é da lavra de Marcos Portugal, o grande maestro lusitano, êmulo do nosso José Maurício" [28].

D. Pedro compôs, na verdade, a música - mas somente a música - de um outro Hino da Independência, não do primeiro cantado nos primeiros tempos, como afirma LUÍS FRANCISCO DA VEIGA nas linhas que citamos acima.

Também por muito tempo, na crônica lisonjeira dos escribas palacianos, a letra de ambos os Hinos - o do príncipe e o de Portugal - foi uniformemente atribuída àquele, já então imperador, no auge de seu poder quase autocrático, apesar das aparentes fórmulas constitucionais adotadas pelo regime cerca de um ano após sua proclamação. Mas Evaristo Ferreira da Veiga, em artigo da Aurora Fluminense, de 13 de setembro de 1833, reivindicou para si tal autoria, imputada pelo visconde de Cairu, em artigo de 10 do mesmo mês, inserto no Diário do Rio de Janeiro, ao já então ex-imperador; e tão concludentes foram seus argumentos que o adversário não teve outro remédio senão concordar com a reivindicação pleiteada.

A 16 de agosto de 1822 - vinte e um dias antes da cena do Ipiranga - Evaristo da Veiga compusera o seu conhecido hino, que tem como estribilho a quadra

Brava gente brasileira,

Longe vá o temor servil;

Já raiou a liberdade

No horizonte do Brasil.

Seu irmão mais velho, João Pedro da Veiga, que, desde os últimos anos do reinado de d. João VI, ocupava um posto qualquer secundário na Casa Real - posto em que foi conservado ainda algum tempo depois da fundação do império - mandou imprimir esse hino, e um belo dia levou doze exemplares dele ao Paço, para ofertá-los, em quantidades iguais, ao imperador e à imperatriz.

Depois de ter entregue ao monarca os que lhe destinava, ia se retirando com os que pretendia ofertar a dona Leopoldina, quando d. Pedro, interrompendo-lhe o passo, lhe perguntou textualmente: - Para quem leva isto? ao que ele respondeu: - Para Sua Majestade a imperatriz, retrucando-lhe pronta e vivamente o seu imperial colocutor: - Para que quer ela isso? Dê-me mais quatro [29].

João Pedro da Veiga atendeu imediatamente à ordem recebida e dos seis exemplares que levara para dona Leopoldina só lhe restaram dois. A publicação do Hino não trazia assinatura do autor e, depois de conhecido no Paço, começou a ser cantado com a música do Hino da Independência, composta por Marcos Portugal e atribuída graciosamente ao monarca. E assim por muitos anos passaram como da autoria dele os versos de Evaristo da Veiga e a música de Marcos Portugal, e ainda hoje, apesar das documentadas contestações opostas a semelhante usurpação autoral, há escritores que insistem e persistem nela por inépcia ou falta de coragem para romper com as opiniões consagradas.

Espetáculo na Ópera

Entregue à orquestra da Ópera o hino de Marcos Portugal, às 9 horas da noite estava ensaiado para ser ouvido pela primeira vez. A sala de espetáculos do pequeno teatrinho estava abarrotada de espectadores. À entrada do príncipe, que trajava grande uniforme e trazia ao braço a legenda moldada em ouro - Independência ou Morte, no que era acompanhado pelo seu ajudante-de-ordens, alferes Canto e Mello [30], que o precedia [31], segundo a praxe protocolar da época, a multidão que se achava fora e os varões ilustres que enchiam o saguão prorromperam em vivas delirantes a Sua Alteza.

Ladeado do secretário itinerante, Luís de Saldanha da Gama, e do comandante da Guarda de Honra, coronel Gama Lobo, e seguido pelo brigadeiro Rodrigues Jordão e pelo capitão de milícias António da Silva Prado, subiu a escada que levava ao camarote real [32], onde se recolheu, e que se achava festivamente engalanado de laços verde e amarelo. Também nas paredes da sala, do saguão, dos camarotes e dos palcos, assim como nos braços dos cavalheiros e no colo ou nas tranças das senhoras, laços das mesmas cores se ostentavam garridamente.

Dentro de poucos minutos, foram descerradas pelo ajudante-de-ordens as cortinas do camarim, onde surgiu, de pé, o vulto imponente de d. Pedro. Os gritos aclamatórios, os vivas entusiásticos, as palmas estrondejantes, o frenético acenar dos lenços femininos manifestavam o intenso júbilo que ia em crescente delírio generalizado por aquelas almas, que o patriotismo agitava, perturbando a audição da peça que se representava naquela noite memorabilíssima nos anais históricos paulistanos - O Convidado de Pedra.

Amainado o insólito rumor, o príncipe, com sua voz sonora e rica de vibrações, entoou, em solo, o hino de Marcos Portugal, ao qual adaptara provavelmente a letra do Hino Português, porque o estribilho, repetido em coro pelas damas, e que é o seguinte, pertencia a esta última composição musical, segundo conta PAULO DO VALLE [33], que o acha "admiravelmente apropriado à ocasião":

Por vós, pela Pátria,

O sangue daremos.

Por glória só temos

- Vencer ou morrer!

Após a execução do novo hino, bateu palmas, de um dos camarotes, o jovem tenente do Exército Thomás de Aquino e Castro, conhecido pela alcunha poética de Camões por ser também dado às Musas [34] e recitou um soneto análogo às circunstâncias e que terminava por estes dois versos, nos quais se dava, pela primeira vez, o tratamento de imperador ao príncipe:

Será logo o Brasil mais que foi Roma

Sendo Pedro seu primeiro imperador

com o que mais se exaltou o entusiasmo geral reinante no auditório [35]. Relata CANTO E MELLO que ainda se recitaram outras poesias, entre as quais uma sob o tema - Independência ou Morte! - atribuída a d. Pedro, e outra, da lavra do secretário do Expediente do governo dissolvido, Manuel da Cunha Chichorro, cujo mote era o seguinte:

Ou ficar a Pátria livre

Ou morrer pelo Brasil [36].

Esta última revelação é deveras surpreendente, porquanto os dois versos acima fazem parte integrante do estribilho do primeiro Hino Constitucional Brasiliense, composto por Evaristo Ferreira da Veiga, no Rio de Janeiro, a 16 de agosto e só mais tarde mandado publicar, em edição anônima, por seu irmão João Pedro da Veiga, conforme narramos já. Eis o estribilho:

Brava gente brasileira!

Longe vá temor serviu:

- Ou ficar a Pátria livre

- Ou morrer pelo Brasil [37].

Como poderia esse poema, composto na Corte depois da partida do príncipe e somente impresso depois de sua volta - ser conhecido em S. Paulo nos primeiros dias de setembro? Alguma cópia manuscrita teria sido enviada para cá pelo autor ou por algum amigo seu? Com que fim teria sido feita, e a quem, semelhante remessa? Ao Governo Provisório, de cujo expediente, apesar do decreto dissolutivo, ainda se achava encarregado o secretário, que se aproveitou do ensejo para fazer à Musa do patriotismo um rasgado cumprimento à custa alheia?

Ou antes, tratar-se-á de mero equívoco de CANTO E MELLO, que escreveu a sua narrativa após o regresso de d. Pedro ao Rio, onde veio pouco depois a conhecer a poesia hínica de Evaristo da Veiga e, por qualquer semelhança eventual que acaso houvesse, a confundiu com as maciças estrofes burocráticas do vate secretarial? Eis um enigma que se nos antolha sem decifração.

Aclamação de d. Pedro em S. Paulo

Cessadas as aclamações, resserenados os ânimos, restabelecido o silêncio, prosseguiu a representação da peça. Enquanto isso, o padre-mestre Ildefonso José Ferreira confabulava reservadamente no camarote nº 11 com os seus dedicados amigos e correligionários, padre Manuel Joaquim do Amaral Gurgel, António Mariano de Azevedo Marques, José Innocêncio Alves Alvim, padre José António dos Reis, padre Vicente Pires da Mota, José António Pimenta Bueno e outros próceres do partido nacionalista nesta província [38]. Não n'o satisfaziam, nem a seus partidaristas, os vivas e as aclamações ouvidos até aquele momento. Fazia-se mister dar uma série de vivas que estivessem em relação com a atitude do príncipe às margens do Ipiranga.

Decidido energicamente a assim agir sem mais demora, desceu à platéia e aí, tão absorvido e dominado estava por seu pensamento patriótico, que "subiu numa cadeira" - segundo narra o dr. EUGÉNIO EGAS -, apesar de que a dita platéia era "mobiliada com bancos", conforme, noutro lugar de seu opúsculo, informa o mesmo abalizado autor [39]; e dessa cadeira ou desse banco, localizado bem em frente do camarote real, olhou fixamente para d. Pedro, e com o braço direito estendido para ele, bradou a plenos pulmões, e por três vezes consecutivas: - Viva o primeiro rei do Brasil! Viva o primeiro rei do Brasil! Viva o primeiro rei do Brasil!, vivas unanimemente correspondidos pelo auditório, que culminou de delírio quando o aclamado, levantando-se, assentiu, aprovou e agradeceu, em expressivo gesto, a aclamação proposta pelo padre Ildefonso e apoiada apaixonadamente pela assembléia exultante.

Desde esse momento deixara d. Pedro de ser apenas o príncipe regente do Brasil para se tornar o primeiro monarca da nova pátria que se constituía soberanamente. Foi, pois, em S. Paulo que, depois de lhe terem dado, pela primeira vez, como já notamos, o tratamento majestático de imperador, o aclamara, também pela primeira vez, soberano da Pátria Brasileira.

Aqui deu ele o brado contra Portugal; aqui foi aclamado rei do Brasil pelos homens de maior prestígio da província e tratado com o título de imperador nas estrofes ingênuas e prosaicas, mas ungidas de civismo ardente, de um jovem militar que nos braços gentis de Palas olvidava os tormentos dos campos mavortinos.

Por onde se verifica que todas as cenas capitais do grande drama da Independência tiveram por teatro, desde o seu início até o seu desfecho, o território da Província de S. Paulo e aqui se passaram sob o influxo varonil da alma paulista. O Rio, Minas, que era um satélite de S. Paulo, as outras províncias, nada mais fizeram que aprovar com a sua patriótica ratificação e o seu destemeroso entusiasmo os gestos, as atitudes e as deliberações dos ínclitos paulistas que estiveram sempre à frente de todas as iniciativas em prol da emancipação brasileira.

O próprio d. Pedro assim o reconhece quando, ao tratar da última fase dessa campanha, declara, na Fala do Trono, de 1823: "Entrei na agradável e encantadora província sem receio, porque conheço que todo o povo me ama. Dei as providências que me pareceram convenientes, a ponto, que a nossa independência lá foi, primeiro que em parte alguma, proclamada no sempre memorável sítio do Ipiranga. Foi na pátria do fidelíssimo e e nunca assaz louvado Amador Bueno da Ribeira, onde, pela primeira vez, fui aclamado imperador" [40].

Aí está o valioso testemunho do principal herói do feito do Ipiranga, que confessa ter sido S. Paulo a primeira terra que o aclamou imperador do Brasil. Como, pois, os denegridores sistemáticos de José Bonifácio, para diminuírem o seu quinhão de glórias no acontecimento, ousam, como o impenitente VARNHAGEN, sustentar que no Rio, e sobretudo no interior dos Templos Maçônicos, é que se resolveu darem-lhe o título de imperador e com esse título aclamá-lo para chefe supremo da Nação? O BARÃO DO RIO BRANCO, na nota 14 à História da Independência, de VARNHAGEN (págs. 187 a 188), constata a veracidade da proclamação de d. Pedro como imperador pelos paulistas, na noite de 7 de setembro, mas informa também que já no ano anterior, em princípios de outubro de 1821, "havia sido espalhada na mesma cidade do Rio de Janeiro uma proclamação anônima, convidando o povo a proclamar d. Pedro imperador constitucional". E remete os leitores para a carta de 4 daquele mês, dirigida pelo príncipe a seu pai.

Em primeiro lugar, na carta aludida. d. Pedro não se refere a nenhuma publicação anônima, e diz apenas: "queriam-me, e dizem que me querem aclamar imperador" [41]; e, depois, tratava-se, como se vê dos termos da nota e dos termos da carta, de uma simples tentativa anônima de aclamação, ao passo que em S. Paulo houve uma proclamação de fato e levada a cabo por vultos eminentes da sociedade política da época. E a imprecisa, a vaga tentativa anônima dos fluminenses de 1821, não pode ser contraposta à positividade da proclamação paulistana, realizada na noite de 7 de setembro de 1822.

Proclamação aos Paulistanos

Terminado o espetáculo, que principiara e findara a horas mais tardias que habitualmente, retirou-se o príncipe, acompanhado da multidão que não cessava de aclamá-lo um só instante.

Recolheram-se todos finalmente aos seus lares e no dia seguinte, 8, que era domingo, a população teve a grata ventura de ler, afixada em todos os lugares públicos, e assinada pelo punho de d. Pedro, uma encomiástica Proclamação aos Paulistanos, que assim começa: "O amor que eu consagro ao Brasil em geral, e à vossa província em particular, por ser aquela que, perante mim e o mundo inteiro, me fez conhecer, primeiro que todas, o sistema maquiavélico, desorganizador e faccioso das Cortes de Lisboa, me obrigou a vir entre vós, fazer consolidar a fraternal união e tranqüilidade que vacilava, e era ameaçada por desorganizadores, que em breve conhecereis, fechada que seja a devassa, a que mandei proceder" [42]. E prossegue, concitando-os à união em prol da causa comum e prometendo-lhes em qualquer ocasião todo o seu apoio.

Da devassa a que a Proclamação se refere, incumbira ele, antes de sua partida para Santos, ao juiz de fora de Taubaté, doutor António de Almeida Silva Freire da Fonseca, o qual, tendo de vir para S. Paulo com esse fim, requereu à Câmara que lhe aprontasse a necessária aposentadoria, sendo o respectivo requerimento lido em vereança do dia 8 e tendo o procurador do Conselho levantado dúvidas se se devia ou não atender ao requerido.

Ao regressar de Santos, sabendo que a Câmara levantara objeções e nada resolvera a respeito, determinou-lhe d. Pedro, por portaria de Luís de Saldanha da Gama, que desse a aposentadoria reclamada, na forma da lei, e explicasse as razões de suas dúvidas.

Em sessão de 11, pôs a Câmara o Cumpra-se na dita portaria e a 14, o magistrado taubateano, já em S. Paulo, oficiou-lhe, pedindo, para iniciar seus trabalhos, uma certidão autêntica do Termo de Vereança extraordinária, lavrado a 23 de maio, dia da bernarda, e a remessa de vinte cadernos de papel, sendo prontamente atendido em sua dupla requisição no próprio dia 14 [43].

No mesmo dia, expediu d. Pedro um decreto, determinando providências de caráter militar que pusessem "em segurança e ao abrigo de qualquer insulto este vasto, fértil e riquíssimo reino". Entre elas, ordenava que todo e qualquer indivíduo que voluntariamente assentasse praça no Corpo de Artilharia de Linha da Vila de Santos, não servisse mais que três anos, tendo baixa, impreterivelmente, no fim desse prazo, e no caso de que, por tal meio, se não conseguisse o complemento do quadro, que se procedesse a um recrutamento forçado, na forma das leis em vigor [44].

No dia 9, véspera de seu regresso para o Rio, baixou outro decreto, mandando que, em substituição do Governo Provisório, cujo mandato cassara a 25 de junho, ficassem encarregadas da Administração Provincial as "autoridades que sucediam na falta dos capitães-generais... como ordena o Alvará de 12 de setembro de 1770, até a instalação da Junta Provisória, que mando eleger" [45].

Em cumprimento desse decreto, tomou as rédeas da governação um triunvirato composto do bispo diocesano d. Matheus, do ouvidor interino da comarca, dr. José Correia Pacheco e Silva e do comandante interino das Armas da Província, marechal Cândido Xavier de Almeida e Sousa [46].

A 9 de janeiro de 1823 foi substituído o triunvirato, por um governo eleito de acordo com as recomendações do príncipe e assim composto: presidente - marechal Cândido Xavier; secretário - dr. José Correia Pacheco e Silva; e deputados - dr. Manuel Joaquim de Ornellas, coronel Anastácio de Freitas Trancoso, coronel Francisco Correia de Moraes (que não aceitou), capitão-mor da Vila de Santos João Baptista da Silva Passos e vigário João Gonçalves Lima.

Ainda no dia 8 - antevéspera de sua partida - pelas 12 horas, tendo obtido prévia licença, apresentou-se em palácio uma deputação de 20 a 24 pessoas, chefiada pelo velho coronel de Voluntários Reais, Anastácio de Freitas Trancoso [47], a qual, pelo órgão do padre Ildefonso Ferreira, que na ocasião tomou a palavra, ofereceu ao príncipe uma Guarda Cívica que pretendiam formar para sustentação da Independência, o que foi aceito entre grandes elogios e agradecimentos.

E por portaria dessa data, em que se repetiam os louvores e agradecimentos prodigalizados pessoalmente aos promotores da idéia, durante a audiência, foi concedida a licença indispensável para a formação de tal Corpo, que devia ser composto dos habitantes da província, sem distinção de comarcas, excluindo-se, porém, os militares de primeira e segunda linha, não reformados [48].

A Guarda, organizada pouco depois, sob o comando-chefe do coronel Trancoso, compunha-se de uma Companhia de Cavalaria, comandada pelo capitão dr. Justiniano de Mello Franco, e de duas Companhias de Infantes, comandadas pelos capitães António Xavier Ferreira e cirurgião-mor José Gonçalves Gomide. Tomou a denominação de Sustentáculo da Independência Brasílica, e durante algum tempo prestou serviços no policiamento da Capital.

Desde a sua fundação até a coroação do imperador, a 12 de outubro, reunia-se no saguão da Ópera quase todas as noites e daí saía, acompanhada de duas bandas musicais, a percorrer as ruas da cidade, cujas casas festivamente se iluminavam; e, com os hinos que oficiais e guardas cantavam patrioticamente, e que senhoras, debruçadas às janelas para vê-los passar e saudá-los, acompanhavam, os valentes sustentáculos da independência mantinham no coração dos paulistas o entusiasmo sagrado pela causa comum dos brasileiros [49].

Dando por terminada sua importante missão política na Província de S. Paulo, cujo êxito, pelos seus magníficos resultados, excedeu ao da sua anterior viagem a Minas, regressou d. Pedro para a Corte, na madrugada de 10, chegando a 14, sábado, pela tardinha, à Quinta de São Cristóvão. Gastara no trajeto somente cinco dias, apesar das chuvas torrenciais que caíram durante a viagem. Até então não se fizera - nem jamais se fez depois - em tão curto lapso de tempo, tão longa caminhada.

Posse  de d. Pedro no Grande Oriente. Manejos de Lêdo

Na mesma noite de sua chegada, dirigiu-se ao Grande Oriente a fim de empunhar o malhete de grão-mestre. É natural que aí se achando na própria ocasião em que voltava de sua gloriosa jornada, narrasse a seus irmãos tudo quanto houvera feito em nossa província, em prol da Independência; é natural que lhes contasse os pormenores todos do acontecimento do Ipiranga, não se esquecendo de referir-lhes que aqui fora publicamente aclamado primeiro rei do Brasil e que um jovem poeta, sob os delirantes aplausos da multidão inebriada, dera-lhe, pela primeira vez, o tratamento de imperador.

Não se deteve mais, diante dessas revelações, Joaquim Gonçalves Lêdo, e, na mesma sessão, propôs que o Grande Oriente, "que fora a primeira corporação que tomou a iniciativa da independência" (o que é uma inverdade, conforme demonstramos citando fatos, datas e documentos), também a tomasse na aclamação do seu monarca, "aclamando-o rei" (o que é uma impostura do grande vigilante, porque a Maçonaria não podia tomar a iniciativa de um feito que os paulistanos já tinham realizado publicamente sete dias antes, como o próprio novo grão-mestre dever-lhe-ia ter necessariamente relatado).

O secretário da Loja Commércio e Artes, brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto (pois que, tratando-se da posse do grão-mestre, tinha sido convocado todo o povo maçônico, filiado às três Lojas metropolitanas), tomou a palavra para declarar que d. Pedro devia ser aclamado Imperador Constitucional, e não Rei, e nesse caráter o aclamou por três vezes - no que foi ruidosa e unanimemente secundado por todos os obreiros presentes [50].

Da ata não consta que razões alegou Muniz Barreto, justificativas de sua preferência; mas, com toda a certeza, não teriam sido outras senão os próprios desejos manifestados por d. Pedro a seus diletos irmãos do quadro. Os paulistas assim o tinham aclamado, através de uma estrofe, banal como arte mas admirável como a sintetização de um sentimento geral, e os circunstantes aplaudiram-na com calor; José Bonifácio era desse parecer e o príncipe, ao que relata um autor que conhecia a fundo os bastidores da política de seu tempo, adotou a opinião de seu ministro "com exclusão de qualquer outra", opinião que já ficara assentada antes da partida do regente para S. Paulo [51].

Os adversários maçônicos de José Bonifácio, que só viam, para vencê-lo, um meio - a conquista integral da confiança do príncipe -, trataram logo de ir ao encontro de seus manifestos desejos, aclamando-o imperador e não rei. Por proposta de José Clemente Pereira, ficou resolvido que a cerimônia se realizasse no Campo de Sant'Anna, no dia 12 de outubro, aniversário natalício do novo soberano [52].

Preparativos para a aclamação. Exigência impolítica

Nomeou-se uma comissão para organizar os festejos comemorativos, a qual apresentou, na mesma ocasião, o seu programa, que consistia na colocação de cinco arcos no local escolhido, por conta da corporação. No dia seguinte compareceu d. Pedro no Teatro, onde foi saudado pelos espectadores como imperador; e no dia 16, Gonçalves Lêdo fez espalhar profusamente pela Capital uma proclamação anônima, de sua lavra, na qual, entre exclamações patrióticas, há frases de despeito contra a Província de S. Paulo, vanguardeira do movimento.

Dizia ele: "Cidadãos! A Liberdade identificou-se com o terreno americano; a Natureza nos grita Independência; a Razão o insinua, a Justiça o determina, a Glória o pede; resistir-lhes é crime, hesitar é dos covardes: somos Homens, somos Brasileiros. Independência ou Morte! Eis o grito da Honra, eis o brado nacional, que dos corações assoma aos lábios, e rápido ressoa desde as margens do corpulento Prata, quase a tocar nas do gigantesco Amazonas. A impulsão está dada, a luta encetou-se, tremam os tiranos, a vitória é nossa. Coragem! Patriotismo! o grande Pedro nos defende: os destinos do Brasil são os seus destinos. Não consintamos que outras Províncias mais do que nós se mostrem agradecidas. Eia, um passo, e tudo está vencido. Aclamemos o digno herói, o magnânimo Pedro, nosso primeiro Imperador Constitucional. Este feito glorioso assombre a Europa, e, recontado por milhares de cidadãos em todos os climas do universo, leve à Posteridade o festivo anúncio da Independência do Brasil" [53].

Aquela frase despeitosa - Não consintamos que outras Províncias mais do que nós se mostrem agradecidas - era, sem dúvida, uma pérfida alusão à atitude de S. Paulo, única província que até então se tinha manifestado a respeito, antecipando-se aos fluminenses, sem o menor intuito, aliás, de ter qualquer precedência sobre eles.

A 17, José Clemente Pereira, de acordo com Lêdo, expediu, como presidente do Senado da Corte, uma circular às Câmaras Municipais da Província do Rio [e das outras províncias mais próximas, segundo uma nota retificativa de RIO BRANCO a VARNHAGEN] [54], pedindo-lhes para aclamarem d. Pedro como imperador constitucional, no dia 12 de outubro, inserindo-se na ata respectiva a cláusula de que o imperador deveria prestar "previamente um juramento solene de jurar, guardar, manter e defender a Constituição, que fizer a Assembléia Geral Constituinte, e Legislativa Brasílica" [55].

Essa condição indignou altamente a José Bonifácio, que se opôs a que a Municipalidade da Capital formulasse tão disparatada exigência, rompendo, desde então, com o insidioso primeiro vigilante maçônico e seus comparsas.

Tinha José Bonifácio razão em insurgir-se contra a exorbitante pretensão dos radicalistas: entendia ele que, no jogo constitucional dos Poderes, cabia ao Executivo uma certa e justificada preponderância que lhe mantivesse o prestígio, a autoridade e a força; Lêdo e seus partidários, imbuídos dos princípios revolucionários vencedores na ex-metrópole, queriam deslocar essa preponderância para o Legislativo, submetendo-lhe o imperador, colocando-o sob a dependência nefária das maiorias eventuais, em geral incompetentes, que dominam despoticamente nas assembléias dessa natureza.

Se d. Pedro se sujeitasse a semelhante exigência inicial, a Constituição futura lhe imporia outras, porventura mais anárquicas e mais audaciosas, pondo-o inteiramente à mercê dos caprichos e impulsos do Poder Legislativo. José Bonifácio, que conhecia bem de que elementos pouco ponderosos se comporia o convocado Congresso, reagiu contra a tentativa que seus ingentes esforços malograram, e elevou a figura do imperador acima das competições dos corrilhos agrupados no Parlamento. Procedeu o velho Andrada com a sabedoria de um verdadeiro estadista; e Gonçalves Lêdo com a insensatez própria de um puro demagogo.

Esses patriotas que, depois da chegada do príncipe e de conhecerem os grandes acontecimentos ocorridos em nossa província, tanto se alvoroçavam para aclamar com urgência d. Pedro como imperador, não querendo que as demais províncias disputassem à do Rio de Janeiro tamanha glória - não pensavam assim uma semana antes. E a prova é que ainda a 7 de setembro, a Câmara da Corte, em ofício-circular dirigido às principais câmaras das outras províncias, e assinado por seu presidente, José Clemente Pereira (orador da Loja União e Tranqüilidade), pelos vereadores João Soares de Bulhões, José Pereira da Silva Manuel (da Loja Esperança, de Niterói) e Manuel José da Costa e pelo procurador José António dos Santos Xavier, expunha-lhes as razões ponderosas que lhe fazia "prever a necessidade de investir quanto antes o príncipe regente no exercício efetivo de todos os atributos do Poder Executivo, que no sistema constitucional competem ao Rei Constitucional".

Não quer a Câmara carioca, entretanto, dar esse grave passo, sem consultar a vontade das outras Câmaras brasileiras, cujo pronunciamento pede como legítimas representantes dos povos. Nesse ofício, de redação difusa, confusa e cautelosa, traindo a pena de seu primeiro signatário, evita-se de falar em proclamar o príncipe como rei, usa-se de uma circunlocução e escreve-se: "... investir a S. A. R. sem demora no exercício de todos os atributos, que pela Constituição lhe devem competir como Chefe do Poder Executivo".

Do que não se olvidam de falar claramente é da necessidade da subordinação constitucional do regente, de quem timbravam sempre em desconfiar: "Dizemos pela Constituição, porque sem esta qualidade essencial, longe de lhe desejarmos mais poderes, trabalharíamos por lhe tirar o que ele tem..." [56].

Enquanto isso, enquanto o Senado da Corte propõe aos das demais províncias a adoção daquela medida - o príncipe, no mesmo dia em que era assinado no Rio o ofício-circular, proclamava em S. Paulo nossa independência política e era aclamado pelo povo paulista como nosso primeiro imperador! E querem os fluminenses disputar aos paulistanos a primazia do glorioso feito!

Em S. Paulo

A Municipalidade Paulista, logo que recebeu o ofício aludido, mandou publicar um edital, convocando todos os habitantes da Capital a concorrerem no dia 28 de setembro nos Paços do Conselho, para deliberarem a respeito da consulta vinda do Rio, o que se realizou com a presença, além dos vereadores, de 158 pessoas gradas, e grande massa popular.

Foi aprovado o alvitre do Senado Municipal do Rio, ao qual comunicou a nossa Edilidade a sua adesão, em ofício da mesma data, assinado pelo presidente Bento José Leite Penteado, pelos vereadores dr. Manuel Joaquim de Ornellas, sargento-mor António Sabino da Fonseca e capitão José de Almeida Ramos, e pelo procurador transato, o capitão António José Vieira Barbosa, que estava substituindo o efetivo Luís Manuel da Cunha Bastos, intimado, como envolvido na bernarda de Francisco Ignácio, a retirar-se para fora da cidade, por ordem de S. A. R., comunicada pelo comandante das Armas marechal Cândido Xavier ao capitão-mor Eleutério da Silva Prado [57]. A Câmara oficiou ainda a d. Pedro, enviando-lhe uma cópia da vereança extraordinariamente realizada naquele dia [58].

Com o regresso, porém, ao Rio, do imperador aclamado em S. Paulo, com as notícias que tiveram do que aqui se tinha passado e resolvido, tomaram ânimo, como acima dissemos, os maçons cariocas, e deliberaram agir na conformidade dos fatos paulistanos, mas aparentando orgulhosamente que agiam por iniciativa e espontaneidade própria.

Em virtude das medidas aprovadas pela Assembléia Geral do Povo Maçônico, na sessão de 14 de setembro, e às quais minuciosamente nos referimos acima, a Municipalidade do Rio, três dias depois, a 17, expediu às outras Municipalidades do país uma nova circular, comunicando-lhes que tinha "acordado aclamar solenemente no dia 12 de outubro o senhor dom Pedro de Alcântara, hoje príncipe regente do Brasil, e seu Defensor Perpétuo, primeiro imperador constitucional do Brasil" e pedindo-lhes para procederem da mesma forma no mesmo dia. Este ofício, além das assinaturas contidas no precedente, menos a do vereador Manuel José da Costa, trazia a de Domingos Vianna Gurgel do Amaral [59].

A Municipalidade desta Capital, reunida em vereança extraordinária a 30, tomou conhecimento da circular, e mandou que se distribuíssem pela Cidade editais, designando o dia 12 de outubro para se "aclamar a S. A. R. primeiro imperador deste Reino do Brasil, no dia 12 de outubro próximo" e determinando que se fizessem luminárias por "nove dias sucessivos" [60].

***

Afirmamos há pouco que os episódios principais do drama histórico de nossa independência política tinham tido por seu predileto cenário a Província de S. Paulo. E não foi apenas o cenário que S. Paulo ofereceu para a representação desse drama; foi também o concurso pessoal de seus maiores filhos, que nele tiveram os principais papéis, a cooperação coletiva de seu grande povo, o apoio entusiástico da opinião da Província, desde os incertos primórdios do movimento até o seu decisivo remate. Dos fatos que documentadamente narramos, das considerações que imparcialmente fizemos, dos argumentos que aqui sugerimos, resulta, lógica, positiva, irrecusavelmente:

1º) Foi a Província de S. Paulo a primeira a organizar um governo de franca solidariedade e submissão ao regente, constituindo-o destarte no centro de união em torno do qual deviam congregar-se todas as províncias - passo inicial indispensável para a preparação da Independência; e que foi José Bonifácio quem organizou pessoalmente esse governo no comício de 21 de junho de 1821.

2º) O Governo Provisório de S. Paulo, organizado e proposto ao povo e tropas por José Bonifácio, que foi seu vice-presidente e sua figura de maior preponderância, foi o primeiro a pedir ao regente que ficasse no Brasil, em ofício de 11 de outubro daquele ano, isto muito antes de as Cortes ordenarem seu regresso para Lisboa, e só porque a atitude irrefletida da Junta da Bahia, e outras, não lhe reconhecendo autoridade governamental alguma, tornariam desnecessária sua presença no País, levando-o, por falta de funções, a abandonar o seu posto, ou espontaneamente, ou a posterior chamado do Congresso Português.

3º) O mesmo governo foi o único a orientar os deputados da Província em Cortes como deveriam agir em relação aos negócios do Reino Unido, aos de cada reino separadamente e aos de S. Paulo em particular, dando-lhes instruções expressas, das quais foi redator José Bonifácio, e que constituíam um notável programa político que a Municipalidade do Rio tratou de adotar como seu e considerou como a consubstanciação das necessidades reais de todas as províncias naquele momento. Por esse programa dar-se-ia uma larga organização autonômica aos dois reinos, e resolver-se-iam os problemas internos mais importantes do Reino do Brasil, que assim se prepararia para uma futura vida independente e soberana.

4º) Depois dos projetos recolonizadores da Assembléia Portuguesa e da ordem ao príncipe para se recolher à pátria de origem, foi o governo de S. Paulo o primeiro a pedir a Sua Alteza que ficasse, desobedecendo formalmente àquela ordem, emanada das Cortes, enquanto os patriotas do Rio, bem intencionados, mas mal orientados, hesitavam no partido a tomar, sondavam preliminarmente as disposições de d. Pedro e esperavam que as outras províncias, para quem apelaram por meio de mensageiros especiais, manifestassem previamente suas opiniões a respeito.

José Bonifácio não aguardou, em nome de S. Paulo, que as mais províncias se pronunciassem primeiramente para então definir-se. Ao contrário, logo que teve notícia, pela Gazeta Official, dos decretos de Lisboa, redigiu e fez expedir ao regente o célebre ofício de 24 de dezembro de 1821, que chegou às mãos de seu real destinatário a 1º de janeiro de 1822 e que o decidiu finalmente a ficar no Brasil.

Não contente com esse gesto, despachou para Minas um seu sobrinho, com ofícios para a Junta de Vila Rica, solicitando-lhe urgente adesão e solidariedade, o que conseguiu prontamente, ao passo que o emissário enviado à mesma Junta pelos chefes fluminenses fora mal acolhido e estava sob a iminência de receber voz de prisão, quando o agente de S. Paulo apareceu, desfazendo todas as dúvidas e aplainando todas as dificuldades.

5º) A primeira representação feita ao príncipe, solicitando-lhe para ficar, e a primeira que Sua Alteza recebeu e leu, impressionando-se vivamente com ela, foi a do Governo de S. Paulo, verdade que provamos, confrontando as datas das outras e citando o próprio testemunho epistolar do regente (carta de 2 de janeiro a d. João VI).

6º) Tendo recebido essa enérgica representação, logo o príncipe se despojou de todas as suas hesitações anteriores e resolveu não cumprir a ordem das Cortes, deixando-se ficar no Brasil.

7º) A viagem de d. Pedro a S. Paulo não foi para corresponder ao apelo do Governo Provisório, que se lhe tornara hostil, que ele dissolvera e que contudo se mantinha nas suas funções ilegalmente; mas para tornar efetivo o cumprimento de suas ordens e organizar aqui uma administração interina que lhe prestasse apoio e fidelidade. Essa viagem, que decidiu, com tanta felicidade, dos destinos políticos do Brasil, só lhe poderia ter sido sugerida pelo homem que maior confiança lhe inspirava, pelo seu dedicado primeiro-ministro, por José Bonifácio.

8º) Este, compreendendo não poder demorar por mais tempo o desfecho da longa crise, em vista da crescente excitação dos espíritos, quis, provavelmente, aproveitar o ensejo para forçar d. Pedro a proclamar a Independência quando se achasse em S. Paulo, e com isso visava ele dois fins: evitar que o ato se realizasse no Rio, para tirar-lhe o aspecto de imposição feita ao príncipe pela população carioca, dando-lhe um caráter de espontaneidade por se ter verificado longe do foco das agitações mais vivas; e honrar a província de seu nascimento com a glória de tão grande feito.

9º) Uma carta de José Bonifácio, cujos conselhos dona Leopoldina pedia ao príncipe que seguisse, foi que destruiu, às margens do Ipiranga, as últimas vacilações porventura ainda remanescentes no espírito de d. Pedro, estimulando-o a proclamar ali mesmo a nossa independência política.

10º) Foi em S. Paulo que o príncipe regente recebeu, pela primeira vez, em público, o tratamento de Imperador.

11º) Em S. Paulo é que ele foi, pela primeira vez, aclamado como soberano da nova Nação, como seu primeiro monarca, seu primeiro rei.

12º) Quando ele daqui se retirou, para os paulistas já não era mais o príncipe regente em nome do Governo Português, mas sim o primeiro rei do novo Reino do Brasil - independente, soberano e livre.

13º) A Maçonaria só resolveu sobre a necessidade de se proclamar a Independência depois que d. Pedro, orientado e persuadido por José Bonifácio, mais no caráter de ministro do que no de grão-mestre da Ordem, partira para S. Paulo resolvido a proceder em tal conformidade.

A Maçonaria, par levar a cabo o seu projeto, tratara de mandar às diversas províncias do Norte e do Sul emissários incumbidos de fazer a respectiva propaganda. Como sempre, os fluminenses não se atreviam a dar nenhum passo decisivo, sem que pedissem primeiramente a adesão e o apoio das outras províncias. Se se fosse esperar esse demorado trabalho de propaganda por províncias afastadas, a Independência só se faria muito depois de 7 de setembro.

Enquanto os maçons, no seu afã proselítico, despacham agentes para fora a propagar uma idéia que já tinha conquistado todos os espíritos e que só precisava de uma vontade resoluta para se concretizar definitivamente em realidade, d. Pedro, instigado pelo seu ministro, proclama a Independência, no meio dos mais entusiásticos e gerais aplausos do adiantado povo da Província de S. Paulo, sem esperar que outras províncias lhe dissessem de novo o que ele sabia que estava na consciência de todos os brasileiros.

Só para a Maçonaria, e para os seus membros mais influentes - Gonçalves Lêdo e José Clemente Pereira - é que a idéia da proclamação imediata da Independência dependia ainda de propaganda; para José Bonifácio, não; o que se tornava preciso unicamente era vencer as últimas resistências da vontade de d. Pedro - indeciso em romper com o pai e com a Pátria e em sacrificar o trono, que lhe cabia por direito, de um país europeu de grandes tradições passadas.

14º) Só depois do regresso de d. Pedro é que o Grande Oriente, sabedor do que havia ocorrido na Província de S. Paulo, e no intuito de se inculcar como iniciador de uma idéia que aqui já era plena realidade, deliberou, na mesma noite da chegada do Príncipe, declarar a Independência e aclamá-lo imperador. Isto sucedeu na noite de 14 de setembro, quando o príncipe mal se apeara ao portão da Quinta da Boa Vista, correu ao Grande Oriente, a tomar parte na sessão extraordinariamente convocada para lhe dar posse do cargo de grão-mestre.

Os maçons souberam, pois, na mesma noite da volta de d. Pedro, e, portanto, antes de quaisquer outros, do que ocorrera em S. Paulo, e daí a pressa que se deram em precipitar a aclamação, com o evidente propósito de passarem por seus primeiros apologistas, como se patenteia do discurso que pronunciou então Gonçalves Lêdo.

Um pormenor, entretanto, deve ser tomado em consideração neste momento. Como é que, tendo chegado a São Cristóvão, à boca da noite, sobrou tempo ao príncipe para entender-se com os altos dignitários do Grande Oriente, participando-lhes seu regresso, e a estes para convocarem os Irmãos a reunirem-se na mesma noite, sabendo-se que as comunicações urbanas eram demoradas e difíceis naquele tempo?

O que nos parece é que ele, ao responder de S. Paulo à prancha em que o Grande Oriente lhe dava conhecimento de sua eleição para o grão-mestrado, designou o dia 14 para a cerimônia do seu empossamento nas respectivas funções. Como, porém, os sucessos de 7 de setembro o tivessem demorado em S. Paulo um pouco mais do que pretendia - essa foi a razão, provavelmente, por que daqui partiu, com toda a velocidade, na madrugada de 10, transpondo debaixo de chuvas diluviosas, a distância entre as duas capitais em 5 dias - proeza hípica que, nem antes nem depois dele, viajante algum conseguiu realizar, ao que afirmam os vários cronistas da Independência.

D. Pedro tomava muito a sério a Maçonaria e, sobretudo depois do gesto do Ipiranga, não queria faltar ao compromisso que perante ela assumira de tomar conta do malhete na noite de 14.

Convém relembrar aqui que, nos extratos das atas maçônicas, publicadas por PEREIRA DA SILVA [61] e MELLO MORAES [62], reina, como já notamos em passagem anterior, a mais deplorável confusão de datas, em relação à equivalência do calendário da Ordem com o calendário profano. O BARÃO DO RIO BRANCO, em suas notas à História da Independência, desfez essa confusão e restabeleceu a ordem cronológica alterada indevidamente.

Para se aquilatar até que ponto ia a desordem das datas, basta dizer que dos extratos consta que na sessão de 4 de outubro é que foi deliberado aclamar-se imperador a d. Pedro, designando-se o dia 12 para esse fim. Ora, a 17 de setembro, a Câmara da Corte, por iniciativa de seu presidente José Clemente Pereira, expedira às das províncias o ofício de que já falamos, declarando-lhes que tinha tomado aquela dupla resolução e pedia-lhes que a imitassem; e a Câmara da Corte, como se vê dos referidos extratos e de outros documentos, só adotava, em regra geral, as providências provadas pelo Grande Oriente, as quais lhe eram transmitidas pelo seu presidente, maçom graduado e que não faltava às sessões convocadas para fins políticos.

Ainda na sessão de 15 de setembro, propondo um obreiro que o título de Defensor Perpétuo passasse por herança aos descendentes de d. Pedro, proposta que foi aprovada, um outro irmão lembrou que, embora aprovada pela Maçonaria, tal concessão dependia do necessário consentimento do povo. "Reconhecida a legalidade da medida - reza o extrato da ata - encarregou-se o maçom José Clemente Pereira de a propor na primeira vereação da Câmara de que era presidente, para que fosse adotada, se assim conviesse". A Câmara, pois, só adotava os alvitres já vencedores no seio da Ordem Maçônica. Se, portanto, a 17 de setembro, ela deliberou aclamar d. Pedro no dia 12 de outubro, é indubitável que a Maçonaria a tinha precedido nessa resolução. RIO BRANCO procedeu com acerto, retificando todas as datas erradas.

15º) José Bonifácio, dentro ou fora da Maçonaria, em S. Paulo ou na Corte, foi a alma de todo o intenso movimento; foi ele o fator principal do Fico e do Sete de Setembro, e, portanto, o Patriarca de nossa Independência, o Fundador da Pátria Brasileira!


NOTAS:

[1] Obra citada, pág. 161.

[2] Obra citada, pág. 179.

[3] VARNHAGEN - Obr. cit., págs. 179 a 180.

[4] Obr. cit., pág. 320.

[5] Obr. cit., vol. cit., pág. 730.

[6] Idem, pág. 40.

[7] MELLO MORAES - Hist. das Const., vol. 1º, págs. 79 a 80; PEREIRA DA SILVA - Hist. da Fund. do Império, vol. 7º, págs. 339 a 347.

[8] Nota 36 à pág. 167 da História da Independência.

[9] Devem-se estes pormenores às conscienciosas investigações feitas pelo sr. Basílio de Magalhães nos arquivos maçônicos do país.

[10] Obr. cit., pág. 40.

[11] Obr. cit., pág. 46.

[12] OLIVEIRA LIMA - Obr. cit., pág. 149, nota 1.

[13] Cartas inéditas da Imperatriz Dona Leopoldina (Nota explicativa da Rev. do Inst. Hist. Bras.).

[14] OLIVEIRA LIMA - Obr. cit., pág. 149.

[15] ALBERTO RANGEL - Obr. cit., pág. 27, nota 3.

[16] Cartas inéditas da Imperatriz Dona Leopoldina.

[17] Idem.

[18] É a seguinte, na íntegra, a carta suposta de 28 de abril, segundo a má redação do tradutor português, redação que escrupulosamente respeitamos: "Recebido em 28 de abril de 1821. - Debaixo do maior segredo, de modo que nem viva alma o possa sequer suspeitar, tenha V. a bondade de fretar para mim uma embarcação que zarpe brevemente para Portugal, visto que meu Esposo deve seguir dentro de 3 dias e eu devo ficar aqui por tempo indeterminado motivos que não estou autorizada a divulgar, não m'o permitem, sou obrigada a procurar minha salvação na fuga legitimada pelo consentimento de meu Esposo. 1 - Desejaria encontrar nesta embarcação, que deve ser segura e veleira, cômodos para uma família alemã composta de 6 pessoas. 2 - Queira procurar-me uma boa ama de leite, saudável e jeitosa para meu filhinho que nascerá no mar e que, dessa forma, não será nem brasileiro nem português. Tudo isto debaixo do maior segredo, ninguém deve sequer suspeitar. Entrego a minha sorte, minha felicidade nas mãos de um Alemão, de um patrício, espero que ele não me enganará".

[19] O trecho em alemão é o seguinte: "Pernambuco will zum Gehorsam eilen, aber nichts von Cortes - das soll es nicht auszern, denn sonst willigt er nicht ein", que o tradutor assim verteu: "Pernambuco deseja voltar à obediência mas não quer nada saber das Cortes - não deverá, porém, externá-lo, sob pena do imperador não aquiescer".

[20] Obra citada, página 149.

[21] Eis o texto íntegro desta cartinha suplementar: "Na pressa em que eu estava, esqueci dizer-lhe que julgo preferível que os brasileiros conscienciosos deixem meu esposo organizar o governo como ele bem o entende. No caso contrário, esta particularidade insignificante talvez impedisse que ele aqui ficasse. Eles devem sobretudo prometer assumir toda a responsabilidade perante as Cortes. Assegurando-lhe minha eterna amizade e benevolência, continuo - Sua bem afeiçoada Leopoldina".

[22] E. EGAS - O Grito do Ipiranga, págs. 16 a 17.

[23] Relato do padre Belchior Pinheiro em O Grito do Ipiranga, de Assis Cintra (pág. 213), e Relato de Canto e Mello (mesma obra, págs. 218 a 219).

[24] Nasceu em Lisboa a 24 de março de 1762, falecendo no Rio de Janeiro a 17 de fevereiro de 1830, já com os direitos de cidadão brasileiro, por ter aderido à Independência. Vindo para o Rio de Janeiro em 1811, fez, com o maestro brasileiro, padre José Maurício, as delícias da Corte de d. João VI, monarca mui caroável em matéria de arte musical, como é sabido. (SACRAMENTO BLAKE - Diccionário, vol. 6º, págs. 220 a 221). O Hino da Independência é de sua lavra exclusiva, como se afirma no texto.

[25] MELLO MORAES - Hist. das Constituições, vol. 1º, pág. 53, col. 2ª.

[26] Hymnos patrióticos compostos por Evaristo Ferreira da Veiga, por occasião da Independência do Brasil, pág. 52.

[27] Nasceu no Rio de Janeiro, a 21 de fevereiro de 1795, do matrimônio de Joaquim Mariano da Silva e dona Joaquina Rosa da Silva. Estudou música com o padre José Maurício, fazendo assombrosamente rápidos progressos no aprendizado da difícil arte. Ainda muito jovem compôs um Te Deum pelo qual d. Pedro, ainda príncipe, aquilatou de seus méritos, prometendo mandá-lo concluir seus estudos na Itália. Admitido à orquestra da Real Câmara, que tinha Marcos Portugal por seu maestro, foi perseguido tenazmente por este compositor português, que não podia conformar-se com as precoces demonstrações artísticas do novel compositor, em quem antevia um emulo, um rival, um concorrente futuro.

Em 26 de junho de 1841 foi nomeado mestre compositor de música da Imperial Câmara, e, por morte de Marcos Portugal, foi nomeado para substituí-lo, a 17 de maio de 1842, no lugar de mestre da Capela Imperial. Quando, a 30 de março de 1862 se inaugurou a estátua do primeiro imperador no Largo do Rocio, Francisco Manuel dirigiu a orquestra, composta de 242 músicos e 653 cantores, que executou ao ar livre, em grande instrumental, um Te Deum em comemoração do ato. Faleceu Francisco Manuel na terra de seu berço, em 18 de dezembro de 1865 (MOREIRA DE AZEVEDO - O Rio de Janeiro, 2º volume, págs. 213 a 217).

[28] Páginas Brasileiras, págs. 295 a 299.

[29] LUÍS FRANCISCO DA VEIGA - Hymnos patrióticos compostos por Evaristo Ferreira da Veiga, págs. 42 a 43.

[30] Relato citado, de Canto e Mello (In ASSIS CINTRA - O Grito do Ipiranga, pág. 218).

[31] EUGÉNIO EGAS - O Grito do Ipiranga, pág. 20.

[32] O sr. EUGÉNIO EGAS (opúsc. cit., pág. cit.) chama-lhe impropriamente camarim imperial, pois que d. Pedro ainda não era imperador.

[33] Relato publicado por ASSIS CINTRA (Obr. cit., pág. 225).

[34] SACRAMENTO BLAKE - Diccionário Bibliográphico, 7º vol., pág. 282.

[35] Relato publicado por ASSIS CINTRA (Obr. cit., pág. 219). Não sabemos com que fundamento o sr. EUGÉNIO EGAS (opúsc. cit., pág. 21) assevera que a poesia a que pertencem estes versos foi atribuída a d. Pedro.

[36] Relato cit. (In ASSIS CINTRA - Obr. cit., pág. 219).

[37] LUÍS FRANCISCO DA VEIGA - Hymnos patrióticos de Evaristo da Veiga, pág. 55.

[38] EUGÉNIO EGAS - Opúsc. cit., págs. 21 a 22.

[39] Idem, ibidem. À página 19 lê-se: "A platéia, mobiliada com bancos; e para os camarotes as famílias mandavam cadeiras" e à página 22: "...o padre Ildefonso voltou para a platéia, subiu numa cadeira, e, de frente para o camarote imperial...". São nossos os grifos da transcrição. Quanto aos pormenores acerca das festas dessa noites extraiu-os o autor da narrativa do dr. PAULO DO VALLE e outros, os quais entretanto não dizem que o padre Ildefonso tenha subido ou não a uma cadeira. Dessas narrativas o que se depreende é que aquele sacerdote falou do camarote em que se achava com seus correligionários, e é mais natural que assim tenha acontecido.

[40] Os grifos são nossos (N.E.: isto é, do autor Alberto Sousa).

[41] Coleção do Inst. Hist. do Ceará, págs. 150 a 151.

[42] Os grifos são nossos. Eis o documento, em sua íntegra: "Honrados paulistanos: - O amor que eu consagro ao Brasil em geral, e à vossa Província em particular, por ser aquela que, perante mim e o mundo inteiro fez conhecer primeiro que todas o sistema maquiavélico, desorganizador e faccioso das Cortes de Lisboa, me obrigou a vir entre vós fazer consolidar a fraternal união e tranqüilidade que vacilava, e era ameaçada por desorganizadores, que em breve conhecereis, fechada que seja a devassa, a que mandei proceder. Quando eu mais que contente estava junto de vós, chegam notícias que de Lisboa os traidores da nação, os infames deputados pretendem fazer atacar o Brasil e tirar-lhe de seu seio seu defensor; cumpre-me como tal tomar todas as medidas que minha imaginação me sugerir; e para que estas sejam tomadas com aquela madureza que em tais crises se requer, sou obrigado, para servir ao meu ídolo, o Brasil, a separar-me de vós (o que muito sinto) indo para o Rio de Janeiro ouvir meus conselheiros e providenciar sobre negócios de tão alta monta. Eu vos asseguro que cousa nenhuma me poderia ser mais sensível do que o golpe que minha alma sofre, separando-me de meus amigos paulistanos a quem o Brasil e eu devemos os bens que gozamos e esperamos gozar de uma constituição liberal e judiciosa.

"Agora, paulistanos, só vos resta conservardes união entre vós, não só por ser esse o dever de todos os bons brasileiros, mas também porque a nossa Pátria está ameaçada de sofrer uma guerra, que não só nos há de ser feita pelas tropas que de Portugal forem mandadas, mas igualmente pelos servis partidários e vis emissários, que entre nós existem atraiçoando-nos. Quando as autoridades vos não administrarem aquela justiça imparcial, que delas deve ser inseparável, representai-me que eu providenciarei. A divisa do Brasil deve ser - Independência ou morte. Sabei que quando trato da causa pública, não tenho amigos e validos em ocasião alguma. Existi tranqüilos, acautelai-vos dos facciosos sicários das Cortes de Lisboa; e contai em toda a ocasião com o vosso defensor perpétuo. Paço, em 8 de setembro de 1822 - Príncipe Regente".

[43] Actas da Câmara Municipal de S. Paulo, vol. XXII, págs. 633 a 636; Registro Geral da Câmara Municipal de S. Paulo, vol. XVI, págs. 465 a 467.

[44] Collecção de Leis do Império do Brasil, vol. 1º, pág. 71.

[45] HOMEM DE MELLO - História Política do Brasil, pág. 224.

[46] O dr. PAULO DO VALLE, em sua narrativa, equivoca-se, dando o marechal Cândido Xavier como comandante da Praça de Santos, quando entrou para o triunvirato governamental. Ele já era então governador interino das Armas da Província e por estar investido nesse alto cargo é que, na forma do alvará citado, lhe competia fazer parte do governo, que era composto da primeira autoridade eclesiástica, da primeira autoridade civil e da primeira autoridade militar. O cargo de Governador da Praça de Santos estava sendo exercido, como já vimos, pelo tenente-coronel Aranha Barreto, e não dava direito ao ingresso nos altos conselhos da administração provincial.

[47] Era natural de Paranaguá e filho de António Ferreira Matoso, capitão-mor dessa vila. Com 25 anos foi, de capitão de Auxiliares, transferido para posto idêntico no Batalhão de Infantaria do Regimento de Voluntários Reais, criado pelo capitão-general Martim Lopes Lobo de Saldanha, a 1º de dezembro de 1755. (Docs. Interess., vol. XXVIII, pág. 110). Armou e fardou à sua custa a companhia de que era capitão, com a qual marchou para o Sul, distinguindo-se pela sua bravura e amor à disciplina. Chegou ao posto de coronel, no qual morreu em 1830. AZEVEDO MARQUES (Apontamentos, vol. 1º, pág. 11, col. 2ª) engana-se quando o dá como capitão de Cavalaria dos Voluntários Reais.

[48] Collecção de Leis do Império do Brasil, 1º vol., págs. 72 a 73.

[49] PAULO DO VALLE - Relato citado (Em ASSIS CINTRA - D. Pedro I e o Grito da Independência, págs. 228 a 229). Entre outras figuras importantes, faziam parte da Guarda Cívica para sustentação da Independência: João Nepomuceno de Almeida, Anastácio de Freitas Trancoso, cirurgião-mor Joaquim Theobaldo Machado, padre Ildefonso Xavier Ferreira, Francisco Jorge de Paula Ribeiro, José Gonçalves Gomide, Joaquim Cardoso, Floriano da Costa Silva, capitão Bento Correia Leme, físico-mor dr. Justiniano de Mello Franco, Januário António de Araújo, Joaquim José Machado, António Xavier Ferreira, José Gomes Segurado, Manuel José Chaves, José Francisco Xavier dos Santos, Joaquim José Freire da Silva, Roberto Whatkins, João Manuel de Almeida, João Olyntho de Carvalho, António Joaquim de Araújo Leite, Francisco Xavier de Assis, José Xavier de Azevedo Marques (praticante da Contadoria), padre João Nepomuceno Fernandes Souto, Innocêncio José Rodrigues de Vasconcellos, Manuel José Rodrigues da Silva, José Elias de Carvalho, padre Manuel Joaquim de Oliveira, Manuel José da Silva Castro, Joaquim Gonçalves Gomide, José António Pimenta, padre Marcellino Ferreira, padre Jerónymo Máximo Rodrigues Cardim, padre Manuel de Faria Dória, Cândido Gonçalves Gomide, padre Joaquim de Azevedo Marques, Francisco de Assis Pinheiro e Prado, Joaquim Rodrigues Goulart, José Gonçalves Gomide, padre Manuel Joaquim Leite Penteado, José Teixeira dos Santos, José Rodrigues Velloso de Oliveira, padre José Joaquim de Oliveira Braseiros, Joaquim Bordes de S. Payo, capitão António da Silva Prado, João Ribeiro da Lapa e Silva, António Joaquim Furquim Justino, Ignácio José César, Miguel António de Godoy, Thomás Gonçalves Gomide, João Gonçalves Gomide, Francisco de Assis Gonçalves Gomide, Martim Gonçalves Gomide, padre Joaquim de Sant'Anna Mota, padre José Manuel de Sousa, Manuel Ribeiro de Araújo, sargento-mor reformado Francisco Xavier Pinheiro, vigário colado José Basílio Rodrigues Cardim, Manuel Euphrásio de Azevedo Marques (escrivão da Pagadoria), João José Moreira (praticante da Contadoria), Bento José da Silva Rêgo, capitão António Bernardo Bueno da Veiga, Manuel Delphino da Fonseca (oficial da Contadoria) e professor Francisco de Paula e Oliveira (Actas da Câmara Municipal de S. Paulo, vol. XXII, págs. 653 a 664).

[50] Nota de RIO BRANCO à História da Independência, pág. 190.

[51] VASCONCELLOS DE DRUMMOND - Obr. cit., pág. 45.

[52] MELLO MORAES - Obr. cit., vol. 1º, pág. 92, col. 1ª. Na nota nº 18, de RIO BRANCO, à pág. 190 da Hist. da Independência, diz-se, naturalmente por erro de composição gráfica, que a aclamação foi marcada para 1º de outubro.

[53] VARNHAGEN - Hist. da Independência, pág. 189.

[54] Hist. da Independência, pág. 192. Tem razão RIO BRANCO, porquanto a Câmara desta Capital recebeu o ofício-circular de que se trata, como narramos no texto.

[55] Registro Geral da Câmara Municipal de S. Paulo, vol. XVI, págs. 479 a 480.

[56] Registro Geral da Câmara Municipal de S. Paulo, vol. XVI, págs. 475.

[57] Registro Geral da Câmara Municipal de S. Paulo, vol. XVI, págs. 469.

[58] Actas da Câmara Municipal de S. Paulo, vol. XXII, págs. 638 a 646, e Registro Geral, vol. cit., pág. 478.

[59] Registro Geral, vol. cit., págs. 479 a 481.

[60] Actas da Câmara Municipal de S. Paulo, vol. cit., págs. 646 a 648.

[61] Hist. da Fund. do Imp. do Brasil, vol. 7º, págs. 339 a 348.

[62] Hist. das Constituições, vol. 1º, págs. 90 a 92.

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