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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - BIBLIOTECA
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A história do Patriarca da Independência e sua família

Esta é a transcrição da obra Os Andradas, publicada em 1922 por Alberto Sousa (Typographia Piratininga, São Paulo/SP) - acervo do historiador Waldir Rueda -, volume II, com ortografia atualizada (páginas 199 a 214): 
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PRIMEIRA PARTE - PRELÚDIOS DA INDEPENDÊNCIA

Capítulo IV - Acontecimentos em S. Paulo

Prévia elucidação

a época que estamos estudando, posterior ao regresso de d. João VI, não havia propriamente um movimento republicano bem caracterizado e organizado, e nem mesmo o ideal de uma independência plena alimentava o mesmo fogo que acendera o facho revolucionário em diferentes pontos do território nacional.

A Revolução Portuguesa, vitoriosa em nome da liberdade, abrindo novos horizontes à expectativa do povo brasileiro, viera operar manifestamente uma profunda modificação nos seus sentimentos anteriores. A possibilidade de se organizar o Brasil nas mesmas condições de Portugal, abolido o regime odioso dos governadores militares com poderes discricionários, outorgados por um monarca absoluto e irresponsável; a concessão de uma autonomia tão ampla quanto o permitisse a natureza dos novos laços políticos que deveriam estreitar mais fortemente a união dos dois reinos - calaram fundamente no espírito de nossos compatriotas, levando-os a aceitar, como uma solução adequada e oportuna, o sistema constitucional que se prometia solenemente para os povos de ambos os hemisférios.

Dantes, sob o peso da tirania absolutista, só viam os patriotas um meio de melhorar a situação de sua terra - era proclamar-lhe a completa independência política, separando-a definitivamente do tronco português apodrecido. Com a vinda da família real, e a conseqüente elevação da colônia a reino unido com sua antiga metrópole, ganhara-se bastante, como já verificamos; mas a forma retrógrada do governo criava obstáculos de toda a sorte à livre expansão de nossas forças nativas.

Era, aliás, um melhoramento temporário, que cessaria com o regresso da Corte à sua histórica sede tradicional, tão depressa desaparecessem os motivos que tinham determinado sua transitória trasladação para a América. Realizado esse fato, é natural que a agitação em prol da independência recomeçasse de novo, revestida logicamente de sua primitiva forma republicana, porque, não possuindo o Brasil dinastias dentro de suas fronteiras, não poderia portanto apelar para uma solução diferente.

Mas essa mesma agitação foi sobreestada pelo advento do constitucionalismo, de cujos apetitosos frutos antecipadamente prelibávamos o nectário sabor. As diversas correntes afluíram, pois, para esse foco de convergência, aberto e franqueado a todas as atividades cívicas. A maioria de republicanos, que Silvestre Pinheiro vislumbrara com alarma na população do Rio de Janeiro, calara a sua voz diante das circunstâncias que se vinham criando para o Brasil, por uma sucessão ininterrupta de inesperados acontecimentos.

A propaganda republicana, chefiada nessa época por Gonçalves Ledo e seus colegas de luta, não passa de uma lenda imaginada fabulosamente por alguns adversários atuais de José Bonifácio, para lhe denegarem o título de Patriarca da Independência e o apresentarem como um espírito iliberal, abaixo de sua missão e aquém das tendências e aspirações da generalidade de seus contemporâneos.

Não queremos negar que aquele orador e publicista, apoiado pela propaganda e pela ação de seus aderentes, tivesse feito outrora questão capital do regime republicano por ocasião de iniciarmos as nossas lutas emancipadoras. Isso teria ocorrido, porém, no segredo das Lojas Maçônicas, onde intenso era o trabalho político, e antes que as vistas dos chefes principais se fixassem em d. Pedro como elemento capaz de realizar a transformação por que todos ansiavam.

O que constitui, porém, um desrespeitoso falseamento à verdade positiva é proclamar-se que Joaquim Gonçalves Ledo - enquanto José Bonifácio se mantinha partidário da união constitucional dos dois reinos - inflamava os corações e impressionava a opinião pública com seus formidáveis artigos do Revérbero, em prol da independência [1].

Isso é positivamente uma falsidade histórica que não pode passar sem imediato e categórico desmentido. O Revérbero Constitucional fundou-se a 15 de setembro de 1821, sob a direção daquele jornalista e do ilustre padre Januário da Cunha Barbosa; e os artigos políticos que publicava eram solidariamente escritos por ambos os redatores. Um aditava e revia sempre o que o outro escrevia, segundo eles mesmos informaram de viva voz ao visconde de Porto Seguro e este nos transmitiu na sua História da Independência (pág. 122).

Pois bem: logo no segundo número desse valente periódico, editado a 1º de outubro, estamparam eles um artigo, do qual extraímos este expressivo trecho textual de agradecimento e exortação às Cortes de Lisboa: "Pela parte de nossos compatriotas, congresso ilustre da lusa monarquia, nós vos agradecemos a proclamação da nossa liberdade. Se as nossas vozes tiverem a fortuna de ressoar no vosso recinto, nesse templo augusto da Filosofia e da Liberdade, que elas pregoem que eterno vínculo nos ligará eternamente... que em vós tudo confiamos, porque uma parte da Nação livre não há de querer escravizar a outra... Vomite embora a calúnia os seus venenos, tais são os votos dos brasileiros" [2].

Como, portanto, afirmar-se à face do público brasileiro que Gonçalves Ledo trabalhava pelo Revérbero em prol da Independência, enquanto José Bonifácio ainda era partidário da mera união do velho ao novo reino? Não estavam ambos, na mesma época, na mesma data, no mesmo mês, a pugnar pela mesma solução?

E nessa atitude perseverou o denodado jornalista carioca até pelo menos 3 de junho de 1822, segundo se vê da representação por ele dirigida e entregue naquele dia a d. Pedro, e na qual declara que o "Brasil não quer atentar contra os direitos de Portugal... O Brasil quer ter o mesmo rei... O Brasil quer ter independência, mas firmada sobre a união bem entendida com Portugal; quer enfim apresentar duas famílias obedientes ao mesmo chefe" [3].

Estas palavras foram escritas quando José Bonifácio já era ministro, e quase nas vésperas de soltar d. Pedro às margens do Ipiranga o brado histórico que para sempre nos desoprimiu da sujeição lusitana. Onde, pois, a prioridade de Ledo sobre José Bonifácio na adesão à causa da independência plena? Onde o documento que invalide o seu artigo de 1º de outubro de 1821, no Revérbero Constitucional, e a sua representação de 3 de junho de 1822, dirigida ao príncipe regente?

Todos os esforços posteriormente desenvolvidos por ele e outros insignes patriotas se mantiveram restritos à fórmula "independência dentro da União", até que se deu o Sete de Setembro, preparado lenta mas vitoriosamente pela dupla atuação de José Bonifácio e de dona Leopoldina sobre o dócil espírito do príncipe entusiasta.

Desde a revolução constitucionalista - repetimo-lo -, a tendência da generalidade dos espíritos manifestou-se favorável a uma independência relativa e somente a desastrada conduta das Cortes estimulou e apressou o movimento radicalista, que deixara de ter essa feição desde algum tempo, para seguir a marcha prudente, prevista pela acertada orientação de José Bonifácio, segundo assinalamos individuadamente na Dissertação Preliminar com que abrimos este volume [4].

Se todos, pois, estavam de acordo a tal respeito, como os fatos documentalmente o provam, porque, se não por toleima e perversão moral, apodar-se de retrógrado e antipatriota o velho Andrada, ao mesmo tempo que se têm rasgados elogios a quantos agiram na mesma conformidade?

A seguir-se, aliás, esse errado critério dos neo-historiadores da independência brasílica, chegaríamos absurdamente à conclusão de que ninguém entre nós, nem mesmo d. Pedro, queria a nossa formal separação de Portugal e que o grito do Ipiranga foi um impulso imprevisto de entusiasmo juvenil que a todos devera causar a maior surpresa - o que se acha em conflito com a verdade dos fatos conhecidos.

Não há dúvida que a organização constitucional do velho reino arrefeceu o ardor dos que almejavam nossa emancipação, por verem que somente dela podia o Brasil esperar dias melhores e um futuro compatível com a grandeza de seu território, a riqueza que opulentava as fecundas entranhas de seu fértil chão, o arrojo de seu povo e a capacidade incontestável de seus homens representativos.

Convinha experimentar o novo regime, cujas excelências em todos os tons se proclamavam; adaptar o povo aos poucos às condições criadas pela liberdade, de maneira a que ele não passasse de repente da escuridão e atraso do sistema colonial, para uma forma governativa que só se mantém e prospera pela discussão inteligente, e pela consciência com que cada qual atua sobre o meio político e social, buscando melhorá-lo em benefício comum de todos os cidadãos.

A independência tinha, por isso, de ser conquistada por etapas; e todos os seus corifeus agiram em tal sentido, promovendo, antes de qualquer solução radical, a união luso-brasileira, calcada nos moldes da mais ampla autonomia, sotoposta, porém, ao governo central de um único monarca.

Fac-símile do Revérbero Constitucional Fluminense (13/9/1821)

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***

Proclamação do regime constitucional em S. Paulo. Indicação do colégio eleitoral de Itu

A 12 de março, o governador e capitão-general desta província, João Carlos Augusto de Oeynhausen, obedecendo às ordens promanadas do rei, em aviso de 26 de fevereiro [5], mandou publicar, por bando [6], o decreto de 24 daquele mês, adotando o regime constitucional; ordenou que se fizessem luminárias "nos três dias consecutivos de 13, 14 e 15 do corrente", e no primeiro dia do tríduo deu recepção em palácio, às 5 horas da tarde, à Câmara Municipal, outras autoridades e pessoas gradas da sociedade paulistana [7].

Nicolau Pereira de Campos Vergueiro

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Nicolau Vergueiro. Paula Sousa. Álvares Machado

E a isso se limitaram as suas providências no tocante à adesão de S. Paulo à Constituição jurada previamente por El-Rei. Mas o Colégio Eleitoral de Itu, que se formara estritamente de acordo com as instruções anexas ao citado decreto, e relativas à eleição de deputados às Cortes Gerais Portuguesas, aprovara uma indicação de Nicolau Pereira de Campos Vergueiro [8], Francisco de Paula Sousa e Mello [9] e Francisco Álvares Machado [10], para que se convidasse o ouvidor da comarca a deferir aos eleitores e câmaras municipais de sua circunscrição o juramento às Bases da Constituição Portuguesa.

E resolvera mais que se fizesse sentir ao governador da província a necessidade que havia, de dar o mesmo inteira execução aos dispositivos do citado decreto de 7 de março, principalmente no que se referia à observância rigorosa do juramento por partes das autoridades, quer civis, como eclesiásticos e militares [11].

A 23 do mesmo mês, o ministro Ignácio da Costa Quintella enviou ao governador, da parte d'El-Rei, exemplares dos dois decretos de 7 - o primeiro sobre o regresso da Corte, a ficada de d. Pedro, o juramento constitucional e a eleição dos deputados do Brasil. e o segundo, dispondo sobre o modo de se proceder a essa eleição regularmente [12].

Francisco de Paula Sousa e Mello

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Instruções eleitorais

De posse de tais documentos, começou Oeynhausen a dar as necessárias providências a respeito, expedindo a 16 de abril aos ouvidores das comarcas, juízes de fora e ordinários um ofício [13], no qual lhes recomendava a formação imediata das Juntas Eleitorais criadas pelas instruções.

E no dia seguinte, 17, mandou aí fixar publicamente um edital, fazendo aos chefes de família advertências especiais, quer quanto ao modo por que deveriam exercer a função do voto, quer quanto à escolha dos compromissários, dos eleitores de paróquia ou dos eleitores de comarca.

O encargo eleitoral, como outorgante ou como outorgado, era rigorosamente obrigatório, ninguém podendo escusar-se dele, qualquer que fosse o motivo ou pretexto da escusa [14].

Cumprindo determinações do mencionado ofício, o juiz de fora de Santos, dr. José Correia Pacheco e Silva reuniu a Junta das Paróquias da mesma vila e da de S. Vicente, a 20 do referido mês, para eleger os eleitores paroquiais que, com os demais eleitores das outras paróquias, deveriam reunir-se em dia determinado na capital da província, para, constituídos em Junta Superior, escolherem os deputados às Cortes de Lisboa.

O processo eleitoral era algo complicado, como se verá; e, de conformidade com o método estabelecido na Constituição Espanhola, adotado para o Reino Unido de Portugal e Algarves [15], abrangia três categorias de juntas: das freguesias, das comarcas e da província. As primeiras eram compostas de todos os cidadãos domiciliados e residentes no território delas, inclusive os eclesiásticos seculares.

Cada Junta Paroquial elegeria um eleitor para cada 100 fogos; se o número destes excedesse de 300 e fosse inferior a 400, os eleitores seriam dois; excedendo de 500, mas não chegando a 600, três; e assim por diante nessa progressão. A paróquia que contasse menos de 150 fogos se reuniria à imediata para os fins eleitorais visados. Constituída a assembléia, esta, à pluralidade de votos, elegeria 11 compromissários, incumbidos de nomear o eleitor paroquial.

Se nalguma das assembléias o número de eleitores a nomear fosse de 2, o de compromissários elevar-se-ia a 21; se de 3, a 31, nunca podendo ultrapassar este número, para evitar confusões.

As Juntas Eleitorais das Comarcas compor-se-iam dos eleitores paroquiais, reunidos na cabeça de cada comarca, para nomearem o eleitor ou eleitores que teriam de concorrer à capital da província para aí elegerem os deputados às Cortes. As Juntas Eleitorais de Província constituir-se-iam dos eleitores de todas as comarcas que, reunidos na capital, elegeriam os representantes da Nação ao Congresso Constituinte. Para ser deputado exigia-se um rendimento anual proporcionado e proveniente de bens próprios [16].

De acordo com as referidas instruções, baixadas e firmadas pelo ministro do reino, os párocos das diversas freguesias rezaram, antes do ato, uma missa em louvor do Espírito Santo, pregaram um sermão adequado às circunstâncias e assistiram pessoalmente a todo o processo eleitoral [17].

Os eleitores paroquiais de Santos e S. Vicente

A Junta das Paróquias de S. Vicente e Santos, reunida nesta última vila, sob a presidência do juiz de fora acima aludido, procedeu à eleição de 31 compromissários e estes, por sua vez, elegeram para eleitores paroquiais os 4 seguintes cidadãos: marechal-de-campo Cândido Xavier de Almeida e Sousa [18], o conselheiro José Bonifácio de Andrade e Silva, o coronel Martim Francisco Ribeiro de Andrada e o padre José Ignácio Rodrigues de Carvalho [19], e para suplentes o vigário de Santos José António da Silva Barbosa [20], no caso de faltar qualquer deles ou dar-se por impedido.

Designou-lhes o presidente da Junta o dia 8 de junho para se acharem presentes na Capital, onde teriam que tomar parte na Junta da Comarca que deveria escolher o eleitor ou eleitores da Junta de Província, encarregada, como dissemos, de eleger os deputados às Cortes.

Reparação de um equívoco

Pelo que acabamos de narrar, verifica-se que José Bonifácio não se achava em S. Paulo meramente a passeio, ou a negócio, como afirma o dr. António de Toledo Piza repetidamente em seu interessante opúsculo histórico sobre a época da Independência [21], mas sim em virtude de uma comissão política bem caracterizada e da maior importância.

Também o dr. João Romeiro, depois de afirmar que o eminente santista, "felizmente para os paulistas, se achava na Capital" [22], explica-nos que "as condições de sua vida, aparentemente descuidosa, o levaram a passar grande parte do tempo na capital de sua província, onde contava também amigos e admiradores" [23], o que não o impede de contradizer-se flagrantemente linhas abaixo, quando pondera que: "Ninguém poderia afirmar com segurança que tivesse vindo a S Paulo com o deliberado propósito de sondar os ânimos... Mas, sendo então as viagens de Santos a S. Paulo tão penosas, parece que sem destino não se teria abalado do lugar onde residia; e tudo leva a crer que o motivo era empenhar os paulistas na luta..." [24].

Ora, se ele passava habitualmente grande parte do tempo na Capital, não é preciso invocar motivos especiais para que, vencendo as penas de um transporte incômodo, se encontrasse no mês de junho em S. Paulo, numa das suas costumeiras estadias ao lado de seus parentes, amigos e admiradores.

A verdade, porém, é que José Bonifácio não se achava por acaso em S. Paulo quando se deram as ocorrências políticas que vamos relatar: para aqui viera em razão de ter sido nomeado eleitor de paróquia pelos compromissários santistas e vicentenses e em obediência à designação do juiz de fora, presidente da Junta Eleitoral [25] que designara, como dissemos, aos quatro eleitores nomeados, o dia 8 do referido mês, para se encontrarem e reunirem nesta Capital, de acordo com as instruções que recebera.

Damos em nota o documento que esclarece decisivamente este caso [26]; e por ele se vê que José Bonifácio não estava então em S. Paulo, tanto que o presidente da Junta cientificou-o, e aos seus companheiros de mandato, que deveriam achar-se na capital a 8 de junho, para darem cumprimento aos seus encargos.

Tendo-se em vista os rigorosos termos do ofício transcrito, é exato, como escreve o dr. A. Piza [27], que "não foi ele chamado de Santos para vir a esta capital tomar a direção do movimento político que se iniciava"; mas não menos exato é que, se não foi chamado pelos paulistanos, foi mandado pelos santistas e vicentistas para tomar parte direta e ativa no dito movimento desde os seus primórdios.

Não foi, portanto, por acaso, que ele se envolveu nessa agitação, que depois se incrementaria, generalizando-se por todo o território da província e por todas as províncias do País.

Serve o documento para provar, de modo terminante, que o velho Andrada não jazia em Santos, como proclamam a cada passo alguns de seus detratores passados ou atuais, indiferente ao que ocorria no Brasil, alheio à sorte de sua pátria natal, desinteressado do culminante problema político que preocupava, não somente as almas de escol do nosso meio, mas até as organizações morais e mentais medianamente constituídas.

Não seria o egrégio vulto, que no seio da Academia de Lisboa estupefata lançara audazmente o brado emancipador - quem se conservaria neutro na luta ou egoisticamente estranho a ela, triplicemente absorvido pelos encantos de seu retiro bucólico, pelas tranqüilas afeições do lar, e pela incomparável atração dos livros úteis.

Envolvido inicialmente no movimento que apenas se esboçava, não tardaria, entretanto, a dominá-lo, a dirigi-lo dentro em breve, com a prudência atilada e a energia serena de que tantas provas deu em todo o longo curso de sua prestimosa carreira.

E não podia deixar de ser assim, porque não havia em S. Paulo, nem no Brasil, ninguém que pudesse competir com ele em talentos naturais e conhecimentos adquiridos nas escolas, nas bibliotecas, na prática da vida, no convívio dos homens, no contato com as maiores celebridades européias de seu tempo.

Onde ele estivesse, teria que ser forçosamente o primeiro, e daí as antipatias que despertou por parte daqueles que se não podiam conformar com o papel subalterno e a posição secundária em que teriam de manter-se perante o sábio varão.

Além disso, a confiança que inspirava espontaneamente a todas as classes, corporações e pessoas, pela sua fama literária e científica, pela sua inquebrantável probidade moral, pela afabilidade de suas maneiras e nativa bondade de seu coração magnânimo - havia de investi-lo na suprema direção das forças que se congregavam.

Não conseguimos saber ao certo em que dia a Junta Eleitoral da Província, composta dos eleitores nomeados pela Junta Eleitoral das Comarcas, procedeu à escolha dos deputados paulistas às Cortes Portuguesas. Sabemos que a 11 de junho o governador ainda hesitava quanto à autoridade competente para presidi-la, e pedia a esse respeito instruções ao governo do Rio, que lhe respondeu, por ofício de 2 de julho, declarando-lhe que a competência cabia à autoridade civil de maior graduação da capital, ou seja, o ouvidor da comarca [28]; e os diplomas respectivos foram expedidos com data de 11 de agosto [29].

[...]


NOTAS:

[1] ASSIS CINTRA - O Homem da Independência, página 88. À mesma página do mesmo livro lê-se que, na propaganda independencista, entre o funcionalismo público "destacava-se Luís José de Carvalho e Mello (barão de Santo AMaro)" - o que constitui erro do autor, pois Luis José de Carvalho e Mello foi visconde da Cachoeira. O barão, depois visconde e marquês de Santo Amaro, chamava-se José Egydio Álvares de Almeida.

[2] Os grifos são nossos. (N.E.: isto é, do autor Alberto Sousa).

[3] Este significativo trecho foi reproduzido numa obra recente, em que se procura dar a Gonçalves Ledo o patriarcado da Independência, que a posteridade concedeu a José Bonifácio. Queremos referir-nos ao Homem da Independência, do sr. Assis Cintra. Tal documento, e mais os artigos do Revérbero, a que acima nos referimos, provam, entretanto, exatamente o contrário do que o autor afirmou sem base alguma, conforme salientamos na Dissertação Preliminar, que abre este volume.

[4] "No Brasil, antes do conhecimento destes planos - assevera sensatamente VARNHAGEN - propostos para o recolonizar, e das injúrias de muitos deputados e conseqüências que daí se derivaram, todos os indivíduos mais respeitáveis, tanto funcionários como escritores ou simples pensadores, consideravam possível e até vantajosa a continuação, ao menos ainda por algum tempo, da união com Portugal (obr. cit., pág. 121)". E acrescenta à pág. 124: "Todas as moderadas tendências da parte dos brasileiros pensadores mudaram de repente, com a chegada especialmente do decreto para a retirada do príncipe, acompanhado logo do projeto proposto acerca da supressão dos tribunais. De um dia para outro viu-se extraordinariamente alentada a pequena minoria dos clubes que ousara acenar tão cedo com a Independência".

Se essa era incontestavelmente a tendência dos melhores espíritos do meio, se assim pensavam e agiam, como demonstramos, não apenas José Bonifácio, mas também o fogoso Ledo e seus aderentes - como querer que estes fossem francamente independencistas e aquele não?

[5] Docs. Interessantes, vol. 36, pág. 139.

[6] O dr. JOÃO ROMEIRO (De D. João VI á Independência, 2ª parte, cap. 1º, pág. 65) data erradamente de 13 a publicação deste bando, e o dr. MELLO MORAES (Hist. das Const., vol. 1º, pág. 51, col. 1ª) registra-a, também erradamente, a 23 de março. Com esta última data, só encontramos referência ao bando que anunciava aos povos o nascimento do príncipe d. João Carlos, filho segundo de d. Pedro (Actas da Câmara Municipal de S. Paulo, 1815-1822, pág. 498). O bando de que se trata é realmente de 12, como dizemos no texto.

[7] Actas da Câmara Municipal de S. Paulo, vol. XXII (anos de 1815-1822), pág. 445. No dia 15, a Municipalidade, incorporada e coberta com o real estandarte, compareceu na Sé Catedral "para assistir ao Te Deum que se cantou em ação de graças ao Todo Poderoso pelo decreto régio que se publicou de haver Sua Majestade Fidelíssima aprovado e recebido em todo o seu reino do Brasil a Constituição que se está fazendo em Portugal".

[8] Nicolau Vergueiro - Filho do dr. Luís Bernardo Vergueiro e dona Clara Maria Borges de Campos, nasceu em Val da Porca, na antiga comarca de Chacim, ora Macedo de Cavalleiros, na província de Trás-os-Montes, bispado de Bragança. Depois de ter feito o seu curso de preparatórios no Real Colégio das Artes, anexo à Universidade de Coimbra, matriculou-se, a 5 de outubro de 1796, na Faculdade Jurídica da mesma universidade, doutorando-se, após um tirocínio escolar brilhantíssimo, a 11 de julho de 1801. Passando-se para S. Paulo, aqui contraiu matrimônio, a 2 de agosto de 1804, com dona Maria Angélica de Vasconcellos, filha do capitão José de Andrade Vasconcellos e dona Anna Euphrosina de Cerqueira Câmara.

Antes de se estrear na carreira política, onde por suas austeras convicções granjeou o respeito geral, ocupou vários cargos públicos de alta graduação na administração da província, tais como promotor dos Resíduos (1806); juiz das Sesmarias (1811-1818), juiz ordinário (1811); vereador da Câmara de S. Paulo (1813); inspetor particular das estradas na freguesia de Piracicaba (1820), e o de diretor da Faculdade de Direito de S. Paulo (1837-1842).

Foi o primeiro agricultor que empregou colonos europeus no serviço agrário, introduzindo-os à sua custa na sua fazenda de Ibicaba; e isto com o duplo fim de substituir o braço escravo, que não deveria, segundo pensava, subsistir por muito tempo, e de fomentar o crescimento da população livre no País.

Faleceu o dr. Nicolau Pereira de Campos Vergueiro a 18 de setembro de 1859, no Rio de Janeiro (DJALMA FORJAZ - O Senador Vergueiro, sua Vida e sua Época, 1º fasc., págs. 5, 7, 12 e 20; BARÃO DO RIO BRANCO - Obr. cit., pág. 445; J. J. RIBEIRO - Chronologia Paulista, vol.  2º, pág. 500, col. 2ª). Os dois últimos dão, por engano, como ocorrida a 17 e não a 18 de setembro a morte do preclaro varão; e RIO BRANCO chama Valporto em vez de Val da Porca o lugar de seu nascimento em Portugal

[9] Paula Sousa - Os cronistas assinalam datas diversas para o seu nascimento. RIO BRANCO (obr. cit., pág. 396) diz que foi em 15 de julho de 1791; J. M. P. DE VASCONCELLOS (obr. cit., vol. 1º, pág. 64), em 13 de junho; AFFONSO D'E. TAUNAY (Grandes Vultos da Independência Brasileira, pág. 135), em 5 de janeiro de 1791; e J. J. RIBEIRO (obr. cit., vol. cit, pág. 269, col. 1ª), em janeiro, sem lhe precisar o dia exato.

Nasceu em Itu, do legítimo casamento de António José de Sousa, português, e dona Gertrudes Celedónia de Cerqueira Leite, ituana. Espírito poderosamente instruído por vocação e vontade própria, sem ter cursado institutos acadêmicos de instrução superior, honrou pelos seus invulgares talentos e sólida ilustração a terra de seu berço e a província de S. Paulo.

Quanto à data de seu falecimento, verificado no Rio de Janeiro, divergem também os cronologistas e historiadores. P. VASCONCELLOS (obr. cit., pág. 65) consigna-a como ocorrida em 1852, sem particularizar o dia e o mês; AZEVEDO MARQUES (Apontamentos Históricos, vol. 1º, pág. 161, 2ª col.) diz que foi a 16 de abril de 1851; o BARÃO DO RIO BRANCO (obr. cit., pág. cit.), AFF. TAUNAY (obr. cit., pág. 137) e J. J. RIBEIRO (obr. cit., pág. cit) datam-na de 16 de agosto de 1851. Quer para o nascimento, quer para a morte, é preferível seguir-se a informação de J. J. RIBEIRO, que ouviu cuidadosamente descendentes do ilustre paulista e teve em mãos documentos, tanto oficiais como particulares.

[10] Álvares Machado - Filho legítimo do cirurgião-mor Joaquim Theobaldo Machado de Vasconcellos e de dona Maria Bueno, era, por seu pai, descendente do célebre economista lionês João Baptista Say, e por sua mãe, de Amador Bueno da Ribeira. Nascido em S. Paulo a 21 de dezembro de 1791, estudou praticamente Medicina com seu progenitor (N.E.: isto é, com seu genitor, seu pai. O autor, em toda a obra, usa erroneamente a palavra progenitor - que corresponde a avô -, sempre que se refere ao pai de alguém).

Assentou depois praça como ajudante de cirurgião na Legião de Voluntários da Província, não só para ouvir as preleções do dr. Mariano José do Amaral, cirurgião-mor das tropas, como também para praticar nas enfermarias do Hospital Militar. Exerceu a Medicina em Porto Feliz, Itu e Campinas, adquirindo sólida reputação como oculista, especialidade a que se dedicou com grande êxito. Mais tarde foi nomeado cirurgião-mor do 1º Regimento de 2ª linha, por carta-patente de d. João VI, firmada em 1819.

Dotado de palavra eloqüentíssima, é considerado uma das maiores glórias da tribuna parlamentar do Império. Faleceu Álvares Machado a 4 de julho de 1846, no mosteiro de S. Bento, do Rio de Janeiro; e ao cerrar os olhos, exclamou: "Eis o último momento da miséria humana!" Do seu casamento com dona Cândida Maria de Barros teve uma filha única - dona Maria Angélica de Vasconcellos, que se casou com o famoso naturalista francês Hércules Florence, falecido a 27 de março de 1879 (J. J. RIBEIRO - Obr. cit., vol. 2º, 2ª parte, pág. 711, 1ª col.; BARÃO DO RIO BRANCO - Obr. cit., pág. 335; P. DE VASCONCELLOS, obr. cit., 2º vol., pág. 122; AZEVEDO MARQUES - Obr. cit., vol. 1º, pág. 154, 2ª col.)

[11] O dr. JOÃO ROMEIRO (obr. cit., pág. 65) diz que o Colégio Eleitoral pediu ao governador que executasse o decreto de 8 de junho, sobre o juramento das Bases Constitucionais. Não encontramos na legislação do tempo outro decreto sobre a matéria a não ser o de 7 de março, já referido.

[12] Documentos Interessantes para a História e Costumes de S. Paulo, vol. XXXVI, pág. 140.

[13] Actas da Câmara Municipal de S. Paulo, vol. de 1815-1822, pág. 460; dr. ESTEVÃO LEÃO BOURROUL - São Paulo Histórico, tomo 1º, pág. 34; Arquivo do Est. de S. Paulo (Maço de Juízes de Fora).

[14] Dr. ESTÊVÃO LEÃO BOURROUL - Obr. e pág. cit.

[15] Decreto de 7 de março de 1821 (Collecção de Leis do Brasil, 1820-1821, pág. 29).

[16] Instrucções Annexas ao Decreto de 7 de Março de 1821 (Cap. III, arts. 35, 38, 39, 40, 41, 42, 43 e 44; Cap. IV, art. 59; Cap. V, arts. 78, 92 e 94). Leis e Decisões do Brasil, vol. de 1820-1821, págs. 29 a 37).

[17] Dr. E. L. BOURROUL - Obr. cit., tomo cit., págs. 38 e 39.

[18] Damos os seus traços biográficos no 1º vol., págs. 299 a 303 e pág. 546, nota 1.

[19] Foi procurador da Santa Casa local e dele nos ocupamos, no 1º vol., págs. 261, 262 e 307.

[20] A este sacerdote nos referimos em diversos passos do 1º vol.

[21] O Supplício do Chaguinhas, págs. 9 e 14. Vide nota nº 1, pág. 25, deste volume (Dissertação Preliminar)..

[22] Obr. cit., pág. 65.

[23] Idem, pág. 66.

[24] Idem, ibidem.

[25] Damos os traços biográficos deste magistrado no 1º volume, pág. 311, nota 1.

[26] É o seguinte o ofício dirigido pelo juiz de fora de Santos ao governador da capitania: "Ilmo. e exmo. sr. - Dou parte a V. Ex. que, em observância ao ofício que V. Ex. me dirigiu, em data de 16 do mês último de abril, e das instruções no mesmo incluídas, formei a Junta Eleitoral desta Paróquia e da de S. Vicente no dia 20 do corrente, e procedeu-se à eleição dos 31 compromissários pela pluralidade de votos, os quais, passando a eleger os 4 eleitores paroquiais, foram eleitos: o marechal Cândido Xavier de Almeida e Sousa, o conselheiro José Bonifácio de Andrada, o coronel Martim Francisco Ribeiro de Andrada, e o revmo. José Ignácio Rodrigues de Carvalho, e para suprir algum deles, caso fique impedido, o revmo. vigário José António da Silva Barbosa, e lhes assinei (N.E.: o mesmo que designei) o dia 8 do mês próximo de junho para comparecerem nessa cidade, em conformidade do que determinou o dr. corregedor. - Deus Guarde a V. Ex. - Santos, 26 de maio de 1821. - Ilmo e Exmo. sr. João Carlos Augusto Oeynhausen. - O juiz de fora José Correia Pacheco e Silva". (Original existente no Arquivo Público do Estado de S. Paulo, maço dos juízes de fora). Os grifos são nossos. O corregedor de que no documento se fala era d. Nuno Eugénio Lócio e Seiblitz.

[27] Opúsculo citado, pág. 14.

[28] Docs. Ints., vol. 36, pág. 142

[29] VISC. DE S. LEOPOLDO - Memórias, cap. 3º, pág. 19.

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