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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES - 2012
Os imigrantes - 2012 [12 - Argentinos]

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Trinta anos depois da primeira série de matérias, o jornal A Tribuna iniciou em agosto de 2012 uma nova série Os Imigrantes, abordando em páginas semanais as principais colônias de migrantes estrangeiros estabelecidas em Santos. Esta matéria foi publicada no dia 5 de novembro de 2012, na página A-8:


Imagem publicada com a matéria

Dançando conforme a música

Carne, mate, vinho, amizade: são notas de uma canção chamada hospitalidade, trazida ao Brasil pelos hermanos

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

Seja em Buenos Aires ou Santos, uma casa argentina "é simples, hospitaleira e sempre terá carne, mate, vinho e amizade". Quem atesta é o presidente do Club Argentino de São Paulo, o engenheiro Luis Paz. Na maior parte de seus 35 anos no Brasil, viveu em São Paulo. Só recentemente, veio engrossar o contingente de argentinos em Santos - não há estimativas, segundo o consulado. Paz dá a entender que vem gostando do que vê, ouve e sente na Cidade. "Estou descobrindo Santos. Desço do apartamento e converso com todas as pessoas. (Vou ao) cinema, restaurantes e a essa caminhada na orla, que se converte viciante (em vício)", escreve por e-mail.

Natural de Concepción del Uruguay, com 75 mil habitantes, na província de Entre Ríos, Paz teve de moldar alguns hábitos natais ao compasso do tempo brasileiro. O mais eloquente deles talvez diga respeito ao horário do jantar - a mais importante refeição na Argentina. Lá, nunca sai antes das 21 ou 22 horas. Aqui, Paz come "com as galinhas, ao pôr do Sol". O novo hábito criou uma situação engraçada: quando em visita a Buenos Aires, "resultam eternas as horas de espera para jantar com os amigos".

Porém, o que recheia hoje seu prato brasileiro diário é idêntico ao que vai no de qualquer argentino. Se no inverno, bem mais rigoroso lá, preza-se uma sopa de entrada. Uma das mais tradicionais é a de alho, que leva também pimentão e presunto espanhol. À carne de boi, de todos os jeitos e formas - grelhada, à milanesa e cozida -, juntam-se as batatas, em purê, assadas ou fritas.

"Minhas noras brasileiras perguntavam como podíamos viver sem arroz e feijão. Agora sabem e gostam". Por falar em arroz, o equivalente na mesa argentina seria o pão - não pode faltar. "Irrita-nos o restaurante brasileiro que não põe o pão na mesa", dispara. E o vinho, presença marcante na dieta hermana, é servido com soda - água mineral com gás.

Melancolia em forma de arte - Se todo latino é passional, os argentinos são o "passional triste" - em contraposição aos brasileiros, o "passional alegre". Essa melancolia, pelas vias tortas da introspecção, desemboca em um "profundo nacionalismo". Em última instância, o argentino seria "culto, mas com pouco espírito prático".

Esse caldo de tristezas é destilado em planos, bandoneões, violinos e acordeões. O resultado são as melodias e passos do tango, a melancolia em forma de arte - e a própria expressão da alma argentina. "Existe um dizer, depois de brigar com uma mulher, basta uma garrafa de vinho para escrever um tango", brinca Paz. "São poucos os tangos ou outras músicas populares argentinas que sejam alegres. É o nosso fado", comenta.

Já o seu fado (destino) pessoal está vinculado à ditadura militar argentina (1976-1983), considerada a mais sanguinária do continente. Paz imigrou por causa do regime, nos anos 70. Como ele, à época, milhares de seus conterrâneos trilharam o mesmo caminho, para escapar de uma ditadura que vitimou 30 mil pessoas, nos cálculos de organismos internacionais de defesa dos direitos humanos. "A Argentina mira muito o passado. Embora um dos mais importantes de seus escritores (Jorge Luis Borges) fale que o mais imutável da vida é o que já passou", afirma.


Fernando e a imagem de um casal em plena lide do tango em uma caliente noite portenha. Ao fundo, o Puerto Madero, um dos bairros mais nobres de Buenos Aires, às margens do Rio da Prata
Foto: Alexsander Ferraz, publicada com a matéria

Carne é cultura - Para um argentino, exaltar supostas qualidades do filé mignon é quase como cometer uma heresia. "Não tem sabor", crava Fernando Luis Moscovich. O que dá gosto à carne, segundo ele, é a gordura. Assim, o suprassumo do paladar, por sua grossa capa de gordura, estaria no contrafilé, conhecido entre os hermanos como bife de chorizo. Essa expertise Fernando vem servindo de mesa em mesa há oito anos, quando abriu as portas do restaurante Puerto de Palos, em Santos. Ele, um verdadeiro portenho - oriundo de Buenos Aires -, embora formado em Educação Física, poderia discorrer sobre os tipos e sabores da carne por horas.

"O argentino nasceu fazendo churrasco. Se você me der os ingredientes para uma feijoada, eu faço, mas não será como a do brasileiro: é uma questão de jeito". Essa "questão de jeito" é justamente o que estabelece uma relação que ultrapassa o mero hábito gastronômico: para os argentinos, carne é cultura.

As reses foram sendo introduzidas por exploradores espanhóis nos pampas desde o século 16. Muitas delas se desgarraram e cresceram selvagens. No século 18, a manada nos pampas era estimada em 48 milhões de cabeças. Mas os primeiros bovinos de raça só foram introduzidos na segunda metade do século 19. Sob séculos de História, inaugurou-se um novo patamar à carne argentina.

Maradona ou Pelé? - A imensidão das metrópoles parece abarcar o mundo inteiro. Assim como São Paulo pouco descreve o Brasil, Buenos Aires se distancia da Argentina. Deixando ambas de lado, e considerando as influências e o modo de vida, a "cara" Argentina seria europeia, enquanto a brasileira, norte-americana, segundo analisa Luis Paz.

Mas essa diferença estrutural não é suficiente para explicar a celeuma por trás da pergunta: Maradona é melhor do que Pelé? Os dois lados sabem melhor do que o outro a resposta. No fundo, essa dúvida transpõe os estádios e abarca os 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal e as 23 províncias argentinas: seria o símbolo de uma rivalidade entre as duas nações.

"A mídia é que cria isso, para vender jornal", argumenta Fernando. "É como Corinthians e Palmeiras, um não vive sem o outro", arremata esse torcedor do River Plate lá e do Santos, aqui.

Luis Paz dirime qualquer espécie de rivalidade - dentro ou fora de campo. Para ele, Maradona e Pelé foram brilhantes, em distintas épocas. E evoca as palavras da juíza que lhe concedeu a nacionalidade brasileira, ao expressar a pequenez de qualquer rivalidade. "Ela disse: 'Vocês são mais brasileiros do que a gente, pois em plena consciência decidiram sê-lo'". E prossegue, sem esquecer o quê de paixão e melancolia, tão argentinos. "É nosso País do coração (o Brasil). Com momentos em que não somos nem daqui, nem de lá. Justo para um tango..."


Foto: Shutterstock, publicada com a matéria

Tango - O tango surgiu como a música e a dança dos bordéis nas duas margens do Rio da Prata - Montevidéu, capital do Uruguai, e Buenos Aires - no século 19. Os bordéis, por sua vez, surgiram do afluxo de europeus jovens que desembarcavam sozinhos para tentar a sorte na América do Sul.

O novo ritmo foi surgindo de uma mistura de estilos e canções italianos, polacos, franceses, espanhóis. Por ser uma dança extremamente sensual, durante muito tempo ficou restrita a esse ambiente. Na contramão, quando esses imigrantes voltavam para a Europa, levavam o tango na bagagem.

Em Paris, o sucesso começou a partir dos anos 20. Assim, na Argentina, o ritmo foi deixando a clandestinidade dos bordéis e ganhando toda a sociedade. A popularização definitiva veio com Carlos Gardel, que participou de filmes em Hollywood.

O boi - A carne argentina, segundo Fernando Luiz Moscovich, vem de raças bovinas como o Aberdeen-Angus Shortom, em que a gordura é interna. No Brasil, predomina a raça Nelore, cuja gordura se concentra em cima, no lombo. E como gosto é gordura, essa diferença faz diferença no sabor.

Os pampas argentinos, em que são criadas as reses, por serem planos contribuem para a maciez da carne - no Brasil, em muitas regiões, o gado é criado em áreas com elevações; para se movimentar pelo pasto, o boi faz um verdadeiro exercício de musculação, o que torna a carne mais dura.

Fora isso, não existe um corte, nem tempero específicos: apenas sal. À carne em si credita-se todo o sabor.

Imigração favorável - Um acordo selado em 2002 entre Brasil e Argentina, que começou a vigorar em 2006, facilita a obtenção de visto de residência para imigrantes desses países. E o movimento já vem fazendo efeito, na via de lá para cá. Em 2009, segundo dados do Ministério da Justiça, os argentinos no País somavam 39.232. Em 2011, eles já eram 44.875 e, até abril deste ano, 66.237.

A explicação para esse salto vertiginoso, segundo análise do diretor do Club Argentino de São Paulo, Luis Paz, está no mau momento econômico vivido pelo país vizinho, com uma inflação anual beirando os 30%. "Tem muita gente qualificada, técnicos que não encontram oportunidades na Argentina e migram para o Brasil", diz.

Empanadas - É uma espécie de pastel que pode ser assado ou frito, muito comum na Argentina. A palavra empanada deriva de pan - pão - e a origem do alimento está na Espanha medieval. O recheio mais tradicional é o de carne, porém cada região argentina tem uma forma de preparar e um recheio típicos.

 

"Sou cidadão do planeta, pois todos somos descendentes de imigrantes. Como dizemos lá (na Argentina), nos descemos dos barcos"

Miguel Ángel Rivas, 55 anos, argentino, gerente do restaurante Parrilla San Pablo


Miguel Ángel Rivas
Foto: Alexsander Ferraz, publicada com a matéria

República Argentina

 

Capital - Buenos Aires

População - 40.117.096 (2010)

PIB - US$ 435,2 bilhões (2011)

Renda per Capita - US$ 17.376

IDH - 0,797 (muito alto)

Datas nacionais - 25 de maio (aniversário da revolução - 1810) e 9 de julho (independência proclamada - 1816)

A colônia - cerca de 30 mil argentinos no Estado, estima o Consulado Geral em São Paulo. Não há estimativas para a região

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