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Publicado em 28/6/1982 no jornal A Tribuna de Santos
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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES
A colônia judaica (3)

Beth Capelache de Carvalho (texto), Equipe de A Tribuna (fotos)

Jovens e velhos judeus reúnem-se na Beit Jacob

Os judeus radicados em Santos costumam reunir-se em clubes e associações, como a Wiso, que é uma organização beneficente feminina mundial, ligada à Unicef; e na Loja Shalon, uma das divisões da Associação Beneficente e Cultural B'nai B'rit, entidade de âmbito internacional. A Loja Shalon é uma espécie de irmandade, que se empenha em manter as tradições judaicas, fazer benemerência e defender os direitos humanos.

O Centro Cultural Israelita Brasileiro reúne a colônia em torno de várias atividades, inclusive numa barraca de praia, onde todos se reúnem aos domingos, e onde só se fala iídiche. É a primeira junto ao Canal 3, atrás da Concha Acústica. Há também um grupo de danças folclóricas, o Rikut Yan, que ensaia todos os sábados e se apresenta em festivais em várias cidades do País. O Centro possui também um coral feminino, que tem um repertório variado.

Mas é na Sinagoga Beit Jacob que os judeus se encontram com mais freqüência, na prática do culto e nas comemorações das principais festas do calendário judaico.


Grupo de imigrantes, alunos e professores da Escola Israelita, que funcionava junto à sinagoga

Além do Shabat, a sinagoga Beit Jacob abre para outras festas do calendário judaico que são guardadas pela colônia santista. Para os judeus, o ano começa no mês de tishirei, e sua primeira festa é Rosh Hashaná, que é a cabeça do ano (dias 1 e 2 de tishirei). Antes do Rosh Hashaná as pessoas costumam fazer as pazes, se estiverem zangadas, pois acredita-se que nesta data os judeus serão inscritos nos livros da Vida ou da Morte.

Na sinagoga, é tocado o shofar, instrumento feito de chifre de carneiro, para lembrar o sacrifício de Isac, filho de Abrahão (ao entregar o menino para o sacrifício, Abrahão o liberou para a vida), e também a Torá (quando os judeus receberam a Torá, tocou-se o shofar). Durante o Rosh Hashaná é costume trocar cartões desejando shaná tová (um ano bom), e comer um pedaço de maçã mergulhda no mel.

O dia 10 de tishirei é o dia mais importante da vida judaica - o Yom Kipur - chamado Dia do Perdão, Dia do Jejum e Dia do Juízo Final. Se no Ano-Novo o judeu é inscrito nos livros da Vida ou da Morte, no Yom Kipur ele é confirmado em um desses livros. Os dez dias entre Rosh Hashaná e Yom Kipur são reservados para que as pessoas reflitam sobre coisas boas e más, e rezem para serem inscritas no Livro da Vida.

Durante todo o Yom Kipur a sinagoga permanece aberta, e os fiéis, em jejum, fazem suas preces. Na véspera, à tardinha, é feita uma refeição festiva, antes que comece o jejum. À noite, com uma oração, o Kol Nidrei, é permitido que todos os que se afastaram da comunidade voltem aos ensinamentos divinos. No dia seguinte, é feita a confissão dos pecados, uma cerimônia coletiva, uma das raras vezes em que os judeus se ajoelham para a oração pelos finados. No fim do dia, o toque do shofar anuncia que o jejum terminou.

Festa das cabanas - Dia 15 de tishirei começa a festa de Sucot, quando é lembrada a fuga do Egito, quando os judeus moravam em cabanas. É uma festa agrícola, e inclui a bênção ao leulav (palma amarrada com mitra e salgueiro), e ao etrog (limão cheiroso).

A festa de Sucot dura 7 dias, e na última noite é comemorada a Simrrat Tora, ou Alegria da Torá. Nesse dia termina a leitura periódica da Torá, e todos os rolos são retirados da Arca Santa, onde se encontram, para que com eles se faça a volta na sinagoga.

Hanucá - Essa festa, no dia 25 do mês de kislev, comemora a vitória dos macabeus e dos sírios, que entraram no templo de Beit Hamikdashi, o limparam e reconstruíram, e deram início a uma festa de inauguração, Hanucá. Diz a tradição que quando eles entraram no templo ele estava em completa escuridão, mas ficou iluminado por 8 dias, com óleo suficiente para apenas 1 dia. Por isso, durante o Hanucá é acesa a hanukiá, candelabro com oito velas coloridas.

Purim - Purim é a festa carnavalesca da vida judaica, e lembra o tempo em que os judeus viviam em paz na Pérsia, sob o domínio do rei Assueiro. O primeiro-ministro Haman, que os odiava, sorteia um dia para que sejam exterminados; o dia 14 de adar. Os judeus foram salvos pela rainha Ester e seu tio Mordechai, e Haman foi enforcado na mesma forma que havia preparado para Mordechai. É um dia de alegria, e costuma-se comer doces chamados "orelhas de Haman". Na sinagoga, é lido o Livro de Ester.

Pessach - Durante sete dias, para lembrar a escravidão no Egito e a libertação, os judeus comemoram a Pessach, ou Páscoa. A história de Moisés, das dez pragas do Egito (sangue, rãs, piolhos, animais selvagens, peste, granizo, feridas, gafanhotos, trevas e morte dos primogênitos) e da fuga pelo Mar Vermelho são lembradas nessa festa. Na primeira e na segunda noite de Pessach é costume servir um jantar festivo - seder - com um prato de maçã ralada com nozes, mel e açúcar, para lembrar a lama com que os judeus fizeram tijolos no Egito; e com o matsá (pão ázimo), para lembrar que os judeus não tiveram tempo de esperar o pão fermentar quando saíram do Egito.

Dias de Omer - Na segunda noite de Pessach começa a contagem dos 49 dias de omer. No princípio, esses dias eram alegres, mas quando Jerusalém foi tomada pelos romanos, eles tornaram-se tristes, e não se pode casar nem fazer festas. Um grupo de jovens revoltou-se contra os romanos, mas fracassou e teve de retirar-se para cavernas, onde muitos morreram, vitimados por uma epidemia. No dia 33 de omer essa epidemia acabou, e a partir daí as festas e os casamentos estão liberados.

Sivam - Durante o mês de sivam, é comemorada a Festa de Shavuot, sete semanas após o Pessach. A sinagoga é enfeitada com flores e folhas, pois trata-se de uma festa agrícola, e lê-se o Rolo de Ruth.

Ruth foi a primeira jovem não judia que se converteu para seguir a religião de seu marido. Ela disse, para sua sogra, uma frase que ficou gravada na tradição judaica: "Sua fé é a minha fé, seu povo é o meu povo, seu país é o meu país". Toda jovem que se converter ao judaísmo deve chamar-se Ruth.

Iniciação - Há ainda outras cerimônias que os judeus conservam, e que fazem parte da iniciação da pessoa na religião. A circuncisão é um dos princípios judeus baseados na higiene: com o Bar Mitzvá, o menino de 13 anos de idade assume as responsabilidades e os deveres de homem judeu perante Deus. Nesse dia, ele sobe ao altar pela primeira vez, para a leitura da Torá, e ganha o seu talit (xale) e o seu tfilin (caixinha de couro, com orações). A menina, aos 12 anos, tem o seu Bar Mitzivá, que é feito à noite, durante a festa de aniversário.

Kadish - Não há um cemitério judeu em Santos, e os enterros são feitos em São Paulo. Para os judeus, o kadish, cerimônia que se segue à morte, é muito importante. As famílias mais próximas guardam sete dias de rezas, chamados chivá, e sentam-se em tamboretes ou no chão, para ficarem mais próximos do morto. O caixão é simples, e o morto é envolvido apenas com um lençol branco, simbolizando a igualdade de todos após a morte. Todos os anos, no aniversário do falecimento - yor tsait -, acende-se uma vela e reza-se em homenagem ao parente que morreu.


Fachada da Beit Jacob, na Rua campos Sales

No kibutz, o ideal sionista dos jovens

Bror Chail, um dos mais famosos kibutz de Israel, nas proximidades do Deserto de Neguev, foi criado por jovens judeus brasileiros, entre eles o santista Bernardo Cymryng, que lá se chama Dov Tzanir, e que chegou a ocupar a alta função de secretário do primeiro-ministro Itzac Rabin, do Partido Trabalhista, antes que Beguin subisse ao poder.

Orgulhoso, Jaime Cymryng, pai de Bernardo, conta a história de seu filho, que hoje voltou às suas antigas funções de ceramista, em Bror Chail, mas continua sendo um dos mais conceituados líderes políticos de seu país. Ele representa a nova geração de judeus, os idealistas que abandonaram o exílio de seus pais e voltaram a Israel, para realizar o seu ideal sionista.

O kibutz de Bror Chail praticamente nasceu aqui no Brasil, em fazendas-modelo situadas em Jundiaí e na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro, onde jovens descendentes de judeus, pertencentes ao Movimento Sionista Brasileiro, eram treinados para a vida em um kibutz. Eles seguiram primeiro para o kibutz sul-americano, e depois, nas terras onde nasceu Sansão, implantaram Bror Chail.

Com terra importada da Itália, e levada de navio, o pântano transformou-se em terra produtiva e, apesar das enormes dificuldades, hoje lá são empregados os mais modernos métodos de agricultura e pecuária. Com igualdade de direitos, homens e mulheres trabalham, semeiam, e também empunham seus fuzis, quando é necessário defender o kibutz dos ataques terroristas.

Isso motivou a criação de creches-escola coletivas, onde uma só mulher - a metapélet - atende com eficácia várias crianças. Aliás, a palavra kibutz quer dizer coletivo e tudo lá é feito para o conforto da Comunidade. O dirigente do kibutz tem os mesmos deveres e direitos de todos, e faz o mesmo trabalho. Todos os dias, cada um recebe a sua tarefa, embora muitos tenham empregos na cidade, de acordo com suas aptidões.

Fazer aliá - Quando Jaime Cymryng chegou ao Brasil, em 1928, tinha apenas 20 zlotes (dinheiro polonês) no bolso, e trabalhou dois dias na Ford, de onde foi despedido porque estava muito fraco, e não conseguia fazer todo o serviço que lhe era atribuído. É que, com um ordenado de 2.500 réis por dia, só era possível fazer uma refeição, e o trabalho acabava sendo demais.

Depois de percorrer algumas cidades de São Paulo, e de sofrer um acidente de ônibus, que o deixou bastante ferido, ele conseguiu estabilizar-se em Santos, como mascate, e pôde instalar a mulher e o filho, Bernardo, que desde cedo interessou-se pela política e pelo sionismo. Logo Jaime teria de enfrentar a mesma situação de outros judeus, cujos filhos decidiam fazer aliá, isto é, seguir para Israel.

Quando acabou o colegial, Bernardo entrou para a Organização Sionista, e foi um dos fundadores do Movimento Juvenil Dror em Santos. Esclarecido sobre a história de Israel, ele fazia palestras entre os membros da colônia santista, enquanto juntava dinheiro para a viagem, e foi com o primeiro garin (grupo) que saiu do porto de Santos.

Hoje, afastado de sua função no ministério, Bernardo Cymryng continua suas atividades políticas, enquanto trabalha na fábrica da famosa cerâmica de Bror Chail, exportada para todo o mundo. O kibutz que ajudou a fundar é um dos mais famosos de Israel, e tem uma escola para brasileiros, com currículo brasileiro e validade no Brasil. O diretor dessa escola, Henrique Yampolsky Vampa, também é santista.

Veja as partes [1] e [2] desta matéria