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Publicado em 27 e 28/6/1982 no jornal A Tribuna de Santos
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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES
A colônia judaica (2)

Beth Capelache de Carvalho (texto), Equipe de A Tribuna (fotos)

No começo, os mascates

Em 1925, uma grande leva de judeus veio para o Brasil, devido à Primeira Guerra. A América do Norte estava fechada para imigrantes, e o Brasil os recebia com boa vontade. Além disso, já havia um bom número de pioneiros que mandavam à Europa boas notícias sobre a vida que levavam aqui. Santos era o primeiro porto brasileiro de atracação para os navios que chegavam da Europa, e além disso já possuía algumas famílias judias instaladas com conforto. Por isso, muitos ficaram aqui.

Foi quando chegou Yochin Heumann, um judeu austríaco, hoje naturalizado brasileiro. Quando estourou a Primeira Guerra, Yochin era segundo sargento do exército austríaco, e lutou pela Áustria nas trincheiras. Sua cidade, Tchernovich, foi ocupada pelo exército da România, e, ao dar baixa, Yochin resolveu procurar um bom lugar para viver.

Veio para Santos seguindo as recomendações de um velho conhecido, o dr. H. Runes, que aliás foi o primeiro médico judeu a instalar-se em Santos. Sua primeira dificuldade foi adaptar-se ao clima, pois deixou a Áustria com um frio de 36 graus abaixo de zero, e encontrou aqui a temperatura beirando os 40 graus positivos. Na Alfândega, os funcionários se encarregaram de mudar o seu nome para Joaquim, que está em seus documentos e que usa até hoje.

Joaquim Heumann nasceu em 1898, no dia 7 de outubro, quando, no calendário judaico, estava sendo comemorada a festa da Alegria da Torá. Hoje tem 83 anos, está aposentado, e suas duas filhas, brasileiras, santistas, trabalham como supervisoras de ensino na Baixada. Sua vida no Brasil exemplifica bem o que se passou com os imigrantes judeus que escolheram Santos como local de residência.

Seu primeiro emprego foi de vendedor (klantele - cliente), como quase todos; depois, foi fornecedor de estradas de ferro, e mais tarde teve uma loja de calçados (Casa Universal) e uma loja de móveis. Enriqueceu e empobreceu pelo menos duas vezes, tornou a estabilizar-se, mas nunca se afastou da comunidade judaica, apesar de sentir-se integrado aos costumes da cidade e do País que o adotou. Aposentado como fiscal de obras, é um dos mais antigos representantes da comunidade em Santos.

Tradição no comércio - Como Joaquim Heumann, a maior parte dos judeus imigrados dedicou-se ao comércio. É que esta é uma das tradições conservadas pela comunidade nos países em que se instala. Na Idade Média, durante o período feudal, os judeus não tinham o direito de possuir terras, por isso trabalhavam no comércio. Mais tarde, quando os cristãos foram proibidos pela Igreja de emprestar dinheiro a juros, eles passaram a explorar também esse tipo de negócio. Não era costume guardar dinheiro em banco, e as constantes perseguições os impediam de comprar terras ou juntar muitos objetos pessoais. Por isso, guardavam dinheiro, que poderiam usar de imediato, em caso de necessidade.

Os judeus se afastaram, dessa maneira, da terra e da agricultura, devido ao exílio. Mas suas leis, suas orações e as festas de origem agrícola sugerem um permanente desejo de retornar ao artesanato e ao trabalho na terra. E é realmente isso que está acontecendo em Israel. Mas aqui, no Brasil, a tradição faz lembrar o judeu comerciante - primeiramente o mascate, depois o dono de loja e também o usurário, explorador dos juros. Aos poucos, isso vai se tornando apenas lembrança.

"Chlaper" - Hoje, os filhos de imigrantes judeus ocupam cargos em todos os setores da sociedade, a maior parte possui diploma universitário, alguns estão na política. Na Senador Feijó, as lojas de móveis, no Centro e no Gonzaga, o comércio variado preservam a tradição do judeu comerciante, pioneiro da venda a prestação, hoje uma prática das mais comuns no mercado nacional.

No começo haviam muitos mascates. Eles batiam palmas nos portões das casas, para oferecer sua mercadoria, por isso eram chamados chlaper (o que bate). Era uma das poucas profissões que podiam levar adiante, mesmo com a dificuldade de comunicação. Vendedor e freguês precisavam falar pausadamente, para se entenderem, e são inúmeros os casos engraçados de troca de palavras e desentendimentos, que os mais antigos da colônia agora lembram com bom humor.

Os mascates percorriam as ruas da Cidade e também os morros, e vendiam de tudo: roupas, sapatos, objetos de cama e mesa, lingerie, tecidos, artigos importados. Sua eficiência e pontualidade lhes valiam boa freguesia. Em caso de morte, por exemplo, o mascate era capaz de conseguir, em poucas horas, um guarda-roupa completo para o luto de seu freguês. Muitos donos de lojas começaram como chlaper.


Benjamin e Tauba estiveram em campos de concentração

Do passado, lembrança da guerra e do exílio

Como todos os lugares onde existe uma colônia judaica, Santos também abrigou sobreviventes da perseguição nazista. Dos horrores daqueles dias, todos os membros da comunidade têm terrível lembrança, pois mesmo os que eram muito jovens na época sentiram a angústia de seus pais, e dos amigos de seus pais, reunidos em volta do rádio, à espera das listas de mortos e desaparecidos. Cada carta que chegava à casa de um membro da comunidade era motivo para tristes reuniões, quando eram divulgadas as notícias. Todos perderam alguém na guerra.

Benjamin e Tauba Petrkovsky estiveram lá. O casal de judeus, residente no Gonzaga, ainda sofre com a lembrança dos campos de concentração em que ambos viveram. Mas nenhum deles se recusa a falar do assunto, porque acham importante que o mundo não se esqueça do que aconteceu, e que as novas gerações de judeus saibam o que passaram seus antepassados.

Os números 141.444 e 3.333, tatuados em seus braços, são a marca dos campos de Auschwitz, onde Benjamin passou cinco anos, Litva, Lotva, Estônia, Riga e Studow, que Tauba percorreu durante seis anos. Câmaras de gás, torturas físicas e morais, fome, frio, separação entre familiares, doenças, sujeira, piolhos, trabalhos forçados são experiências que Tauba e Benjamin já narraram muitas vezes, para amigos, repórteres e estudantes que os procuram com freqüência. Uma situação que durou até 1945, quando a guerra acabou e Tauba fugiu do tut lager (campo de concentração), com mais seis amigas.

Caminhando e pedindo comida, elas percorreram uma parte da Alemanha invadida pelos russos, até chegar à cidade de Benjamin, Idunska Wola, para onde ele já havia voltado, depois da libertação. As moças estavam fracas, Tauba pesava apenas 36 quilos, e o prefeito da cidade resolveu ajudá-las, encaminhando-as para algumas casas onde já estavam vivendo outros judeus.

Divididos em grupos, eles se ajudavam mutuamente. Tauba era capaz de comer dois quilos de pão e tomar quantidades enormes de sopa num só dia. Benjamin resolveu ajudá-la a se recuperar, e nunca mais eles se separaram. No dia 9 de maio, quando se comemorava a queda de Berlim, eles se casaram, sob a proteção do prefeito, que providenciou o enxoval e uma festa que durou três dias.

No Brasil - Benjamin não encontrou mais nenhum de seus familiares, mas Tauba conseguiu localizar um irmão na Rússia e uma irmã no Brasil. Depois de morar sete anos na Polônia, o casal conseguiu seguir para Israel, onde teria ficado se Tauba, doente do coração, não precisasse procurar um país onde pudesse ser operada. Depois de dois anos de troca de correspondência com a irmã, que morava em Santos, Tauba mudou-se para cá, e foi operada por um médico santista, o dr. Domingues Pinto.

Apesar de tudo o que passaram, Benjamin e Tauba Petrkovsky acham que tiveram sorte. Aqui eles vivem bem, têm três netos (as duas filhas nasceram em Israel), e sentem-se integrados na cidade e na comunidade judaica. Mas, é claro, têm muita vontade de voltar a Israel.

Veja as partes [1] e [3] desta matéria