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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PROCISSÕES - 18
Procissão de N. Senhora de Fátima do cais

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Desde a inauguração em 1951 da estátua de Nossa Senhora de Fátima na praça do mesmo nome (antiga Praça dos Outeirinhos, ao lado do armazém 7A externo, no cais do porto, próximo à Avenida Senador Dantas e ao antigo Armazém 26 Frigorífico, depois transformado em terminal de passageiros da empresa Concais), o local se tornou ponto de referência na cidade e de devoção pelos trabalhadores portuários santistas, que consideram Nossa Senhora de Fátima sua protetora. Uma procissão passou a ser realizada anualmente no dia 13 de dezembro, que é também o Dia do Marinheiro. A procissão foi entretanto interrompida de 1959 a 1988, por ter seu idealizador saído de Santos, com problemas de saúde. Porém, atendendo a um pedido seu, os fiéis voltaram a realizá-la em 13 de dezembro de 1989 e em todos os anos seguintes. O texto (em outubro de 2013) e as fotos de várias dessas procissões foram enviados a Novo Milênio pelo professor e pesquisador de História Francisco Carballa:


A procissão de 13 de dezembro de 1989, com o padre Paulo Horneaux de Moura celebrando o culto religioso junto ao monumento no cais e a passagem do cortejo pelas vias próximas ao cais
Fotos: acervo de Francisco Carballa

 

Peregrinos de Nossa Senhora de Fátima do Cais

13 de maio

Essa procissão passou a ser conhecida como Procissão do dia 13 de Maio ou, como fora sugerido pelo bispo dom David Picão nos anos 90, "Peregrinos de Nossa Senhora de Fátima do cais do Porto" [01].

Uma das primeiras devotas dessa devoção, dona Rosa (ou Rosinha, como é conhecida) contou que seu início teria ocorrido na capital paulista em dezembro de 1966 [02], quando ela foi com sua mãe, dona Filomena, à missa vespertina celebrada na igreja de São Benedito, com sua mãe.

Naquela hora, ela viu uma senhora morena clara, conhecida no momento como Maria Aparecida, que vivia com as irmãs em uma casa religiosa, e estava na porta da igreja paroquial, convidando os fiéis para que promovessem uma procissão dali até o cais, pois lhe fora revelado que haveria uma grande catástrofe [03], na cidade e a própria Virgem Maria lhe pedira que fosse demonstrada aquela devoção, pois assim o mal seria aniquilado.

Poucas pessoas tomaram parte na procissão, que possivelmente ocorreu no dia 13 de dezembro daquele ano, quando as senhoras com seus terços nas mãos saíram da paróquia de São Benedito e se dirigiram ao cais do porto, até o monumento, atendendo ao pedido da Virgem Maria aos seus videntes. Dona Rosa ia cantando, enquanto dona Maria Aparecida rezava.

Essa procissão começou a ser realizada da mesma forma pelas calçadas todos os dias 13 de cada mês, até que Maria Aparecida ingressou no convento e, já enferma, pediu que o português senhor Carlos começasse, a partir de 1972, a organizar aquela procissão - inclusive trazendo a imagem da Virgem de Fátima em um pequeno andor, conforme faz até hoje. Essa procissão tinha por característica ter quase todos os devotos de origem portuguesa, motivo do forte sotaque luso e dos costumes e cantos.

Outra origem dos videntes também seria distante de Santos: em um local da capital paulista, seis crianças passaram a ver Nossa Senhora e receber mensagens suas, entre elas uma de nome Maria Aparecida, que viria até a paróquia de São Benedito em atenção ao pedido da própria Mãe de Deus, e depois se tornaria uma freira carmelita descalça em Santa Montanha/MG. Ela repetia as palavras da Puríssima, que lhe disse: "Estou contente com o monumento no porto de Santos; lá vai acontecer um desastre, vocês farão uma peregrinação da igreja até o monumento rezando o rosário e o desastre será amenizado...". Talvez esse desastre fosse a explosão do gasômetro, que ocorreu em janeiro de 1967.

O ponto onde ocorreram essas aparições na cidade de São Paulo permanece ainda como local de orações e é frequentado por cristãos, que usam as folhas de um arbusto para fazer chá e assim usar como remédio. Atualmente existe ali uma capela em forma de gruta. Uma das videntes era uma menina protestante (evangélica), que foi levada ao templo frequentado pelos pais dela, para que fosse obrigada a negar as aparições, mas ela foi firme, dizendo: "Pai, como posso falar que não a vi, se estou vendo Nossa Senhora ao seu lado?". Então, o pai respondeu: "Se minha filha diz que vê, é porque está realmente vendo!" Essa moça depois se tornou fiel católica.

Assim começou a procissão, com poucas pessoas, participando depois o senhor Carlos, que desde então sempre transporta a imagem desde São Paulo, todo dia 13 de cada mês. Seu humilde início foi com as senhoras Maria Aparecida, Filomena e sua filha Rosa, dona Lourdes (que era irmã do senhor Carlos) e outras senhoras.

Elas saíam da porta da Igreja de São Benedito e, rezando o rosário completo, percorriam a Avenida Afonso Pena, Rua Almirante Tamandaré, Avenida Rodrigues Alves, ruas João Alfredo e João Guerra e Avenida Senador Dantas, até o monumento do cais. A romaria se repetiria por todos os dias treze de cada mês até que o número de fiéis aumentou muito e o percurso nos anos 90 foi invertido, a a pedido de moradores, passando a ser feito pela Rua Almirante Tamandaré, Avenida Siqueira Campos, Rua Santos Dumont, Avenida Rodrigues Alves, ruas João Alfredo e João Guerra, Avenida Senador Dantas e o monumento do cais.

Participei na procissão ativamente, sendo que quem a idealiza, comanda e faz as preces é o senhor Carlos, organizando-a de 1977 até 1988, quando dona Maria Alice Leça obteve a honra de dar continuidade ao evento. Até agora (maio de 2013), a romaria vem acontecendo ininterruptamente saindo da frente da paróquia do bairro Aparecida às 16h30, passando no caminho pela igreja da Paróquia de São Benedito (onde os fiéis fazem uma prece com pessoas da paróquia). Também é celebrada missa festiva em maio desde os anos 80, enquanto nos meses de dezembro ela ocorre agora também na Paróquia de Nossa Senhora Aparecida. Em seguida, os peregrinos seguem para o monumento no cais, onde costumam chegar entre 18h00 e 18h30, faça sol ou chuva.

Em alguns anos, quando o dia 13 de maio coincide com a Sexta-feira Santa [04] a romaria é adiantada. Já no dia 13 de fevereiro de 1991, quando ocorreram manifestações dos estivadores devido à demissão de muitos trabalhadores pelo Estado, a procissão não foi realizada pelo senhor Carlos (por ordem e proibição do pároco), mas o próprio povo providenciou uma pequena imagem e as pessoas foram parando o trânsito até o monumento.

 

Já ocorreu a procissão com os fiéis caminhando dentro d'água por causa de enchentes, e ainda com chuva de granizo, ameaças de protestantes e até um incêndio no armazém próximo. Outro caso interessante ocorreu num mês de fevereiro, quando a procissão ocorreu no mesmo dia do Banho da Dorotéia, o que causou muitos incômodos para os romeiros.

De 1988 até o ano de 2008, participou da procissão o Grupo Folclórico Pastoreio de Fátima que também tomava parte nas procissões de Santo António do Embaré, Santa Izabel da Santa Casa de Santos, Nossa Senhora de Fátima da Catedral de Santos e Matriz do Guarujá, bem como nas romarias de 13 de outubro e 13 de dezembro. Muitos dos integrantes do grupo saíram justamente dessa procissão.

 


Procissão de 13 de dezembro de 1990, pelas vias próximas ao cais
Foto: acervo de Francisco Carballa

 

Nessa procissão, os hinos cantados mais populares são a Ave da Azinheira, Treze de Maio e Aqui Vimos Mãe Querida.
 

Hino Aqui Vimos Mãe Querida
 

1

Bendizemos o teu nome
Mãe do Céu, Virgem Maria
Bendizemos à porfia,
O teu Filho Salvador.

Aqui vimos Mãe querida
Consagrar-te o nosso amor. (bis)

2

Esmagaste ó Virgem Santa
Toda bela imaculada
A cabeça envenenada
Do dragão enganador.

Aqui vimos Mãe querida......

3

Todo o mundo ó Mãe bendita
Cheio está das tuas glórias
De perpétuas memórias
De teu nome e teu louvor.

Aqui vimos Mãe querida......

4

Advogada poderosa
O universo em ti confia
Porque és tu refúgio e guia
Para o justo e pecador.

Aqui vimos Mãe querida.....
 


Em 13 de maio de 1998 (um ano antes de voltarem a ocorrer as procissões de dezembro), a data de Nossa Senhora foi celebrada com missa na igreja de Nossa Senhora Aparecida
Foto: acervo de Francisco Carballa

 

Pessoas participantes da procissão:

Filomena da Purificação Vaz Domingues (falecida em 21 de fevereiro de 1999), também conhecida como "Filomena da Liberdade" devido à rua em que residia. Natural de Traz dos Montes (do conselho do Crato, em Vila de Valpassos, Portugal), senhora octogenária de falar carregado no sotaque, muito forte, devota com seus cabelos brancos e terço nas mãos em prece.

 

Filomena foi protagonista de uma história de muita honestidade, era um dia 13 de maio dia de muita pompa. Estava  sentada na praça e, olhando para o lado, viu uma carteira masculina. Abrindo-a, deparou com R$ 500,00 em notas de R$ 50,00. Então, ela se dirigiu à sacristia e entregou a carteira a umas senhoras que ali estavam. Por isso, ela se atrasou e a procissão seguiu seu caminho; a filha, preocupada com o paradeiro de sua idosa mãe, encontrou-a perto da bacia do Macuco, pois ela pegara uma condução, descera na Avenida Senador Dantas e, com seu andar vagaroso, chegou até ali. Quanto à carteira sem documentos, fica o mistério do que ocorreu depois.

Rosa Domingues - filha de fona Filomena, nascida em 1943, brasileira de coração português, sempre fazendo adereços devotos para a procissão, como dois corações vermelhos com o nome de Jesus e de Maria, ou os terços de bolinhas de isopor grandes nas cores azul, rosa e branco, além de arcos floridos, bandeirolas etc., sempre ativa nas paróquias, seja nas novenas de Natal, missas ou no canto paroquial.

Maria de Lourdes Costa e Silva Abrantes - lusitana de terço nas mãos e falar típico daquelas terras, sendo a irmã de Carlos Borges, acolheu o pedido e era uma das primeiras que carregava a imagem da Virgem nas mãos durante o percurso, assim o fazendo até o final de sua vida. Ela relatava que fora curada de um câncer, falecendo por outro motivo em 2010.

Carlos Silva da Costa Borges (nascido em 1942) - é justamente o fiel que, desde o início da peregrinação, traz  da capital paulista, onde vive, a imagem de Nossa Senhora, às suas próprias custas.

Zulmira Jesus Ribeiro (nascida em 1935) - senhora lusitana, de óculos, esbelta, falar carregado, natural de Oliveira dos Frades (de Viseu/Portugal), acompanha a peregrinação desde seu início sendo justamente uma das primeiras nos cortejos.

Dona Maria Aparecida Caetano – responsável nos anos 80 pela presença dos guardas, da Banda Carlos Gomes e da queima de fogos na frente da Igreja de São Benedito, tomava parte no Rancho Pastoreio de Fátima usando o traje folclórico vermelho característico de Viana do Castelo (Portugal).

Maria Idalina (nascida em 1931) - lusitana de baixa estatura e forte, falar carregado, veio do Douro e acompanha a peregrinação desde os primeiros dias.

Elza dos Santos (nascida em 1927) - senhora negra natural de Sergipe, com orgulho de sua etnia e que dribla a idade com saúde, acompanha desde o início a peregrinação.

Maria de los Angeles Garcia Senra (nascida em 1939) - espanhola de Orense, com forte sotaque galego, baixa e esbelta, acompanha a peregrinação desde o início.

Manuel Messia Ferreira (nascido em 1952) - moreno, calvo, baixo, de falar calmo, aposentado das Docas, acompanha a peregrinação desde o início.

 

Alice Soares Dias (nascida em 1947) - lusitana de Aveiro, com o falar típico e carregado, desde 2006 toma parte na peregrinação.

Eliza Donizete Floripes (nascida em 1955 em Santos, nas Casas Populares do Macuco) - senhora forte, negra, de falar calmo típico daqueles anos. Manteve a devoção tradicional de sua mãe, dona Helena, que foi uma das fundadoras do lugar e até o dia de seu passamento acompanhou a peregrinação.

Maria Domingues Cardoso (nascida em 1928) - senhora de média estatura, branca, sotaque carioca (é natural do Rio de Janeiro), devido à idade já não tem condições de acompanhar a peregrinação, da qual sua filha - dona Telma Cardoso Inácio, nascida em 1951-  toma parte desde 2000.

Dona Izabel Candido (falecida em 1994) - senhora interiorana, baixa, esbelta, de óculos e falar caipira, passou a acompanhar a romaria em meados dos anos 70; tinha seus santos de devoção em cima da geladeira (para evitar os gatos) e rezava pelas amigas que tinham suas plantações devoradas pelas cabras nas encostas do Morro de Santa Maria. onde residia.

Dona Izabel Esteves Rufino (falecida em 1989) - lusitana de falar carregado de sotaque e calmo, acompanhou a peregrinação desde o início.

Dona Izabel Ana da Costa (falecida em 2000) - senhora mineira de São Lourenço, de onde vinha seu forte sotaque, esbelta e baixa, era muito devota, sendo a protagonista do pagamento de promessa em que subiu o Monte Serrat de joelhos colocando uma vela em cada degrau, afirmando que não sofrera nada nos joelhos. Ela também queria puxar uma procissão da Igreja de Nossa Senhora Aparecida até a paróquia de São Judas do Marapé, mas trocou essa promessa pela oferta de um estandarte, que foi usado por muitos anos na paróquia.

Dona Matilde - falecida em meados dos anos 1990, quando foi atropelada e reconhecida pelo detalhe do terço com as medalhinhas que levava; baixa, branca e forte, com sotaque carregado, tomou parte na peregrinação desde o início, sendo uma das fundadoras.

Dona Filomena "do Boqueirão" - senhora já octogenária, sempre de preto à moda lusitana, com o falar carregado e sempre alegre, recolhia maços de terços para depois distribuir "para meus homens" como chamava os estivadores ou doqueiros, cuja chegada ficava aguardando para fazer as entregas, mesmo quando todos os demais tinham ido embora.

 

Devota, vivia em uma vila na Av. Conselheiro Nébias, onde mantinha seu oratório com velas acesas, genuflexório, seu rosário e sua vida devota. Contava-se que ela era indiferente à fé, até que, em um momento difícil, passou a buscar pelas coisas de Deus e tentar entendê-lo em sua vontade sobre a Terra.

 

Sendo assídua na procissão, faltou num dia 13 e descobrimos que ela havia falecido naquele dia. O grupo levou a santinha em seu andor e foram todos rezar em seu velório. Sobre isso, muitas pessoas diriam estar com inveja do velório de dona Filomena, ao que respondeu o sr. Carlos: "Isso é santa inveja, todos queremos preces no dia de nossa morte, para irmos pro céu lá com Deus!".
 


Procissão de 13 de dezembro de 1994, passando pela Ponta da Praia
Foto: acervo de Francisco Carballa


Notas:

[01] Romaria era o nome dado aos que se dirigiam para Roma, os que iam visitar Santiago de Compostela eram chamados de peregrinos e os que iam para Jerusalém eram chamados de palmeiros por trazerem palmas de tamareira como recordação. Esse título foi indicado pelo bispo dom David Picão, durante a primeira reunião que manteve com a comissão dos participantes da procissão, liderada por dona Maria Alice Leça, para organizar a cerimônia. O objetivo era acabar com os problemas entre o pároco dos anos 1970 que perseguia os organizadores da procissão e os fiéis com ofensas graves quanto à origem e significado da devoção. Existe uma referência que a procissão começou na verdade em 1972.

[02] Local onde existe uma capela dedicada às aparições, conhecido como Capela do Reino do Céu.

[03] Em 9 de janeiro de 1967 ocorreu uma grande explosão nas instalações do gás de rua, mesmo explodindo apenas um dos reservatórios; caso explodissem os outros, a perda de vidas e os danos seriam muito maiores.

[04] Na Semana Maior, Semana Santa ou durante o Tríduo Pascal, não pode haver comemoração alguma de santos ou santas, sendo um dia reservado somente para Jesus Cristo e os momentos cruciais de sua Paixão. As procissões que ocorrem são todas voltadas para o personagem principal, que é o Redentor.

 


A procissão de 13 de dezembro de 1993, com o padre Pedro celebrando o culto religioso no cais
Fotos: acervo de Francisco Carballa

 


Além da procissão em dezembro, ocorrem também celebrações no dia dedicado a Nossa Senhora. Esta procissão foi realizada no dia 13 de maio de 2008, cerca das 16 horas
Fotos: acervo de Francisco Carballa

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