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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SEU BAIRRO/mapa
Monte Serrate,
dos bondinhos e da padroeira (2)

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Publicado em 3/6/1982 no jornal A Tribuna de Santos

 Leda Mondin (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)


Em setembro, os fiéis organizam uma das principais festas religiosas do País

A capela, a padroeira, a fé

Vejam o que nos revelam os arquivos históricos: as primeiras terras cultivadas por Braz Cubas na região que começava a desbravar pertenciam ao Monte Serrate. A área ficou até conhecida como Morro de Braz Cubas, mas não por muito tempo: chegaram outros povoadores, colocaram uma imagem de São Jerônimo no sopé do monte e isso bastou para surgir a denominação de Morro de São Jerônimo.

O velho monte foi chamado ainda de Outeiro do Vigia, provavelmente por ser o local escolhido para se observar os veleiros que utilizavam o ancoradouro. Só lá para os anos de 1603, quando estávamos sob o governo espanhol de Felipe II e tínhamos como governador-geral dom Francisco de Souza, passou a ser chamado de Monte Serrate, devido à capela ali erguida.

A devoção a Nossa Senhora do Monte Serrate é muito antiga e começou na Espanha, precisamente na Catalunha, no ano de 546, quando um monge retirou-se para Montserrat, montanha da região, e ali ergueu um eremitério, em homenagem à Virgem.

Anos depois, o convento espanhol foi habitado por monges beneditinos, que desde então foram espalhando a devoção a Nossa Senhora do Monte em todos os lugares por onde iam. A imagem original foi esculpida em ébano, razão da denominação de Virgem Morena que os espanhóis lhe dão.

Quando o governador-geral Francisco de Souza esteve aqui, não só mandou construir a capela como ordenou que fosse entregue aos beneditinos, logo que se estabelecessem em Santos. E assim foi, só que, por obra e graça dos portugueses, a santa virou branca.

O grande milagre - Apenas esses dados seriam suficientes para provar que o Monte Serrate está intimamente ligado à história de Santos. Mas isso não é tudo: em 1614, quando os holandeses invadiram a Ilha de São Vicente, as populações das vilas de Santos e São Vicente refugiaram-se no monte, rezando e pedindo proteção à Virgem. Quando os invasores aproximaram-se do alto do morro, uma avalanche de pedras matou muitos deles e colocou os demais em fuga. Nossa Senhora do Monte Serrate fizera seu primeiro grande milagre e, desde essa época, a população a considera padroeira de Santos.

Em 1954, quando se completava o centenário da definição do dogma da Imaculada Conceição, o Papa Pio XII decretou o Ano Santo Mariano. Houve festas em todo o mundo e, associando-se aos festejos, a Câmara Municipal de Santos oficializou o título de padroeira a Nossa Senhora do Monte Serrate. No ano seguinte, o Papa ratificou o ato, determinando a coroação canônica.

A Santa é também protetora dos navegantes e a ela se atribui outro grande milagre: livrou o barco nacional Araguary de naufrágio certo, em 1926. Quando os tripulantes já não conseguiam controlar a situação, resolveram ajoelhar-se em um dos conveses, rezar e evocar a Virgem, prometendo celebração de missa em ação de graças se o vapor conseguisse aportar em Santos. No instante seguinte a tempestade cessou e o mar entrou em calmaria.

Por essas e por outras, o Monte Serrate é um dos principais pontos de afluência de romeiros em todo o Brasil e centro de uma das grandes festas religiosas da Igreja Católica. A tradição se renova a cada ano: no dia 5 de setembro, a imagem de Nossa Senhora deixa sua capela e segue, em procissão, para a Catedral, onde é rezado um tríduo. No dia 8 de setembro, consagrado a ela, há missa solene, pela manhã, e à tarde, a imagem volta ao Monte Serrate. Antes de subir o morro, o cortejo pára em frente da Prefeitura, e o chefe do Executivo renova a consagração de Santos à Senhora do Monte. Feriado, a Cidade reza e festeja ao mesmo tempo.

Em sua ermida, no Monte Serrate, a imagem de Nossa Senhora fica no altar-mor, num nicho. A capela, bem simples, não comporta mais de 200 pessoas e ostenta, na parede lateral, um crucifixo de madeira: representa o Senhor do Bonfim, que é conduzido em procissão uma vez por ano, no domingo seguinte à festa da padroeira. Ao lado, uma sala repleta de ex-votos comprova a devoção dos fiéis. Tem de tudo um pouco: fotografias, penas e braços mecânicos, vestidos de noiva e cadernos escolares.

Não há dúvida: quem chega a Santos logo tem sua atenção despertada pela capela branca, que do alto do Monte Serrate domina toda Santos. Durante o dia, é vista de vários pontos: à noite, uma estrela marca o seu lugar no cume da elevação.


Em 1915, uma praça em frente ao Monte. Depois, os primeiros prédios das imediações
(fotos cedidas por Julieta Ferreira de Souza)

A tradição que se perdeu

A tradição que se perdeu no tempo, mas ainda permanece na memória dos mais antigos: no dia 5 de setembro, o povo subia o morro e, durante os dias de festejos, ficava vigiando Santos. Por quê? Ora, à espera do desembarque dos holandeses. A vigília continuava até o momento da oração e do milagre, no dia 8. Aí, todos explodiam em festa, havia queima de fogos e repique de sinos.

Morreu também o costume de se fazer rodas de samba. A cada ano as cenas se repetiam: os batuqueiros subiam o morro e lá ficavam, comendo ou bebendo pinga. O samba da pesada surgia bonito, entre os surdos, pandeiros e cuícas, sempre regado a goles de caninha. A garrafa corria de boca em boca, às escondidas do policiamento.

Em meio à animação, um batuqueiro executava o dizendo no pé, uma reverência, até tocar na perna de outro. Era o que bastava para começar uma dança semelhante à capoeira.

Quando um dos batuqueiros conseguia derrubar o outro, o coro não deixava por menos e cantava: "Facão bateu em baixo, a bananeira caiu..." Se o que caiu queria voltar à forra e não conseguia, se ouvia um outro refrão, em tom de zombaria: "Pau rolô, caiu/lá na mata ninguém viu...". Em compensação, quem ganhava a luta era festejado com um canto de vitória: "Morão! Morão! Vara madura que não cai..."

Esses grupos de batuqueiros chamavam-se Embaixadas. Às vezes, a dança virava briga feia e a brincadeira terminava em ampla e irrestrita pancadaria. Isso quando os rapazes não rolavam as escadarias do monte, de tão embriagados que ficavam. Por essas e por outras, o clero pediu à polícia que acabasse com os batuques no alto do monte.

E os piqueniques que se fazia durante os dias de homenagem à padroeira? José Gonçalves, que trabalha no bar do antigo cassino, ainda se lembra. As famílias se juntavam e lá iam morro acima, carregando leitão, cabrito e garrafão de vinho. Tudo do bom e do melhor. Brincadeiras não faltavam, e imagine-se a gozação que houve quando aqueles quatro homens apareceram carregando um pão de 30 quilos!

Para alguns, nem sempre tudo acabava bem: José Gonçalves recorda aquele final de tarde, a família descendo o morro, o avô com um garrafão de vinho na mão. Alguém se atreveu a mexer com a sua tia e o velho não perdeu tempo: atacou-lhe o garrafão nas costas. Coisas como essa, quem consegue esquecer?

Veja as partes [1], [3] e [4] desta matéria
Veja Bairros/Monte Serrate

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