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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - INSEGURANÇA
Fogo! A Baixada Santista corre perigo? (B-08)

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De 16 de dezembro de 1984 a 1º de janeiro de 1985, o jornal santista A Tribuna publicou uma série especial de reportagens, Roteiro da insegurança, sobre os riscos a que estavam expostos os habitantes da Baixada Santista.

Esta matéria foi publicada no dia 28/12/1984:
 
 

ROTEIRO DA INSEGURANÇA - 8



Foto: arquivo, publicada com a matéria

Petróleo, o primeiro perigo
(Com a Refinaria, começa a insegurança. Hoje, o óleo cobre os mangues e ameaça o porto)

Texto de Manuel Alves Fernandes e Lane Valiengo

O fim dos tempos, para a Baixada Santista, pode ser amanhã. Ou hoje à noite. Basta um novo derramamento de óleo no mar, tão comum por aqui. Basta uma faísca, um fósforo. E não sobrará nada do Porto, o maior porto da América Latina. Ou então outro vazamento nos velhos e corroídos oleodutos da Petrobrás, como o que dizimou a Vila Socó e matou centenas de pessoas (oficialmente, apenas 98). Se as chamas chegarem ao Terminal da Alemoa, os muitos tanques de produtos químicos ali existentes também explodirão.

E só restará ao último que abandonar a ilha o trabalho de apagar o farol da barra.

O petróleo é o início do Roteiro da Insegurança: com a instalação da Refinaria Presidente Bernardes em Cubatão, em 1955, o perigo chegou para ficar. A Refinaria criou empregos, deu ares de industrialização à região e fez pensar em um futuro grandioso. Um futuro que pode não acontecer. Com a Refinaria, ainda, vieram muitas outras indústrias, criando-se o maior pólo petroquímico da América Latina. Um pólo que, com o auxílio dos diversos oleodutos e dos produtos perigosos descarregados no Porto, contribui para que a Baixada seja considerada a região mais insegura do planeta.

Se a "crise do petróleo" assustou o mundo e deu aos árabes uma força insuspeita (N.E.: após a chamada Guerra do Golfo, em 1973, os países árabes produtores de petróleo formaram um cartel para a venda do produto, reduzindo a quantidade e aumentando o preço, assim criando a primeira crise internacional no abastecimento de combustíveis), a nossa "crise" doméstica parece não assustar ninguém. Os vazamentos de petróleo continuam ocorrendo, não só poluindo o mar mas principalmente levando perigo. E mesmo depois de grandes tragédias, não há um mecanismo eficiente de defesa contra os despejos.

Em outubro de 83, a empreiteira Firpavi provocou o rompimento de um oleoduto da Petrobrás, em Bertioga. Quase três milhões de litros de óleo bruto poluíam os mangues da região e quase 60 quilômetros de praias. Foi possivelmente a maior tragédia ecológica do Brasil, superando inclusive o de janeiro de 1978, em São Sebastião, quando o navio Brazilian Marine conseguiu contaminar praticamente todas as praias do Litoral Norte, avançando sobre o Rio de Janeiro.

Um ano depois do "acidente" em Bertioga, apesar de todas as evidências (e de toda a insegurança), o processo do Ministério Público contra a Petrobrás e a Firpavi não chegou a conclusão alguma. Ou seja, os culpados continuam impunes enquanto os mangues de Bertioga continuam morrendo lentamente, como atestam estudos biológicos a respeito.

Mais petróleo: quando os técnicos ainda tentavam desesperadamente conter o óleo em Bertioga, o Litoral Norte sofria nova agressão, com vazamento no navio Docepolo. Bastaram três dias mais para que uma tubulação da Petrobrás se rompesse, na altura do quilômetro 37 da Via Anchieta. A gasolina derramada chegou à Represa Billings, local em que se coleta parte da água que abastece a Baixada Santista.

Morte na vila - Aí acontece Vila Socó, o horror maior, a tragédia verdadeira. As muitas mortes comovem o mundo, os corpos retorcidos, feito carvão. O 25 de fevereiro mais triste da história. Um engano, uma válvula mal operada: essa teria sido a razão do massacre. Depois da comoção e dos muitos alertas, veio o processo, que continua se arrastando. O então presidente da Petrobrás, Shigeaki Ueki, consegue escapar da ação penal. Recentemente, testemunhas confirmam que os oleodutos da companhia continuam operando sem as mínimas condições de segurança. Não havia, quando o incêndio ocorreu, nem ao menos uma válvula de segurança, medida até primária em termos de oleodutos.

A gasolina começou a vazar pela manhã. O incêndio aconteceu à noite. Quase um dia inteiro e não houve um alerta, uma providência. Restaram as mortes. E a impunidade.

Alguns dias depois, A Tribuna denunciava que os dutos da Petrobrás eram utilizados para transportar diferentes produtos, inclusive álcool. O que poderia produzir a corrosão das tubulações. A informação, em tom de desabafo, partiu de um graduado funcionário da empresa. O superintendente do Terminal de Derivados de Petróleo (Tedep), Romilson Longo Bastos, contestou a notícia com veemência. Outros funcionários se encarregaram de confirmar e houve até denúncias de que os dutos carregavam inclusive nafta. E existem os tanques pintados de branco, caracterizando o armazenamento de álcool. Que também foi negado pelo superintendente.

De tudo, resta a certeza de que a insegurança continua a mesma. E que é possível ocorrer uma nova Vila Socó. Ou várias.

Tanto que em setembro deste ano, no Terminal da Alemoa, uma barcaça - a Gisela - carregada com tambores cheios de óleo, naufragou, depois de passar alguns dias parada no local. Não havia segurança, é evidente.

Foram despejados 500 mil litros de óleo combustível no Estuário. O petróleo chegava, finalmente, a Santos. O Porto e a Cidade não explodiram por pouco - houve até um princípio de incêndio no navio Santista. O fogo foi dominado mas o porto permaneceu em alerta: poderia voar pelos ares. O óleo se espalhou, atingiu as praias. E uma simples barreira flutuante, que protegesse a barcaça, teria evitado tudo.

Os sustos não terminaram: no dia 26 de novembro, uma falha de operação durante descarga do navio Jacuhy, ancorado na Ilha Barnabé, fez com que 20 toneladas de xileno fossem parar no Estuário. Novamente a Baixada escapou por pura sorte: o xilênio é inflamável. E ao lado do Jacuhy estava o navio Itanagé, carregado de explosivos. Uma fagulha e teríamos uma tragédia de proporções fantásticas. Talvez a destruição total da região. No dia seguinte, a praia do Itararé, em São Vicente, amanheceu coberta de óleo.

Quem pensava que a temporada de tragédias estava encerrada, se enganou. No dia 29 de novembro, Cubatão sentiu de novo o horror da destruição, com o vazamento de 20 mil litros de óleo diesel e nafta, nas proximidades da Base de Provimento de Santos-Basan, a poucos metros da confluência das rodovias Guarujá-Cubatão e Anchieta.

A nafta, altamente inflamável, torna-se explosiva em contato com a atmosfera. Seus vapores são mais pesados que o ar, venenosos e sufocantes. Grande parte do produto escorreu para o canal da Avenida Henry Borden, que atravessa a Vila Nova, um dos bairros mais populosos de Cubatão. O canal chegou a pegar fogo durante três minutos.

O superintendente da Refinaria, Artur Cassiano Bastos Filho, comandou as operações de limpeza. E revelou: tratou-se de vazamento em uma das linhas que levam produtos químicos da unidade até a Basan.

A tragédia só não ocorreu realmente porque os bombeiros e a Refinaria isolaram a área e usaram um líquido especial, que se transforma em espuma em contato com a água. E isso impediu a liberação dos gases inflamáveis da nafta.

Exigências - Até que um novo vazamento ocorra, discutem-se causas, providências, planos. Mas, como sempre, não demora muito até que o assunto seja esquecido. A Baixada Santista continua sem contar com os meios necessários para prevenir e combater acidentes ecológicos, embora seja a região mais insegura do mundo.

Oficiosamente, a Capitania dos Portos tem agido com rigor, tanto com relação a navios (principalmente reprimindo a tradicional lavagem de porões) quanto à manipulação de cargas perigosas no Porto. Os bombeiros e a própria Cetesb têm dado assessoria técnica à Capitania.

Mas o pouco controle que existe é feito mais por iniciativa própria, sem a necessária (e urgente) estrutura para tanto. E enquanto não se tomam providências, continuamos sob o domínio do medo, esperando apenas que o petróleo vaze novamente, aumentando ainda mais o Roteiro da Insegurança.

Negligência, a principal causa

Nos últimos três anos, quase quatro milhões de litros de petróleo vazaram, em oleodutos e navios. Nos últimos dez anos, ocorreram 131 acidentes com óleo, sendo 87 em oleodutos e 44 em navios, terminais e portos. O pior: 90% foram causados por negligência.

Estes dados foram apresentados na Assembléia Legislativa pelo coordenador de Operações do Conselho de Defesa do Litoral (Codel) e, ainda, integrante da Divisão de Operações Especiais da Cetesb, Luís Antônio de Melo Awazu.

As causas dos acidentes, segundo Awazu: 28%, falha mecânica (bombas, válvulas etc.); 50% erro operacional (como a troca de válvulas na Vila Socó); 12%, corrosões externas (oleodutos e navios); 2%, perigos naturais (movimentação do solo etc.) e 1%, ação de terceiros (como o rompimento do oleoduto em Bertioga pela empreiteira Firpavi).

Não é sem razão que o gerente regional da Cetesb, Luís Carlos Lencione Valdez, propôs a criação imediata do Departamento de Controle da Poluição do Mar, que teria função preventiva e corretiva. Mas a efetivação desse departamento, como sempre, depende da boa vontade do Governo do Estado em liberar os recursos necessários, para a compra dos (muitos) equipamentos necessários e aumentar o número de funcionários da Cetesb na Baixada.

Ácido fluorídrico, o novo veneno

O ácido fluorídrico tem as seguintes características básicas: "líquido incolor, muito solúvel na água e fumegante. Ataca quase todos os metais, mas o chumbo e a platina resistem bastante. Carboniza muitas substâncias orgânicas, sendo perigoso respirá-lo. Produz na pele úlceras perigosas e difíceis de curar. É assim veneno ativíssimo. Ataca o vidro e por isso deve ser guardado em frascos de Gutapercha, Cautchu ou recipientes revestidos de chumbo. Classificação: corrosivo líquido e tóxico perigoso" (Ezequiel da Silva Martins, Glossário de Termos e Corpos Químicos).

Pois é este mesmo ácido fluorídrico que está sendo utilizado, em Cubatão, pela Petrobrás, na nova unidade da Refinaria Presidente Bernardes, para a fabricação de gasolina de aviação. Como se não bastassem todos os riscos que ameaçam a Baixada Santista, todos os produtos perigosos que circulam livremente pela região, surge esta nova - e séria - ameaça.

O presidente do Sindicato dos Petroleiros, Pedro Gomes Sampaio, depois de revelar que o ácido em contato com o ar se transforma em gás e aumenta em muitas vezes o seu volume, faz a pergunta: "Quem será o imbecil que autorizou a instalação dessa unidade? Não pensaram que já existe um parque industrial muito inseguro, próximo ao Centro de Cubatão? E se houver um vazamento, o que acontecerá? Mas apesar disso estão todos quietinhos, ninguém fala nada...".

Em setembro, todos os sindicatos do petróleo se reuniram e elaboraram um documento pedindo audiência com o presidente da Petrobrás, Telmo Dutra de Resende, para tratar exatamente da questão da segurança nas refinarias. A audiência foi recusada.

"Queríamos mostrar que é preciso investir na área de refino porque qualquer hora tudo isso aqui vai pro brejo. Tem aquela história de que Deus é brasileiro, mas qualquer hora ele perde a paciência...".

Sampaio conhece bem a Petrobrás, está na empresa há 29 anos. E constata que, dentro do orçamento, a maior parte é sempre destinada para a prospecção. "A prospecção foi priorizada, em vista da crise do petróleo. Não temos nada contra, se o Brasil conseguir a independência em termos de petróleo, ótimo. Mas não se pode cobrir um santo e despir outro. A presidência da Petrobrás precisa lembrar que as refinarias são antigas, principalmente a de Cubatão e a da Bahia. Os equipamentos são velhos e é ferrugem para todo lado. Quem não conhece a Refinaria e entra lá, sente medo. Quem conhece não sente medo porque o ser humano se acostuma com tudo".

A Petrobrás reduziu seus quadros e passou a contratar empreiteiras. O resultado não poderia ser pior, para Sampaio. "São contratados trabalhadores sem o conhecimento necessário, despreparados. O cidadão não conhece o risco e quando termina seu trabalho, vai embora. Não pensa - e nem tem motivos para tanto - que quem vai operar aquele equipamento em que ele fez a manutenção, é um ser humano. E que toda a população corre riscos. Estamos preocupados com isso, mas a nossa preocupação não é a mesma da presidência da Petrobrás e muito menos do Governo".

"Tudo bem" - "A verdade é que eles dizem assim: não explodiu nada ainda, então está tudo bem. É um quebra-galho total, em tudo. Aí acontecem casos como a Vila Socó. É inadmissível operar um oleoduto sem uma válvula de segurança. É primário. Mas a empresa pensa em economia, uma economia que não significa quase nada. Aí uma favela inteira é dizimada por causa dessa economia. Se a Petrobrás deixasse de alugar camarotes, daria para comprar não sei quantas válvulas de segurança".

Mas como ninguém dá importância às freqüentes denúncias dos sindicatos, resta esperar que o próximo presidente Tancredo Neves mude a filosofia das empresas estatais. "Isso não acontece só na Petrobrás, mas em todas as estatais. A manutenção preventiva não existe em nenhuma delas".

A conclusão de Sampaio não poderia ser mais amarga: "A situação é muito mais séria do que a gente imagina. Mas infelizmente temos memória curta, os acidentes acontecem e depois a gente esquece".