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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CANAIS - BIBLIOTECA NM
Posicionamento da Prefeitura - 14


Clique na imagem para voltar ao índice do livroA polêmica acirrada entre o idealizador do sistema de canais para Santos e os vereadores santistas, que marcou o início do século XX, levou o jornalista Alberto Sousa a escrever o livro A Municipalidade de Santos perante a Comissão de Saneamento, publicado em 1914 pelas Officinas Graphicas do Bureau Central, em Santos, em que polemiza com o engenheiro Saturnino de Brito.

O exemplar, com 257 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 91 a 98):

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A Municipalidade de Santos perante

a Comissão de Saneamento

Alberto Sousa

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PARTE I - EXPOSIÇÃO E DEBATE
XIII - Ameaças

O oitavo e último artigo da série do sr. Saturnino de Brito é um grito de guerra contra a propriedade particular. S.s. reproduz, e comenta com exaltado entusiasmo, um artigo da Technique Sanitaire, a respeito dos planos tendentes à regularização e expansão das cidades.

Depois da leitura desse artigo, feita quase ao terminar a sua série, s.s. já não se contenta com a legislação do Império, revogada pela Constituição republicana, nem com o que se pratica na Alemanha e na Bélgica, em relação aos bens de domínio privado.

O sr. Saturnino encontrou, finalmente, coisa melhor, mais adequada à realização de seus planos e mais conforme às inclinações naturais de seu espírito. S.s. quer para Santos, a fim de que vingue a execução de sua planta geral, a lei italiana de 1865 a a lei especial de 1908, feita para a cidade de Turim.

Acha o famoso engenheiro, na incurável obsedação que o vai conduzindo rapidamente à loucura - que, se a edilidade de Santos, em 1913, conhecesse as leis apontadas, não pensaria que os planos gerais são inexeqüíveis, por atentatórios da propriedade particular e ruinosos dos cofres públicos.

Lá, os planos organizados pelas municipalidades são submetidos à aprovação do poder superior; os proprietários não podem beneficiar os terrenos, decretados de utilidade pública, por necessários às ruas e praças; e as desapropriações respectivas são feitas, progressivamente, em 20, 30 e 35 anos.

Já demonstramos, em artigos anteriores, que não se pode estabelecer uma comparação racional entre a organização retrógrada de velhos países monárquicos e a Constituição progressiva das jovens nações americanas. Não devemos querer para exemplo o que aqueles povos têm de peculiar à sua evolução social e política, de que resultaram institutos jurídicos bem diferentes dos nossos.

Além disso, em assuntos desta natureza, que afetam direitos assegurados inviolavelmente a todos quantos aqui residem, não se deve argumentar com disposições de leis estrangeiras, mas com o que as nossas leis positivas estatuem decisivamente.

O problema é atual e só pode ter uma solução atual: e esta não pode ser dada senão dentro das estipulações do nosso Direito constituído. O ponto de vista do sr. Saturnino de Brito pode, quando muito, ser um ponto de vista puramente doutrinário, pairando nas regiões abstratas das teorias e das hipóteses especulativas. Mesmo assim, prova que o seu espírito está inteiramente divorciado das nossas aspirações e tendências republicanas.

Entretanto, s.s. estuda longamente as leis italianas, faz a sua ardente apologia, coteja-as com as nossas, das quais escarnece e zomba, e pede, num orgulhoso gesto imperativo, que seja revogada a sã legislação da República, adotando-se em seu lugar a legislação do velho país monárquico.

Ao seu apelo solene, ao seu gesto indômito, à sua palavra de ordem, à sua voz de comando - é certo que todos os poderes governamentais do Brasil vão mover-se, num impulso unânime, e reformar nosso Estatuto básico, reorganizar nossas instituições políticas, alterar nosso direito civil, renegar as brilhantes conquistas adquiridas em vinte e cinco anos de liberdade republicana - só para que o sr. Saturnino de Brito possa completar o assentamento de sua rede de esgotos na cidade de Santos.

O ex-prestigioso chefe da Comissão de Saneamento apresenta, pois, ao critério da Municipalidade de Santos, como solução das dificuldades presentes, a fórmula italiana, a saber:

1º) Proibição, ao proprietário, de beneficiar os terrenos, logo que sejam decretados de utilidade pública;

2º) Desapropriação progressiva dentro de um prazo que pode ir até 35 anos;

3º) Cessão gratuita e obrigatória, por parte do proprietário, de uma faixa de terreno, cuja largura será fixada, de acordo com a largura da rua que passar pelo referido terreno;

4º) Se se tomar a algum proprietário menor faixa que a do vizinho fronteiro, aquele pagará à Câmara o valor do terreno adquirido a mais ao outro proprietário.

É com estas idéias, é com estes alvitres, é com esta inaudita solução que o engenheiro Saturnino de Brito quer completar a rede de esgotos de Santos e construir as avenidas de 120 metros de largura, projetadas na sua planta geral, em exposição na Praça do Comércio!

Depois de ter apresentado semelhante solução ao critério da Municipalidade, s.s., prevendo logicamente uma categórica repulsa desta, apela, cheio de confiança, para o governo do Estado. "O Governo do Estado de S. Paulo - escreve sentenciosamente o sr. Brito - deve imediatamente tomar a iniciativa de modificar e ampliar as leis antigas relativas à expropriação, de acordo com as novas aspirações dos países civilizados."

De maneira que, para s.s., a lei italiana de 1865, com cerca de meio século de existÊncia, anterior à queda do poder temporal do Papa, anterior à unificação política do reino peninsular, anterior à terceira República Francesa - simboliza as novas aspirações dos povos civilizados, ao passo que a legislação republicana de um país com o Brasil, que se organizou vinte e tantos anos depois, à luz das mais modernas conquistas da liberdade e da civilização - é bárbara e retrógrada!

Mas, não podemos deixar de pedir a severa atenção dos proprietários santistas para as terríveis ameaças com que os em amedrontando o chefe da Comissão de Saneamento. Quer na série a que temos respondido, quer na sua recente réplica, pelo Estado, ao dr. Silva Telles, s.s. ameaça a Municipalidade com a intervenção do Governo Paulista, com o cerceamento da autonomia local, com a nomeação de prefeitos, para que a execução do seu plano seja finalmente consumada.

Ainda ontem, no telegrama com que respondeu às saudações de seus auxiliares desta cidade, s.s. diz que o seu plano ficará suspenso no momento atual, para ser tomado em consideração brevemente, quando a Municipalidade obedeça a outra orientação.

Ora, para que o seu plano seja executado, é preciso que o Partido Municipal caia do poder, o que só se verificaria ditatorialmente, por um golpe abusivo de força, nos termos em que o sr. Saturnino de Brito o propôs ao Governo Estadual. Só assim a Municipalidade obedecerá a outra orientação - à orientação do sr. Cesario Bastos, que é o chefe do partido governamental nesta cidade.

E como o sr. Saturnino de Brito pretende convencer o Governo de S. Paulo de que, sem a aprovação da sua planta geral, não pode prosseguir nos trabalhos complementares do assentamento dos esgotos, sendo urgente eliminar os embaraços que a Municipalidade opõe à sua ação anarquisadora e incompetente - o sr. Cesario Bastos dá-lhe todo o seu apoio de chefe local, de senador, de membro da Comissão Diretora, e manda que o seu jornal transcreva e elogie as bulas pontifícias do Papa do Saneamento.

É certo, pois, que existe um acordo entre os dois. O sr. Saturnino precisa do prestígio político do sr. Cesario Bastos para humilhar a nossa Municipalidade autônoma, impondo-lhe sua pesada planta; por sua vez, o chefe governista precisa do prestígio técnico do chefe do Saneamento, para impor ao governo, como única solução possível e racionável, a sua intervenção em Santos, em nome da saúde pública!

A aprovação da planta geral de Santos, projetada pelo sr. Saturnino de Brito, como medida indispensável para a execução complementar e final dos serviços de saneamento, vai ser, pois, o programa com que o partido do sr. Cesario Bastos disputará a posse do poder em nossa terra, com a esperança de uma indébita intervenção do governo estadual na esfera de nossa vida autonômica.

Mas como, para executar o plano do sr. Saturnino de Brito, é preciso, segundo ele mesmo confessa e propõe, adaptar à nossa legislação a lei italiana de 1865, sobre desapropriações, pois do contrário, o próprio Estado, que deve atualmente cerca de quatrocentos mil contos, não poderia arcar com as responsabilidades financeiras das grandes obras projetadas por aquele especialista - segue-se que o sr. Cesario Bastos terá de bater-se, perante a administração paulista pela adoção de dispositivos idênticos ou iguais aos da referida lei.

Em tal caso, graças ao acordo existente entre os dois, e graças à alta influência do sr. Cesario Bastos junto aos seus pares da superior administração paulista, os proprietários de Santos seriam onerados com as seguintes responsabilidades obrigatórias:

1º) Decretação de utilidade pública, dos terrenos necessários à execução da planta geral, mediante desapropriação, cujo valor só lhes será pago 35 anos depois;

2º) Proibição de beneficiar os terrenos declarados de utilidade pública, mesmo quando não tenham sido indenizados de seu justo preço;

3º) Cessão gratuita das faixas de terrenos indispensáveis à abertura das ruas do projeto, faixas cuja largura será fixada pela Comissão de Saneamento, em proporção à largura das ditas ruas;

4º) Indenização à Câmara no seguinte caso: se esta tomar, a um proprietário qualquer, menor faixa de terreno que a um vizinho fronteiro, aquele proprietário será obrigado a indenizar a Municipalidade do valor dos terrenos adquiridos a mais ao proprietário fronteiriço.

Por esta lei, que o sr. Saturnino quer para Santos, o proprietário, além de ser indenizado de seus terrenos somente 35 anos depois de decretada a respectiva utilidade pública; além de não poder nem ao menos beneficiá-los; além de ceder gratuitamente à Câmara faixas de terra, cuja largura será fixada pela Comissão de Saneamento - ainda será obrigado a pagar à Municipalidade o valor dos terrenos que ela comprar a mais aos outros proprietários vizinhos!

É, como se vê, uma lei extorsiva, espoliadora da propriedade particular, violadora dos mais legítimos direitos individuais, lei para ser atacada, combatida e repelida em todos os tons, em todas as instâncias, e em qualquer momento; porque representa a organização oficial do regime da pilhagem.

Pugnando pela integração de semelhante lei na legislação do nosso Estado, com o fim especial de aplicá-la aos proprietários de nossa terra, que defendem energicamente os seus direitos - pretende o sr. Cesario Bastos vencer o Partido Municipal, pela intervenção do Governo Paulista em nossa vida autonômica. É ele que estimula, acoroçoa e aplaude o sr. Saturnino de Brito, impelindo-o a convencer o governo de que, sem a execução cabal de sua planta, o saneamento de Santos será um verdadeiro fracasso.

Mas, pensa o sr. Cesario Bastos que um governo, composto de homens sensatos, é capaz de desferir, contra o direito de propriedade, o monstruoso golpe, concebido por um engenheiro maníaco e aceito por s.s. como o único meio possível de dominar de novo este povo, que lhe vota a mais absoluta e justificada antipatia?

Imagem: reprodução parcial da obra de Alberto Sousa (página 97)