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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CANAIS - BIBLIOTECA NM
Posicionamento da Prefeitura - 12


Clique na imagem para voltar ao índice do livroA polêmica acirrada entre o idealizador do sistema de canais para Santos e os vereadores santistas, que marcou o início do século XX, levou o jornalista Alberto Sousa a escrever o livro A Municipalidade de Santos perante a Comissão de Saneamento, publicado em 1914 pelas Officinas Graphicas do Bureau Central, em Santos, em que polemiza com o engenheiro Saturnino de Brito.

O exemplar, com 257 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 77 a 84):

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A Municipalidade de Santos perante

a Comissão de Saneamento

Alberto Sousa

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PARTE I - EXPOSIÇÃO E DEBATE
XI - Idéias delirantes

Não deixaremos de glosar uma outra circunstância digna de nota, como subsídio indispensável para o estudo da curiosa personalidade do engenheiro Saturnino de Brito: é que o quinto artigo da série está escrito à moda turca, isto é, de traz para diante!

Peguem os leitores o Estado do dia 23 de abril deste ano, corram à seção livre, e lá verão o seguinte, na segunda coluna do artigo: "Passemos ao exame da segunda solução proposta". E em seguida: "2ª - Aprovar a planta, e legislar etc.". Só na terceira coluna, quase ao finalizar o artigo, é que s.s. trata da primeira solução, nos termos que trasladamos: "Vejamos a primeira das soluções propostas." E acrescenta: "Aprovar a planta, declarar de utilidade pública etc."

Esta desordem da sua atividade cerebral, corroborada por outros repetidos sintomas, que já assinalamos anteriormente, explicam, de modo claro, a razão dos inesperados acessos furiosos de s.s. contra os seus leais amigos da Municipalidade de Santos, que tão cordialmente lhe deram reiteradas provas públicas de apreço, de solidariedade e de admiração.

É lamentável que os excessos de orgulho e de vaidade, a par com as privações ortodoxas, tivessem-no conduzido ao precário estado mental que a sua série de artigos está revelando, diariamente, ao povo de Santos, surpreendido e magoado com tão desagradável acontecimento.

Mas, enquanto a nossa convicção a respeito não se generaliza, dispensando-nos então, de nossa tarefa, continuaremos a desempenhar-nos dela. Pusemos já em ordem relativa essa casa de Orates, que é o artigo quinto, retrucando-lhe em sentido inverso da agressão, isto é, atendendo em primeiro lugar, como é lógico, à primeira solução proposta. Passemos, agora, ao novo exame da segunda.

Fechamos o artigo de ontem, na expectativa de que, no curso deste novo exame, o sr. Saturnino de Brito trouxesse para a discussão algum argumento inédito. Falhou a espectativa. S.s. continua a insistir na necessidade da expropriação dos terrenos destinados aos eixos ou vielas de progresso, aplicando-se ao caso a mesma disposição municipal já existente sobre o recuo das avenidas.

Para isso, só resta saber uma coisa - na sua opinião - "é se o ônus é tão grande que assuste, aterrorize os escrúpulos financeiros da edilidade". "Ora - continua o abalizado economista -, como é desnecessário aplicar a lei a toda a área projetada, e como é possível ir criteriosamente acompanhando o progresso e prevenindo a ação dos obstrutores - afirmo que a despesa é relativamente pequena em face do grande alcance de sua aplicação".

O sr. Saturnino, como se vê, teima na sua irritante idéia de declarar de utilidade pública, desde logo, todos os terrenos necessários às vielas projetadas, impedindo que os seus proprietários aí edifiquem ou façam quaisquer benfeitorias. À proporção que as circunstâncias o determinem, irá a Municipalidade fazendo as desapropriações, e pagando-as.

Já provamos com a Constituição Federal, com a Lei Provincial de 1836, ainda em vigor, com a doutrina unânime dos mais eminentes civilistas, assim nacionais como estrangeiros - que nenhum governo tem o direito de impedir que um proprietário disponha de seus bens como quiser - salvo a desapropriação mediante indenização prévia.

Adotada a planta do sr. Brito, a Municipalidade precisava cogitar dos milhares de contos que custariam as desapropriações. Diremos mais: ainda mesmo que o Estado aceitasse as idéias do sr. Brito e legislasse, mandando indenizar os proprietários pelo preço da época em que fosse declarada a utilidade pública de suas terras, e não pelas cotações do tempo de efetuar-se a expropriação - ainda assim os ônus a pesar sobre o orçamento da Câmara seriam incompatíveis com os seus recursos normais, pois as necessidades públicas de todo o gênero crescem rapidamente com o nosso vertiginoso progresso, impondo exigências inadiáveis à Administração local.

Acresce que, conhecida a planta, graças ao afã com que s.s. a cobriu de aplausos vibrantes por intermédio de seus claqueurs e de alguns inexperientes basbaques - os proprietários, com natural sagacidade, sabendo que seus terrenos seriam precisos para a execução do plano, requereram à Câmara, desde já: a) a expropriação imediata desses terrenos, ou b) licença para construir neles, valorizando-os, na expectativa das futuras desapropriações.

Mas não vale a pena repisarmos o assunto, já bastante elucidado; e abordemos o artigo sexto, no qual o sr. Saturnino pretende demonstrar que é economicamente exeqüível o seu grandioso plano de expansão da cidade.

Depois de referir-se às vantagens estéticas e higiênicas das grandes e largas avenidas, com seus densos bosques na faixa central, s.s. entra prolixamente na indagação do aspecto financeiro do problema. A Municipalidade de Santos, composta de honrados cidadãos, bem intencionados, por certo, mas absorvidos nos seus cotidianos afazeres comerciais, demasiado intensos e exaustivos em nossa praça tão movimentada, é que não teve tempo de estudar com calma a questão.

Nos bosques plantados ao longo das faixas centrais é que está a solução prática do problema financeiro, que tanto preocupa a Câmara e tão graves embaraços traz à aprovação da planta geral, mas que o sr. Saturnino resolveu afinal genialmente. Os eucaliptos, que formarão tais bosques, ao mesmo tempo belos e úteis, compensarão a Municipalidade dos gastos feitos com a desapropriação dos terrenos, a abertura das gigantescas avenidas e a sua arborização.

A Câmara, vendendo a madeira daquelas árvores para construções, será fartamente compensada dos capitais empregados. Eis o que, com a mais rígida seriedade, pensa e propõe o sr. engenheiro-chefe como solução eficaz do problema, sob o aspecto financeiro.

Mas, em primeiro lugar, s.s. se esqueceu de que para vender proveitosamente essas madeiras é preciso: 1º desapropriar as terras; 2º) construir as grandes e largas avenidas do seu projeto; 3º) plantar as árvores; 4º) esperar que elas cresçam; 5º) formar o bosque.

Tudo isso levaria dezenas de anos a realizar-se, mas a Municipalidade que tivesse paciência e aguardasse, tranqüila, que os frondejantes bosques de eucaliptos produzissem madeiras de construção em quantidade suficiente para compensá-la dos sacrifícios pecuniários já feitos.

Em segundo lugar, o que preocupa a nossa Municipalidade não é tirar compensação alguma dos gastos que faça com obras municipais. Ela não é capitalista que quer obter bons juros do dinheiro que emprega. Basta compensação é, para ela, o proveito que o público possa tirar dos melhoramentos realizados com o dinheiro com que ele contribui para o erário local.

O que preocupa a Câmara - e mestre Saturnino bem sabe disso - é a atualidade do problema, é a soma considerável de dinheiro que é preciso empregar nas desapropriações indispensáveis à obra, são os milhares de contos que se torna mister gastar imediatamente para gáudio da delirante vaidade do sr. engenheiro-chefe.

Se a Câmara dispusesse dos recursos necessários, e achasse que a planta da Comissão de Saneamento convinha, técnica e esteticamente, à cidade, ela não hesitaria, um só instante, em aprová-la, pouco lhe importando as rendas problemáticas, a usufruir da venda de madeiras.

Compreende, pois, o público, que a compensação - incerta, aliás, e num longínquo futuro - dos capitais empregados para a execução do plano do sr. Saturnino de Brito, não é uma solução positiva ao caso em questão. O que a Câmara quer não é compensação futura para capitais que não tem: o que ela quer são justamente os capitais que lhe faltam.

Ensine-lhe, porém, o sr. Saturnino de Brito, onde e como poderá a Municipalidade obter tanto dinheiro. Quem sabe se, dando em penhor as rendas dos eucaliptos dos futuros bosques, encontrará ela algum banqueiro positivista que, sob a alta e valiosa recomendação do seu egrégio confrade do Saneamento, queira emprestar-lhe os trinta mil contos em que se calcula o valor total aproximado das obras do seu projeto?

Mas, ainda, outra solução prática oferece o glorioso sanitarista, à meditação dos nossos vereadores: a Câmara poderá, em proveito do erário respectivo, tirar aqui e ali, lotes de terrenos dos bosques, revendendo-os, arrendando-os ou aforando-os, o que, além de quebrar a possível monotonia da longa faixa central arborizada ininterruptamente, concorrerá para recompensá-la dos grandes dispêndios com que fosse onerada.

É mais um dislate jurídico a juntar aos outros de que se acham amplamente abastecidos os seus artigos. A desapropriação transfere a propriedade particular para o domínio público, em nome do bem público. Os governos não podem especular - vendendo-os, locando-os ou arrendando-os - com terrenos de que expropriaram o proprietário, pela urgência da utilidade ou da necessidade pública.

Se esses terrenos podem ser de novo transferidos a particulares, é porque a necessidade ou a utilidade pública, invocadas para desapropriá-los,nunca existiram ou já não existem. Neste caso, devem eles voltar intactos aos seus primitivos donos, que ainda têm o direito de uma justa compensação pelo tempo em que ficaram privados da sua posse, restituído, é claro, ao tesouro, o preço que receberam pela desapropriação.

Acha o sr. Saturnino fundados, até certo ponto, os receios da Municipalidade a respeito, mas é que no plano s.s. não cogitou de mostrar aos nossos atemorizados edis os proveitos, ora indicados no seu sexto artigo, e que facilitam sobremodo a execução de seu projeto.

Em face das considerações que fizemos acima sobre a realidade dos tais proveitos, as soluções propostas só podem alarmar ainda mais o ânimo dos nossos prudentes vereadores. O sr. Saturnino afirma que a venda das madeiras, plantadas nos bosques que só existem na sua imaginação escaldadiça - é um meio de "reduzir consideravelmente os ônus de tão valiosa quão necessária expropriação".

E pensa que, com tais idéias singulares, acalma a inquietação crescente dos vereadores santistas, espantados, boquiabertos, dominados literalmente pelo mais justificado dos assombros - diante desse cortejo prodigioso de avenidas, de bosques, onde murmurarão os ecos do mar, de quiosques, de clareiras, de jardins botânicos e jardins zoológicos, de casuarinas gemendo ao perpassar das brisas, de escolas, de sanatórios (!) e de museus (!!).

E tudo isto que o sr. Saturnino de Brito idealizou sem ter dinheiro, é para ser feito à custa da Câmara Municipal de Santos, em troca da venda dos bosques de eucaliptos plantados na desenfreada imaginação do chefe da Comissão de Saneamento! Não parece a marcha vertiginosa de um grande espírito, outrora equilibrado e lúcido, para as tristes sombras da alienação mental?

Imagem: reprodução parcial da obra de Alberto Sousa (página 77)