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SANTOS DE ANTIGAMENTE - PINACOTECA - LIVROS
Memórias do Casarão Branco (01)

Clique na imagem para ir ao índice deste livroHerança da época áurea das exportações de café pelo porto santista, e uma das primeiras casas não-geminadas de Santos, a edificação que desde o final do século XX abriga a Pinacoteca Benedito Calixto, e foi tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa) foi por várias décadas propriedade da família Pires.

Sua história foi contada pela escritora Edith Pires Gonçalves Dias, nesta obra publicada em 1999 e depois reeditada, com 130 páginas, impressa pela Mazzeo Gráfica e Editora Ltda., de Santos/SP. O livro foi composto e editado por Sonia S. Silveira, com capa de Carmem Silvia de Paula Cabral, revisão de Manuel Leopoldo Rodriguez Montero e contracapas de Orlando de Barros Pires e Maria Isabel Pires Isique. A autorização para esta primeira edição eletrônica foi dada pela autora a Novo Milênio, em 30 de julho de 2010. Páginas 9 a 15:

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Memórias do Casarão Branco

Edith Pires Gonçalves Dias

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RAZÕES DESTE LIVRO

Atendendo ao pedido de inúmeros amigos e também de pessoas que admiram o famoso casarão branco, decidi escrever sua história.

Hoje ele não é apenas um pedaço do passado de minha vida. É um patrimônio de Santos. Tornou-se, sem dúvida alguma, um ponto de referência, um local que tem atraído a atenção de turistas, não apenas de outras cidades do Brasil, como também de outros países.

Nele funciona a Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, que, além de ter uma exposição permanente de telas e objetos do imortal artista, tem sido palco de grandes eventos.

São apresentações de música, exposições de quadros e esculturas de artistas de grande mérito, além de lançamentos de livros, sempre prestigiados por um grande público. É o ambiente perfeito para tais eventos. Paira um espiritualidade no ar!

Tive a oportunidade de receber a visita de Mrs. e Mr. Martim Goldstein, diretores da Sociedade Guiomar Novaes de Nova York, que desenvolve um magnífico trabalho reverenciando essa imortal brasileira que foi considerada como uma das maiores expressões da arte pianística do século XX. Com suas apresentações em vários países, foi uma verdadeira embaixatriz de sua pátria.

Levei-os a visitar a Pinacoteca Benedicto Calixto. Cheguei a emocionar-me com a maneira com que analisaram cada detalhe desse autêntico monumento de arquitetura, retrato fiel de uma época áurea.

Vim a saber que eles residem numa casa de quatro pavimentos, construída no século XIX, que chegou a um estado de semi-destruição, na ocasião em que foi usada como habitação coletiva. Ela foi recuperada por eles, conservando a sua originalidade. Ela, artista plástica, restaurou a pintura interna, o que exigiu muita paciência, arte e dedicação.

Compreendi o entusiasmo pelo casarão branco. Eles enfrentaram as mesmas dificuldades, o mesmo trabalho da equipe que fez com que ressurgisse toda a sua beleza, tão atingida pelo vandalismo dos que nele viveram alguns anos.

Diante da admiração de quantos visitam o casarão branco, temos de reconhecer o quanto foi acertada a idéia de recuperá-lo.

Minha intenção ao escrever este livro é trazer a público acontecimentos que marcaram uma época em que os moradores de um bairro formavam uma grande família.

Quer me parecer que a civilização, longe de aproximar os povos, os homens, mais os distancia, a ponto de desconhecerem os próprios vizinhos.

A vida foi atingindo um ritmo vertiginoso. As pessoas foram de tal modo se envolvendo com seus compromissos e atividades, que não há mais tempo para o convívio com os amigos.

Recorro ao arquivo de minhas lembranças e ao que me foi narrado pelos meus irmãos mais velhos, trazendo para estas páginas, para o presente, as alegrias de um tempo em que a vida era muito diferente. Um tempo em que não éramos atropelados pelos afazeres. Um tempo em que não estávamos escravizados pelas circunstâncias que fazem parte do progresso, das quais não podemos fugir.

Trago de volta, igualmente, a triste época da decadência do casarão branco e a luta que se fez necessária para que ele não sucumbisse sob a mão impiedosa das picaretas e em nome desse progresso que tantas vezes é injusto com a humanidade, com as coisas que têm valor histórico e cultural.

MIGRAÇÃO PARA AS PRAIAS

O século XX iniciava-se num clima de muita euforia. Há alguma diferença entre o passar de um ano para o outro e o transpor de um novo século.

A passagem do ano, invariavelmente, renova nossas esperanças. Que seria de nós sem o alento da esperança? Esse advento também nos leva a uma tomada de posição.

Compulsoriamente, fazemos um balanço geral do que realizamos no ano que passou, bem como uma avaliação dos saldos positivos e negativos. É tempo de fazermos previsões, de traçarmos planos que, lamentavelmente, nem sempre são concretizados. Mas levamos em conta a alegria que se apodera de nós nessa oportunidade.

A passagem de um século aumenta consideravelmente nossa predisposição de achar que tudo vai melhorar, que tudo assumirá um aspecto mais positivo.

O século XIX trouxera para o Brasil avanços avultados. Graças ao espírito abrasado de d. Pedro I, à sua impetuosidade, nosso país tornou-se independente, caminhando com suas próprias pernas.

No final dos anos oitenta, dois acontecimentos vinham fazer com que os brasileiros crescessem aos olhos dos outros países: a abolição da escravatura, mancha sombria de nossa história, e a proclamação da república, estabelecendo a sonhada democracia.

Refiro-me a esses fatos por acreditar que eles tiveram um papel relevante no desenvolvimento de nosso povo.

Foi, portanto, em condições promissoras, que se iniciou o ano de 1901. Os brasileiros olhavam para os seus irmãos do Velho Mundo, com admiração e desejo de imitá-los. Como acontece com os irmãos de uma família. Os mais novos procuram tomar como modelo os mais velhos, olhando-o até com certo orgulho.

Santos já se projetava como uma cidade destinada a crescer e que, em breve, viria a ser o mais importante porto marítimo da América do Sul.

A fundação da Cia. Docas de Santos, presidida pelo dr. Guilherme Guinle, constituiu um grande passo para o desenvolvimento da cidade, abrindo suas portas para o comércio exterior.

Logo surgiram empresas que vieram operar no entreposto santista, onde o café pontificava como o produto de maior movimentação.

Nosso porto tornou-se logo o maior exportador da rubiácea em toda a Terra, fazendo da cidade de Santos a porta de acesso de imigrantes italianos, espanhóis, portugueses, austríacos e alemães. Para estes, o Brasil assemelhava-se ao despontar de uma nova aurora, e era visto com grande otimismo.

O saneamento da cidade, com a construção dos canais, obra gigantesca do dr. Saturnino de Brito, tornava a cidade mais aprazível.

Os lampiões de gás, aos poucos, iam sendo substituídos pela luz elétrica.

As linhas de bonde iam se estendendo até a praia; era um convite irrecusável para que as praias fossem escolhidas para a construção de residências. Muitas chácaras, que nelas existiam, foram divididas em lotes.

Para estimular, mais ainda, essa migração para as praias, bem como para as avenidas Ana Costa e Conselheiro Nébias, a Prefeitura concedia isenção de impostos por cinco anos, a todos que construíssem nesses locais.

Foi assim que a cidade começou a se expandir em todas as direções, pois até então as famílias concentravam-se no centro, seu ponto inicial, e nos morros.

A CASA DO DICK

Um bem sucedido empresário, C. A. Dick, que viera da Alemanha para se estabelecer em nossa região com um curtume, escolheu a praia do Embaré para construir sua morada.

O lote escolhido ficava na Avenida da Barra, que viria a ser a Avenida Bartolomeu de Gusmão. O terreno tinha o número 12 e ia até a Avenida Barnabé, que mais tarde recebeu o nome de Avenida Dr. Epitácio Pessoa.

A construção muito ampla, em estilo europeu, encantava a todos pela sua imponência. Eram ainda raros os sobrados. A maioria das casas era térrea e bem afastada da avenida. Naquela época, as águas do mar chegavam muitas vezes a subir e alcançar a rua, que ainda não possuía qualquer tipo de pavimentação.

O sr. Dick optou por uma aproximação da avenida. A grade, entremeada por grandes pilares, dava um ar de nobreza ao prédio.

Não permaneceram muito tempo na mansão. Sua mulher foi acometida de grave enfermidade e ele decidiu retornar à Alemanha, para que ela tivesse um tratamento mais adequado. Lá, a Medicina estava mais adiantada. Era justificada sua tentativa de conseguir a cura de sua querida companheira.

Dick decidiu vender sua propriedade. Ela foi oferecida ao meu pai, Francisco da Costa Pires, casado com Zulmira de Barros Pires, já com sete filhos: Jorge, Arnaldo, Odette, Beatriz, Eliza, Valentina e Maria Isabel.

As dependências do imóvel iam ao encontro das necessidades da grande família. A transação foi feita no sistema de "porteira fechada". A família alemã retirou apenas as roupas e objetos pessoais, deixando móveis e utensílios.

Havia móveis finos, quadros e tapetes de muito bom gosto, um piano de armário marca Pleyel, um gramofone com enorme corneta e grande coleção de discos, entre eles, muitos de Caruso, que, à época, era o cantor lírico de maior projeção. Ficou também uma mesa de bilhar, tamanho oficial, com bolas de verdadeiro marfim.

No quintal havia uma vaca, um carneiro, gaiolas com pássaros variados e um trole, pois ainda não havia automóveis em Santos. O meio de transporte era o bonde, puxado por burros, e as famílias de grandes posses tinham troles ou tílburis.

Foto da casa primitiva

Foto publicada na página 13 do livro