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ROTA DE OURO E PRATA
Histórias: o porto de Santos no ano de 1905-B

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Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 6 de julho de 1995:
 

Um flash histórico do cais santista na época, abordando as principais companhias de navegação que serviam o porto

José Carlos Rossini
Colaborador (de Genebra, Suíça)

O número total de passageiros movimentados no Porto de Santos em 1905 foi de 92 mil pessoas, das quais 24.550 eram imigrantes desembarcando e 27.250 outros passageiros não-imigrantes também no desembarque.

Na outra ponta, o embarque, registrou-se um número muito próximo a 40 mil passageiros, enquanto o número destes em trânsito foi de 64.

Dos imigrantes a desembarcar naquele ano, o maior número era constituído por italianos, seguidos por portugueses. Era também de cidadãos italianos o contingente mais numeroso dos passageiros que embarcavam em Santos, boa parte dos quais voltava definitivamente ao país de origem.

Passaram, assim, pelo porto santista, naquele ano, mais de 40 mil cidadãos de sua majestade, o rei Vittorio Emmanuele III, ou seja, 45% do movimento total de passageiros.

Inevitável que estes peninsulares dessem perfumaria aos navios batendo bandeira do seu país e, assim sendo, era grande o número de vapores italianos a escalar em Santos.

Em 1905, saíam de Gênova e Nápoles (Itália) navios de quatro armadoras italianas com linha direta para Santos: da Italia Societa di Navigazione a Vapore, da Ligure Brasiliana, da Navigazione Generale Italiana e da La Veloce.

A estas juntou-se, no decorrer daquele ano, o Lloyd Italiano. Ao todo, essas cinco armadoras utilizavam quase 20 vapores, o que significava que, em média, a cada dois dias um navio italiano aportava em Santos com imigrantes a bordo, para desembarque (provenientes do Norte) ou em trânsito do Prata, de volta à Itália (provenientes do Sul).

O fenômeno de retorno desses imigrantes ao solo natal ampliou-se no início deste século (N.E.: século XX). Só levando em conta a década de 1900 a 1910, de cada 100 italianos que emigraram para a Argentina e o Uruguai, 45 voltavam à Itália e, de cada 100 que haviam escolhido o Brasil, voltavam 160, já que o número de entradas na década precedente havia sido extraordinariamente alto e os que retornavam eram em maior número do que aqueles que chegavam.

As razões desse desencanto com a terra brasileira eram múltiplas, mas a maioria dos imigrantes não suportava a rudeza no tratamento recebido (e isto apesar de serem, em geral, homens de extração rude) e os mil pequenos enganos ou desenganos de que eram vítimas.

As queixas acumuladas no arco de tempo da última década do século passado (N.E.: século XIX) obrigaram o governo italiano a enviar em 1901 o senhor Adolfo Rossini, funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, ao Estado de São Paulo, para estudar as condições dos colonos aí estabelecidos.

Da sua viagem de inspeção resultou um relatório oficial publicado no ano seguinte, no qual eram denunciadas algumas graves irregularidades, seja por parte das autoridades paulistas, seja por alguns inescrupulosos fazendeiros, seja de algumas companhias de navegação ou de seus agentes.


O número de passageiros movimentados em Santos em 1905 foi de 92 mil pessoas
Foto publicada com a matéria: Guilherme Gaensly.
Acervo: Arquivo do Estado de S. Paulo, São Paulo/SP

Um dos primeiros problemas ao qual o imigrante se via confrontado ao desembarcar em Santos ou no Rio de Janeiro eram os furtos que ocorriam com as bagagens desses pobres diabos, que já muito pouco possuíam.

Outro grande fator de reclamação eram as precárias condições de alojamento às quais deviam se submeter, uma vez instalados na famosa Hospedaria dos Imigrantes, no Bairro do Brás, em São Paulo.

Aí eram postos, em grandes dormitórios, os homens, separados das mulheres e crianças, onde muitas vezes viviam até 700 pessoas em cada alojamento-dormitório, freqüentemente em péssimo ambiente higiênico-sanitário.

Por último, mas não menos importante, era o trabalho na fazenda em si a causar as situações mais conflitantes, pois os fazendeiros (mas não todos) ainda estavam habituados a considerar os imigrantes como um substituto puro e simples do braço escravo negro e, assim, nessa qualidade, muitos colonos e diaristas eram tratados: trabalho pesado, longo e mal remunerado, alojamento não conveniente em cabanas ou casebres úmidos e pestilentos, má alimentação e ausência de tratamentos médicos, algumas vezes violência moral e até física, com espancamentos de homens e de mulheres, tudo isto sem contar o enorme cerceamento da liberdade individual.

Após a promulgação da nova Lei de Emigração italiana em 1901 e a publicação do Relatório Rossi no ano seguinte, o número de emigrantes italianos procurando os Estados Unidos, ao invés do Brasil e da Argentina, aumentou consideravelmente, pois as perspectivas norte-americanas pareciam mais favoráveis.

Por conseguinte, o número de peninsulares emigrando para os Estados Unidos entre 1902 e 1920 foi de aproximadamente 4 milhões de indivíduos, enquanto, no mesmo período, foi de tão somente 300 mil com destino ao Brasil.

Não por coincidência, mas sim por conveniência brasileira, é que se abriram, a partir de 1905, as portas para a imigração asiática, esta preponderantemente provinda do Japão, com o primeiro desembarque de nipônicos em Santos ocorrendo em 1908.

Neste contexto histórico-social, era inevitável um certo declínio nas atividades das armadoras que serviam o fluxo migratório europeu para a América do Sul, mas tal diminuição foi compensada pelo aumento da produtividade agrícola no Brasil e nos países do Prata e pelo aumento no consumo de populações sempre mais numerosas e afluentes. Em outras palavras, menos homens, mas mais carga.

Além do mais, no primeiro qüinqüênio deste século, a balança comercial brasileira apresentava um superávit considerável de quase 3 milhões de libras esterlinas e era o Estado de São Paulo, maior beneficiário desse maná de riqueza e também o mais rico da república federativa, o que mais prosperava.

Assim, em 1905, a capital do Estado crescia a ritmo vertiginoso e sua população já alcançava cerca de 800 mil habitantes.

Santos e seu porto constituíam o verdadeiro pulmão desse progresso e crescimento. A cidade praiana contava então com pouco mais de 48 mil almas, das quais cerca de 18 mil eram portugueses.

O número total de navios entrados nesse ano no Porto de Santos foi de 2.166 embarcações (das quais um terço batia bandeira estrangeira), que movimentavam um total de 3 milhões 271 mil toneladas de cargas, dentre estas 7 milhões 450 mil sacas de café.

Em 1905, o cais linear de cimento e pedra do porto ia até a altura do Armazém 9 e estava em fase de construção a muralha entre o Paquetá e Outeirinhos.

No ano em questão, entravam barra adentro cerca de três navios diários em média e, atracados no cais, encontravam-se de 12 a 15 vapores, muitas vezes em atracação dupla, enquanto ao largo do estuário outros dois ou três aguardavam vaga - na época era raro que vapores permanecessem na barra.

Na atividade diária do porto, era muito comum que, num mesmo dia, se encontrassem cinco ou seis navios carregando café. Estes vapores eram dotados de pranchas de madeira de forte espessura, que eram colocadas entre o bordo dos mesmos navios e o chão de pedra do cais.

Por essas pranchas reforçadas subiam os homens que carregavam os sacos de 60 quilos cada um, contendo a rubiácea, para os porões de carga, onde outros homens empilhavam o carregamento na estiva.

Na época a Companhia Docas de Santos pagava 60 réis por saca de café dos carregadores para o transporte das carroças ou dos vagões até o bordo dos porões.

Havia carregadores que chegavam a fazer 200 viagens por dia, a duas sacas por viagem, o que representava 400 sacas diárias ou 2.400 réis ganhos.

A média era de 300 sacos por dia por carregador, embora houvesse uma meia dúzia de super-homens que conseguiam levar três sacas por viagem, ou seja, o dobro dessa média.

As maiores firmas exportadoras de café nesses idos eram as poderosas empresas que possuíam contatos privilegiados com as armadoras: Naumann Gepp, Theodor Wille, Schmidt & Trost, Carl Hellwig, E. Johnston, Zerrenner, Bülow, Hard Rand.

Algumas dessas firmas, além de negociarem café para o exterior, representavam determinadas companhias de navegação e produziam entre si acirradas concorrências em ambos os setores, com tentativas freqüentes de arrebanhamento de agenciamento de uma armadora por outra agência concorrente, o que sempre fazia fervilhar de comentários a pequena praça comercial que era a Santos de então.

A Theodor Wille, por exemplo, que desde 1901 havia se tornado a primeira firma na classificação das exportadoras de café, representava também, como agente em Santos, a toda poderosa companhia de navegação Hapag alemã.

Outro exemplo, a antiga E. Johnston, pioneira da exportação de café em grandes quantidades para a Europa em meados do século XIX, que, além do seu tradicional comércio internacional desse produto, agenciava em Santos as armadoras Wilhelmsen (norueguesa) e Hamburg-Sud (alemã).

Outros exemplos dessa dupla atividade eram dados por Zerrenner, Bülow, que agenciava em Santos os navios da armadora espanhola A. Folch, ou por Schmidt & Trost, que representava a La Veloce.

 
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