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Edição 133 - Jul/2004
LENDAS & NEGÓCIOS

Turismo folclórico... ou folclore do turismo?

A Baixada Santista poderia atrair turistas com seu folclore. Mas, turismo na região é só mais um folclore...

Carlos Pimentel Mendes (*)

Agosto é o mês em que o Brasil comemora o seu folclore, ressaltando suas lendas e tradições, para que sejam lembradas e transmitidas às novas gerações. Em anos recentes, o processo tem sido invertido, e passamos mais a comemorar o folclore do resto do mundo, começando pelas "Festas das Nações" e terminando no celta Dia das Bruxas, que os estadunidenses transformaram em Halloween e começaram a exportar para o mundo, na forma de filmes, discos, roupas, jogos e livros. Santos e região, que se dizem cidades "turísticas", emergem das férias de meio de ano com um saldo mínimo de atrações e, conseqüentemente, contabilizando um baixo fluxo de turistas. 

A ligação entre os dois temas está em um filão do negócio turístico ainda pouco explorado no Brasil: o turismo folclórico. O mesmo tipo de negócio que leva milhares de visitantes ao lago Ness para verem o (lendário) monstro aquático escocês, ou à Transilvânia para conhecerem os castelos do (verídico) conde Drácula, ou ainda às ruas de Londres para uma visita à casa (real) do dedetive (lendário) Sherlock Holmes.

E a pergunta é simples: por quê uma região dita de interesse turístico não tem nada programado que atraia o interesse dos turistas para seu folclore? Ou esperam as autoridades que os turistas acorram à Baixada Santista para ver prédios em construção, ou a chuva e o vento frio agitando as plantas nos jardins praianos?


Em Guarujá, festival ganhou nome em inglês (Fest In Folk) e celebrou o folclore estrangeiro
Captura de tela: Jornal da Tribuna 2ª Edição, TV Tribuna, 31/7/2004, 19h07

Lendas, muitas - Turista quer ter histórias diferentes para contar, e poder arrematá-las com o clássico "Eu estive lá...". As histórias existem, e os locais também. Só falta alguém contá-las primeiro, levando os turistas aos lugares onde elas ocorreram. Criar um ou mais roteiros turísticos, junto com encenações teatrais, livros, discos, folhetos e outros materiais que os visitantes possam levar, para confirmarem junto aos amigos as maravilhas que aqui viram...

A região poderia contar histórias de piratas. Afinal, foram pelo menos quatro grandes invasões, e temos as fortalezas que foram usadas para afugentá-los. Mas não interessa apenas ver a edificação em si, falta que alguém conte essas histórias fabulosas aos visitantes, com a emoção que só um grupo de atores e músicos consegue transmitir. E o roteiro se completa: numa das invasões, época natalina, a santa do Monte Serrat protegeu os santistas, derrubando sobre os piratas a encosta do morro. Noutra invasão, os habitantes da vila de Braz Cubas se salvaram entrando num túnel que, embora redescoberto no século XX, novamente virou lenda. E que seria um dos vários túneis secretos que atravessam o centro da cidade...
 

Curupira e Boitatá são visitantes ilustres do território de Cubatão...
Imagens: José Lanzellotti, no livro Estórias e Lendas do Brasil

Em São Vicente, há um parque e um monumento a Hipupiara, o monstro marinho. Mas não basta uma placa contando essa história - que tem até registro de nascimento: foi registrada em 1564 pelo historiador Pedro de Magalhães Gandavo. Um roteiro de turismo folclórico digno do nome requer também uma encenação dessa lenda, de forma parecida como é feito o espetáculo da chegada de Martim Afonso nas praias vicentinas.

Já que estamos em São Vicente, podemos conectar esta cidade a um conjunto internacional de lendas. Afinal, nesta cidade começa um dos ramos do caminho de Peabiru, que levava os europeus até as minas de prata do Potosí. E isto não é lenda, apenas um retalho da História meio esquecido. Lenda é que, por esse caminho, passou São Tomé, o mesmo santo venerado no subcontinente indiano. Um santo que a cultura brasileira do tempo da colonização tratou de aparentar com o Pai Sumé, tendo o beneplácito dos jesuítas.

E essa lenda se liga ainda com outra mais transcendental: afinal, não era na selva brasileira uma das localizações do Paraíso Terreal, do qual saíam quatro rios bíblicos ("rebatizados" como Orinoco, Amazonas, São Francisco, Prata) e protegido por muralhas inacessíveis - a serra do Mar, nesta região? O Peabiru era um dos raros acessos a esse paraíso...


Vila de Santos foi alvo de constantes ataques de piratas,
principalmente durante o domínio espanhol de 1580 a 1640

Deixando de lado as lendas de piratas e as de fundo religioso, temos ainda outro conjunto de lendas a explorar em benefício de nosso turismo: as contadas pelos indígenas e caboclos/caiçaras. Afinal, Cubatão já foi visitado por personagens famosos em todo o Brasil, como o Boitatá e o Curupira - e o fato é atestado por uma fonte insuspeita - o quase santificado padre José de Anchieta.

Por falar nesse apóstolo, que foi o precursor do teatro no Brasil, quando se fala em turismo folclórico nada mais se sugere do que adaptar aos tempos atuais o que ele já fazia, 450 anos atrás. Sentado junto às frescas águas da Biquinha de São Vicente, Anchieta contava histórias aos meninos indígenas e aos filhos dos colonizadores. No mesmo local, modernos guias poderiam reunir grupos de turistas para relatar, de forma eloqüente, como a chuva parava e o pássaros encobriam o sol, para que os fundadores da Cellula Mater pudessem acompanhar em clima ameno as fabulosas histórias narradas teatralmente nos Autos de Anchieta...


Mapas como este de 1502 da Terra dos Papagaios indicavam o Paraíso Terreal no interior do Brasil

Se lendas como a do Paraíso Terrestre bastaram para que levas e levas de europeus abandonassem tudo numa viagem muitas vezes sem volta às terras sulamericanas, será que alguns séculos depois elas não têm força mais do que suficiente para atrair turistas de todo o País e do resto do mundo? Afinal, temos histórias tão misteriosas como as dos lagos escoceses, tão carregadas de dramaticidade como as encontradas na Romênia, e tão misteriosas que até Sherlock Holmes gostaria de tentar desvendá-las...

(*) Carlos Pimentel Mendes é editor do jornal eletrônico Novo Milênio.


Hipupiara, na obra quinhentista de Pedro Gandavo