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Edição 118 - MAR/2003 

Memória 

Guerra no Iraque ameaça patrimônio mundial (2)

Carlos Pimentel Mendes (*)

Ruínas do palácio de Nabucodonosor (século VI antes de Cristo), na Babilônia
Imagem: Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1998, 
Ed. Nova Cultural Ltda./Folha de S.P., S.Paulo/SP
 

100 séculos – Os primeiros indícios da presença humana no planeta datam de quase cem mil anos, na região da atual Etiópia - um dos lugares onde se imaginava estar o Paraíso Terreal. Nos 30 mil anos seguintes, começaram as migrações em direção à Ásia e a Europa, passando obrigatoriamente pela Mesopotâmia. Ali, os ventos úmidos do Mediterrâneo criaram uma área, o Crescente Fértil, onde foram registrados os primeiros cultivares e os agricultores fizeram suas primeiras experiências de seleção genética de variedades de cereais. A propósito, também ali e na mesma época são registradas as primeiras seleções genéticas para adaptar cabras, carneiros e lobos à vida doméstica ("Dolly"...).

Se sobreviver às guerras, talvez um grão de trigo silvestre daqueles tempos, a ser encontrado por um arqueólogo, possa ter seu DNA aproveitado para aperfeiçoar o trigo atual... Ou, quem sabe, técnicas para produção de óleo a partir de vegetais, criadas ali por volta de 7.000 a.C., e que os arqueólogos encontrem numa futura escavação, sirvam para livrar o mundo da ameaça de falta de combustível fóssil (já que os brasileiros não conseguiram se entender com seu Proálcool). 


Muros da Babilônia, no Iraque
Imagem: Enciclopédia Mirador Internacional, 1980, ed. Encyclopaedia Britannica, Rio de Janeiro/RJ
 
Há cinco milênios, dominado o processo de fermentação para produzir álcool, os vinhedos do Sul da Mesopotâmia exportavam vinho para o Egito. Cena entalhada num cilindro de lápis-lazúli mostra como os sumérios bebiam cerveja de jarras fundas, usando um canudo para perfurar a espessa espuma formada na superfície da bebida durante a fermentação. Beber cerveja era uma atividade coletiva - vários canudos emergiam da mesma jarra. 

Pilão e almofariz de pedra, encontrados no Iraque e datados de 7000 a 4000 a.C., provam que os primeiros agricultores do Oriente Médio desenvolveram técnicas para transformar os grãos de trigo e cevada em vários tipos de alimento. 
Imagem: História em Revista - A Aurora da Humanidade, 1993, 
Time-Life/Abril Livros Ltda., Rio de Janeiro/RJ
 
O senso de coletividade, de viver em comunidade, surgiu na Mesopotâmia, onde, cinco mil anos antes de Cristo, foi institucionalizado o culto em honra de Enki, a divindade protetora que comandava o suprimento de água da cidade de Eridu (que consta nos mapas atuais). Como o edifício em honra a essa divindade se mantivesse sólido com o passar do tempo, construiam-se novos edifícios sobre seus alicerces. Assim, a obra assumiu a forma de uma alta torre em degraus, ou zigurate - forma arquitetônica reproduzida mundo afora.

O Zigurate de Ur, de cerca de 2.150 a 2.050 a.C., bem conservado devido à fachada de tijolos que recobre toda a torre em degraus. Podem ser vistos na foto os orifícios no revestimento de tijolos, que teriam sido feitos para evitar que os tijolos de barro se rachassem durante a estação chuvosa.
Imagem: O Mundo da Arte - Mundo Antigo, de Giovanni Garbini, 1979,
ed. Encyclopaedia Britannica do Brasil, Rio de Janeiro/RJ

O adensamento populacional levou à necessidade de ampliar a produção agrícola: daí surgiram os primeiros sistemas de irrigação, uma complexa rede de canais de água. O uso de animais de tração foi ali aprendido pelo homem. Surgiu também na Mesopotâmia a técnica do rodízio entre os campos cultivados, para permitir o descanso do solo - que mesmo hoje muitos agricultores no Brasil não aprenderam. 


Em um friso de pedra de 3.000 a.C. descoberto no atual Iraque no templo dedicado a Ninhursag, a deusa do nascimento, figuras em calcário de sacerdotes sumérios parecem estar transformando leite em manteiga 
Imagem: História em Revista - A Aurora da Humanidade, 1993, 
Time-Life/Abril Livros Ltda., Rio de Janeiro/RJ
 
Com ampla produção, comunidades como a Jericó da era Neolítica aprenderam a comerciar e trocar os excedentes - e conhecimentos. No mesmo lugar onde os jornalistas atuais, com transmissores portáteis de som e imagem por satélite, noticiam a queda das bombas em meio às tempestades de areia, foram registrados os avanços na linguagem - e as divergências entre os primeiros ramos lingüísticos, origem da mítica Babel. Lá surgiram as primeiras muralhas para proteger povoados mais prósperos contra saqueadores.

Representação da Torre de Babel, em programa especial  sobre o Mesopotâmia
Imagem: TV 5, de Paris, França, em 22/03/2003 às 11h53 (hora de Brasília)
 
Nove mil anos atrás, habitantes de Jericó evitavam ângulos retos entre as paredes de suas casas e o chão, que dificultavam a retirada da sujeira e da poeira. As modernas donas-de-casa, cujos esfregões e aspiradores de pó ainda não alcançam direito esses pontos, agradeceriam se os atuais construtores aprendessem esta lição milenar.

Ali se desenvolveu a metalurgia: numa tumba de Tepe Gawra, no Norte do atual Iraque, foram encontradas várias peças de eletro - uma liga natural de ouro e prata - fundidas habilmente na forma de uma cabeça de lobo de apenas 3 cm. Tais técnicas elevaram o valor dos minerais: surgiram as primeiras minas escavadas no solo.


Vaso de Khafajah, início do período Dinástico, começo do terceiro milênio antes de Cristo, conservado no Museu do Iraque, em Bagdad. Esta assim chamada cerâmica escarlate testemunha a existência de uma unidade cultural isolada, partilhada pelo Elam e pela Mesopotâmia oriental, mesmo após o desenvolvimento da civilização sumeriana na parte Sul da Mesopotâmia
Imagem: O Mundo da Arte - Mundo Antigo, de Giovanni Garbini, 1979,
ed. Encyclopaedia Britannica do Brasil, Rio de Janeiro/RJ

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.

Veja as partes [1], [3] e [4] desta matéria e também:
A guerra visível e a guerra secreta