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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CUBATÃO EM... - 1839 - BIBLIOTECA NM
1839-1855 - por Kidder e Fletcher - 01

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Em meados do século XIX, os missionários metodistas estadunidenses Daniel Parrish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901) percorreram extensamente o território brasileiro - passando inclusive por Santos e por Cubatão em 1839 (Kidder) e 1855 (Fletcher) -, fazendo anotações de viagem para o livro O Brasil e os Brasileiros, que teve sua primeira edição em 1857, no estado de Filadélfia/EUA.

Kidder fez suas explorações em duas viagens (de 1836 a 1842), e em 1845 publicou sua obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (leia), sendo seguido por Fletcher (a partir de 1851), que complementou suas anotações, resultando na obra O Brasil e os Brasileiros, com primeira edição inglesa em 1857 e sucessivamente reeditada.

Esta transcrição integral é baseada na primeira edição brasileira (1941, Coleção "Brasiliana", série 5ª, vol. 205), com tradução de Elias Dolianiti, revisão e notas de Edgard Süssekind de Mendonça, publicada pela Companhia Editora Nacional (de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre), publicada em forma digital (volume 1 e volume 2) no site Brasiliana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - acesso em 30/1/2013 - ortografia atualizada - páginas 1 a 14 do volume 1):

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O Brasil e os Brasileiros

Daniel Parrish Kidder/James Cooley Fletcher

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Entrada da Baía do Rio de Janeiro

Imagem: reprodução da página 3 do 1º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Capítulo I

A Baía do Rio de Janeiro.


A baía de Nápoles, a "Corno de Ouro" de Constantinopla
(N. E.: atual Istambul, na Turquia), e a baía do Rio de Janeiro são sempre mencionadas pelos turistas como merecendo ser classificadas juntamente em primeiro lugar, pela sua extensão e beleza e pela sublimidade dos cenários que as rodeiam. As duas primeiras, porém, têm que ceder a palma à última que, num perpétuo verão, está encerrada num círculo de montanhas singularmente pitorescas, salpicada de ilhas cobertas de vegetação tropical.

Quem quer que, na Suíça, haja contemplado do cais de Vevay, ou das janelas do Castelo de Chillon, o vasto panorama da margem superior do lago de Genebra, pode fazer uma ideia da vista de conjunto da baía do Rio de Janeiro; e há muita verdade e beleza na observação feita por um suíço que, vendo pela primeira vez o esplendor selvático da baía brasileira e seu círculo de montanhas, exclamou : "C'est l'Helvétie Méridionale!" ("É a Suíça Meridional!").

Reminiscências Históricas.

Que espetáculo glorioso não teria ela apresentado aos primeiros navegantes — De Solis, Magalhães, Martim Afonso de Souza — que foram os primeiros europeus que transpuseram os portais estreitos que constituem a entrada de Niterói (Água Escondida), como essas águas quase que inteiramente fechadas pelas terras foram com tanta propriedade e poesia denominadas pelos índios Tamoios!

Se bem que as vertentes das montanhas e as margens da baía ainda se apresentem rica e luxuriantemente cobertas de vegetação, naquela época, porém, existiam todas as florestas virgens, emprestando uma beleza mais selvática e impressionante a um espetáculo natural tão encantador mesmo depois de três séculos da ação devastadora do homem.

Martim Afonso de Souza — segundo reza a tradição — supôs que estivesse entrando na embocadura de um grande rio, rival do Orenoco e do Amazonas, e denominou-a Rio de Janeiro, pelo feliz mês de janeiro de 1531 em que fez a sua suposta descoberta. Seja qual fosse a origem desse engano, não deixou de ser aplicado não só à toda a vasta e confortável baía como também à província em que está ela situada e à populosa capital do Brasil, que se assenta como uma rainha sobre as suas luminosas praias.

Primeira visão dos Trópicos.

Todos nós sabemos, por experiência própria ou alheia, o que representa a vista da terra para os viajantes acossados pela tempestade. Quando o vasto círculo azul do céu e mar, que durante dias e semanas nos enclausura a vista, é afinal interrompido por uma faixa de terra — mesmo que essa seja desolada e árida como as montanhas de gelo das regiões árticas — domina-nos um vivo interesse que nos arrebata de encantos não sonhados. Qual, então, deve ser a emoção daquele que, chegando das latitudes de invernos tempestuosos, descortina em torno de si uma terra de perpétuo estio, com suas palmeiras de penachos altaneiros e sua gigantesca vegetação alcatifada de um verde imarcescível!

Em dezembro de 1851, quando o Hudson e o Potomac estavam enclausurados pelo rei-gelo, e nuvens e neves cobriam o céu e a terra, o nosso navio mantinha-se sobre um mar tempestuoso. Algumas poucas semanas de ondas tempestuosas e fortes rajadas, alternando com ventos brandos e calmarias, levaram-nos até Cabo Frio. Esse pico solitário ergue-se tão abruptamente como as escarpas calcárias da Inglaterra, alto como o penedo de Gibraltar, mas coberto de vegetação até o topo.

Nenhuma nuvem — como eu supunha existir em conexão com a terra firme, — aparecia sobre essas terras estivais. Soprava a mais balsâmica das brisas e as palmeiras sobre os morros adjacentes sacudiam-se graciosamente por sobre um mundo de vegetação — tão novo para mim — que brilhava à luz quente do sol.

Foi no meio desse cenário que o dia, não sem as glórias do crepúsculo, caiu. E o sol da manhã seguinte brilhou resplandecentemente, as altaneiras filas de montanhas próximas à entrada do porto ostentando-se num conjunto ao mesmo tempo abrupto, arrojado e cheio de beleza.

Entrada da baía.

A primeira vez que alguém entra na baía do Rio de Janeiro marca uma época na sua vida:

"uma hora
donde pode datar para o futuro, eternamente
"

Até o mais desanimado dos observadores, dessa data em diante, passa a prezar melhor a multíplice beleza e majestade das obras do Criador.

Vi marinheiros russos dos mais rudes e ignorantes, um aventureiro australiano imoral, incapaz de qualquer reflexão, juntamente com europeus refinados e cultos, ficarem mudos, estáticos, no passadiço, acordes na admiração da colossal avenida de montanhas e ilhas cobertas de palmeiras que, como as pilastras de granito na frente do templo de Luxor, formam a digna colunata para o pórtico da mais bela baía do mundo.

De ambos os lados da estreita entrada, tanto quanto a vista pode alcançar, estendem-se as montanhas, cujos recortes pontudos e fantásticos recordam as glórias das terras alpinas. Na nossa esquerda, o Pão de Açúcar se ergue como sentinela gigante da metrópole brasileira. Os cumes arredondados e verdes dos Três Irmãos
[T13] formam um forte contraste com os picos do Corcovado e Tijuca; enquanto que a Gávea empina a sua massa em forma de vela, escondendo a metade da linha descendente de montanhas que se estendem até às lindes do Rio Grande do Sul.

À direita, outra arrojada cadeia de montanhas nasce próximo à fortaleza principal que comanda a entrada da baía e, formando baluarte semelhando um anteparo, atinge, através de pitorescas terras altas, o promontório desnudo tão conhecido dos navegantes do Atlântico Sul pela denominação de Cabo Frio. Ao longe, no fundo oposto à entrada da baía, e em alguns pontos alteando-se mesmo por sobre a escarpada linha litorânea, pode-se avistar o perfil azul da distante Serra dos Órgãos, cujos píncaros arrojados sugeriram um dia a origem de tal nome.

O efeito geral é de fato sublime; e quando o navio se aproxima das margens abruptas, e se pode observar, nas vertentes da dupla montanha que se ergue por trás de Santa Cruz, a mata de folhagem vicejante peculiar ao Brasil, salpicada do púrpuro vivo das quaresmas, e quando se distinguem os cactos serpenteantes e as parasitas em flor, brotando e pendentes, mesmo do recortado e precipituoso despenhadeiro do Pão de Açúcar, e vislumbram-se em cada grota e em cada fenda novas evidências de um clima generoso e prolífico, a emoção, até aí dominada pela vastidão do conjunto, expande-se então em sucessivas exclamações perfeitamente explicáveis de surpresa e admiração.

A brisa perpassa sobre as nossas cabeças, e passamos por baixo das brancas muralhas da fortaleza de Santa Cruz. Um soldado preto, vestido com um claro uniforme de invejável frescura, debruça-se despreocupadamente num dos parapeitos, enquanto mais no alto, nos baluartes, uma sentinela marcha com passo demorado junto à cúpula de vidro que, iluminada à noite, serve de guia aos navegantes que entram.

Imediatamente uma enorme trompa é empurrada para fora da cúpula, e o nosso bom navio é saudado por uma voz estentórica que lhe dirige, um inglês aportuguesado, as perguntas costumeiras que se fazem aos navios que entram num porto estrangeiro. Logo em seguida deslizamos por baixo dos carrancudos canhões de Santa Cruz e vemo-nos bem em frente do Forte Laje, notabilizado pelo fato de haver sido o primeiro ponto da baía a ser habitado pelo homem civilizado.

O cenário que então se descortina a nossos olhos é singularmente belo. Longe, do lado esquerdo, por baixo do Pão de Açúcar, para o lado da cidade, está a fortaleza de São João, visível entre a vegetação circundante. Passando por entre uma pequena frota de graciosas canoas e embarcações de vendedores, manobradas por pretos seminus, dirigimo-nos para a margem íngreme da direita, que termina bruscamente revelando-nos a encantadora baíazinha de Jurujuba — a baía das "cinco braças" dos ingleses.

Olhando de novo para a margem oposta, além de São João, vemos num relance a graciosa Enseada de Botafogo (Baía de Nápoles em miniatura) e o lindo subúrbio do mesmo nome, que parece uma joia no meio das meigas praias alvas e o largo círculo da vegetação. Daqui também se tem uma outra vista dos múltiplos aspectos do Corcovado e da Gávea que, quando se muda de posição, estão sempre variando e sempre belos.

Agora a grande cidade surge diante de nós, estendendo-se, com seus brancos subúrbios, por milhas e milhas ao longo das margens irregulares da baía e recuando até quase ao pé das montanhas da Tijuca, semeada de verdes colinas que parecem brotar do seio dos bairros mais populosos. Esse conjunto de circunstâncias permite que do mar se tenha uma vista completa do Rio de Janeiro.

Quando contemplávamos os zimbórios e campanários que se elevam sobre o branco casario da cidade, e o pujante manto de verdura dos morros da Glória, Santa Tereza e Castelo, fomos interrompidos bruscamente na nossa admiração pela voz de um oficial brasileiro ordenando: "Solta a âncora". A ordem é obedecida, e ficamos calmamente flutuando sob os formidáveis canhões da Fortaleza de Villegagnon.

A nossa embarcação sofre um giro que nos deixa ver na margem oposta a cidade da Praia Grande (N. E.: Praia Grande, nesta obra, será sempre referência ao antigo nome da cidade de Niterói/RJ), os leixões em parte coloridos de São Domingos, e num rochedo isolado, que parece um fragmento da praia adjacente, a pequenina igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, onde os viajantes católicos podem pagar suas promessas, e em volta da qual muitas palmeiras graciosas acenam ao sopro da fresca brisa do mar.

Enquanto aguardávamos a visita dos oficiais da Alfândega, permanecemos no tombadilho, sem nos cansar do espetáculo tão novo e estimulante. Pequenas embarcações a vapor e graciosas faluas passam e repassam de Praia Grande a São Domingos. Brancas velas ponteiam o mar até onde a vista alcança, enquanto que, em torno de nós, a serrada mastreação dos navios brasileiros e estrangeiros torna evidente que nos encontramos dentro de um vasto empório comercial.

Visão noturna — beleza e grandiosidade.

A noite em breve sucede ao curto crepúsculo dos trópicos, e a cidade vista de bordo parece uma terra encantada de fadas. O esplendor e a novidade não acabam com o dia. Focos de luz de gás sem conta contornam as imensas margens da cidade até bem à beira da baía, refletindo-se na água em milhares de reflexos tremeluzentes. Até os contornos dos morros se definem no meio da escuridão por filas de lâmpadas que se estendem por sobre os seus topos de verdura, semelhando as fabulosas pontes de estrelas de um conto árabe.

As embarcações a vapor ostentam suas luzes diversamente coloridas e cada navio surto no porto tem uma lâmpada no seu mastro de proa; ao mesmo tempo em que cada giro das rodas sulca um mar de diamantes e cada pancada de remo e cada ondulação produzida pela suave brisa noturna revela milhares de brilhantes animaizinhos fosforescentes que iluminam as águas escuras.

Quando contemplamos as alturas do céu, novas constelações no firmamento, com a rainha delas, o Cruzeiro do Sul, guardada por seus silenciosos e misteriosos assistentes, as Nuvens de Magalhães. A Grande Ursa de há muito que se escondeu de nós; mas despontando justamente da muralha natural da Serra dos Órgãos, vemos uma velha amiga nossa na resplandecente Orion, que nada perde aqui do seu brilho setentrional, e não empalidece diante de sua rival do Hemisfério Sul.

No meio desse espetáculo, quem pode fechar os olhos e dormir? O dr. Kidder, certa vez, regressando das províncias do Norte, entrou na baía numa noite de borrasca, e assim descreve a cena:

"
Passamos bem junto das muralhas da Fortaleza de Santa Cruz; quando justamente o navio estava na parte mais crítica da barra, o vento uivava e as correntes da maré vazante varriam-lhe a proa e atirava-a intervaladamente de encontro aos rochedos em que se ergue a Fortaleza Lage. O momento era de grande susto e perigo. A nossa situação foi percebida das fortalezas, que deram vários disparos de canhão e acenderam luzes brancas e azuis para nos indicar a sua posição.

"Mais sublime espetáculo dificilmente se pode imaginar. O rouco troar dos canhões ecoava nas escarpas em redor, e os brilhantes focos de luz artificial apareciam mais intensos no meio da escuridão incomum. Felizmente para o navio e todos a bordo, o vento abrandou com o tempo, e achamo-nos galantemente no ancoradouro dos navios de guerra, onde, às nove horas da noite, fomos amarrados com uma corrente que media nada menos de setenta braças.

"A lua ainda não tinha nascido, e a noite continuava muito escura. Tal circunstância aumentava a beleza da cidade e o efeito de suas milhares de luzes, que se viam brilhando vivamente a intervalos regulares sobre os morros e as praias de seus extensos subúrbios. Um jovem passageiro ficou tão encantado com a novidade e o esplendor da cena, que permaneceu no tombadilho a noite toda para contemplá-la, apesar da chuva que caía de vez em quando.
"

Mais de uma pessoa teve que confessar que as suas primeiras vinte e quatro horas em frente ao Rio tiveram que ser passadas em posição vertical com os olhos bem abertos, podendo ter exclamado, com ênfase,

"ó mais gloriosa das noites!
não fostes feita para o sono.
"

Tudo é tão vivo, tão novo e despertante, que ficamos como uma criança nas vésperas de um dia de festa ou da primeira vez que se vai visitar uma dessas cidades com cujas maravilhas os livros de histórias e a improvisação de nossas amas enchem por completo a nossa imaginação.

Tenho repetidas vezes entrado e saído da Baía do Rio de Janeiro, quer quando as ondas estão encapeladas quer quando a calmaria cobre a vastidão do espaço e, tanto à luz purpúrea das madrugadas tropicais, quanto à luz fulgurante do meio-dia, ou ao rápido crepúsculo dessas latitudes do sul, ela sempre patenteou-me aos olhos novas glórias e novos encantos.

Tem-me sido dado o privilégio de contemplar alguns dos mais celebrados espetáculos naturais dos dois hemisférios, e nunca encontrei outro, que fosse capaz de combinar tantos elementos dignos de serem admirados como o panorama que estamos tentando descrever.

Das alturas de Santelmo, sorvi tanta beleza como naquela baía arredondada do sul da Itália em cujo seio flutuam as ilhas de Capri e Ischia, e em cujas margens se aninha o formoso Vesúvio, o longo braço de terra de Sorrento e a proverbialmente bela cidade de Nápoles.

Vi grande variedade de aspectos na Baía de Panamá toda azul e coalhada de ilhas; e assisti nos Alpes e na entrada ocidental do Estreito de Magalhães, onde os Andes negros e pontiagudos se esfacelam, cenas de sublimidade e selvatiqueza sem par; porém, consideradas todas as coisas, nunca se me deparou espetáculo que excedesse, em beleza, variedade e grandeza combinadas, Niterói rodeada de montanhas.

Descrições de Gardner e Stewart.

As impressões acima foram escritas sem que eu tivesse lido, com uma exceção apenas, qualquer das muitas descrições minuciosas que se têm publicado sobre a Baía do Rio de Janeiro; e ocorreu-me a ideia de que aqueles que nunca viram as belezas dessa região poderiam não dar crédito ao meu elogio acima de tantos outros lugares famosos por seus panoramas naturais.

Alguém poderia dizer: "É um arrebatado, um exagerado". Posteriormente tenho manuseado muitos livros, diários, cartas etc., sobre o Brasil, e todos eles — desde os pesados tomos de Spix e Von Martius, até às efêmeras linhas de um colaborador qualquer da imprensa — são unânimes no que diz respeito a essa maravilhosa baía.

Embora tais publicações sejam referentes à história, ciências, comércio, ou se trate de simples correspondência epistolar entre amigos, todas se assemelham quando tratam desse tema, pois todas traçam o mesmo retrato de um original parecido. E de fato, quando li a descrição feita pelo falecido e saudoso botânico inglês Gardner [T14], cheguei a supor-me meio plagiário, embora nunca tivesse lido as suas interessantes e verdadeiramente valiosas viagens antes de elaborar a minha descrição.

Descrevendo a entrada da baía, esse naturalista diz:

"
Penetrando no magnífico pórtico da baía, chegamos a um ancoradouro situado poucas milhas abaixo da cidade, não sendo permitido seguir além antes da visita das autoridades. É totalmente impossível expressar a emoção que nos invade o espírito na ocasião em que a vista contempla o cenário belamente variado que se desdobra ao entrar no porto, — espetáculo que é talvez incomparável sobre a face da Terra, e para cuja produção a natureza parece ter empregado todas as suas energias. Depois tive ocasião de visitar muitos lugares célebres pela sua beleza e grandiosidade, porém nenhum deles deixou-nos tamanha impressão na memória.

"Tão para dentro da baía quanto a vista pode alcançar, lindas ilhotas verdejantes e revestidas de palmeiras se veem emergir do seu fundo escuro; enquanto os morros e escarpadas montanhas que a circundam, douradas aos raios do sol poente, formam uma apropriada moldura para semelhante quadro.

"À noite, as luzes da cidade são de lindo efeito e, quando a brisa da terra começa a soprar, um rico perfume de flores de laranjeira e outras espécies olorosas chegam ao mar acompanhando-a e, pelo menos para mim, ainda são mais agradáveis por terem sido levadas para longe, a certa distância das flores. Ceilão tem sido celebrada por seus perfumes típicos; mas já por duas vezes viajei nessas plagas, com brisa soprando de terra, sem experimentar um odor cuja doçura chegasse à metade do que me foi dado sentir na minha chegada ao Rio".

A descrição dada pelo rev. C. S. Stewart é valiosa por mostrar as impressões da magnífica baía sobre alguém que, após à sua primeira visita ao Brasil, já contemplara alguns dos mais belos panoramas do mundo:

"
Estava ansioso para experimentar a fidelidade das impressões recebidas vinte anos atrás do mesmo espetáculo natural, e verificar quanto a magnífica representação ainda gravada na minha memória se justificava na realidade, ou quanto devera ser atribuída ao entusiasmo da mocidade e ingenuidade de um viajante pouco experimentado.

"As primeiras luzes da manhã logo permitiram a verificação. Fui chamado ao tombadilho por um bilhete do tenente R...., que já aí se achava, e que não se recordava ter sentido maior admiração por outro espetáculo em sua vida do que pelo conjunto de montanhas e o aspecto do litoral que meus olhos encontravam para os lados ocidentais da baía.

"A selvatiqueza e sublimidade dos contornos do Pão de Açúcar, Três Irmãos, Gávea e Corcovado, com suas fantásticas combinações, do ponto de vista em que eu os observava, dificilmente podem ser rivalizadas; enquanto que a riqueza e a beleza do colorido espalhado em volta e por cima do conjunto, em púrpura e ouro, rosicler e azul etéreo, eram tudo o que de melhor em variedade e brilho pode ser empregado pelo despontar do sol. O mais imaginoso desenho do país das fadas não poderia ultrapassar essa cena, e deixamo-nos ficar em contemplação como que fascinados pela obra de verdadeira mão de mestre".

A Capital do Brasil.

A cidade do Rio de Janeiro, ou São Sebastião, é a um tempo o empório comercial e a capital política do país. Se o Brasil abrange maior domínio territorial que outra qualquer nação do Novo Mundo, e os seus recursos naturais não são rivalizados por nenhuma do mundo, a posição, o aspecto natural, o aumento incessante da grandeza de sua capital torna-a digna metrópole de tal império. O Rio de Janeiro é a maior cidade da América do Sul, a terceira em tamanho do Continente Ocidental, a orgulhar-se de uma antiguidade maior do que a de qualquer cidade dos Estados Unidos.

Seu porto está situado exatamente nos limites da zona tórrida sul, e comunica-se, como já dissemos, com o vasto Atlântico, por uma profunda e estreita passagem entre duas montanhas de pedra. Essa entrada é tão segura que dispensa os serviços de um piloto. Tão dominadora, todavia, é a posição das várias fortificações na entrada do porto, ilhas e alturas circunjacentes que, eficientemente manejadas por uma guarnição de homens experimentados, podem desafiar a entrada hostil dos mais arrojados navios de guerra do mundo.

Uma vez entrado na magnífica baía de Niterói, o navegante do oceano pode ancorar sua embarcação sem temer a fúria das ondas do mar alto.

O aspecto que o Rio de Janeiro apresenta para o observador não desperta nenhuma semelhança com as compactas paredes de tijolo, os tetos escuros, as altas chaminés, a situação geralmente uniforme das cidades do Norte dos Estados Unidos.

Seu solo é entremeado de morros de aspecto irregular e pitoresco, que se estendem em variadas direções, deixando entre si intervalos de maior ou menor tamanho. Ao longo das bases desses morros, e subindo-lhes pelas encostas, erguem-se filas de casas, cujas paredes brancas e tetos de tijolo vermelho formam um feliz contraste com a vegetação verde-escura que sempre os contorna e muitas vezes os cobrem inteiramente.

A mais importante dessas colinas, quase em nossa frente, é o Morro do Castelo, que domina a vista da entrada do porto e sobre o qual está o alto mastro sinaleiro que anuncia, em ligação com o telégrafo do Morro da Babilônia, a nacionalidade, a classe e a posição de cada navio que surge ao largo.

Do lado direito, vemos o morro de São Bento, encimado por um convento; e se pudéssemos ter uma vista à vol d'oiseau entre as torres do convento e o posto semafórico do Morro do Castelo, veríamos a cidade distendida a nossos pés, com suas ruas, torres e campanários, seus edifícios públicos, parques, telhados vermelhos sem chaminés, seus aquedutos abarcando os intervalos entre as sete verdes colinas, que constituem um gigantesco mosaico, limitado de um lado pelas montanhas e do outro pelas águas azuis da baía.

Da parte central da cidade, estendem-se os subúrbios cerca de quatro milhas para cada uma das três principais direções, de forma que a cidade do Rio de Janeiro, contendo 300 mil habitantes, cobre uma área mais vasta que qualquer grande cidade europeia com a mesma população.

Posição de destaque do Rio de Janeiro.

No Rio residem grande parte da nobreza do país e durante parte considerável do ano, os representantes das diversas províncias, ministros de estado, embaixadores e cônsules estrangeiros, e uma misturada população de brasileiros e de estrangeiros de quase todos os climas.

Aquilo que, no entanto, na opinião popular, confere a maior distinção ao Rio, não é a multidão atarefada de forasteiros e homens de negócio, capitães do mar, funcionários do governo, e a mais alta classe da sociedade; porém o fato de residir aí a cabeça imperial do Brasil, o jovem e bem-dotado dom Pedro II, que une o sangue dos Braganças ao dos Habsburgos, e debaixo de cujo governo constitucional as liberdades civis, a tolerância religiosa e a prosperidade pública são mais bem asseguradas do que em qualquer outro dos governos do Novo Mundo, exceto onde vivem povos anglo-saxões.

Por mais atraentes que sejam as belezas naturais e artísticas que abundam num país, deve-se confessar que a existência humana, com suas dores e prazeres, encerra muito mais vivo interesse. E o viajante cumpriria pobremente a sua missão de delinear o presente, se não dedicasse sua atenção em esboçar a história do passado como uma introdução às cenas e acontecimentos que vieram cair debaixo de sua observação pessoal.

Depois de lançar um golpe de vista sobre alguns dos mais expressivos aspectos e costumes do Rio de Janeiro, intercalaremos um breve apanhado de sua história.


Notas do tradutor:

[T13] A denominação de "Três Irmãos", dada a um conjunto de montanhas visíveis do Atlântico nas proximidades do Rio de Janeiro, aparece em várias obras publicadas nos meados do século passado; assim, por exemplo, C. F. Hartt, em sua Geology and Physical Geography of Brazil o localiza entre o Corcovado e a Gávea; caiu a denominação em desuso e possivelmente duas dessas montanhas receberam o nome de "Dois Irmãos".

[T14] George Gardner Travels in the interior of Brazil, principally through the northern provinces and the gold and diamond districts, during the years 1836-1841, Londres, 1846. Tradução nesta "Brasiliana" sob o título Viagens no interior do Brasil, por Origenes Lessa.