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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CUBATÃO EM...
1839-1855 - por Kidder e Fletcher

"Cibatão"

Em meados do século XIX, os missionários metodistas estadunidenses Daniel Parrish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901) percorreram extensamente o território brasileiro - passando inclusive por Santos e por Cubatão em 1839 (Kidder) e 1855 (Fletcher) -, fazendo anotações de viagem para o livro O Brasil e os Brasileiros, que teve sua primeira edição em 1857, no estado de Filadélfia/EUA.

Kidder fez suas explorações em duas viagens (de 1836 a 1842), e em 1845 publicou sua obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (leia), sendo seguido por Fletcher (a partir de 1851), que complementou suas anotações, resultando na obra O Brasil e os Brasileiros (leia).

Estas são as citações de Cubatão contidas na obra conjunta dos dois religiosos, conforme a primeira edição brasileira (1941, Coleção "Brasiliana", série 5ª, vol. 205), com tradução de Elias Dolianiti, revisão e notas de Edgard Süssekind de Mendonça, publicada pela Companhia Editora Nacional (de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre), publicada em forma digital (volume 1 e volume 2) no site Brasiliana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - acesso em 30/1/2013 - ortografia atualizada):

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O Brasil e os Brasileiros

Daniel Parrish Kidder/James Cooley Fletcher

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Ponte e Serra do Cubatão

Imagem: reprodução da página 62 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

 

[...] Visita às Províncias do Sul

Embora tendo eu residido vários anos no Império, nunca visitei as províncias do Sul. Em junho de 1855, o dever, somando-se à vontade, proporcionou-me o ensejo que há muito desejara.
[...] (Capítulo XVI)


[...] Capítulo XIX

Viagem a São Paulo

No meu regresso da província de Santa Catarina, toquei outra vez em Paranaguá e, com a usual lentidão que caracterizava os viajantes da costa brasileira, há alguns anos passados, vim devagar para Santos, e daí segui viagem para a cidade de São Paulo.

Um jovem brasileiro teve a intenção de acompanhar-me à capital da província; mas quando o informei que tencionava partir para o interior no mesmo dia de minha chegada a Santos, ele à princípio riu-se de mim, considerando isso uma impossibilidade, e deu a entender que eu aceitaria de bom grado a hospitalidade que me haviam oferecido alguns amigos. Quando ele me viu firme na minha resolução, deixou de sorrir e olhou para mim com a piedade que é concedida aos loucos sem esperança de cura.

Às cinco horas e meia da tarde parti só. Ouvi frequentes exclamações de surpresa, dos que nunca estiveram no Brasil, diante da ideia de viajar sem um companheiro numa região que suas imaginações têm representado como habitação de bandidos e animais ferozes. Embora tenha andado muitas léguas desacompanhado, nunca encontrei com os primeiros e os segundos têm sido bastante inofensivos.

O meu cavalo, em estatura e arreamento, e também pelo seu aspecto, parecia-se com um tártaro calmuco. Nunca travara conhecimento com um pente de crina, mas percorreu a bela estrada que conduz a Cubatão [T*] com uma ligeireza digna de um animal de melhor aparência.

Estava escuro quando cheguei à ponte que atravessa o Rio do Cubatão; e, não tendo certeza de encontrar uma hospedaria, fui à cavalo até uma pequena venda à beira da estrada e minhas perguntas foram respondidas muito satisfatoriamente em francês.

Encontrei esse mesmo homem na minha volta, e soube dele que viera para o Brasil há vinte anos passados, sob a impressão de que o ouro neste país era tão abundante como as pedras de calçamento. Ele me dirigiu para uma estalagem mantida por um alemão, além da ponte. Tendo escrito meu nome no registro, e tendo pago uma pequena quantia, reclamei pressa e vi-me logo em casa do alemão.

Senti-me meio inclinado em prosseguir para a frente até o alto das montanhas, a fim de alcançar São Paulo antes do meio-dia do dia seguinte. Resolvi, contudo, reparar as forças, minhas e do cavalo, e dei ordens para a ceia. Esse descanso, pelo menos no que dizia respeito ao sono, foi em quantidade mínima, pois muito cedo estava eu novamente montado em meu cavalo e prosseguindo em meu caminho serra acima.

A estrada que atravessa esta cadeia de montanhas é provavelmente a mais bela do Brasil, com exceção da estrada real imperial para Petrópolis. Quando o dr. Kidder visitou essa parte do Império, existia uma excelente estrada, feita com grandes despesas, mas devido à sua forte declividade, era totalmente impraticável para carros. Assim descreveu-a ele:

"
Compreende cerca de quatro milhas de sólida pavimentação e para mais de cento e oitenta voltas em seu percurso em zigue-zague. A conclusão desta grande obra de melhoramento do país, foi julgada digna de comemoração, como um acontecimento notável na história colonial de Portugal. Foi o que descobri, passando de volta pela mesma estrada.

Parando no pico da Serra, minha atenção foi atraída por quatro pedras lavradas, provavelmente importadas. Correspondiam em tamanho e forma às colunas miliárias dos Estados Unidos, e estavam tombadas. Uma jazia com a sua face para baixo, tão metida na terra que — por mim pelo menos — não poderia ser desenterrada. Das outras, tendo removido com a ponta de meu martelo o musgo e a caliça, que escondiam a escultura das letras, decifrei o que segue:

MARIA I. REGINA,
NESTE ANO, 1790
OMNIA VINCIT AMOR SVBDITORVM
FEZ-SE ESTE CAMINHO NO FELIZ GOVERNO DO ILMO. E EXMO. BERNARDO JOSE DE LORENO, GENERAL DESTA CAPITANIA

Uma sólida pavimentação foi julgada essencial para essa subida de montanha para defender da estrada dos estragos causados pelo contínuo passar de animais, e também das águas torrentosas, que frequentemente se precipitam sobre ele e ao lado dela, durante as grandes chuvas.

Apesar da primitiva excelência do trabalho, conservado como tem sido por frequentes reparos, havíamos de encontrar alguns regos e deslizamentos de terras, que seriam considerados formidáveis, se não tivessem parecido insignificantes em comparação com a altura das montanhas e a profundeza dos fossos, que a cada momento se abrem embaixo em grandes precipícios. Nestes pontos, alguns passos em falso do animal teriam abismado a ele e ao seu cavaleiro, sem esperança de salvarem-se.

A nossa subida se tornou mais divertida pelo encontro de sucessivas tropas de mulas. A princípio se ouvia a áspera voz dos tropeiros tocando os animais, e soando tão por cima de nós que parecia vir das próprias nuvens: depois distinguia-se o bater dos cascos e à distância os animais, erectis auribus, pois quase que irresistivelmente arriam com as suas pesadas cargas. Foi necessário procurar um lugar resguardado para deixar passar as várias seções da tropa; passado algum tempo, seu tropel ressoava longe, com os ecos afastados da sua voz perdendo-se nos precipícios embaixo".

A descrição acima da estrada era rigorosamente verdadeira, há quinze anos passados; mas presentemente, graças a uma previdente engenharia, as subidas não são tão íngremes, e com grandes despesas toda a estrada foi macadamizada. Mas mesmo assim, a subida é demasiadamente forte para veículos pesadamente carregados.

Isso será em breve remediado. Engenheiros ingleses estão procedendo ao levantamento de uma estrada para o interior, que se pode estender até a província de Goiás; e a grande esperança dos Vergueiros é que não está longe o dia em que o café de Campinas, Limeira e Itu, venha a ser trazido sobre rodas até Santos.

Na gravura, a atual estrada real, relativamente ainda muito sinuosa, mostra o seu forte contraste com a estrada quase vertical feita pelos primeiros jesuítas, antes daquela que o dr. Kidder nos descreve. A estrada dos jesuítas é a linha escura que parece dividir a montanha cônica em partes iguais.

Serra do Cubatão

Quando subi a serra montado num cavalo de aspecto tão desanimado, o nevoeiro cobria tudo, apenas podendo eu ver uma vara diante de mim; mas, na volta, não só as montanhas estavam banhadas pela luz em cheio do sol, como as planícies embaixo e o oceano distante, pareciam ter sido aproximados, como por um efeito de mágica. Havia uma primitividade e uma sublimidade tais na paisagem que não as vira excedidas nem mesmo nos arredores do Rio de Janeiro. Do cume da montanha os escuros e ásperos desfiladeiros, não estavam ainda revestidos da abundante vegetação que se encontra em outros lugares. As torrentes jorravam de alguns dos mais altos cumes e estrondavam embaixo nas grotas fundas.

O jesuíta Vasconcelos
[T67] fez a subida desta Serra há duzentos anos passados, e sua descrição do cenário é esboçada com mão de mestre; mas a sua avaliação da altitude foi certamente exagerada:

"
A maior parte do caminho não é para ser propriamente viajada mas salgada com mãos e pés, segurando as raízes das árvores; e isto no meio de tais penhascos e precipícios que, confesso, meu corpo tremia quando olhava para baixo. A profundidade do vale é tremenda, e o número de montanhas, uma por cima da outra, parece tirar-nos a esperança de atingir o fim. Quando se imagina estar no alto de uma delas, está-se no fundo de uma outra de não menor importância.

Mas, na verdade, o trabalho de subir é recompensado de vez em quando; pois quando me sentei num desses penhascos, e lancei meus olhos para baixo, era como se eu estivesse do céu da lua olhando para baixo, e que todo o globo da terra ficasse abaixo de meus pés. Uma vista de rara beleza pela diversidade de aspectos tanto no mar como na terra, planícies, florestas e filas de montanhas, tudo variado e imensuravelmente belo.

Essa subida, intervalada de porções planas, continua até se alcançar as planícies de Piratininga, na segunda zona do ar, que é aí tão leve que chega a parecer que os recém-chegados não poderão respirar o ar de que necessitam".

O dr. Kidder assim critica Vasconcelos:

"
A última frase é tão falsa como as precedentes bem descritas e lindas. Entretanto, não julgaria necessário corrigir a narração, se Southey, não tivesse, com a sua autoridade, repetido a afirmativa de que a estrada se prolonga por oito léguas até à cidade de São Paulo que fica nas planícies de Piratininga.

A verdade é que, do alto da Serra, que se sabe estar a três mil pés acima do mar, a distância até São Paulo é de cerca de trinta milhas, sobre uma região ondulada, cuja declividade dominante, representada pela direção dos cursos d'água, volta-se para o interior.

No entretanto, tão leve é a variação do nível geral, que o ponto mais alto da cidade de São Paulo foi avaliado como tendo precisamente a mesma altura que o cume mencionado. Os inconvenientes experimentados com a rarefação da atmosfera em tal elevação podiam ser facilmente determinados".

Todavia, parece-me que a altitude avaliada da Serra, feita pelo bom frei Vasconcelos, foi justa, admitindo-se o seu padrão de medida; pois, mesmo considerando que ele não tivesse asma, subir uma montanha escarpada, ("
o céu da lua"), não viajando, porém, subindo com pés e mãos, "segurando as raízes das árvores", e isto entre penhascos e precipícios, sem dúvida alguma seria suficiente para fazer qualquer um palpitar e sentir-se como se estivesse "na segunda região do ar" e "não pudesse respirar todo o ar de que necessita".

Encontrei certa vez um alto e magro californiano no istmo do Panamá. Foi no fim de um quente e sufocante dia: o pedestre cavador de ouro estava dirigindo-se para o Pacífico, enquanto eu estava procurando o porto de Aspinwall. Abordei-o e perguntei-lhe a distância para Obispo, (nesta época o término da Estrada de Ferro Panamá). "Estrangeiro", respondeu-me, "eles chamam a isto cinco milhas; mas posso assegurar-lhe que tem cerca de quinhentas, pois nunca fiquei tão cansado em toda minha vida". Ele avaliou a distância como o padre Vasconcelos avaliou a altura da Serra do Cubatão.

Tendo afinal atingido o cume da montanha, galopei sobre as planícies superiores, sentindo-me mais incomodado do que nunca pelo frio no Brasil. Às dez horas cheguei ao hotel do sr. Lefevre, um francês de Roussillon, cuja bem provida mesa fez meu frio imediatamente desaparecer.


Notas do tradutor:

[T*] No original: Cubitão.

[T67] Crônica da Companhia de Jesus no Estado do Brasil, 1663, por Simão de Vasconcelos, padre jesuíta; 2ª edição, Rio de Janeiro, 1864.

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Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (de Kidder)

O Brasil e os Brasileiros (a obra conjunta de Kidder e Fletcher)

 

Santos em 1839-1855