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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ
Santos Dumont: o vôo final

Santos Dumont, no histórico vôo em Paris de seu '14-Bis'

  Porém, ao mesmo tempo em que outros pegavam suas idéias (que ele fez questão de não patentear, para que caíssem no domínio público, como citou o jornal francês Le Matin em 17/9/1909) e tratavam de enriquecer com elas, veio a Primeira Guerra Mundial e ele, desgostoso, viu seus balões dirigíveis e seus aviões ("minha família", como afirmou certa vez) serem empregados militarmente.

Em 1928, viu um grupo de seus amigos morrer em um acidente aéreo no Rio de Janeiro, quando tentavam homenageá-lo por seu retorno ao Brasil, o que agravou sua já profunda depressão. Em 1932, não suportou ver novamente seu maior invento ser usado para metralhar civis e bombardear cidades, na Revolução Constitucionalista. Sua alma fez o vôo final, deixando o corpo no Guarujá...


Momento em que o carro fúnebre transportando o corpo do "Pai da Aviação" de Guarujá para Santos atravessava numa das barcas do ferry-boat, desembarcando logo depois na Ponta da Praia, onde um contingente do Exército lhe prestou as continências de praxe 
(Foto de A Tribuna, em Episódios e Narrativas da Aviação na Baixada Santista, J. Muniz Jr., Santos/SP, edição do autor, comemorativa da Semana da Asa de 1982)

A morte do Pai da Aviação

J. Muniz Jr. (*)

O mês de julho tem um grande significado para a nossa aviação, pois assinala a passagem de duas importantes datas: o nascimento e a morte de Alberto Santos Dumont, que trabalhou incansavelmente pelo progresso da humanidade, escrevendo páginas decisivas na história espacial, como criador do primeiro balão dirigível e do aeroplano mecânico.

Santos Dumont em foto de 1904 de autor desconhecido, em Saint Louis (Missouri/EUA)

Além de ter resolvido o problema da dirigibilidade dos balões, contornou a Torre Eiffel a 19 de outubro de 1901, conquistou com o seu 14-Bis a hegemonia de vôo em aparelho mais-pesado-do-que-o-ar, a 23 de outubro de 1906.

O genial aeronauta brasileiro esteve em Paris pela última vez em 1929, quando foi promovido ao grau de Grande Oficial da Legião de Honra da França, marcando presença na Conferência da Federação Internacional Aeronáutica, em junho de 1930, internando-se logo depois numa casa de saúde, em Orthez. Voltou definitivamente ao Brasil em meados de 1931 e, amargurado, lamentava ter contribuído para os horrores da guerra, onde os aeroplanos se haviam transformado em engenhos de destruição.

No início da Revolução de 1932, ele havia chegado em Guarujá, acompanhado do seu sobrinho Jorge Dumont Villares, demonstrando então profundo esgotamento nervoso. Ficou hospedado no Hotel La Plage e no dia 23 ainda chegou a receber a visita do aviador Edu Chaves, sendo que pouco depois veio a ocorrer o dramático desfecho.


Laudo necrológico pelo legista Roberto Catunda, nos arquivos policiais:
Transcrição parcial: "Guarujá - Alberto Santos Dumont - 23-julho-1932. Alberto Santos Dumont - Brasileiro, branco, solteiro, com 59 anos de idade, inventor. Ao que consta, foi encontrado morto em um dos apartamentos do hotel de la Plage, no Guarujá, onde residia. Trata-se do cadáver de um homem de estatura mediana e de constituição regular, ainda em estado de flacidez muscular. Veste terno de casimira preta, gravata preta e calça botinas pretas. Não encontramos pelo corpo vestígio de lesão traumática. A morte se deu por colapso cardíaco"
Imagem: cópia no acervo do historiador Waldir Rueda

Existem várias versões sobre o seu falecimento, mas vejamos o relato do delegado de polícia que atendeu à ocorrência, Dr. Raimundo de Menezes, descrita por Barros Ferreira, a qual transcrevemos: (1)

"- Santos Dumont estava hospedado no Hotel La Plage, que era o melhor do Guarujá. De lá, recebera a comunicação aflita. Não havia tempo a perder. Dirigi-me para o hotel, onde fui encontrar Edu Chaves e um sobrinho do inventor, muito preocupados. Contaram-me que Santos Dumont, nos últimos dias, ficara muito impressionado com o lançamento de bombas por parte de aviões do Governo Ditatorial. Culpava-se pelo seu invento, que devia aproximar os homens e não contribuir para maior matança. Penitenciava-se pelo mau uso que faziam da aviação. Já sofrera uma crise muito grave.

"Sucedera o inesperado. Apesar da vigilância com que o cercavam discretamente, ele desaparecera. Talvez se tivesse afogado.

"- Mas já procuraram no hotel?
"- Ainda não.
"- Já viram nos banheiros? Qual deles usava?
"- Está fechado.
"- Por dentro ou por fora?
"- Não reparamos.
"- Convém ir ver sem demora. É capaz de estar...

"Correram em direção ao banheiro. Bateram à porta. Como não houvesse resposta, mandei arrombá-la. E o que vimos constituía um quadro dos mais dramáticos. Santos Dumont enforcara-se. O corpo, pequeno e magro, pendia do cano do chuveiro. Utilizara como corda o cordão do roupão de banho. Retirado o corpo, o médico informou que nada mais havia a fazer. Estava morto. Restava dar cumprimento aos regulamentos. Conquanto se tratava de uma glória nacional, a autópsia se impunha. Mas, quando cheguei à delegacia, já me aguardava um telefonema do chefe de polícia, então o Tirso Martins. Informou-me que a família de Santos Dumont obtivera do Governador Pedro de Toledo a entrega do corpo..."

E mais adiante:

"... - Suicidou-se, sem dúvida alguma. Por enforcamento. Apanhou o sobrinho distraído e escapou-lhe. O Edu Chaves contou-me que ele andava muito abatido, ultimamente.

"- Então não crie embaraços à família. Vamos dar o caso como morte natural. A família insiste na dispensa da autópsia. Não há motivo para não atender a essa solicitação. O governador está de acordo. Eu assumo a responsabilidade. Já demos instruções à Censura para que os jornais não divulguem a morte como suicídio.

"Assim foi encerrado o caso. Para mim, de certa maneira, da forma mais humanitária e honrosa..."

O "Pai da Aviação" passou seus últimos dias de vida no Grande Hotel de La Plage, em Guarujá, na Ilha de Santo Amaro, a poucos quilômetros da Base de Aviação Naval da Bocaina. E foi ali que, visivelmente abatido pela doença que o afligia, entregou a alma ao Criador no dia 23 de julho de 1932, quando o governo decretou luto oficial por três dias.

Veículo que transportou o corpo de Santos Dumont, no Guarujá

Depois do triste desenlace, os parentes e amigos que se encontravam em São Paulo, Drs. Jorge Alfredo e Alberto Dumont Villares, os Srs. José Severo Dumont Fonseca, Alcides de Nova Gomes e os Drs. Taylor de Oliveira, Francisco Bento de Carvalho, José Bento de Carvalho e João Mourão, se deslocaram rapidamente para o Guarujá e acompanharam o corpo até nossa cidade, através do ferry-boat e, daqui para São Paulo, pela estrada de rodagem. (2)

Da capital bandeirante, o esquife de Santos Dumont foi colocado num comboio especial que partiu da Estação do Norte (Roosevelt) com destino ao Rio de Janeiro, onde foi sepultado com honras de Ministro de Estado.

Suicídio ou não, o certo é que desaparecia, aos 59 anos de idade, o genial aeronauta patrício, desbravador incansável que cumprira o seu patriótico sonho de menino: competiu com as aves e elevou-se majestosamente no espaço como um verdadeiro homem-pássaro, tranqüilo como um deus-alado, pois, afinal, o seu sonho era "voar como os pássaros e não saltar como os gafanhotos".

(*) J. Muniz Jr., no livro Episódios e Narrativas da Aviação na Baixada Santista, edição do autor, comemorativa da Semana da Asa de 1982, Santos/SP.

NOTAS:

(1) "Morte Trágica de Santos Dumont", Edição Extra.... (4.3.1963)

(2) "O Brasil Perdeu um dos Seus Maiores Filhos", jornal A Tribuna (24.7.1932)


Carta aberta de Santos Dumont em 14/71932, nove dias antes de sua morte.
Embora datada de São Paulo, teria sido escrita mesmo em Guarujá/SP
(Documentos & Autógrafos Brasileiros na Coleção Pedro Correa do Lago,
ed. Salamandra, São Paulo/SP, 1997, p.107)

São Paulo 14 de Julho de 1932

Meus patrícios

Solicitado pelos meus conterraneos mineiros moradores neste estado, para subscrever uma mensagem que revindica a ordem constitucional do paiz, não me é dado, por molestia, sair do refúgio à que forçadamente me acolhi, mas posso ainda por estas palavras escriptas afirmar-lhes, não só o meu inteiro aplauso como tambem o apêlo de quem, tendo sempre visado a gloria da sua Patria dentro do progresso harmônico da humanidade, julga poder dirigir-se em geral a todos os seus patrícios, como um crente sincero em que os problemas de ordem, politica e economica que óra se debatem, sómente dentro da lei e n'um quadro de plena concordia poderão ser resolvidos, de forma a conduzir a nossa Pátria à superior finalidade dos seus magnos destinos. Viva o Brazil unido.

Santos Dumont


Desenho feito por Santos Dumont, em 8/1/1929, no Rio de Janeiro: "minha família"
(Documentos & Autógrafos Brasileiros na Coleção Pedro Correa do Lago,
ed. Salamandra, São Paulo/SP, 1997, p.106)


Carta de 1926 que Santos Dumont escreveu na cidade suíça de Val-Mont para um de seus melhores amigos, Antônio Prado, mais tarde prefeito de São Paulo
(Documentos & Autógrafos Brasileiros na Coleção Pedro Correa do Lago,
ed. Salamandra, São Paulo/SP, 1997, p. 105)

Val-Mont, 11-10-1926

Presado Amigo

Espero que a minha carta postal tenha alcançado você em Lisboa e que tenham feito bôa viagem.

Venho te pedir um grande favor: como já deves saber um senhor senador propoz sem me consultar, a minha nomeação de General! Não só isto é uma coisa ridícula, mas também parece até sarcástica pois eu em Fevereiro propuz a abolição da aviação como arma de guerra.

Venho pois te pedir como sei que és muito amigo do nosso futuro Presidente, para pedir a elle que mande parar tudo isto e mais homenagens, pois eu como você sabe ando já ha 2 annos doente dos nervos e só peço a Deus uma coisa é que me deixem em paz. Já aqui estou há __ mezes e não tenho coragem de sahir (Berne, Divonne e Val-Mont). Desde já te agradeço e também ao Dr. Washington Luis. Eu não sei quando irei até ahi.

Muitas recomendações à Dª Eglantina.

Saúdades do amigo

Santos Dumont


Carta autógrafa de Santos Dumont, descrevendo o aeroplano Demoiselle, em 15/2/1920, escrita em sua casa de Petrópolis/RJ, que chamava de "A Encantada"
(Antologia e Documentação/Enciclopédia Mirador Internacional, ref. 9)

A "Demoiselle" media 10 metros quadrados de superfície de azas; era 8 vezes menor que o 14 bis! Com ella, durante um anno, fiz vôos todas as tardes e fui, mesmo, em certa occasião, visitar um amigo em seu castello.

Como era um aeroplano pequenino e transparente, deram-lhe o nome de "Libelule" ou "Demoiselle".

Este foi, de todos os meus apparelhos, o que conseguiu maior popularidade.

Santos Dumont

"A Encantada", 15-2-1920


Caricaturas de Santos Dumont, por autores diversos, entre 1901 e 1922,
da coleção Décio Santos Negreda
(Antologia e Documentação/Enciclopédia Mirador Internacional, ref. 679)


Carro fúnebre de Santos Dumont, no pavilhão em que fica exposto no Guarujá, em 3/2002
Foto: Agência Metropolitana da Baixada Santista (AGEM)/Unimonte

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