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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ
As histórias do seu Evaristo
José Evaristo da Silva, na capa no suplemento especial de A Tribuna de 24/4/1983

José Evaristo da Silva, na capa no suplemento especial de 'A Tribuna' de 24/4/1983Comemorando seu 90º aniversário de publicação, o jornal A Tribuna de Santos publicou - em 24 de abril de 1983 - um caderno especial com uma grande entrevista com José Evaristo da Silva, residente em São Vicente, que nesse dia completava 93 anos de idade "e pode se gabar de ser uma das poucas pessoas a existir há mais tempo do que este jornal. Personagem que se tornou uma testemunha viva de acontecimentos históricos, dramáticos ou simplesmente pitorescos", como citou o matutino na capa desse caderno especial.

Nascido em 24/4/1890, José Evaristo se lembra do histórico dia de 1913 em que ele e alguns amigos subiram a Serra Velha numa Ítala de quatro cilindros, "um pistão enorme", e foram recebidos com um almoço pelo prefeito de São Paulo, pois foi a primeira vez que alguém teve a coragem de fazer aquele viagem de automóvel. Ele teve outro pioneirismo: a abertura do primeiro ponto de automóveis de aluguel de São Vicente (em 1936, na Praça Barão do Rio Branco).

E Guarujá, como era? "Ah, lá só tinha o Grande Hotel e umas casinhas. Ainda não tinha essas balsas: pra atravessar o canal só de canoa. Depois, puseram umas balsas que saíam lá do centro de Santos, entre os armazéns 1 e 2. Elas levavam dois ou três carros e eram presas em canoas, uma de cada lado. Era na base do remo mesmo".

Este é o capítulo das memórias de José Evaristo e de A Tribuna referente a Guarujá:

José Evaristo da Silva, em foto no suplemento especial de 'A Tribuna' de 24/4/1983

José Evaristo da Silva, em foto no suplemento especial de A Tribuna de 24/4/1983

'Em Guarujá só tinha o Grande Hotel e umas casinhas. Ainda não havia essas balsas; pra atravessar o canal só de canoa.'

Se alguém duvida, é só comprovar: Guarujá foi a primeira Cidade pré-fabricada do Brasil. Pouco antes de A Tribuna nascer, em 1893, o presidente do Estado - na época não havia governador - Bernardino de Campos inaugurava a Vila Balneária, construída por um engenheiro ousado, de nome Elias Fausto Pacheco Jordão e que tinha um hotel, de nível internacional; uma igreja e 46 casas.

Esse núcleo, situado na Praia de Pitangueiras, nasceu da admiração que o engenheiro possuía pelas belezas naturais da terra. Pacheco Jordão entendeu que seria bom negócio explorar o potencial turístico da área, construindo as casas e vendendo-as para milionários da Capital ou simplesmente explorando o grande hotel, que tinha 50 quartos, além de salas de refeições, de leitura e cassino.

São esse hotel e as casinhas que povoam hoje as lembranças de seu José Evaristo sobre a Guarujá de ontem. E olha, seu Evaristo, se o senhor não sabe, fique sabendo que o engenheiro não se contentou apenas em fazer os chalés. Como toda cidade que se preza precisa de transportes, ele construiu uma ferrovia - ligando Pitangueiras ao local onde hoje está o atracadouro de balsas - e importou três locomotivas da Inglaterra. Uma delas está ali na esquina das avenidas Leomil e Puglise, ao lado do busto, em bronze, do engenheiro.

Mas, será que os ilustres visitantes se dignariam a pegar as toscas barquinhas da época para cruzar o estuário, entre Santos e Guarujá? Pacheco Jordão pensou nisso também e importou duas lanchas, a Cidade de Santos e a Cidade de São Paulo. Então, era uma beleza: os circunspectos barões do café ou as autoridades governamentais, acompanhadas de "senhouras" e senhorinhas, desciam das lanchas, pegavam o trenzinho e, num bucólico percurso por entre a área onde hoje estão as Vilas Santa Rosa e Jardim dos Pássaros, chegavam à Vila Balneária, em Pitangueiras.

A estação ficava no fim da Rua Petrópolis, onde os visitantes desciam. Tiravam até fotos - como Rui Barbosa, que posou ao lado da filha e do então presidente do Estado, Washington Luiz, enquanto o fotógrafo fazia malabarismos, da janela do hotel, para pegar o alegre grupo e a Ilha Pompeba, ao fundo.

Em 1903, a estrada de ferro foi desativada, tendo sido aberta aquela que seria, no futuro, a Avenida Adhemar de Barros. Começava o tempo do automóvel. Em suas andanças pela Ponta da Praia, em Santos, pelos idos de 1920, seu Evaristo deve ter parado minutos a observar os antigos balsões a remo, transportando até dois veículos, por vez, para Guarujá. Deve lembrar-se, hoje, da desastrada experiência de se utilizar embarcações com motor a gasolina, que culminou com a explosão de uma delas, em 1923, e substituição por outra, a óleo.

Até 1940, lá estavam as duas balsas, em seu vaivém, levando quatro automóveis cada, por vez. Era o suficiente. Poucos tinham carro, poucos tinham pressa e só depois da Segunda Guerra Mundial é que foram colocadas, na travessia, quatro balsas; uma delas, a Cunhambebe, com capacidade para 12 automóveis. Um colosso.

Prefeitura sanitária - Tão estranha quanto a notícia, publicada em A Tribuna do dia 8 de dezembro de 1926, dando conta de que um português enfurecido quebrou a cabeça de um transeunte a marretadas, na Praia da Enseada, foi a informação, saída na mesma edição, de que Guarujá, por decreto do governador, havia se transformado em Prefeitura Sanitária.

Nome esquisito, motivo de algumas gozações, mas que representava uma coisa importante: a Cidade, que havia sido elevada à condição de Distrito de Paz três anos antes, ficava desvinculada de Santos e passava a ter até prefeito (foi nomeado o "prestante cidadão" Juventino Malheiros). Imaginem, a Vila Balneária, que não era mais somente composta pelos chalés e hotel do Pacheco Jordão, tinha, agora, vida própria. E por quê Prefeitura Sanitária? Porque, ao contrário do que o leitor possa estar pensando, era considerado local limpo, aprazível, ideal para repouso e lazer.

A alegria durou pouco. Em 1931, era interventor no Estado o coronel João Alberto Luís de Barros que, pelo Decreto 4.844, de 21 de janeiro, incorporou Guarujá de novo a Santos. A vidinha, porém, continuava tranqüila, não havia prefeito, mas havia o Grande Hotel, seus ilustres visitantes; o cassino e as grandes apostas. Umas vilinhas nasciam aqui e ali.

E, também, de forma discreta e por simples ato administrativo, no dia 30 de junho de 1934, o governador Armando Salles de Oliveira assinou o Decreto 1.525, criando a Estância Balneária de Guarujá e nomeando primeiro prefeito Ciro de Melo Pupo. A Tribuna noticiou:

"O interventor federal assignou, ontem, o decreto criando a estância balneária de Guarujá. Por esse decreto, segundo estamos informados, aquele districto fica novamente desanexado do Município de Santos, subordinado directamente ao Departamento de Administração Municipal e, com ele, se permitirá, ainda, o funcionamento de cassinos".

Crescendo - A cidade começava a se libertar da Vila Balneária. Ciro de Melo Pupo demoliu a estação de trem da orla de Pitangueiras, construiu outra na Avenida Leomil; a estrada de ferro, agora, ficava entre o centro e o velho Itapema, futuro Distrito de Vicente de Carvalho, onde surgia uma nova comunidade, formada por famílias de pescadores e trabalhadores do cais.

Em 1942, um engenheiro alemão construiu o Edifício Pitangueiras que, com oito andares, estava na categoria de "arranha-céu". Foi o primeiro prédio de grande porte da orla e deu início ao crescimento imobiliário, que levou Guarujá, em 1980, a ser considerada a cidade do Brasil de maior desenvolvimento no setor.

Os chalés foram desaparecendo e hoje há apenas um, na esquina das ruas Mário Ribeiro e Benjamin Constant, em precárias condições, testemunho vivo da vila que há 90 anos deu origem a Guarujá. A partir de 1946, com a proibição do jogo, o cassino deixara de ser atração. Não havia mais o famoso "cutuca", jogo de cartas, semelhante ao pôquer, em que se perdiam ou ganhavam verdadeiras fortunas. Em 1960, demoliu-se o Grande Hotel.

Da Guarujá antiga ficaram documentos e fotos, recolhidos pacientemente por antigos moradores, como Hermínio Amado e Oswaldo Cáfaro. Este faz da preservação dos documentos um verdadeiro apostolado. Compra tudo o que julga de interesse para a preservação da memória local. Chegou a arrematar móveis e enfeites do Grande Hotel, quando de sua demolição.

Oswaldo e sua esposa Ester Felício testemunham: o ciclo de Guarujá, iniciado com a construção da Vila Balneária, foi sepultado junto com Alberto Bianchi, o último dono do Grande Hotel, do Cassino e das propriedades do sistema originário da cidadela idealizada por Pacheco Jordão. Bianchi, que chegou até possuir a concessão para exploração de minas de ouro, em Minas Gerais, morreu só aos 80 anos, na miséria, em um quarto onde morava de favor, no Edifício Bandeirantes.

Que ele mesmo construiu.

O caderno especial de 24/4/1983 de A Tribuna prossegue tratando de Guarujá:

Dos tempos do balneário, restou apenas este chalé (Foto: suplemento especial de 'A Tribuna' de 24/4/1983)

Dos tempos do balneário, restou apenas este chalé

Foto: A Tribuna,  24/4/1983

De 1893, quando nasceu a Vila Balneária, até meados da década de 40, falar em casas de madeira, em Guarujá, era lembrar sofisticação. Afinal, não tinham os 46 chalés e o Grande Hotel sido construídos em pinho importado dos Estados Unidos, a preços considerados elevados para a época?

Noventa anos depois, os casebres de madeira, espalhados às centenas por morros e mangues, áreas particulares e públicas, nas praias e na periferia, representam o maior problema do Município. As favelas, hoje, ocupam o primeiro lugar entre as preocupações das autoridades, políticos e todos aqueles que, de uma forma, ou de outra, pensam nos destinos da cidade.

Notícia publicada por A Tribuna, 1981, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE -, atestava que 16 por cento da população local eram favelados, ou seja, cerca de 24 mil pessoas. Hoje, que a população está em torno de 170 mil habitantes, o percentual aumentou, fato comprovado pelo surgimento de maior número de núcleos marginalizados, o que faz supor uma população favelada de 40 mil pessoas.

A consideração das favelas como maior problema local não é só do prefeito Maurici Mariano, do vice-prefeito Dante Sinópoli ou de vereadores. Inúmeros munícipes sabem e dizem isso e os que sentem na carne o problema da sub-habitação são as maiores testemunhas disso. Diariamente, segundo o vice-prefeito, cerca de 40 pessoas vão até à Coordenadoria do Distrito de Vicente de Carvalho pedir um terreno. São motivadas pelas notícias de entrega de títulos a posseiros de regiões como o Paicará e Vila Zilda, ou por informações sobre projetos de desfavelamento.

"O pior é que a gente não sabe o que dizer a essas pessoas. Tentar explicar que alguns posseiros estão recebendo títulos por estarem em condições especiais torna-se difícil e trabalhoso", afirma o vice-prefeito.

O prefeito Maurici Mariano também tem recebido, nas audiências públicas, inúmeras solicitações de áreas, um pedido que só é superado pelo de emprego. Aliás, este problema só não é considerado o maior da Cidade, hoje, porque foge ao âmbito municipal e tem característica temporária.

Turismo - Mas há quem entenda que entre as grandes deficiências de Guarujá, a habitacional não precisa ficar necessariamente em primeiro lugar. O vereador Caride Pascoal Bernardino (PMDB), por exemplo, acha que a maior disciplina na exploração do turismo na Cidade resolveria grande parte das dificuldades. Daí a considerar que a maneira um tanto quanto desorganizada com o que o setor é encarado hoje é o principal problema da Cidade.

Para Caride, com as belezas naturais que tem, Guarujá era para atrair grande número de forasteiros, durante todos os dias do ano, sendo gerados, conseqüentemente, mais imposto, mais obras públicas, mais empregos, mais casas populares etc.

E não é só Caride, um político, que pensa assim. Oswaldo Cáfaro está há 35 anos em Guarujá e é da mesma opinião. Comerciante aposentado, ele diz sempre: "Aqui a gente trabalha três meses para comer o resto do ano".

Os meses a que se refere, naturalmente, são os de verão, quando a população duplica, devido à grande afluência de turistas. "Depois, dá até sono ficar no estabelecimento. E, também, medo de se sair na rua, à noite, de tão deserta que fica a Cidade".

E, por falar de medo de sair à noite, há quem veja na falta de segurança um dos grandes dramas do Guarujá moderno. Já se vão longe os tempos em que as notícias de A Tribuna falavam apenas de "jovens transviados presos quando faziam baderna no cassino". Hoje, assaltos à mão armada, homicídios e furtos viraram rotina, em um município com 170 mil habitantes, pouco mais de 100 policiais militares, nenhuma viatura, uma delegacia de 1ª classe e outra de terceira - esta situada em Vicente de Carvalho, onde moram mais de 90 mil pessoas.

Por isso, não diga a Manoel José Pereira, presidente da Sociedade de Melhoramentos de Vila Áurea, um dos bairros mais violentos, que favela ou má exploração de turismo são os maiores problemas da Cidade. Ele lhe contará histórias de assassinatos, estupros, invasões de residências em plena luz do dia e arrematará: "Isso é que é problema, meu filho".

E ainda:

A ocupação de Guarujá não obedeceu a qualquer planejamento, o que trouxe graves problemas posteriormente (Foto: 'A Tribuna', 24/4/1983)

A ocupação de Guarujá não obedeceu a qualquer planejamento, o que trouxe graves problemas posteriormente

Foto: A Tribuna,  24/4/1983

Solucionar os problemas de uma cidade não é fácil, principalmente se eles têm origem em uma série de fatores, muitas vezes fora do alcance da administração municipal, e se estão interligados, mantendo relação de efeito e causa entre si.

Vejam só Guarujá: possui déficit habitacional, causado pelo desemprego ou subemprego, que não permite às pessoas terem casas próprias, indo morar em favelas. A grande fonte de mão-de-obra é a construção civil que, por sua vez, precisa ser refreada porque tem provocado a descaracterização urbana, o que compromete o turismo.

Se o seu José Evaristo fosse resolver os problemas de Guarujá, por exemplo, ele procuraria acabar com o desemprego. Então, incentivaria a construção civil, pois a maioria dos trabalhadores locais é do ramo. Então, proliferariam prédios, principalmente na orla das praias e, logo, a concentração urbana traria novos problemas, desde os de saneamento básico, até os ambientais.

A Cidade ficaria feia, os turistas não viriam mais, cairia a receita dos comerciantes e, conseqüentemente, os impostos.

E se o seu Evaristo decidisse "atacar" outro setor, a descaracterização urbana - que fez com que praias fossem poluídas e morros devastados - visando a preservar os recantos naturais, para maior afluência dos forasteiros? Teria, naturalmente, que proibir a construção de grandes prédios em morros ou perto das praias, o que desestimularia os empresários da construção civil. Então, eles nada fariam e a oferta de empregos seria reduzida. Mais gente sem trabalho; mais gente sem poder pagar aluguel ou construir casas; mais gente fazendo barracos nas favelas.

E se a ação governamental se concentrasse no turismo? Criações de equipamentos na orla para prender o visitante (centros de convenções, parques, quiosques) e investimento na manutenção de praias etc.? Então, não sobrariam recursos para atender à periferia, que tem exigido obras de urgência em termos de infra-estrutura urbana.

Como tapar um buraco, sem abrir outro?

Ação integrada - Ivo Piva Imparato tem 24 anos e é o assessor de Planejamento da Prefeitura. Engenheiro civil nascido na Cidade, ele tem, como principal atribuição - e desejo - replanejar Guarujá de maneira a torná-la mais humana, minimizando seus maiores problemas.

Ele encara o Município como um resumo do Brasil, um "microcosmo dentro do macrocosmo". "Aqui nós temos uma natureza belíssima, que vem sendo devastada. Possuímos, ao lado de uma população enquadrada entre as mais altas economicamente do País, a miséria quase absoluta das favelas".

Dentro desse quadro, segundo Ivo, a solução para os problemas locais seria desenvolver planejamentos integrados para cada setor. "Não se deve fazer nada isoladamente, sob o risco de benefício de uns, em detrimento de outros".

Lembrou que as administrações anteriores efetuavam planejamentos fora da realidade local, sendo que muitos deles sequer foram aplicados por causa disso. "Alguns foram concretizados, mas apresentam distorções. O que devemos fazer não é eliminá-los pura e simplesmente, mas aproveitar o que têm de bom e adequá-los à realidade".

O projeto de disciplina da urbanização de Guarujá, na sua opinião, deve gerar recursos que beneficiem a população carente. Mas não pode criar descaracterizações, que acabem por desestimular a freqüência do turista, que é importante para a economia local. "Não podemos atentar contra os recursos naturais da Cidade, a pretexto de aumentar a renda, decorrente de impostos Predial e Territorial Urbano".

Há problemas em Guarujá que, segundo Imparato, requerem urgência, como o das favelas. "São graves, mas sua solução, se encarada com humildade e realismo, pode ser satisfatória. Eu tenho muita fé no futuro dessa Cidade".

Tentativa - Para a administração municipal, a solução dos grandes problemas locais não precisa, necessariamente, envolver empreendimentos mirabolantes. O maior desafio da Prefeitura, que é a proliferação de favelas, está sendo enfrentado da seguinte forma: onde a favela puder ser urbanizada, não haverá remanejamentos.

Assim, abandonando a filosofia do projeto de desfavelamento do governo anterior, que visava ao remanejamento das famílias para o Sítio Morrinho - uma área de dois milhões de metros quadrados que está sendo loteada - a atual administração tem feito projetos de fixação dos núcleos. O primeiro deles está concluído e visa a beneficiar a Maré Mansa, vila com cerca de três mil moradores, na Praia do Pernambuco.

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