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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Cubatão, por Afonso Schmidt (4)

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O passado, desde os enigmáticos tempos de João Ramalho; o presente-recente, na descrição de sua vida como o Menino Felipe; e o futuro, imaginado na utópica Zanzalá - três momentos de Cubatão transparecem na obra do principal escritor cubatense, Afonso Schmidt. Em 1974, no ano do jubileu de prata de Cubatão como cidade autônoma, a prefeitura local editou o livrete Cubatão na Obra de Afonso Schmidt, em que transcreve esta palestra proferida pelo professor Jorge Ferreira da Silva na Câmara Municipal cubatense, em 29 de junho de 1972, por ocasião do encerramento da III Semana Afonso Schmidt:


O troféu Juca Pato, concedido ao Intelectual do Ano, em 1963, elevou o ilustre filho de Cubatão no campo das letras à plana nacional. O Prêmio Afonso Schmidt, instituído pela Prefeitura Municipal de Cubatão, é a retribuição daquela distinção aos cultores das letras, da música e das artes plásticas.
Ilustração de Jean Luciano, e legenda, incluidas no livrete de 1974 da P.M.C.

Cubatão do passado

Numa das páginas de O Enigma de João Ramalho - e os que já leram Afonso Schmidt sabem que João Ramalho foi um degredado que deu às costas do País -, escreve o cronista-mor de Cubatão:

"Ao penetrarem na ocara, encontraram algumas figuras novas, gente chegada do planalto. Eram índios guaianás de Inhapuambuçu e de Jeribatiba, que haviam descido a serra de Paranapiacaba".

Mais adiante: "João, afogueado, dirigiu-se ao pote de jacuba onde pretendia refrescar-se, mas lá chegando topou com algumas cunhantãs" - cunhantã em tupi-guarani significa menina-moça - ", que logo o rodearam, manifestando por ele viva curiosidade...

"Uma delas, núbil e graciosa, afoitou-se mais que as companheiras:

"- Um homem branco! - exclamou.

"Aquilo pareceu-lhe impossível! Nunca imaginara que houvesse homens brancos, verdes, vermelhos ou azuis! Para certificar-se, pegou-lhe nas mãos, apalpou-lhe as barbas e os cabelos hirsutos" (Aliás, essas barbas e cabelos é que deram origem ao apelido Ramalho, de ramalhudo) ", encheu-o de perguntas inúteis. Entretanto, o beirão" (João Ramalho) "limitava-se a rir com seus belos dentes, sem compreender patavina do que ela se esforçava por lhe dizer.

"Era impossível entenderem-se por palavras, mas não o foi, todavia, pela expressão dos olhos. Amaram-se à primeira vista."

E noutra parte: "A cunhantã chamava-se Potira, nome que na linguagem abanheéim quer dizer flor, e era filha do cacique Tibereçá, cuja taba ficava lá em cima, no planalto, entre os rios que banham os campos de Piratininga."

Mais além, fala-se de uma caravana que, conforme o romance, vai subir a serra. Esclareço aos ouvintes que havia ocorrido um pequeno problema entre os índios e os portugueses hospedados entre eles. Eram em número de três: Duarte, João Ramalho e Sabença. Duarte e Sabença não haviam correspondido à confiança dos silvícolas, os quais acreditavam, naturalmente, que com João Ramalho fosse passar-se a mesma coisa. Percebendo a situação, Ramalho procurou evitá-la o mais que pôde e tentou provar que merecia confiança, solicitando acompanhar aqueles que galgariam as montanhas. E pediu ao chefe da tribo a necessária autorização, que lhe foi concedida, nos seguintes termos:

"- Homem branco, podes partir com os nossos guerreiros. Potira, filha do cacique Tibereçá, levou no coração a tua lembrança!"

Um novo parêntesis: Comparando o estilo dos dois livros que estamos focalizando, Zanzalá e O Enigma de João Ramalho, verificamos um trabalho estilístico cuidadoso nesta última obra, já da maturidade, em que se encontram arcaísmos, uma construção algo quinhentista, um português muito mais de Portugal que do Brasil. Se confrontarmos essa novela com a outra, Zanzalá, sentiremos um trabalho mais afoito, às vezes até descuidado, com passagens inclusive contraditórias, nem sempre coadunando-se uma página com a página anterior.

Entretanto, em O Enigma de João Ramalho, o desenvolver dos acontecimentos se processa com lentidão. Já havia vivido muito Afonso Schmidt e sabia que havia tempo para tudo. Ao contrário, em Zanzalá, obra da juventude, está preocupado em dizer coisas e coisas, muitas coisas, e parece não acreditar que a vida e o papel lhe sejam suficientes para isso. Feche-se o parêntesis.

No alto da serra, encontrando-se com Potira, diz João Ramalho:

"- Meu amor, cá estou eu... morro de saudades de ti!"

E Potira lhe pergunta:

"- Que quer dizer saudade?"

Contesta João:

"- É uma doce palavra portuguesa que não tem tradução na tua língua, como em nenhuma outra..."

Diz Potira:

"- Vem comigo, quero levar-te a meu pai e senhor".

Neste mesmo capítulo é que lemos que João Belbode Maldonado - assim seria o nome de João Ramalho, segundo Schmidt, - "o Ramalho, foi o primeiro homem branco a transpor a serra de Paranapiacaba e a entrar pelo planalto..." (pela) "trilha dos índios" (Tupiniquins) ", lá foram eles em fila, um atrás do outro..."

Lá em cima, no planalto, é que se realiza o casamento. Narra Afonso Schmidt:

"O casamento realizou-se numa Lua nova. Houve ruidosas festas. Os guaianás mantinham costumes rígidos. Guardavam a sua moral, como outros povos. Só com a organização da colônia, mais tarde - diz um cronista - começaram a depravar-se. Portanto, João e Potira casaram-se de acordo com as leis de Tupã e a elevada tradição da sua gente." Muita atenção para as palavras que vêm em seguida. São textuais: "Assim começou a história de um grande povo - a nossa História, a História do Brasil."

Em defesa desta tese, de que a História do Brasil principiou aí, e se começou nesse ponto, começou em nosso Município (N.A.: Cubatão somente em 1833 foi desmembrado do grande Município de São Paulo), por que em Cubatão é que havia aportado João Ramalho, diz o próprio Afonso Schmidt em notas ao final do romance:

"Nos primeiros anos deste século, travaram-se, no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e na imprensa, vivos debates sobre a figura do português aqui aportado ignora-se como e quando. A darmos crédito ao seu testamento feito em cartório, perante o escrivão, o juiz ordinário e testemunhas gradas, em livro rubricado por João Soares, ele chegara a estas terras" - atenção - "ali por 1490, isto é, antes de Cabral" - que chegou em 1500 - "e de Colombo" - que chegou à América em 1492 - ". Mas esse testamento" (*) ", citado por Pedro Taques e por Frei Gaspar da Madre de Deus, assim como por outras pessoas, desapareceu sem deixar maiores vestígios."

"Mas, para os que se interessarem por tais problemas," - continua Afonso Schmidt em suas notas - "Santo André da Borda do Campo e a vida do patriarca dos paulistas, melhor será consultarem a ata da citada comissão do Instituto Histórico, assinada por Teodoro Sampaio (relator), Antônio de Toledo Piza e João Mendes de Almeida Júnior. Segue-se um parecer, discordante, de M. Pereira Guimarães, secretário dessa lídima instituição de cultura. Tudo isso e ainda outras informações e suposições, o leitor curioso encontrará no vol. VII da Revista do Instituto, relativo ao ano de 1902."

"Com esse material" - prossegue o escritor - ", vasto, mas discutido, limitei-me a escrever uma novelazinha sem pretensões históricas."

Vejam, senhores e senhoras, que o amor desse homem por seu torrão ia, pois, ao ponto de crer, ao arrepio de toda a documentação histórica acumulada e indiscutível até hoje, que aqui teria ocorrido inclusive o descobrimento de nossa Terra! (N.A.: Na realidade, João Ramalho chegou a estas plagas por volta de 1517).


Apresentado como O Caminho para o Sertão, segundo se observa neste mapa do atlas
"Roteiro de todos os sinaes e derrotas que há na costa do Brasil", existente na Biblioteca do Palácio da Ajuda em Lisboa, Cubatão aparece ainda vinculado à Vila de Sam Vicente. 
Não tardaria porém muito e ele - situado no continente - haveria de integrar o grande
Município de São Paulo dos Campos de Piratininga
Legenda incluida no livrete de 1974 da P.M.C.

A fundação de Cubatão - A fundação de Cubatão é outro ponto controvertido da nossa História, da História do País e da História do nosso Município.

Depois de casados, Ramalho e a filha de Tibereçá instalaram sua residência.

"Nesta altura, tem início a nova existência de João Ramalho. Depois das bodas, os esposos foram para perto de Paranapiacaba, construíram a habitação e plantaram a roça..."

"Assim, ocupado na caça, na pesca e nos serviços de roça, o tempo foi passando suavemente ao lado da amorável Potira. Começaram a vir os filhos com regularidade, como a floração dos ipês e dos jacarandás. A oca fez-se lar, o casal transformou-se em família."

João Ramalho, portanto - segundo Afonso Schmidt - viu seu lar e sua família crescerem, "perto de Paranapiacaba". Seria Cubatão? Alguns o crêem, como Aziz Nacib Ab'Sáber e Jaime Franco (N.A.: Ainda há pouco Jaime Franco, assim como Afonso Schmidt, defendia a chegada de João Ramalho muito antes de 1532 ao Porto das Almadias "colocado em terra firme do continente sul americano" e concluía que "também a História de Santos começou no Porto do Cubatão" - A Tribuna de 14/1/1973, pág. 3, 2º caderno).

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