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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - VILA SOCÓ - (19)
A tragédia, em A Tribuna de fevereiro/1984-H

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Uma das maiores tragédias de Cubatão, senão a maior, foi o incêndio de um oleoduto da Petrobrás que passava sob uma favela, Vila Socó, destruída pelas chamas com a morte de cerca de uma centena de pessoas, em 24/2/1984. No domingo, 26 de fevereiro de 1984, o jornal santista A Tribuna publicou extensa matéria sobre a tragédia. As imagens das páginas foram tratadas pelo jornalista Allan Nóbrega, que em 24/2/2014 cedeu cópias a Novo Milênio. Esta é a página 9 dessa edição (ortografia atualizada nesta transcrição):
 

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Página 9 do jornal A Tribuna de Santos, de 26 de fevereiro de 1984

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Desespero na hora de identificar os mortos

Uma corda, apenas uma corda separava a multidão, calculada em 2 mil pessoas, dos corpos carbonizados amontoados um ao lado do outro numa velha sala do Centro Comunitário. A dor que cada um sentia era muito particular e poucas vezes podia ser notada. Apenas rostos tensos, olhares compenetrados para a pequena sala que servia como depósito de cadáveres.

A espera se tornava angustiante, mas ninguém arredava o pé de onde estava, na esperança de que a qualquer momento os policiais destacados para dar segurança a todos liberassem a entrada para reconhecimento dos mortos.

Ninguém trocava uma palavra. O respeito era mútuo, e cada um sabia o drama que estava vivendo. No fundo, todos esperavam que entre os carbonizados que estavam enrolados em lençóis brancos, não estivesse um parente. Assim pensava a multidão paciente e até ordeira diante da situação.

O tempo foi passando rapidamente. O sol ardia e o suor escorria pelos rostos castigados pela tragédia. Bem próximo de onde todos se encontravam chegavam os carros da Prefeitura, que em dias normais são usados para levar professores e funcionários, carregados de corpos carbonizados. Uns, pelas queimaduras que sofreram, eram trazidos em pequenos sacos plásticos, e os demais numa única urna de alumínio. Cada corpo que entrava era identificado por um número. "Esse é o 27, gritava um funcionário do IML".

E, do número 27 passou para o 40 até chegar ao número 64, quando foi liberada a entrada das famílias para um possível reconhecimento.

O constrangimento foi geral. Choro, desmaios, gritos e até mesmo acusações contra a Refinaria por toda a situação. Poucos corpos foram identificados no amontoado de cadáveres. Os quatro integrantes da família Souza: Maria Rocil Rodrigues dos Santos, Andréa Carla Rodrigues de Souza, Marcelo Henrique Ferreira de Souza e Luís Carlos Correia de Azevedo; outro corpo identificado foi o de João de Deus dos Reis, que tinha no bolso de sua calça a carteira de identidade de número 12.606.579.

O fato de não conseguir identificar os familiares criou um clima de desespero e angústia na maioria das pessoas, e muitas precisaram ser medicadas, devido ao estado emocional que apresentavam.

Maior tragédia – O chefe do Instituto Médico Letal, Carlos Afonso de Figueiredo, com 33 anos de Medicina, não se conformava com o que aconteceu. "É muita gente morta, meu Deus". Durante todo esse tempo que vem trabalhando como médico legista ele nunca viu nada igual.

"É a maior tragédia que já presenciei. Vi de tudo nesses anos que passaram, mas igual a essa nunca vou esquecer".

Carlos Afonso Figueiredo afirmou que o maior problema para a identificação dos corpos é por estarem totalmente carbonizados. Não restou quase nada. Geralmente a identificação é feita pelo antebraço e dedos, mas nem isso restou".

O médico explicou que muitos dos corpos não serão encontrados, porque depois de carbonizados desaparecem totalmente nos entulhos, e fica difícil localizá-los. Como também é difícil a identificação de crianças. Elas têm menos água no corpo que um adulto e antes de morrerem carbonizadas acontece a desidratação. Toda a água é eliminada pelo organismo que é consumido rapidamente pelo fogo.

Dos corpos que foram levados para o Instituto Médico Legal,na sala improvisada no Centro Comunitário, a maioria só tinha uma parte do tronco e o crânio.

Os corpos identificados pelas famílias, apenas cinco, foram imediatamente liberados para o enterro, mesmo porque não existia espaço físico para comportar o grande número de cadáveres.

Em alguns casos, a identificação se tornou impossível porque não foi encontrada nenhuma peça de roupa ou até mesmo documento. De acordo com as informações do médico chefe do IML, até mesmo o sexo da pessoa ou a idade fica difícil de apurar.

Entre os corpos levados para a sala do Centro Comunitário, o que mais sensibilizava eram os de mães abraçadas aos filhos. Além do corpo de Maria Rocil Rodrigues que estava com seus dois filhos, ainda, era possível ver a constituição do crânio do bebê, no ventre da mãe.

Há cinco meses, uma previsão da tragédia

No dia 27 de outubro do ano passado, A Tribuna trazia, em sua última página, uma reportagem que previa catástrofes como a de ontem, caso a Petrobrás não alterasse o sistema de conservação de seus dutos. A região vivia, naqueles dias, sob o impacto do rompimento do oleoduto em Bertioga, e de um gasoduto na Serra, ambos da Petrobrás. Aqueles acidentes, que provocaram prejuízos ecológicos até hoje incalculáveis, não foram suficientes para a Petrobrás, Suas causas ainda não estão devidamente esclarecidas, e o povo lamenta mais uma tragédia, que a empresa estatal não evitou.

FOTOS:

A busca aos parentes carbonizados foi permanente, mas a identificação era muito difícil

O fogo caçou vidas em casa, sem piedade

Na última página do jornal a denúncia em termos veementes

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