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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - Poluição
O vale da morte (1)

Em matéria que ocupou as duas páginas centrais, o jornal tablóide santista Preto no Branco publicou ampla matéria, em novembro de 1980, traduzindo o texto do jornal The New York Times de 19/9/1980 e acrescentando outros comentários e informações:

Charge de Douglas  publicada com a matéria de Preto no Branco

O Vale da Morte

Queiram ou não as autoridades, Cubatão está definitivamente rebatizada com o nome de Vale da Morte: é matéria de destaque no jornal New York Times e seus índices de poluição são confirmados pelo próprio prefeito, a uma comissão de deputados.

Reprodução da página do jornal estadunidense The New York Times
publicada em Preto no Branco junto com o texto da tradução

THE NEW YORK TIMES (*)

Situação de Cubatão preocupa americanos

CUBATÃO, BRASIL, 19 DE SETEMBRO

A atmosfera, já perigosa dessa cidade, está, agora, ficando alarmada com o número crescente de natimortos e de fetos com espantosas deformidades.

Um dos maiores centros petroquímicos da América Latina e uma das comunidades mais poluídas do mundo, Cubatão está situada acima das terras baixas da costa, cortada por quatro rios mortos e debaixo de uma névoa venenosa, alimentada, diariamente, por 1.000 toneladas de gases tóxicos e ornada por uma cadeia regional de montanhas de 2 mil pés de altura.

O prefeito dessa cidade, de 80 mil habitantes, recusa-se a morar ali e um grupo de funcionários municipais demitiu-se, depois que seu pedido de máscaras contra gases foi recusado.

Cubatão foi rotulada de "Vila da Morte" por um grupo do governo local e essa descrição tornou-se mais apropriada depois dos dados levantados pelo dr. Alberto Pessoa de Sousa, diretor da Saúde do município. De acordo com o dr. Sousa, 40 de cada 1.000 crianças nascidas ali morrem dentro de uma semana. A maioria das vítimas, disse o dr. Sousa, são deformadas.

Abortos estão aumentando - Florisvaldo de Oliveira Cajé, um membro da Câmara Municipal da cidade e presidente da Comissão de Combate à Poluição, disse que os abortos estão aumentando dramaticamente, enquanto o peso médio das crianças nascidas normalmente está decrescendo de modo acentuado.

Muitas mães procedem de Vila Parisi, uma favela pantanosa, a 1,5 pé abaixo do nível do mar, cercada por três das 24 indústrias de Cubatão. Um instrumento medidor de poluição, instalado pelas autoridades, quebrou-se sob a intensidade da contaminação, em 1977, depois de apenas um ano e meio de uso.

O instrumento revelou que a população estava sendo "molhada" por uma constante barragem de 1.200 partículas por metro quadrado, duas vezes maior do que aquilo que a Organização Mundial de Saúde considera "excesso mortal", depois de 27 horas de exposição. Os números provaram, estatisticamente, que essa atmosfera não poderia favorecer a vida humana. Hoje, vivem em Cubatão 15 mil pessoas.

De acordo com o resultado de testes, as 50 milhas quadradas da área de Cubatão estavam sendo bombardeadas, diariamente, por 473 toneladas de monóxido de carbono, 182 toneladas de dióxido de enxofre, 148 toneladas de substâncias  particularizadas, 43 toneladas de óxido de nitrogênio e 31 toneladas de hidrocarbonetos. Um levantamento feito este ano revelou que das 40 mil chamadas médicas de emergência, em Cubatão, 10 mil foram para casos de tuberculose, pneumonia, bronquite, enfisema, asma e diversas moléstias de nariz e garganta.

Prioridade para outros assuntos - Esses dados teriam levantado protestos e ação nas nações do mundo industrializado, mas em países em desenvolvimento, como o Brasil, problemas urbanos contam com pequena chance, diante das metas nacionais de crescimento rápido e o medo de agravar as dificuldades do balanço de pagamentos com a importação de caríssimos equipamentos antipoluição.

Em recente pronunciamento, Franco Benoff, diretor administrativo da Fiat-FBM Steel Company, disse: "A fundição é, inevitavelmente, um trabalho poluidor e já não mais aceita por trabalhadores fortemente unidos, nos assim chamados países desenvolvidos. Como já é bem conhecido, nos países desenvolvidos tem-se dado - não digo se corretamente ou não - uma ênfase muito grande ao problema da poluição. Em vista dessas considerações, a fundição de aço é uma atividade mais apropriada para os países do terceiro mundo.

A angústia de Cubatão, procedente, em grande parte, da gigantesca Companhia Siderúrgica Paulista, está sendo agravada. Nos primeiros seis meses deste ano, os chamados para emergência respiratória em Vila Parisi aumentaram em 50%, porque as indústrias de fertilizantes mudaram para materiais mais sedimentários, cujos resíduos passam mais facilmente nos filtros das chaminés para o ar. Muitas das vítimas foram crianças que tiveram que ser reavivadas com bombas de oxigênio.

O diretor do escritório nacional para defesa ambiental, Paulo Nogueira Neto, sugeriu a transferência dos 15 mil moradores de Vila Parisi para outro local menos pernicioso, nas proximidades. Cajé disse que essa mudança seria viável desde que acompanhada da instalação de equipamentos antipoluidores. "Por que deveríamos castigar uma população que não pode adaptar-se à irresponsabilidade das indústrias, ao invés de punir as indústrias irresponsáveis que não querem se adaptar ao povo?" - argumenta Cajé.

Organismo com poder de punição - Grande parte da contaminação é gerada por companhias inteiramente brasileiras, mas, a Dow Chemical, a Du Pont, a Union Carbide, além de multinacionais francesas e alemãs, também, são responsáveis pelo agravamento do problema.

Um organismo estatal, existente há 12 anos, tem poder para punir as indústrias em irregularidade, mas as estatísticas de suas atividades não são conhecidas publicamente. Evidência clara que sugere, forçosamente, a inoperância da companhia.

Um dos rios mortos de Cubatão está coberto por ondas de espuma de detergentes; um outro fervilha sob o efeito de depósitos químicos e um terceiro é tão quente que seu curso pode ser seguido pela coluna de vapores que se elevam de fétidas áreas de refugos. Peixes, recolhidos nas proximidades do mar, foram encontrados secos e com deformações ósseas, por terem ingerido mercúrio nos tributários. Cajé recorda-se de ter brincado e pescado com as mãos, nessas mesmas águas, há 25 anos, antes da abertura da primeira refinaria.

A fumaça que sobe das fileiras de chaminés, azulada, amarela, vermelha, negra e branca, dá ao ar um tom amarelo-cinzento, invadindo as narinas com uma mistura doentia de odores acre. Não há pássaros, borboletas ou insetos de qualquer espécie e, quando chove, especialmente em dias sem vento, as gotas queimam a pele.

As indústrias de Cubatão dão à cidade a maior média de rendimentos per capita do que qualquer outra cidade do Brasil, mas que esse benefício não atinge a maioria dos habitantes da cidade é atestado pelos 35% que moram em favelas, como Vila Parisi, sem qualquer serviço social. Essas colônias de trabalhadores são caracterizadas por pequenos corredores de barracas, onde se acham catres mais conhecidos como "cama quente". Um trabalhador noturno dorme ali, durante o dia, enquanto seu companheiro de serviço a ocupa durante a noite.

Dos 55 mil trabalhadores, apenas um terço reside em Cubatão. "São aqueles que simplesmente não têm condições de se mudar para outro lugar", disse Carlos Frederico Soares de Campos, prefeito de Cubatão, cuja residência fica na praia de Santos, distante 17 milhas.

Cajé, um advogado de 32 anos, trabalhou 9 anos na Companhia Siderúrgica Paulista e três anos e meio na Petrobrás, monopólio de óleo do Governo. Essas são as duas maiores instalações de Cubatão e a experiência o cumulou de informações internas e conhecimentos de engenharia. Ele é um dos poucos homens públicos que vivem ali, um fato do qual se lembra pelo menos uma vez, a cada três horas, quando precisa tomar gotas de anti-congestionantes nasal.

Somente uma, das 24 indústrias, a Companhia Siderúrgica Paulista, mostrou alguma boa vontade em combater a poluição. "Nós estamos dispostos a trabalhar por uma solução", disse seu presidente, Plínio Assmann. "Mas a iniciativa tem de partir do Governo".

(*) Tradução de Carlos E. Winther.

Charge de Pauser  publicada com a matéria de Preto no Branco

Prefeito confirma: cidade está poluída

Foi difícil para o prefeito nomeado de Cubatão, Carlos Frederico Soares Campos, reconhecer publicamente que o parque industrial e petroquímico de sua cidade polui o meio-ambiente. E a confissão veio no dia 22 para os membros da Comissão Especial de Investigação da Assembléia Legislativa que está apurando as responsabilidades e as causas da poluição de Cubatão.

O prefeito, depondo para a comissão, acabou afirmando: "Em Cubatão existiam árvores, hoje não existem; existiam peixes, hoje não tem. Temos uma represa Billings despejando produtos químicos aqui e não vamos lançar sobre as indústrias as responsabilidades da poluição ambiental. Isso é hipotético".

Um pouco nervoso, Carlos Campos foi mais longe; confirmou as condições precárias do meio-ambiente no "Vale da Morte": "Existem áreas críticas em Cubatão e a mais confinada é naquele Vale, onde os produtos dos adubos mais contribuem. A situação geográfica de Cubatão faz com que isso se agrave o dia todo. A coisa indo contra o morro, agride as árvores e toda a mata. A vegetação rasteira, porém, não morre", disse.

No "Vale da Morte" a atmosfera permanece constantemente encoberta por causa das partículas lançadas pelas chaminés das fábricas de adubos e esse fato o prefeito também confirmou: "O uso da rocha fosfática de Araxá, que é muito fina, permite que as partículas fiquem em suspensão na atmosfera e o seu depósito é um fato concreto, que pode caracterizar de onde veio aquele elemento poluidor".

A Vila Parisi, ocupada por mais de 13 mil pessoas, das quais mais de 50 por cento de jovens na faixa etária de zero a 25 anos, recebe diariamente uma carga poluente de 58 quilos de gases. O problema da permanência das partículas da rocha fosforosa de Araxá é devido ao equipamento industrial estar preparado para um material importado e os filtros existentes são impróprios para o produto nacional e a retenção dessa partícula torna-se difícil, passando grande quantidade de resíduos que são despejados na atmosfera.

Todas as indústrias de Cubatão jogam, por dia, na atmosfera, 1.000 toneladas de gases particulados, 8 são nocivos à saúde, e nos rios são despejadas 2.600 toneladas de substâncias químicas e óleos que envolvem material pesado, como o mercúrio. Esse volume é quatro vezes superior à poluição industrial registrada em Minamata, no Japão.

O vereador Florivaldo Cajé, um dos homens públicos que promovem uma campanha de conscientização junto à população e enfrenta todo o poder econômico da cidade, denunciando sistematicamente as infrações, revelou que a Rhodia, há algum tempo, lançava num terreno de Samaritá, distrito de São Vicente, resíduos industriais sólidos que estavam contaminando o lençol freático há cerca de 3 anos. O lixo urbano de Cubatão, num total de 45 toneladas, é lançado próximo à estação e tratamento para águas da Sabesp, no Rio Cubatão.

As denúncias levadas ao conhecimento da Comissão Especial de Investigação da Assembléia Legislativa, foram gravadas e datilografadas para formar um longo processo. A comissão que, há quinze dias, instalou-se na Câmara Municipal, vem recebendo críticas dos vereadores do PDS, que entendem ser um trabalho redundante: "Depois que o Cajé falou não há razão de se ouvir mais pessoas. É só pegar o depoimento e ir apurar nas indústrias o que está havendo". São palavras do vereador Alvarenga.

E a CEI observou que prefeito e vereadores estão mais preocupados com o problema visual das favelas do que no combate à poluição. O prefeito acha que as favelas dão a impressão de que em Cubatão vivem apenas "desgraçados". "A Vila Socó tem que ser eliminada, o efeito visual que ela oferece dá a impressão de que aqui vivem somente desgraçados. As favelas que mais agridem a visão devem ser eliminadas", disse ele, incluindo no rol as favelas Siri, São Marcos e a do Pica-pau Amarelo. Quanto à Vila Parisi, entende o prefeito que a sua urbanização vai ficar muito cara, sendo preferível montar um bairro operário novo do que aplicar recursos naquele núcleo operário.

Veja mais:

Matéria original do jornal The New York Times em 23 de setembro de 1980 (arquivo PDF) - Endereço original no jornal estadunidense: página A2