Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0380c24.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/28/07 20:04:55
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BELMONTE - BIBLIOTECA NM
No tempo dos bandeirantes [24]

Conhecido principalmente pela atividade cartunística nos jornais paulistanos, e pelo seu personagem Juca Pato, o desenhista Benedito Bastos Barreto (nascido na capital paulista em 15/5/1896 e ali falecido em 19/4/1947), o Belmonte, foi autor de inúmeros livros, entre eles a obra No tempo dos Bandeirantes, que teve sua quarta e última edição publicada logo após a sua morte.

A edição virtual preparada por Novo Milênio objetiva resgatar esse trabalho, que, mesmo sendo baseado em pesquisas sem pleno rigor histórico, ajuda a desvendar particularidades da vida paulistana, paulista e, por conseqüência, também da Baixada Santista. Esta edição virtual é baseada na quarta edição, "revista, aumentada e definitiva", publicada pela Editora Melhoramentos, São Paulo, sem data (cerca de 1948), com 232 páginas e ilustrações do próprio Belmonte (obra no acervo do professor e pesquisador de História Francisco Carballa, de Santos/SP - ortografia atualizada nesta transcrição):

Leva para a página anterior[...]                                            NO TEMPO DOS BANDEIRANTES

[24] A resposta da Câmara

Os novos vereadores - A passagem de Céspedes Xéria por São Paulo - Cresce a tensão popular - Um ouvidor desabrido e uma Câmara decidida - A grande bandeira de 1628

om a entrada do ano de 1628, vão realizar-se as eleições para a escolha dos novos vereadores.

O povo, furioso com os conselheiros do ano anterior e fremindo de cólera ante a audácia dos "encomenderos" que chegam até quase às portas da vila de São Paulo, preando índios, espera o momento de desencadear a sua vindita.

Os homens do Conselho, em vésperas de deixar os cargos, não parecem muito à vontade. Sentem qualquer coisa no ar e, muito incomodados, fazem vir à vila, "para quietação deste povo", o ouvidor geral Luís Nogueira de Brito.

O ouvidor chega. Realizam-se as eleições. São eleitos, então: Juízes, Sebastião Fernandes Camacho, Francisco de Paiva, João de Brito Cassão e Gaspar Louveira; vereadores, Baltasar de Godói, Maurício de Castilho, Diogo Barbosa Rego, Luís Fernandes Bueno e Francisco Jorge; procuradores, Cristóvão Mendes e Melchior Martins de Melo; escrivão, Manuel da Cunha; almotacéis, Sebastião de Paiva, Brás Mendes, Leonel Furtado, João Tenório e João de Oliva; alcaide, Domingos Simas, e porteiro, Cristóvão Garcia.

Como se portará esta Câmara diante da situação aflitiva dos moradores da vila que vêem os índios da Capitania lhes serem arrebatados pelos "ispanóis de vila rica e mais povoasõis", e vivem manietados por alvarás, cartas régias e correições?

Até então, em verdade, não tem feito a Câmara outra coisa de vulto senão proibir, aos paulistas, a ida ao sertão.

"... pelo procurador foi dito que lhe requeria da parte de sua magestade impedissem e estorvassem a ida ao sertão porque estava informado que hião algumas pessoas ao sertão..."

Ou então:

"... pelo procurador foi requerido que á sua noticia era vindo que se aviavam mais de setenta pessoas desta villa para hirem ao sertão contra as leis, provisões e proibições de sua magestade, pedia e requeria aos juizes ordinarios q. logo e com effeito impedissem a tal ida ao sertão..."

Ou ainda:

"... outrosim requereu mais aos ditos ofisiais que suas mercês mandasem encampar esta terra ao capitão desta capitania, porquanto se despejava a terra e se iam todos para o sertão..."

A nova Câmara, contudo, parece disposta a reagir. Tanto que, dois meses depois de sua posse, estando presente o ouvidor Luís Nogueira de Brito, mal acabada a leitura de sua correição, protestam os vereadores contra o capítulo em que se exige a presença semanal de todos os conselheiros e juízes, na Casa da Câmara. E protestam porque, sendo todos eles lavradores e morando distante, em suas fazendas, não podem deixá-las abandonadas. Alegam que, ao contrário do que se dá em outros lugares do Brasil, em São Paulo há falta absoluta de braços para o serviço da lavoura, motivo por que são forçados a servir-se de índios aldeados. Como, porém, o serviço destes é livre, correm todos o risco de perderem suas fazendas, com a paralisação do trabalho, o que, indiscutivelmente, é uma exasperante ameaça para a vila. E, por tudo isso, é que se sentem "avexados da notavel opresão que elle dito ouvidor lhes deu em mandar que assistissem continuadamente nesta villa".

O ouvidor, contudo, com seu temperamento áspero, declara que, quanto a esse assunto, não há mais discussões: que todos os vereadores e juízes, "não faltasse um delles na somana". Quanto ao mais, "que se queixassem á S. Magestade". E, rispidamente, dá por encerrada a correição.


Homem de roupeta e calções de pele de camelo, mangas de tafetá, botas de cordovão (1680) (Inv. e Test.)
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro

Pouco depois (a população paulista sempre exaltada), passa pela vila, vindo do Rio de Janeiro, o governador do Paraguai dom Luís de Céspedes Xéria, que se destina a Assunção. Na Câmara, um edil quer saber se Céspesdes Xéria tem autorização legal para trilhar a rota em que vinha, pois se tratava de caminho proibido. (O jesuíta Charlevoix afirma que não a possuía). O certo, contudo, é que, após um mês de estadia em São Paulo, parte o governador.

Aqui, tudo leva a crer que ele tenha entrado em entendimento com os paulistas, pois era notória a sua aversão aos jesuítas e largamente sabido que se entregava ao comércio de escravos, segundo se verifica no processo, ou melhor, na "información" realizada pelo padre Francisco Vasquez Trujillo, provincial da Companhia de Jesus, em fevereiro de 1631, para provar ao rei de Espanha o quanto era maléfica, à coroa de Castela, a ação do governador do Paraguai que, ainda por cima, era casado com uma brasileira e possuía um engenho no Rio de Janeiro.

Alegam alguns jesuítas que depuseram nesse inquérito que, se não fora a ação traidora de Céspedes, os bandeirantes não teriam atacado o território de Guairá - o que é uma suposição falsa e inconsistente. Esse ataque, como vimos, só não se realizou no ano anterior, sem Céspedes, devido exclusivamente à providência da Câmara mandando prender Raposo Tavares e Paulo do Amaral. Mas, como vimos, também, o povo esperava...


Adereço de espada e adaga de concha
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro

E chega o dia 27 de julho de 1628. Dia de sessão na Câmara. A cidade está deserta. Para a casa do Conselho dirige-se um homem. Daí a pouco, mais dois. Entram. Sentam-se. Esperam...

Fora, a solidão infinita, o infinito silêncio. Os três homens se entreolham, mudos, estáticos. E os outros?

Passam-se os minutos que parecem horas. Sobre a mesa do senhor juiz, a ampulheta vai escorrendo, silenciosamente, a sua areia fina. O juiz Sebastião Camacho e o vereador Baltasar de Godói erguem-se. O escrivão Manuel da Cunha, com o livro aberto sobre a mesa e a pena de pato entre os dedos, tem no olhar aflito uma interrogação muda.

O senhor juiz vai até a janela: olha o casario esparso e silente que se estende pelos declives. Volta e ordena:

- Senhor Manuel! Lavre a ata!

O escrivão curva-se e redige.

"Aos vinte e sete dias do mez de Julho de mil seiscentos e vinte e oito anos nesta villa de sam paullo na caza do conselho estando hahi o juiz ordinario sebastião camacho e o vereador balltezar de godoi e por elles foi mandado fazer este termo de como aqui estavão en camara e não asestirão os mais vereadores por serem idos e o procurador por iso não se fes camara de que fis este termo manoell da cunha escrivão da camara ho escrevi".

Que teria havido?

Apenas o inevitável: Antonio Raposo Tavares agora com Manuel Preto, com 900 paulistas e dois mil índios, organizara a grande bandeira que, dias antes, marchara para os sertões, rumo ao Guairá. E, integrada nessa bandeira, lá se fora a Câmara de São Paulo, com seus vereadores, juízes, procuradores, almotacéis e porteiro!

Era a resposta da Câmara ao senhor ouvidor.

E enquanto, na semana seguinte, se realizam as eleições para nova Câmara, os paulistas, lá longe, escorraçam os espanhóis do Guairá, arremessando-os definitivamente para as bandas do Paraguai.


[...]Leva para a página seguinte da série