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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - IMPRENSA
A imprensa santista (7f)

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Em 26 de março de 1944, o jornal santista A Tribuna publicou edição comemorativa de seu cinqüentenário (exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda), com esta matéria (grafia atualizada nesta transcrição):
 


Imagem: reprodução parcial da matéria original

O 50º aniversário d'A Tribuna

Um pouco de história da terra andradina mal contada por velho jornalista sem memória

(Crônica de Euclides Andrade)

[...]


Jornalistas ilustres que trabalharam na Tribuna

A direção da Tribuna sempre foi muito feliz na escolha dos seus auxiliares, sobretudo daqueles aos quais incumbia a ingrata tarefa de chefiar os serviços da redação. Basta citar alguns nomes para confirmação do que acima foi escrito.

Depois que deixei a Tribuna, teve ela como secretário Luiz Corrêa Pais, que, infelizmente, abandonou as lides jornalísticas para exercer sua inteligente atividade em altos cargos do serviço nacional aduaneiro.

Corrêa Pais trabalhava na imprensa carioca. Quando chegou a Santos era moço e trazia grandes esperanças e sonhos a realizar. Graças às relações, granjeadas nos círculos intelectuais cariocas, obteve facilmente a colaboração, sempre disputada e brilhante, de escritores ilustres, entre os quais Costa Rego e Carlos Maul.

Dispondo de farta colaboração, a Tribuna ampliou seu serviço telegráfico, tendo para isso entrado em acordo comercial com prestigiosas agências noticiosas, nacionais e estrangeiras.

José Maria dos Santos, Manoel de Miranda Rosa, Eliseu César, foram trazidos do Rio por Nascimento Júnior para exercerem o cargo de secretários ou redatores do seu jornal.

São nomes que valem por uma valiosa credencial de ilustração e competência profissional. Todos três encaneceram nas lides jornalísticas, granjeando merecido prestígio entre os demais membros da classe.

Mário Teves da Costa, Antônio Stockler de Araújo, inteligência de elite, uma grande e incansável operosidade; Otávio Veiga, Salisbury Galeão Coutinho, Albertino Moreira, Osvaldo Silva, José Maria Gonçalves, Roberto Molina Cintra, Menotti Del Picchia, Moacyr Chagas e Geraldo Ferraz formam uma luzida cadeia de nomes ilustres, que passaram pela redação da Tribuna, como redatores ou secretários.

Outros mais terei aqui de citar: Afonso Schmidt, o grande vate santense, o novelista insigne de Pirapora, também pertence a esse grupo escolhido de jornalistas que na Tribuna concorreram para a vitória que hoje está sendo comemorada.

Noticiaristas, hábeis repórteres, teve o jornal de Nascimento Júnior, desde os seus primórdios, profissionais afamados: Manoel Bento de Andrade, Costa Lopes, Aires dos Reis, Alberto de Carvalho, Santelmo Corumbá, A. Corrêa da Silva, Rodolfo Noronha, Décio de Andrade e Rafael de Lossio.

Manoel Bento era queridíssimo em Santos, onde nascera. Fez proezas na reportagem local, mas celebrizou-se, sobretudo, pela ascensão que realizou, sozinho, no balão livre de Alaor de Queiroz, de quem o adquirira.

Manoel Bento nada sabia de navegação aérea, embora andasse com a carteira recheada de cartões de visita, que diziam assim: "Capitão Manoel Bento de Andrade, jornalista e aeronauta".

Naquela época, todo camarada que se arriscava a galgar as nuvens dentro da "nacelle" de um balão, intitulava-se capitão. Exemplos: capitão Martinez; capitão Alaor Prata; capitão Ferramenta. Eram todos capitães, mesmo quando faziam seus pés de alferes às mocinhas ingênuas, que iam assistir às ascensões dos aeróstatos por eles tripulados.

Depois que, nessa tarde luminosa de um domingo bem santense, caiu com o seu balão no mangue, aí para os lados do Largo do Candinho, nunca mais Manoel Bento quis bancar o Santos-Dumont local.


Oficina mecânica. Esplendidamente aparelhada, está capacitada a produzir todas as peças necessárias para o maquinário da A Tribuna. Não é preciso que venham de fora as peças referidas, pois quase tudo aqui se faz. Eis mais um atestado da organização que é A Tribuna
Foto e legenda publicadas com a matéria

Evoquemos agora a figurinha exótica de Santelmo Corumbá, que foi repórter social da folha, no meu tempo, e que se dizia nascido no Pará, mau grado o sobrenome estivesse a afirmar que a sua origem deveria ser buscada lá para as bandas de Mato Grosso.

Santelmo era inteligente; hábil cavador de notícias. Ingressou na reportagem da Tribuna, mediante uma apresentação de Joaquim Morse. As suas notícias de festas, bailes, batizados e casamentos, ele as pautava pela qualidade dos acepipes que lhe eram fornecidos na reunião social, a que comparecia como representante do jornal.

De uma feita, mandei-o visitar o paquete holandês Gelria, que em nosso porto entrava pela primeira vez. Os agentes dos armadores do transatlântico, que, aliás, era um dos mais luxuosos e ricos da sua época, ofereceram um almoço à imprensa local, a bordo.

Santelmo, metido no seu eterno e clorofiliano fraque negro, que o uso transformara em mulato, compareceu ao ágape solene. Visitou o navio, comeu, bebeu e voltou para a redação.

Curioso, interroguei-o:

- Santelmo, que tal você achou o Gelria?

- Não vale nada, Tio Tinoco (era assim que os companheiros me chamavam); é um vaporzinho muito vagabundo...

Arregalei os olhos, num justo espanto:

- Que é que você está dizendo, Corumbá?! Vaporzinho vagabundo, o Gelria?!

- Pois é... Imagine que no almoço só serviram duas sopas vagabundas; sopa de espargos e sopa de "potage"...


Oficina de estereotipia. Aqui são fundidas em chumbo as páginas, saindo, então,
os cilindros que vão para as máquinas impressoras. O trabalho é dos mais delicados, 
mas A Tribuna possui todo o aparelhamento necessário
Foto e legenda publicadas com a matéria

Aires dos Reis era o ferrabrás da casa. O Bavaria via-se à rasca com o Aires, que o trazia num cortado, desde que se iniciava o serviço até final da noitada trabalhosa.

Tudo lhe servia de pretexto para azoinar os ouvidos e a paciência do Muller, a quem haviam alcunhado Bavaria por ser muito amigo da boa cerveja. Alberto Muller era funcionário irrepreensível da Tribuna. Pouco falava; trabalhava muito, redigindo com critério a seção comercial, juntamente com o Figueiredo.

Aquelas brincadeiras do Aires dos Reis deixavam-no "por conta".

Uma noite, Muller tantas ouviu do Aires, que resolveu reagir. Levantou-se, afastou-se da sua mesa de trabalho e abriu a boca... Abriu a boca num pranto desabalado...

Do meu canto, ouvi-lhe a choradeira e corri para acudir-lhe ao canastro, não estivesse o Aires dos Reis a sová-lo.

- Que foi, Bavaria?! Está sentindo alguma coisa?! - interroguei, aflito. Muller enxugou os olhos com o punho direito. E explicou:

- O Reis está judiando de mim... E acrescentou:

- Ele faz isso comigo porque não sabe que eu sou filho de uma distinta e boa família alemã natural de Santa Catarina...

E, com essa, a briga terminou em gargalhadas.

Aires dos Reis era rezingão e briguento; mas, no íntimo, um excelente rapaz, inteligente profissional e sabendo manejar lindamente uma pena. Não era apenas repórter noticiarista; redigia boas crônicas e brilhantes artigos.


Uma das seções de linotipia, são doze as máquinas de linotipo com que conta A Tribuna, todas novas e em excelentes condições de funcionamento. Estão instaladas em local espaçoso e amplo, ocupando grande parte do que, no jornal, é designado como "oficinas"
Foto e legenda publicadas com a matéria

Alberto de Carvalho (Pardal) veio do comércio carioca para Santos, onde, no mesmo dia em que chegou, passou a fazer parte do corpo de repórteres da Tribuna. Trouxe-o da metrópole o saudoso Antônio do Nascimento.

Carvalho, ainda hoje, avelhantado... quer dizer, um pouco usado, é uma criatura dinâmica e incansável.

Naqueles tempos (1914), Alberto de Carvalho era uma espécie de serelepe. A sua vivacidade estava estampada nos olhos. Falando, ele os esbugalhava e fazia com que deitassem chispas.

Alberto nunca vira um jornal por dentro; não sabia o que era fazer uma reportagem. Pois bem. Na mesma noite em que entrou a fazer parte do corpo de redatores da Tribuna, houve um grande incêndio na cidade.

Ao primeiro clangor da corneta dos bombeiros, anunciando o sinistro, dei o alarma, convocando o pessoal para a faina costumeira, a cavação de pormenores do incêndio.

A redação estava naquela hora sem repórteres. Carvalho acendeu os olhos e propôs:

- Se vossência quiser, eu posso ir ver essa coisa de incêndio...

- E fará também a reportagem?

- Farei!

- Mas, o senhor não conhece a cidade, não sabe onde lavra o fogo...

- Não importa. Eu farei a reportagem.

E Alberto partiu a correr. Uma hora depois, regressava e redigia a notícia. Boa notícia, excelente notícia, escrita como mandava o figurino daquela época.

- Temos homem! - exclamou Antônio do Nascimento, quando leu a notícia do incêndio, escrita por Alberto de Carvalho.


Esta é a magnífica rotativa da A Tribuna. É uma das mais modernas do país, da marca M.A.N., tem uma capacidade de tiragem de 10 mil exemplares de 40 páginas por hora.
Esta excelente máquina permite a confecção de um jornal à altura
das exigências de uma população culta como a de Santos
Foto e legenda publicadas com a matéria


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