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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
A lenda das arapongas (1)

Uma história de Caim e Abel na área continental do município santista

A história foi publicada no Almanaque de Santos - 1969, editado naquele ano por P. Bandeira Jr., da Editora Roteiros Turísticos de Santos, com redação do falecido jornalista e pesquisador Olao Rodrigues:

LENDAS E TRADIÇÕES
A lenda das arapongas

O episódio foi vivido em Cabraiaquara (N.E.: Sítio das Neves, na área continental de Santos), segundo Francisco Martins dos Santos, em Lendas e Tradições de uma Velha Cidade de São Paulo e em trabalho divulgado na esplêndida edição da revista AABB (N.E.: publicada pela Associação Atlética Banco do Brasil - AABB) em 1959, consagrada ao Município.

João Afonso, português, homem de têmpera rija, apegado aos costumes da época, correto e honrado, veio da Europa com o propósito de trabalhar e amealhar fortuna, com seus filhos Pedro e José. Instalando-se em Cabraiaquara, em pouco tempo a pequena propriedade agrícola prosperou, com a ajuda de Pedro, que herdou do genitor toda a gama de operosidade e honradez, ao contrário de José, que era ambicioso, queria ter propriedade e dinheiro, mas sem trabalhar, preferindo os encantos da carne moça das índias ao labor estrênuo, que era seguido pelo genitor e pelo irmão. Desejava a posse da propriedade, sozinho, isolado, afastado da convivência dos familiares, dominado pelo espírito de cobiça.

Não podendo prescindir do braço indígena, João Afonso valeu-se da fidelidade, lealdade e intrepidez de Goaturã que, afeiçoado à vida natural, arguto e perspicaz, desde logo notou o rancor que José votava a Pedro, recordando-se da história de Abel e Caim, que por mais de uma vez ouvira. Por fidelidade, vigiava os passos de Pedro.

Um dia, o indígena encontrou na selva um pássaro "esverdeado e feio", com uma das asas machucada. Afeiçoou-se à avezinha. Por vezes, em encantadora ingenuidade, falava-lhe sobre o fratricídio bíblico, como a prever o desfecho da animosidade entre os dois irmãos. Com a morte de João Afonso, que doara a propriedade aos dois filhos, mais continuada se fazia a vigilância de Goiaturã sobre José, que o odiava.

Deu-se, afinal, o triste acontecimento. José mandara o silvícola a Santos, que o atendeu mas desconfiou do intento. Mal empreendida a viagem, por canoa, uma flecha quase o atingiu no coração. Como um felino, jogou-se às águas, com um punhal preso aos dentes e, ao chegar à margem, identificou o agressor e dele ouviu a confissão tétrica de que José convidara Pedro para um passeio no mato, com o propósito de eliminá-lo.

Depois de matar o ofensor, Goaturã correu para a floresta à procura de Pedro para defendê-lo da maldade assassina do irmão. Mas não chegou a tempo. José fizera aquilo que de há muito seu espírito tacanho, vingativo e ambicioso engendrara, como desfecho de uma vivência oposta de irmãos. Pedro havia sido empurrado abismo abaixo. Goaturã viu, ao longe, a tragédia, como também se convencera de que a sua ida a Santos nada mais era do que um plano perverso.

No mesmo instante, porém, José arrependeu-se. Acovardado, deitou a correr, roído pelo remorso. Nesse instante, uma sombra gigantesca, branca, alagada em luz, ergueu-se no caminho e interceptou-lhe os passos. Era João Afonso.

- Aonde vais, filho desnaturado?

Estacando, assustado, sem acreditar no que via, José ouviu do pai há pouco falecido esta imprecação:

- Assassino! Onde está teu irmão? Filho maldito! Vai! Erra pelos matos. Enlouquece de fome e sede, ouvindo sempre a minha maldição.

Goaturã presenciou a cena. Petrificado, ajoelhou-se ante o fantasma do protetor, de quem ouviu:

- Deixa-o, Goaturã. Não manches tuas mãos nesse sangue maldito. Volta.

O indígena obedeceu à súplica e José, deprimido, tremendo de medo, tal um réprobo, enveredou pelo mato, desapareceu e dele nunca mais se teve notícia.

Nesse instante, o pássaro de Guaturã emitiu um canto forte e penetrante, doloroso e trêmulo como o amargor de um espírito que, ainda mesmo em substância espiritual, recebia o impacto de uma traição filial:

- Caim! Caim! Caim! Caim!

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