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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
"Chuva. Porto parou" (1)

Um raio deixou as autoridades no escuro...

Uma brincadeira entre os jornalistas, nas redações dos jornais santistas, por volta de 1980, era observar pela janela: se estivesse chovendo, a manchete do dia seguinte já estava garantida: "Chuva. Porto parou". Quantas vezes, à falta de notícia mais importante, essa manchete foi estampada nos jornais, às vezes com pequenas variações? Incontáveis. Numa época em que era mínima a conteinerização das cargas, o aparecimento de uma simples nuvem negra mais carregada já bastava para que começasse o procedimento de interrupção da carga ou descarga e acionamento dos guinchos que movimentavam as pesadas tampas das bocas de porão, nos navios. Com os atrasos nas operações, os navios na fila de espera vão se acumulando, nas áreas de fundeio situadas na entrada da Baía de Santos.

E não podia ser diferente, no dia em que a centenária Companhia Docas de Santos (CDS), ao concluir o período da concessão imperial para que administrasse o porto santista, deveria entregar o controle do mesmo ao Governo Federal, assumindo em seu lugar a empresa de economia mista Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) - 99% capital federal e 1% de particulares, só para justificar o "mista" -, tutelada pela empresa federal Portobrás, controladora dos portos nacionais nessa época.

A transferência do controle ocorreu no dia 7 de novembro de 1980, uma sexta-feira chuvosa. No domingo seguinte, 9/11/1980, o jornal santista A Tribuna publicou:


No cais, um dia de rotina. Muito trabalho, esperança, queixas, reclamações, sugestões, desabafo
Foto publicada com a matéria

NO PORTO
O primeiro dia da Codesp

Quando o presidente da Portobrás, Arno Markus, discursava acusando o recebimento do acervo do Porto de Santos, em nome da União, um raio interrompeu o fornecimento de energia elétrica, e a sala da superintendência-geral da CDS, onde se realizava a solenidade, mergulhou na escuridão. Sexta-feira, dá azar. Sete é número cabalístico. Ano bissexto. E o que é pior: está chovendo, vai haver congestionamento.

Para quem é supersticioso, não poderiam ser piores as perspectivas da Codesp, que nascia naquele momento, quando recebia, enfim, a gestão e a guarda do terminal santista. Lá fora, rajadas de chuva varriam o cais e interrompiam todos os serviços. Os guindastes, os galpões, os equipamentos sacolejavam sob o vento que batia de sudeste, entrando pela Ponta da Praia e alcançando o cais até a Alemoa.

Sexta-feira, 7 de novembro de 1980. Os poucos operários que ficaram de turno se espremiam contra as paredes do cais, fugindo da ingrata intempérie. Encerravam um dia de rotina, de muitas queixas e desabafos.

Por volta de meia-noite do último dia da administração do porto sob a quase centenária concessão da companhia, nada indicava, ao longo de todo o cais, a vivência de um momento histórico. A não ser em Conceiçãozinha, onde basculantes carregavam adubos; e na Alemoa, onde o mau tempo não prejudicava a descarga de granéis; todo o restante do complexo permanecia inerte. Totalmente parado, adormecido - uma constante dos tempos de chuva - o porto recebia a Codesp.

***

Em conseqüência do mau tempo, que não possibilitou a saída de algumas embarcações programadas para sexta-feira, o primeiro navio a entrar no porto ontem foi o Liliana S, bandeira espanhola, só por volta de 11,35 horas, levado pelo prático Frederico Santos Bento Júnior. O Serviço de Praticagem, atento desde as 6 horas, como normalmente acontece, nada pôde fazer antes porque não havia vagas no cais.

Às 7 horas, existiam em todo o complexo (que inclui os terminais privativos da Cosipa, da Ultrafértil e da Dow Química) 43 navios atracados, enquanto outros cinco permaneciam ao largo, aguardando uma vaga para atracar. A informação foi prestada pela Diretoria de Operações da Codesp, que desde ontem substitui a extinta Superintendência de Tráfego.

A troca dos nomes dos órgãos causou muita confusão no setor administrativo do porto. Os funcionários da nova empresa ainda não se acostumaram com as mudanças verificadas no primeiro escalão e foram muitos os que telefonaram para ex-superintendência de Tráfego à procura do titular, Sérgio Matte, que desde ontem assumiu a presidência, ocupando o escritório da então superintendência geral, na Avenida Conselheiro Rodrigues Alves.

Nas chefias de divisões, entretanto, não houve alterações, e por isso a confusão se restringiu aos setores que têm acesso direto às antigas superintendências. Nos armazéns, nas oficinas, nos demais departamentos, o primeiro dia da nova empresa foi de absoluta rotina. "Aqui nada mudou - explicou um chefe de seção - a não ser os impressos e os carimbos: onde antigamente se lia CDS, agora se lê Codesp".

***

Os olhos vermelhos lampejam de ódio quando se fala da Companhia Docas de Santos. Mal consegue abri-los, pois a poeira dos pellets que estão sendo embarcados depositou-se nos seus cílios, e se espalhou sobre os cabelos carapinha, dando-lhe uma cor ocre-amarelada.

"A Companhia Docas tirou todas as nossas conquistas. Perdemos tudo" - esbraveja, tentando afastar a poeira que aos poucos vai cobrindo tudo. Pedindo licença para tossir e limpar a garganta, porque não consegue falar, diz que precisa falar e muito, mas pede para que o seu nome fique incógnito porque teme pressões: "Graças a Deus, o feudo da CDS já terminou e é preciso reparar as injustiças".

Segundo o portuário, são tantas e tão variadas que somente os sindicatos de cada categoria têm condições de relacioná-las direito. Mas, para exemplificar, basta lembrar que a concessionária deixou para a sua sucessora o pagamento de milhares de reclamações trabalhistas, cujo total poderá chegar a Cr$ 1 bilhão.

"Eu acho que nunca mais vamos recuperar todos os direitos que perdemos após a Revolução de 1964. Mas de uma coisa você pode ficar certo: nós vamos lutar pelo que é nosso. Este é o maior porto da América Latina, mas é um gigante morto quando nós cruzamos os braços".

***

O período da manhã foi totalmente perdido. A chuva miúda caindo esparsamente pelo cais interrompeu os trabalhos de descarga de granéis sólidos e de carga geral, a não ser uns poucos cargueiros que conseguiram operar no carregamento de carga e descarga de containers.

Grandes partidas de café, que seriam embarcadas no navio Rubens, de bandeira belga, atracado no cais do Armazém 37; no argentino Deseado, mais adiante; ou no Itatinga, do Lóide Brasileiro, permaneceram nos depósitos dos entrepostos ou em caminhões, sob encerados. Funcionários das exportadoras tornaram a reclamar contra a falta de um armazém interno, específico para o embarque do produto, esquecidos, talvez, que agora também os exportadores já contam com uma representação no Conselho de Administração da Codesp.

Outros navios prejudicados foram os que estavam descarregando produtos sólidos a granel: o Rio Verde, nacional, e o World Courage, liberiano, ambos no cais dos armazéns 13/14, com milho norte-americano; e, mais adiante, o L. Tsagliotis, embarcando açúcar; o Salland e o Crystal, carregando farelos peletizados.

No início do segundo período de trabalho, o porto começou a operar mais celeremente, mas o mau tempo - inimigo número um do porto, que tem prejudicado gravemente as operações dos últimos três meses - voltou a interromper as operações, ora no Valongo, ora no Macuco, ora na Ponta da Praia. Mas não há perigo de congestionamento.

Naquela época, era intenso em Santos o debate sobre o direito de o município tributar atividades portuárias, mesmo sendo elas executadas em área de marinha - terrenos à margem de rios, lagoas e mares, controlados diretamente pelo Patrimônio da União. O tema dominou a cerimônia de transferência do controle do porto para a Codesp, refletindo-se na forma como o jornal santista A Tribuna noticiou no dia seguinte esse fato, na edição de sábado, 8 de novembro de 1980:

Markus admite reajuste para o porto

As tarifas portuárias de Santos poderão ser majoradas ainda no corrente ano, em conseqüência da tributação dos serviços reconhecida pelo Ministério dos Transportes à Prefeitura Municipal. Essa possibilidade foi admitida ontem por Arno Oscar Markus, presidente da Portobrás, durante a transferência da concessão e dos bens da Cia. Docas de Santos à Codesp. A tributação da Codesp, pela mesma razão, deverá ser praticada efetivamente em janeiro de 1981, já coberta pelas novas tarifas. Assim, os tributos serão repassados aos usuários do porto, e destes aos consumidores em geral.


Sérgio Matte, presidente da Codesp, e Arno Markus, da Portobrás,
assinam termo de transferência da concessão dos bens da Docas
Foto publicada com a matéria

Em estudo o reajuste nas tarifas portuárias

O Governo Federal estudará, ainda neste ano, a aplicação de novas tarifas portuárias em Santos, para cobrir a tributação da Codesp, já homologada pelo Ministério dos Transportes, que atendeu solicitação do prefeito Paulo Gomes Barbosa. Assim, o repasse dos custos suplementares, como o ISS (N.E.: Imposto Sobre Serviços) sobre o Porto de Santos, será feito, por intermédio das novas tarifas, aos usuários dos serviços.

Ontem à noite, durante a cerimônia de transferência da Cia. Docas de Santos à Codesp, com todos os seus imóveis e aparelhamentos, o presidente da Portobrás, Arno Oscar Markus, disse: "Nos próximos dois meses contaremos com a boa vontade da Prefeitura Municipal, para que a tributação não se processe de forma imediata, pois temos que considerar a incidência do imposto no cálculo das tarifas portuárias de Santos".

Ainda segundo Arno Oscar Markus, o Ministério dos Transportes já encaminhou essa questão ao Ministério do Planejamento e em breve o problema tarifário de Santos estará sendo examinado pelo Conselho Interministerial de Preços - CIP - e pela Secretaria Especial de Abastecimento e Preços - Seab. O presidente da Portobrás não mencionou uma possível data de vigência para o reajuste das tarifas do Porto de Santos, embora admitindo, em princípio, que isso possa acontecer até o final de dezembro. Em conseqüência, já em janeiro a expectativa seria de tarifas portuárias majoradas e o efetivo pagamento do ISS e outros tributos à Prefeitura de Santos.

Transferência - Pontual e rápida, a cerimônia de transferência da concessão e dos bens patrimoniais da CDS à Codesp ocorreu ontem à noite, com a presença de representantes das duas empresas. Os termos de entrega dos bens foram assinados por Cândido Guinle de Paula Machado, presidente da CDS; José de Menezes Berenguer, diretor e inspetor da ex-concessionária; Arno Oscar Markus, presidente da Portobrás; Sérgio da Costa Matte, presidente da Codesp; e por Antônio Siqueira de Souza, inspetor fiscal do Ministério dos Transportes junto aos portos de Santos e de São Sebastião.

Acometido por um mal-estar, em Brasília, o ex-prefeito Antônio Manoel de Carvalho, diretor-financeiro da Codesp, ficou impedido de comparecer à solenidade.

No discurso de despedidas, Cândido Guinle expressou a sua certeza de que a CDS explorou a concessão do Porto de Santos caracterizada pela sua "brasilidade", já que o capital era totalmente nacional. Arno Oscar Markus destacou "a confiança no desenvolvimento brasileiro e o valor dos fundadores e responsáveis primeiros pelo empreendimento portuário, o qual, com o decorrer do tempo, se transformou no que hoje se constitui no Porto de Santos".

Sem convites - O prefeito Paulo Gomes Barbosa e os vereadores não foram convidados oficialmente para a transferência da concessão. Assim, não houve entre os assistentes representantes dos poderes Executivo e Legislativo de Santos. Barbosa, assim como o presidente da Câmara, Washington di Giovanni, foram convidados para o coquetel, que se daria mais tarde, mas ambos resolveram também não comparecer à recepção, delegando a tarefa a representantes. Da mesma forma, os vereadores - dentre os quais Fernando Oliva, Nélson Mattos e Eli Carvalho, do PDS; José Gonçalves e Oswaldo Carvalho de Rosis, do PTB; Luiz Norton, Eduardo Castilho Salvador e Kosei Iha, do PMDB - foram unânimes em declarar não terem sido convidados, nem para o ato de transferência da concessão (às 19 horas, na Inspetoria Geral da CDS), nem para o coquetel de despedidas da concessionária (às 20,30 horas, na Associação dos Engenheiros e Arquitetos).

Após 90 anos de concessão e isenções portuárias, ocorreu portanto a oficialização de uma mudança significativa, em que as representações políticas da Cidade ficaram marginalizadas.


Cândido Guinle de Paula Machado e Sérgio Matte: duas fases na vida do porto
Foto publicada com a matéria

Aspectos da tributação

O parecer do consultor jurídico do Ministério dos Transportes, Raimundo Mesquita, sobre a tributação de serviços portuários, está sendo analisado pelos secretários municipais, Luís Antonio de Oliveira, de Assuntos Jurídicos e Administrativos, e Adilson Bulo, de Finanças.

Na tarde de ontem, o prefeito Paulo Gomes Barbosa distribuiu à imprensa uma nota oficial para antecipar alguns detalhes desse documento: "O parecer, eminentemente técnico, conclui pela tributação da Codesp, admitindo a incidência do ISS sobre a mão-de-obra no porto, serviço esse normalmente chamado de capatazia, abrangendo toda a prestação de mão-de-obra, desde quando prevista na listagem deste tributo municipal.

"Conclui ainda pela incidência dos impostos Territorial e Predial sobre terrenos e prédios da administradora do porto, ainda pela sua sujeição à taxa de remoção do lixo".

Segundo o projeto, esses itens são incontroversos, e possibilitam a tributação imediata. Entretanto, com relação a outros fatores geradores do ISS, não reconhecidos pelo consultor, como transporte interno, armazenagem e outros, Barbosa assegurou que a Prefeitura diligenciará a cobrança, "uma vez que já foi removida a pesada barreira impeditiva da tributação".

Benedito Calixto - Com a finalidade de solicitar a tutela da obra do artista plástico Benedito Calixto, pintor nascido na região, e autor de inúmeros trabalhos que retratam paisagens locais, do tempo da primeira República, o chefe do Executivo enviou ofício ao presidente da Companhia Docas do Rio de Janeiro (empresa que até ontem era responsável pela concessionária do Porto de Santos), Cândido Guinle de Paula Machado.

Barbosa justificou seu pedido afirmando que já se caracteriza como realidade a Sala Benedito Calixto, que funcionará no prédio do Centro de Cultura de Santos, que já possui significativa quantidade de telas daquele pintor acadêmico.

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