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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - AUTONOMIA
Uma década depois...

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Historicamente uma cidade guerreira, que sempre lutou por seus direitos, ao ponto de ser marcada com epítetos como Moscou Brasileira e Cidade Vermelha, Santos foi duramente castigada pela Ditadura Militar, com a perda de sua autonomia política e administrativa, em função de seu enquadramento como Área de Segurança Nacional.

Dez anos depois, Santos iniciou um processo constante de cobrança da devolução de sua autonomia política. Esse momento ficou registrado nesta matéria publicada no jornal santista A Tribuna, em 28 de outubro de 1980:


Tanto na política como na economia, além da área social, Santos foi a cidade mais atingida, 
em todo o País, pelas modificações trazidas pela Revolução
Foto publicada com a matéria

Santos pede volta da autonomia

Texto de Lane Valiengo e José Carlos Silvares

Foram necessários dez anos de castigo e de paciência para que Santos finalmente despertasse de um sono imposto e gritasse alto pela liberdade. Uma liberdade tirada do povo junto com a cassação da autonomia da Cidade. Agora, dez anos depois, Santos aguarda a anistia por um crime que não conhece, mas que se apóia na hipótese de ter sido causado pelo próprio povo, que em 1968, nas últimas eleições para a Prefeitura Municipal, optou pela Oposição, num regime marcado pela força e pelos instrumentos de exceção.

Hoje, como nunca nestes dez últimos anos, Santos acredita na volta da autonomia. Afinal, o Conselho de Segurança Nacional analisa um precioso documento e o ministro da Justiça, depois de receber um abaixo-assinado com 10 mil assinaturas, já diz que a autonomia está em fase adiantada de estudos, e que é intenção do Governo Federal liberar várias cidades da condição de área de segurança nacional, entre as quais se inclui Santos.

É voz corrente, nos corredores de Brasília, que a volta da autonomia está por um fio. Há quem diga, inclusive, que a maioria dos municípios cassados (são 106, fora as capitais dos estados) terá de volta a autonomia tão logo saia a reforma partidária, como uma espécie de aliviador de tensões. Mas há também informações de prorrogações de mandatos até 1982, com o uso de mandatos-tampões.

Santos e mais 105 cidades em todo o País compõem um eleitorado de 1.737.249 pessoas que não votam para a chefia de seus executivos, total que sobe para 14.737.249 se forem computados 13 milhões de eleitores que não votam para prefeitos das capitais dos estados. Ao todo, e de acordo com estatísticas do ano passado, 31,79 por cento do eleitorado do País não pode escolher seu prefeito. Em São Paulo, 292.169 pessoas vivem da mesma forma, das quais 232 mil são de Santos e o restante de quatro outras cidades, sem incluir a Capital.

É dentro desse panorama que vivemos há dez anos, com o título de área de segurança nacional. Um título que não trouxe nenhum benefício à comunidade, nem estratégico, nem econômico, nem político, nem social e nem cultural, conforme atestam os representantes da Cidade na Câmara dos Deputados e na Assembléia Legislativa.


A atividade portuária não é tributada
Foto publicada com a matéria

Governo quer liberar as cidades cassadas

A autonomia de Santos está em fase adiantada de estudos. O Governo Federal está realmente interessado em liberar várias cidades que se encontram enquadradas como áreas de segurança nacional, entre as quais se inclui Santos. As informações foram prestadas em Brasília pelo ministro da Justiça, Petrônio Portela, que, no entanto, não quis precisar prazos ou outros detalhes mais exatos.

"Nessa conjuntura de franca abertura, que não pode ser tão rápida como preconizam os apressados, mas sque não pode ser tão lenta como gostariam que fosse aqueles mais dados ao imobilismo, estou certo de que examinaremos o assunto, sem perder de vista a importância de Santos no contexto de São Paulo e do País". Portela adiantou que o processo para a autonomia de Santos já foi enviado ao Conselho de Segurança Nacional.

A luta mais recente para a devolução da autonomia de Santos começou no início do ano, quando o vereador Eduardo Castilho Salvador, do MDB, presidindo uma Comissão Especial de Vereadores pró Autonomia, esteve em Brasília, levando um pacote com um abaixo-assinado contendo 10 mil assinaturas, inclusive de alguns vereadores da Arena.

Em maio, uma comissão liderada por Castilho esteve no gabinete de Portela e o vereador apelou ao ministro: "Olhe para a nossa terra, pois não é uma luta partidária e sim de todo o povo santista, que precisa eleger o seu prefeito". Ao agradecer a visita, Portela disse que a encarava como uma prova de maturidade política: "Uma prova que nós, da classe política, precisamos demonstrar como prática habitual, através de uma luta concreta, sem nos perdermos no emocionalismo".

Em setembro, durante o Governo Itinerante que fez a Santos, o governador Paulo Maluf recebeu do prefeito Carlos Caldeira Filho a minuta de um decreto que devolve a autonomia à Cidade. O pedido foi encaminhado ao presidente Figueiredo pelo próprio Maluf, segundo testemunharam alguns políticos, entre eles o deputado Athié Jorge Coury, do MDB.

Inquietações de dez anos de algemas e sombras

Sonhar com a autonomia é um exercício tão saudável como pensar o que esses anos todos de marasmo econômico e social poderiam ter representado para Santos, se as trevas não tivessem envolvido essa cidade a ponto de deslocá-la do tempo. Além da perda de seu prefeito eleito, de suas lideranças políticas e de centenas e centenas de trabalhadores, Santos viu todas suas perspectivas de desenvolvimento serem varridas pelo insistente vento gelado que começou a soprar a partir de 1969, vindo diretamente do planalto central do País.

Se não tivesse sido transformada em área de interesse da segurança nacional, Santos poderia, antes de mais nada, encontrar seu próprio caminho, determinar seu próprio destino. Em segundo lugar, não teria uma comunidade enfraquecida por causa dos constantes golpes contra muitos de seus habitantes, principalmente os anônimos trabalhadores e suas famílias que, cassados e perseguidos pela revolução, ainda hoje, mais de dez anos depois, lutam para sobreviver de maneira digna. Em seguida, a Cidade poderia ainda encontrar opções para sua combalida economia, procurando recursos que pudessem ao menos atender suas necessidades básicas.

Desde 1964, as restrições impostas às duas principais áreas de atividades, o porto e o café, forçaram a Cidade a tentar no turismo a sua salvação. Mas, com a inexistência de uma infra-estrutura básica para atender às levas de turistas paulistanos que invadiam a região todos os fins de semana, Santos acabou transformando-se em um mero corredor turístico, uma passagem para as multidões que procuravam Praia Grande ou Guarujá. Além disso, há o espectro da poluição a rondar pelas praias, afastando os temerosos visitantes, e um certo elitismo que pretendeu, em um passado bem recente, afastar da Cidade os turistas de baixa renda, os farofeiros.

Sem indústrias, sem turismo e sem outras opções econômicas - o movimento do porto sofreu violentas reduções nos últimos anos, contribuindo para isso as restrições à importação, enquanto o café deixou de ser o símbolo da aristocracia para ser apenas uma esperança que nunca se concretiza - resta ao santista sonhar com as promessas utópicas de que a poluição vai acabar e a reabertura do jogo.

Em termos de poluição, convém lembrar que o desastre ecológico de Minamata, no Japão, quando milhares morreram por causa do excesso de mercúrio na água, foi motivado por uma concentração de 18 partes por milhão daquele elemento químico. Para ter-se uma idéia das condições do mar em Santos, basta dizer que há dois anos constatou-se, através de um relatório devidamente engavetado, que os níveis de mercúrio atingiam mais de 20 partes por milhão.

A reabertura do jogo vem sendo apontada como a única forma de atrair os turistas e trazê-los de volta para uma terra que já foi considerada o principal pólo turístico do Estado e um dos maiores do País. Além disso, argumentam que com o jogo tinham hotéis de categoria, restaurantes e outros benefícios. Mas, apesar de sua importância turística, a Cidade nunca recebeu uma mísera ajuda da Embratur, e somente agora, com a transformação em estância balneária, receberá verbas do Governo do Estado, através do Fomento de Urbanização e Melhoria das Estâncias.

Com a falta de emprego no porto e sem outras opções, a população jovem de Santos voltou-se para outros centros, procurando no parque industrial de Cubatão e em São Paulo (incluindo as fábricas de veículos do Grande ABC) para atingir um nível razoável de vida. E começou a migração para o Planalto, com a Cidade perdendo seus principais valores e suas gerações mais jovens.

Apesar de sua importante posição estratégica e suas potencialidades econômicas, Santos recebeu, a partir de 1964, um tratamento por parte do Governo Federal que só pode ser definido como preconceituoso. Isso porque aqui a Oposição costuma receber toneladas de votos nas eleições, e ainda porque, tradicionalmente, a terra de Braz Cubas e dos irmãos Andradas caracteriza-se por um sentido de liberdade, de reivindicação e de oposição. E tudo isso, nesses últimos 15 anos, foi considerado um grave pecado, punido com o desprezo.

Hoje, a necessidade de recuperar a autonomia vem sendo sentida em todos os níveis e em todas as áreas, compreendendo-se que somente tendo de volta o direito de escolher seus dirigentes e seus caminhos esta cidade poderá recuperar o tempo perdido.

Um período de muita repressão e silêncio

A tática de intimidação acabou dando certo: bastaram alguns golpes periódicos e potentes, para fazer com que o medo se instalasse entre a população de Santos, impedindo qualquer reação. E os ataques foram impiedosos: primeiro, o Ato Institucional 5, seguido do fechamento do Congresso. Logo depois, é cassado o deputado federal Mário Covas, principal representante de Santos na política nacional. Isso tudo ocorreu em dezembro de 1968, um mês de muitas e pesadas tempestades.

O dilúvio completo veio um pouco mais tarde, em abril de 1969, quando foi decretada a intervenção federal em Santos. O prefeito eleito, Esmeraldo Tarquínio, foi cassado e teve os direitos políticos suspensos por dez anos. Tarquínio, inclusive, já havia sido diplomado como prefeito, mas nem chegou a tomar posse. E os milhares de votos que recebeu foram totalmente ignorados pelo Governo Federal.

Mesmo perdendo o prefeito, o MDB manteve a maioria na Câmara, pois conseguiu eleger 10 dos 19 vereadores. Mas a guerrilha oficializada continuou, dessa vez partindo de baixo para cima, e o vereador Joaquim Coutinho Marques, eleito para o MDB, resolve mudar-se para a Arena, que passa a ser maioria. Logo depois, Coutinho Marques é eleito presidente da Câmara. E a oposição sente o golpe: perdeu seu maior líder nacional, o prefeito eleito e ainda a maioria na Câmara.

Quando o sol surgiu timidamente naquela manhã de 12 de setembro de 1969, ninguém, nesta cidade de Braz Cubas e dos irmãos Andradas, poderia imaginar que estávamos caminhando para o cadafalso. Pois foi nesse dia que, através do decreto-lei 865, Santos foi transformada em área de interesse da segurança nacional, perdendo a liberdade de decidir o seu futuro e também a sua tranqüilidade.

O interventor federal, empossado em abril de 1969, já se encarregava de contribuir decisivamente para tornar o clima ainda mais pesado, instaurando oficialmente a desorganização administrativa, engavetando projetos e paralisando obras em andamento, além de apresentar planos utópicos e mirabolantes demais para uma cidade litorânea que tem a fama de permanecer provinciana até hoje.

Para secretário de Turismo, o general Clóvis Bandeira Brasil nomeou seu filho, Alcides França Brasil, que pretendia cobrir as ruas da cidade de asfalto verde e criar um parque, na Ponta da Praia, com brinquedos sofisticados e importados. Como se vê, a Revolução não conseguiu afastar da política certos hábitos dos administradores brasileiros.

Baleias e votos - Um diálogo entre o secretário de Turismo e um assessor, na época, ficou famoso, exemplo digno do folclore político santista:

Secretário: "Vamos trazer uma baleia como atração para o Aquário Municipal e atrair muitos turistas..."

Assessor: "Mas, secretário, uma baleia é muito grande..."

Secretário: "Então, vamos trazer um filhote de baleia."

Assessor: "Mas, secretário, o que faremos quando o filhote crescer?"

Secretário: "É mesmo..."

Esses nebulosos tempos foram marcados por denúncias de toda parte. Bastava estar vivo para ser acusado de comunista, socialista e outros rótulos semelhantes. O deputado federal Athié Jorge Coury relembra que, em 1969, o projeto de transformação de Santos em área de interesse da segurança nacional andou circulando pelo Congresso. Além de Athié, a Cidade estava representada em Brasília por Antônio Feliciano, deputado federal pela Arena, que mesmo sendo filho de Santos e eleito pelo seu povo, votou a favor do projeto. Athié votou contra. Antônio Feliciano havia sido prefeito eleito de Santos, e também autor do projeto que devolveu a autonomia a Santos em 1953. Como se pode perceber, a história sempre anda em círculos.

A vontade popular, expressa nas urnas em 1968, continuou sendo desrespeitada no governo Médici, que representou o auge da repressão e do arbítrio, provocando fendas profundas que ainda levarão muitos anos para cicatrizar. E os vereadores que faziam oposição ao interventor Clóvis Bandeira Brasil, pedindo seu afastamento e o restabelecimento da autonomia, foram presos na noite de 31 de outubro de 1970. Rubens de Lara, Gastone Righi e também Esmeraldo Tarquínio passaram uma atormentada noite nas celas da Fortaleza de Itaipu, enquanto Del Bosco do Amaral ficou no quartel do 2º BC, em São Vicente.

Del Bosco voltava, naquela nebulosa noite, de Cubatão, onde fez violento discurso a favor da autonomia daquele município, exatamente no dia do aniversário da morte do líder guerrilheiro Carlos Marighela. E foi preso no meio do comício, pelo coronel Erasmo Dias, que hoje é, curiosamente, companheiro de Del Bosco na Câmara dos Deputados.

A Câmara Municipal, para completar o desolado quadro, ficou durante 14 meses em recesso. Depois disso, alguns vereadores da Arena, como Álvaro Fontes e Gildo Gióia, foram cassados.

Depois da cassação do prefeito escolhido pelo voto da população e do pedido de renúncia daquele que seria o vice-prefeito, Oswaldo Justo, comentavam-se na Cidade os nomes prováveis do novo prefeito, que seria nomeado pelo Governo Federal, e o mais cotado era Carlos da Rocha Siqueira, então diretor do Fórum, que teria sido inclusive aprovado pelo ministro da Justiça, Gama e Silva. Mas, estranhamente, acabou sendo nomeado o general aposentado Clóvis Bandeira Brasil, sem nenhuma experiência em administração municipal, mas que contava, a seu favor, com um fator essencial: era amigo do general Arthur da Costa e Silva, por coincidência presidente do País e responsável pela implantação do mais cruel instrumento de tortura já utilizado no Brasil: o AI-5.

Sem dúvida, mais um equívoco nesta terra de equívocos, e que produziu conseqüências desastrosas para Santos e seus filhos. Depois vieram os prefeitos nomeados Antônio Manoel de Carvalho, que tomou posse no dia 1º de abril de 1974, indicado pelo governador do Estado, Laudo Natel, a quem sempre esteve ligado: e, finalmente, Carlos Caldeira Filho, empresário indicado por Paulo Salim Maluf, que ocupa hoje a Prefeitura. Espera-se, pelo bem da Cidade, que Caldeira permaneça por pouco tempo na Prefeitura, como ele mesmo vem garantindo desde que assumiu o cargo, em maio deste ano. Pois há milhares de eleitores que nunca puderam escolher o seu prefeito através do voto.

Políticos acham mesmo que liberação vem logo

"Com a chegada da autonomia, não estaremos recebendo nenhuma dádiva: será fruto de uma conquista popular". (deputado estadual Antônio Rubens de Lara).

"A volta da autonomia é irreversível. Mas acho que as forças vivas de Santos, que um dia saíram às ruas marchando e manifestando-se contra a ditadura de esquerda deveriam sair novamente, pedindo o restabelecimento da autonomia. Elas têm obrigação disso". (deputado federal Joaquim Del Bosco Amaral).

"A autonomia chegará antes do fim do ano. Meu candidato a prefeito chama-se Esmeraldo Tarquínio" (deputado federal Athié Jorge Coury).

"O povo de Santos precisa reconquistar a liberdade, que perdeu com a cassação da autonomia da Cidade". (deputado estadual Emílio Justo).

Pelo que se infere dos pronunciamentos dos representantes políticos de Santos, a autonomia está mesmo muito próxima. Em nenhuma época, desde setembro de 1969, o assunto esteve tão em pauta como agora. Mas são os pronunciamentos dos deputados federais pela Baixada - Del Bosco e Athié - os que mais se aproximam de uma data para o restabelecimento da autonomia em Santos: o fim de ano. E por estarem nos corredores de Brasília, ouvindo o que se comenta nos grupos palacianos, tanto da Situação como da Oposição, é que se pode sentir, pelos depoimentos prestados, que há mesmo uma luz no fim do túnel. Mesmo que seja um vagalume perdido.

Del Bosco, de sua parte, acha que o Governo oferecerá a autonomia como uma espécie de couvert, para enganar a fome dos eleitores, abrindo assim uma válvula de escape e contornando o desespero de Brasília com a inflação chegando aos 70 por cento. E essa visão de Del Bosco não diferencia muito do que ele ouve nos escalões palacianos: é voz corrente de que a autonomia está por um fio e que o restabelecimento é fato praticamente consumado. "A volta da autonomia é irreversível. Ela virá, mas não consegui ainda localizar se virá com o anúncio das eleições para 1980 ou se fará de uma forma arbitrária, com a prorrogação dos mandatos até 1982".

O deputado acha que com a volta da autonomia, Santos ressuscitará: "Teremos homens que vão assumir compromissos com o povo e terão que cumpri-los. Santos está neste desastre total justamente porque os prefeitos nomeados pioraram a situação, porque devem simplesmente satisfação ao Poder Central e não ao povo. Mas acho que o restabelecimento será uma conquista de todos os que lutaram contra a ditadura, com mandato político ou sem ele, e também dos que aderiram posteriormente ao movimento e aos que estão aderindo só agora. É o caso do almirante Júlio de Sá Bierrenbach, que se integrou ao movimento pela autonomia, reparando o mal que ajudou a causar, já que na época da cassação da autonomia, o almirante fazia parte do Sistema. É o caso do atual prefeito, que também se integrou ao movimento agora. E isto mostra uma grande contradição, um fato inusitado: um homem nomeado prefeito pelo Sistema, num governo de exceção, pedindo a devolução da autonomia..."

Athié: "Amo Santos" - Como Del Bosco, Athié Jorge Coury também diz que já ouviu várias vezes, nos corredores do Planalto, informações a respeito do restabelecimento da autonomia de Santos e de outras cidades. E Athié afirma que antes do final do ano o presidente Figueiredo enviará mensagem ao Congresso devolvendo a autonomia às cidades cassadas.

"Amo Santos e quero amá-la completa, de acordo com as leis de Deus, com eleição para prefeito, como deseja o povo. Sem desmerecer o atual prefeito, Santos ficará sendo uma cidade com a responsabilidade do povo, a quem tributo a conquista pela volta da autonomia".

Lara: uma conquista - O deputado estadual Rubens de Lara usa um silogismo para mostrar a situação de Santos e das cidades cassadas: "Num país democrático, como pretende o presidente Figueiredo, entendo que a vontade do povo seja expressa em eleição. Como não temos eleições nas capitais e em 106 cidades, não vivemos num regime democrático". Lara acha que com a volta da autonomia, Santos poderá recuperar as forças que perdeu e sair da estagnação, com a eleição de prefeitos que representem a vontade do povo. "O que os prefeitos nomeados fizeram para a Cidade: Estamos com deficiências nos campos do transporte coletivo, da saúde, da educação, há muitos problemas sociais, favelas, a Docas não é tributada e há dívidas ainda com o Centro de Cultura. A Zona Noroeste cresceu, mas endividou consideravelmente o Município. E nada, exatamente nada, aconteceu de benefício em Santos com a transformação em área de segurança nacional. Só nos trouxe prejuízos e má fama". Para Lara, a volta da autonomia é uma conquista popular.

Desde o dia seguinte ao da decretação da cassação de Santos, Lara como vereador tem se pronunciado contra o ato, o que lhe custou, com mais quatro políticos, a prisão em 1970. Este ano, em abril, quando assumiu uma cadeira na Assembléia, Lara usou seu primeiro pronunciamento para falar sobre a autonomia e, em agosto, conseguiu a aprovação da moção 200, em que a Assembléia apela ao presidente João Figueiredo no sentido de que proporcione a revogação dos atos de cassação dos municípios paulistas de Santos, Cubatão, Paulínia, Castilho e São Sebastião.

Justo: volta é tudo - Emílio Justo, deputado estadual, foi diretamente atingido com a cassação da autonomia de Santos: ele é irmão de Osvaldo Justo, que era o vice-prefeito de Esmeraldo Tarquínio à época de cassação. Osvaldo deveria assumir, mas em solidariedade a Esmeraldo, preferiu renunciar ao cargo. E Emílio acha que a partir da hora em que Santos perdeu a autonomia, seu povo perdeu a liberdade.

O deputado diz que o retorno da autonomia para Santos representa tudo e que se isto acontecer a conquista deve ser tributada à coletividade. "A classe política iniciou o processo. A partir daí, essa bandeira ganhou as entidades sindicais, estudantis, de bairros e o povo em geral. Hoje é uma luta coletiva, na qual o MDB tem uma parcela enorme na mobilização para o retorno de nossa liberdade de eleger o prefeito municipal". Justo elogia também a atitude do atual prefeito, "que se juntou às forças que lutam por essa concretização". Justo tem vários trabalhos na Câmara Municipal de Santos e na Assembléia, sobre a volta da autonomia, e é autor do projeto que culminou com a decretação de Santos como estância balneária, neste mês.

Eleger seu prefeito, a esperança da população

De um lado, uma lenda viva que retorna do passado para ocupar o lugar que lhe tomaram, com a cassação. Do outro, um ex-prefeito nomeado, que confia nas suas habilidades de administrador. Eles são, hoje, os dois únicos nomes capazes de sensibilizar a opinião pública santista numa eleição direta para prefeito. Se um é considerado moralmente, pelo menos, o próximo prefeito de Santos, o outro é tido como o único que poderia enfrentar, numa eleição, a oposição. São eles Esmeraldo Tarquínio e Antônio Manoel de Carvalho, o passado distante e o passado recente lutando pelo futuro de Santos.

Ambos defendem a autonomia irrestrita, embora apenas Carvalho tenha necessidade de justificações a esse respeito: "o ato de ter sido um prefeito nomeado não impede que eu seja a favor da autonomia. Afinal, alguém tinha que ser o prefeito, e eu me orgulho de ter servido a minha terra", diz ele, explicando que foi nomeado por causa das regras que dominavam o jogo.

Carvalho considera que, hoje, apenas quatro nomes disputariam uma eleição: ele, Esmeraldo Tarquínio, o deputado Antônio Rubens de Lara (que negou, decisivamente, a intenção de candidatar-se a prefeito de Santos), e um candidato que seria indicado pelo partido do governador Maluf. Esse nome que representaria o "Arezona", como Carvalho denomina o partido que deverá apoiar o Governo, após a efetivação da reforma partidária, poderia ser o secretário de Obras e Meio-Ambiente, Sìlvio Fernandes Lopes, ou então o superintendente regional da Sabesp e ex-secretário das Finanças, José Lopes. Entretanto, Carvalho adverte que um nome escolhido pelo Partido dos Trabalhadores poderia surpreender muita gente.

Carvalho não pretende, de forma alguma, participar do partido coordenado por Maluf, por causa das divergências pessoais (Carvalho votou em Laudo Natel, e por isso foi demitido por Maluf do cargo de prefeito de Santos). Mas ainda não se definiu a respeito do partido em que pretende ingressar.

O ex-cassado Esmeraldo Tarquínio não tem esse tipo de problema, pelo menos por enquanto: ele vai continuar lutando contra a extinção do MDB, principalmente por sua condição de presidente do diretório municipal do partido.

Se Carvalho é realista e afirma que, se ficar no partido do Governo, não ganha eleição nenhuma, Esmeraldo tem o apoio dos deputados Athié Jorge Coury, Emílio Justo e Del Bosco Amaral, além do seu passado. Eleito em 1968 para a Prefeitura de Santos, Tarquínio chegou a ser diplomado, mas nem chegou a tomar posse.

Autonomia - Enquanto Carvalho considera que a recuperação da autonomia é um fato com implicações meramente políticas, Esmeraldo vê a coisa um pouco diferente: para ele, a autonomia significa "a reposição da vontade popular, a possibilidade do povo voltar a tomar conta dos seus problemas, que se acumularam e se agravaram nesses dez anos. Ao invés de serem resolvidos ou pelo menos estagnados, aumentaram, incluindo as áreas social, econômica e política".

Esmeraldo diz que tem vontade e disposição, mas que, por enquanto, não passa de uma pretensão a sua candidatura, já que isso dependeria de uma indicação por parte do seu partido e também das condições políticas, pois ainda não está definido se as eleições serão adiadas para 1982.

Carvalho considera Esmeraldo como seu principal adversário, e acredita mesmo que, hoje, o presidente do diretório municipal do MDB teria 60 por cento dos votos, ficando ele, Carvalho, com 40 por cento. Mas observa que não disputa uma eleição como candidato do partido do Governo, pois "estaria perdido". Tarquínio diz que não examinou essa possibilidade ainda, pois necessita de uma série de dados, incluindo a tendência da opinião pública.

Carvalho baseia sua candidatura principalmente no apoio dos eleitores da Zona Noroeste, região que recebeu muitas obras essenciais durante sua administração, enquanto Esmeraldo prefere dizer que não sabe definir se o fato de ter sido eleito e cassado poderá influir positiva ou negativamente em uma eleição. "Considero esses dez anos apenas como um hiato. Agora, acabou esse hiato e eu voltei a ser apenas um cidadão comum".

Prioridades - Atravessar o oceano e ocupar o continente. Essa é a sugestão de Esmeraldo e Carvalho para assegurar o futuro de Santos. Em sua administração, Carvalho criou um projeto para preservar o meio-ambiente do Distrito de Bertioga, limitando as construções. E Tarquínio, desde seus tempos de deputado, defende a tese de que Bertioga é a solução para o desenvolvimento de Santos.

Para ele, uma ponte ligando a ilha ao continente é imperiosa, muito mais necessária do que a ligação entre Santos e Guarujá, havendo possibilidade de resolver, inclusive, o problema habitacional. Além disso, ele ressalta o potencial turístico do Distrito, que poderia atrair visitantes de vários pontos do Estado.

Se for eleito prefeito, Carvalho continuará desenvolvendo seu programa de obras, retomando os projetos da sua administração. Além disso, ele destaca como prioridades os mrros da Cidade e a necessidade de recursos para o turismo.

Esmeraldo diz que existem vários fatores novos a serem analisados e muitos planos a serem revistos, pois os tempos são outros. Além de Bertioga, ele cita a preocupação com o mercado de trabalho, pois Santos não tem meios de promover a fixação de seus jovens, que acabam procurando novos horizontes serra acima. E relembra que a sistemática de arrecadação de tributos poderá modificar-se substancialmente a partir do ano que vem, quando o porto passará a ser administrado pela Portobrás. A Companhia Docas, apesar de todas as tentativas, nunca chegou a pagar impostos ao município.

São estes os dois nomes que, hoje, sensibilizam a opinião pública em termos do futuro administrador da Cidade. Um ex-prefeito nomeado, considera-se um político de centro e um hábil administrador. O outro, prefeito cassado, luta pela manutenção do MDB e considera se alguém que voltou a ser um cidadão comum. Agora, resta esperar que essa cidade - a mais atingida nesse país pela Revolução -, possa voltar a decidir o seu destino.


As cenas da diplomação...
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...de Esmeraldo Tarquínio, ...
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...o último prefeito eleito, ...
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...representam os tempos em que...
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...a Cidade podia escolher livremente...
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...o seu próprio destino
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Economia estagnada

José Rodrigues

Autonomia quer dizer liberdade de criar, reivindicar, propor, perseguir objetivos. Santos, dirigida, comandada, tem tido nos últimos 10 anos teto baixo. Sem lideranças, sem contas a prestar à população, as administrações têm apenas cumprido papéis. Pois nesse longo período nenhuma delas conseguiu alterar um mínimo que fosse a estrutura tributária do município, calcando-a, cada vez mais, sobre a própria população. Certo que tentativas houve, principalmente na área do porto, sem que obtivessem qualquer resultado. Ah, sim! O de constatar-se que a expressão segurança nacional de nada valia para melhorar a arrecadação da cidade e de órgãos ligados ao Governo Federal.

O orçamento de Santos para 1980, por exemplo, do ponto de vista global, é recessivo. Crescerá apenas 21,1% sobre o atual. Mas ainda que se faça sua decomposição, retirando-lhe o item dos empréstimos, resulta um crescimento real de 52%. Se se considerar que a inflação deste ano superará os 60%, temos a evidência de valores reais inferiores ao aumento geral dos preços. Em empresas isso significa estagnação.

A falta de autonomia, recorde-se, coincide com um período de exceção política. E não obstante uma possibilidade ampla de legislar pelo Poder Central, nunca se conseguiu que as chamadas cidades-dormitório, em que Santos se inclui, obtivessem melhores resultados na repartição do bolo do ICM. Os fatores população e recursos próprios, com que Santos poderia melhorar sua posição, e com justiça, continuam fora do critério repartitivo, que premia as comunas produtoras, em detrimento das consumidoras. Para 1980, o ICM participará com 29,7% do Orçamento, sem a parcela dos empréstimos, e incluindo-se estes, com 24,7%.

Novas lideranças e autênticas, em clima autônomo, deverão possuir a força necessária para modificação dessas estruturas tributárias discriminatórias. O porto será entregue totalmente à Portobrás a partir de novembro de 1980, supondo-se mudanças no caminho da justiça tributária, elemento de boa coincidência com a autonomia.

Mas, acima disso, quem faz o seu destino pode se sentir feliz até na escassez.

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