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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SHEC
A Humanitária e suas histórias (10)

Quando o espírito humanitário apenas começava a surgir...
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Uma das principais bibliotecas santistas; salões onde ocorreram bailes famosos; campanhas assistenciais importantes; a presença de personagens ilustres da história santista e nacional: são alguns dos componentes da história da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio (SHEC), fundada em 1879.

Numa edição especial comemorativa do cinquentenário do jornal santista A Tribuna, esse jornal publicou, em 26 de março de 1944 (grafia atualizada nesta transcrição):


Diretores da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio em 1902
Foto publicada com a matéria

Algumas linhas sobre a Humanitária

Joaquim Botelho (*)

A Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos, instalada aos 12 de outubro de 1879, tornou-se instituição de utilidade pública no consenso da sociedade santista, embora essa utilidade não oficializada por leis e decretos do Estado.

Admitido está que a organização de institutos com as finalidades constantes dos Estatutos que regem a Humanitária é um dever que incumbe aos membros das classes que se associam.

Semelhante organização não visa "deslocar imprudentemente uma das soluções exigidas com a maior urgência pelo problema social moderno". Ao contrário, aplaina o terreno. O conceito é antigo. Data de 1902, portanto, emitido há 42 anos, quando excelente polianteia, muito bem trabalhada graficamente e colaborada com superior inteligência, se publicava em homenagem ao 23º aniversário desta benemérita associação.

A Humanitária, em que pese, persiste, persistirá para honra das suas promessas, das suas realizações, dos seus desvelos constantes na salvaguarda dos pendores altruísticos de Santos.

Cumprindo uma tarefa grandiosa, fá-lo evangelicamente, distribuindo pouco, embora, quando o seu anelo supremo seria o socorro em grande escala, em tão alevantada proporção que somente pudesse ser estancado quando, vitoriosamente, os institutos oficiais estivessem cumprindo a sua extraordinária missão de assistência social, a todos amparando sem delongas e formalidades. Nesse dia... ninguém se envergonhará de ser pobre ou inválido, doente, ignorante. Tais excrescências, tais mazelas não existirão. Já lhes deve ter chegado a carta de alforria.

Consideramos a Humanitária uma instituição vanguardeira, teimando na sobrevivência, à espera dos tempos que já não podemos considerar utópicos.

Bendita teimosia, que ela justifica apresentando números irretorquíveis. Desde que fundada até a apresentação, em assembleia geral, do último relatório da diretoria que terminou o seu mandato em 1943, eis como a utilíssima sociedade empregou grande parte dos seus minguados recursos:

Para tratamento em hospitais

Cr$

Até 1941
330.969.10
Em 1942
15.531,50
Em 1943
19.902.60
366.403,20
 
Pensões a sócios inválidos

Cr$

Até 1941
220.016,92
Em 1942
9.320,00
Em 1943
14.280,00
243.616,92
 
Pensões a viúvas, órfãos e luto

Cr$

Até 1941
276.295,00
Em 1942
2.450,00
Em 1943
8.420,00
287.165,00
 
Passagens e auxílio para tratamento fora de Santos

Cr$

Até 1941
60.825,07
Em 1942
1.600,00
Em 1943
2.000,00
64.425,07
 
Auxílios para operações

Cr$

Até 1941
12.180,00
Em 1942
900,00
Em 1943
1.200,00
14.280,00
 
Honorários médicos

Cr$

Até 1941
273.910,00
Em 1942
14.960,00
Em 1943
18.050,00
306.920,00
 
Medicamentos

Cr$

Até 1941
648.420,87
Em 1942
60.116,70
Em 1943
64.051,70
772.589,27
 
Carros para condução de doentes eventuais e análises

Cr$

Até 1941
5.731,50
Em 1942
70,00
Em 1943
50,00
5.851,50
 
Funerais

Cr$

Até 1941
39.742,78
Em 1942
900,00
Em 1943
600,00
41.242,78
 
Totais

Cr$

Até 1941
1.868.091,24
Em 1942
105.848,20
Em 1943
128.554,30
2.102.493,74

Vemos a Humanitária, no quadro, beneficiando de acordo com as estipulações das suas leis. Mas não demora tão somente nesse setor o seu altruísmo.

Onde quer que se faça necessária, precisa, urgente, a sua coadjuvação, ei-la pronta a prestar concurso até aos poderes públicos.

Quando, no período de 1892-1893, a epidemia da febre amarela lavrava com intensidade, ceifando centenas de vidas, e punha em grave risco muitas mais, sem distinção de sexos, condições e nacionalidade, a Humanitária não ficava atrás na prestação de socorros e as suas salas eram franqueadas para o tratamento dos enfermos.

Mais tarde, quando da gripe espanhola, em outubro de 1918, a sociedade multiplicava os seus esforços e, apesar de não possuir dinheiro para enfrentar situação tão altamente dispendiosa, mesmo assim, todos os seus recursos eram colocados para minorar sofrimentos. A sede não se fechava até 11 horas da noite, e aí sempre se encontrava alguém para prestar um serviço.

A comissão do comércio, no caso da febre amarela, fez um donativo à Humanitária de cinco mil cruzeiros. Em 1918, igual donativo recebia da Associação Comercial de Santos. O primeiro era totalmente aplicado na sua biblioteca, hoje, constituindo um verdadeiro patrimônio, honra desta cidade.


Vista parcial da magnífica biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio. Inúmeros livros raros e, por isso mesmo, de grande valor, fazem parte do patrimônio da Humanitária
Original de foto publicada com a matéria

A casa dos livros, na Humanitária, é um templo. Entra-se ali com respeito profundo àquele portentoso cabedal do conhecimento humano. Edições raras, valiosas, dignas de figurar em qualquer estante de grandes bibliotecas, ali se encontram, merecendo registro, entre muitas, a Enciclopédia Universal Ilustrada Espasa; a História do Brasil, de Robert Southey, esgotada; a tradução do poema épico Henriade, de Voltaire, manuscrito de 1787, os 68 volumes de Lamartine (Ouvres Complétes); a Nouvelle Geographic Illustrée, de Elisée Réclus, 19 volumes; em edição de 1691, Histoire d'Olivier Cromwell; Testament Politique du Cardinal de Richelieu, edição de 1688; Memoires de Messire Philipe de Comines, edição de 1723; e Grande Dicionário Português, do padre Domingos Vieira, cinco volumes; The Illustrated London News, coleção, com o 1º número, edição de 1842; L'Illustration, coleção com o 1º número, edição de 1843; edições monumentais do Gil Blas de Santillana, do Don Quixote de La Mancha e de O Inferno, com ilustrações de Gustavo Doré, verdadeiras joias bibliográficas.

Possui, também, a biblioteca da Humanitária o Álbum que os republicanos de Santos ofereceram "Ao Democrata Antônio da Silva Jardim", em cuja primeira página, em irrepreensível cursivo, é lido o seguinte:

"Cidadão,

O Partido Republicano de Santos cumpre um dever cívico, assinalando nestas páginas um testemunho do muito que vos deve a nossa causa comum.

Ele fala em nome da Pátria e em nome da Ideia Republicana.

Em constantes conferências e ultimamente em excursões de propaganda, abandonastes interesses, bem estar; arrostando perigo, desprezando preconceitos, tudo fizestes em benefício da Pátria, em benefício da Causa Republicana.

Coração patriota, tudo por ela esquecestes; espírito superior, fizestes vibrar na alma do povo o amor da Liberdade.

Os republicanos de Santos vos saúdam como Apóstolo da República. Eles julgam antecipar assim o juízo da História. A vossa palavra fecundará o solo da Pátria. E um dia, o Futuro bendirá o vosso nome, como nós vos aplaudimos hoje.

Santos, 15 de agosto de 1888 - Antônio de Lacerda Franco - H. Porchat - Martim Francisco Ribeiro de Andrada Sobrinho - Guilherme A. Santos - Leão Luiz Ribeiro" (As outras páginas contêm mais 148 assinaturas e conceitos os mais expressivos sobre a figura do inditoso patriota desaparecida na cratera do Vesúvio).

***

A ação da Humanitária é constante, e se desdobra à cata de feitos que a tornem cada vez mais admirada e bem querida.

As suas diretorias não se esquivam de modo algum a proclamar bem alto o seu interesse por tudo que, nesta terra, se relacione aos atos de filantropia e civismo.

Foi em 1889, por exemplo: a diretoria da Humanitária, pelo seu 1º secretário, era informada que estava na Alfândega, em abandono, um mausoléu do patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva, que seria posto em leilão, para pagamento de direitos fiscais. E os diretores resolviam tomar a si a arrematação, promovendo uma subscrição.

Tendo conhecimento, mais tarde, de que um grupo de comerciantes desta praça, todos associados da Humanitária, tomara a si a tarefa, a diretoria abandonava a ideia e via com prazer que esse grupo cumpria o seu intento, livrando do martelo do leiloeiro o objeto primoroso que hoje encerra os preciosos restos mortais de tão distinto brasileiro.

Era mais ou menos nestes termos que a diretoria relatava o triste, vergonhoso caso, dando uma lição de civismo e de decoro administrativo aos que, nas esferas do poder, felizes e indiferentes - no dizer apropriado de Alberto Veiga - "deixavam que a lama da desonra enodasse um túmulo que deveria ser sagrado para todas as gerações da nacionalidade brasileira".

***

Vicente de Carvalho, certa vez, dissera que o melhor elogio da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos era a sua história.

E sobravam razões ao poeta.

É, de fato, uma bela e dadivosa instituição a Humanitária. Não merece, apenas, entusiasmos; precisa de outros estímulos, pois que a sua grande missão não pode ainda ser encerrada.

Largos dias demorarão a esplêndida vitória da verdadeira República social. Mas, felizmente, no Brasil, o Estado Novo é vanguardeiro da cruzada magnífica. E a Humanitária é orgulhosa de arrastar a sua pedra para a ciclópica construção desde 12 de outubro de 1879.

(*) Especial para a edição comemorativa do cinquentenário de A Tribuna.


Publicação comemorativa do 23º aniversário da SHEC, em 1902
Imagem: site Memória Santista (acesso: 11/9/2016)

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