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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - MEDICINA - BIBLIOTECA NM
Santa Casa de Misericórdia (30-G)

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Em 1943, o mais antigo hospital e a primeira Irmandade da Misericórdia do Brasil completou 400 anos de atividade, sendo redigidas e compiladas por Álvaro Augusto Lopes estas Memórias dos Festejos Comemorativos do 4º Centenário da Fundação da Santa Casa de Misericórdia de Santos - Novembro de 1943. A obra de 235 páginas foi impressa na Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda., da capital paulista, em 1947.

Um exemplar foi preservado na Biblioteca Pública Alberto Sousa, que por sua vez o cedeu a Novo Milênio para digitalização, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010 (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 113 a 127):

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Santa Casa de Misericórdia de Santos

Memórias dos festejos comemorativos do 4º centenário da fundação do hospital - Novembro de 1943

Alvaro Augusto Lopes

Redação e compilação

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Dia 9 de novembro de 1943

Semana Médico-Social

Em prosseguimento da Semana Médico-Social, parte integrante dos festejos comemorativos,no dia 9 de novembro realizou-se brilhante conferência, pronunciada pelo sr. Valentim Bouças, subordinada ao tema "O hospital e sua influência na conquista do Amazonas".

À solene sessão levada a efeito no Consistório da Irmandade, com início às 21 horas, compareceu numeroso e seleto auditório, constituído do que Santos possui de mais representativo em todos os seus meios sociais, autoridades civis e militares, classe medica desta cidade, exmas. damas de nossa sociedade, membros da Mesa Administrativa e Conselho Deliberativo da Irmandade aniversariante.

A solenidade foi presidida pelo prof. Clementino Fraga, professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil e membro da Academia Brasileira de Letras, tomando ainda lugar à mesa de honra os srs. dr. Antônio Gomide Ribeiro dos Santos, prefeito municipal; sr. Benedito Gonçalves, provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia; sr. Valentim Fernando Bouças, eminente economista brasileiro e conferencista da noite; sr. João Teófilo de Medeiros, inspetor da Alfândega de Santos; dr. Afonso Celso de Paula Lima, delegado auxiliar de polícia; dr. Euclides de Campos, diretor do Fórum, e dr. A. Guilherme Gonçalves, médico da Santa Casa.

Discurso do sr. Henrique Soler

Inicialmente fez uso da palavra, saudando o sr. Valentim Bouças, o sr. Henrique Soler, presidente do Conselho Deliberativo da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos, Traçou fiel perfil da personalidade do sr. Valentim Bouças, pondo em relevo as inumeráveis virtudes pessoais e os predicados de caráter e coração do eminente economista patrício, filho dileto de Santos, que tanto tem honrado e que tantos serviços relevantes tem prestado à Nação. Pôs em destaque a atuação desenvolvida pelo ilustre cidadão, cujo trabalho se encontra nas páginas da nossa vida econômica, financeira, política, administrativa, social e filantrópica, para proveito no momento e para servir de ensinamento no futuro.

Enaltecendo a ascensão político-econômica do sr. Valentim Bouças, citou o presidente do Conselho Deliberativo da Santa Casa os seguintes altos cargos desempenhados pelo distinto conferencista da noite:

Membro da delegação brasileira à Conferência Mundial Econômica e Monetária, de Londres; secretário técnico da Comissão de Estudos Econômicos e Financeiros dos Estados e Municípios; representante do Brasil em negociações com o governo de Washington; consultor técnico do Conselho Federal de Comércio Exterior; secretário geral do Conselho Técnico de Economia e Finanças do Ministério da Fazenda; representante e delegado do governo brasileiro e do Banco do Brasil no primeiro acordo de congelados comerciais e financeiros celebrado com o Conselho Nacional de Comércio Exterior dos Estados Unidos, em 1933; membro da missão presidida pelo ministro Sousa Costa para negociações com o governo americano, em 1937 e 1942; secretário geral da Conferência dos Secretários da Fazenda, realizada no Rio de Janeiro, em 1937; presidente da Comissão Brasileira ao 10º Congresso das Câmaras Internacionais de Comércio, realizado em Copenhague; vice-presidente da Sociedade Brasileira de Estatística; consultor técnico do Instituto de Geografia e Estatística; diretor-fundador do Observador Econômico e Financeiro; presidente as 1ª e 2ª Conferências de Contabilidade e Assuntos Fazendários, realizadas no Rio de Janeiro; membro da Comissão Especial de Intercâmbio com a Grã-Bretanha; representante da Sociedade de Cultura Inglesa no Rio de Janeiro; presidente das conferências preliminares, nas 5 regiões geo-econômicas, para a racionalização da legislação tributária; delegado brasileiro ao 2º Congresso Interamericano de Municipalidades, em Santiago do Chile; vice-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro; interventor federal no Banco Francês-Italiano da América do Sul; diretor executivo da Comissão de Controle dos Acordos de Washington; organizador do Banco de Crédito da Borracha; presidente da Comissão Administrativa do Encaminhamento dos Trabalhadores para a Amazônia; presidente da Associação Brasileira de Preservação contra Acidentes; membro da Comissão Especial para Consolidação da Dívida Externa do Brasil, para só citar os títulos de que no momento foi possível recordar, sem contar os seus encargos de presidente e diretor de importantes organizações técnicas, industriais e comerciais.

Depois de se referir à apreciável bagagem de escritos e trabalhos técnico-econômicos publicados pelo sr. Valentim Bouças, prosseguiu o sr. Henrique Soler: "Ornam o vosso peito muitas insígnias de honra, dentre as quais peço licença para destacar, pela sua importância, a Comenda da Ordem de Leopoldo II da Bélgica, e pela sua significação,neste momento, a de Benfeitor da nossa Santa Casa, que será, talvez, a que mais próximo esteja de vosso coração".

Oração do dr. Valentim Bouças

Foi a seguinte a oração do sr. Valentim Bouças:

"Sr. provedor da Santa Casa, sr. prefeito, minhas senhoras, meus senhores, em uma palavra, meus amigos:

"Permiti vos fale como vos devo falar: sem nenhum constrangimento, à vontade, porque nós os desta Casa não somos senão irmãos, constituímos uma só e mesma família, a dos que se fizeram pelo seu trabalho, vivem dele, mas entendem igualmente que pode e deve ele a outros servir, a outros menos afortunados que, na longa e penosa estrada da vida, tiveram de se deter, baldos de esforços, de saúde e de recursos.

"Só quem já sofreu (sofreu em sua mais ampla expressão), é que bem pode avaliar as agruras, os tormentos, as inquietações da tremenda luta pela existência em que infelizmente há mais vencidos do que vencedores, como hoje proclamam, em geral, todas as doutrinas econômicas, e, como, já no começo deste século proclamava em sua grande autoridade a Igreja, pela palavra sábia deste grande estadista que foi Leão XIII.

"O mundo, então, já se dividia dolorosamente entre ricos e pobres, mais pobres do que ricos, e ele afirmava eloqüentemente:

"'Os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários e os patrões, a afluência da riqueza nas mãos de pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião, enfim, mais avantajada que os operários formam de si mesmos, e sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final terrível conflito'.

"E ele, escalpelando os males sociais, acrescentava:

"'A violência das revoluções políticas dividiu o corpo social em duas classes, e cavou entre elas imenso abismo. De um lado, a onipotência na opulência: uma facção que, senhora absoluta da indústria e do comércio, torce o curso das riquezas e faz correr para o seu lado todos os mananciais, facção que, aliás, tem na sua mão mais de um motor de administração pública. Do outro, a fraqueza na indigência: uma multidão com a alma ulcerada, sempre pronta para a desordem'.

"Eram as misérias humanas a todos inquietando, a todos abalando pelas desigualdades que geravam, e que aquele santo Papa assim tão duramente estigmatizava.

"Mais de trinta anos depois, Pio XI quase o repetiria textualmente:

"'Ao aproximar-se, consignava ele, o fim do século XIX, o novo sistema econômico de há pouco introduzido e os novos incrementos da indústria haviam chegado a conseguir que a sociedade, em quase todas as nações, se mostrasse sempre mais francamente dividida em duas classes: a primeira exígua de número, que gozava de quase todas as comodidades produzidas abundantemente pelas invenções modernas; a outra, composta por imensa multidão de operários, que, oprimidos por funesta penúria, inutilmente se afadigava para sair de suas aperturas'.

"Um mundo não de harmonia, mas da mais brutal desarmonia, tal o que o século XIX criara e legava a este nosso século XX.

"Havia os que, diante desse tremendo dissídio, não bem compreendiam seus deveres de bondade, e havia ainda os que, perfidamente, invocavam o próprio nome da Igreja, para se eximir de tão sagrados deveres.

"Contra uns e outros, insurgia-se ainda Pio XI, com estas sublimes razões de inspiração divina:

"'É, sem dúvida, coisa bem lastimável, que hajam existido e ainda existam, os que, declarando-se católicos, quase hajam esquecido a lei sublime da justiça e da caridade que não somente prescreve dar a cada um o que lhe é devido, mas ainda socorrer os nossos irmãos indigentes como a Cristo mesmo, e, coisa ainda mais grave, por cobiça de lucro, não receiam de oprimir os trabalhadores. E há também quem abusa da mesma religião, fazendo do seu nome um paravento para suas próprias vexações, a fim de se poder subtrair às reivindicações plenamente justificadas dos operários. Nós não deixaremos nunca de reprovar semelhante conduta; visto que são estas as causas por que a Igreja, embora não o merecendo, pode ter a aparência e portanto ser acoimada de tomar a defesa dos ricos e de não ter sentimento algum de piedade para os sofrimentos daqueles que se acham como que deserdados de seu quinhão de bem estar nesta vida'.

"Para bem qualificar essa situação deplorável de tantos deserdados, Pio XI usava ainda desta imagem tão simples quanto verdadeira:

"'A matéria inerte da fábrica enobrecida, e as pessoas, ao contrário, nela se corrompem e se aviltam'.

"Senhores, estou a falar-vos destas coisas, sobre as quais fora talvez mais  avisado calar, porque a tanto não consigo acomodar-me, e porque são elas a razão de ser de nossa união, de nossa congregação.

"É e um dos maiores pensadores da França esta máxima imortal: 'Os grandes pensamentos vêm do coração'. Nascem nele e dele se extravasam.

"Nós homens devemos ter mais sentimento do que pensamento, mais ideal do que matéria, mais amor do que cálculo, por que valemos muito mais pelo que podemos dar, do que pelo que podemos reunir, para não aproveitar.

"Há que colocar o fim social acima da existência individual, malgrado a intensidade do egoísmo desta.

"Por outro lado, senhores, não obstante a largueza de nossas preocupações não regionalistas, a verdade é como acentuava outro pensador francês, que um pouco de nós sempre fica onde nascemos e por onde passamos; un peu de nous reste et demeure dans tous les lieux oú nous passons.

"Aqui viveram meus pais, aqui senti o despontar dos primeiros dias de minha vida; aqui se formou a alegria e minha infância e o encanto inesquecível da minha vida escolar; aqui ainda muito aprendi quando à noite lecionava nas escolas primárias municipais; aqui formei minha família e nasceram meus primeiros filhos e com eles minha decisão de alcançar na luta cotidiana do trabalho a alegria de viver.

"Havia que lutar e saí a lutar. Em minhas horas, umas de desalento e outras de bonança, nunca pude esquecer os que aqui foram meus amigos, aqueles com os quais convivi e que foram meus companheiros de juventude, de toda a vida desta cidade, de seus costumes e sua rotina, de sua natureza, de todos seus bens e principalmente desta instituição de caridade que tantas reminiscências me sugere.

"Ainda guardo, entre as relíquias que me são mais gratas, a visão da fotografia tirada em 1902 em que apareço, lá em baixo nas escadarias que ainda agora acabo de galgar, e espero ainda poder fazê-lo muitas outras vezes.

"Era eu, então, há 40 anos, sargento no 3º ano do Grupo Escolar Dr. Cesario Bastos. E com saudade e reconhecimento rememoro o nome daqueles que tanto por mim fizeram. Dona Marianinha, no Colégio do Convento de Santo Antônio, onde as primeiras letras, emolduradas pela fé na religião católica, firmavam o alicerce seguro para meu próprio destino; Carlos Escobar e Ulisses Ferraz, que no Grupo Escolar Dr. Cesario Bastos e na Escola Barnabé ajudaram a firmar o traço de união entre a nossa instrução primária e o curso da Academia de Comércio, onde iríamos conhecer o grande e inesquecível Adolfo Porchat de Assis, símbolo inapagável de bondade e educador; rememoro Valdomiro Silveira, o grande mestre e amigo; vejo-me ainda office-boy do escritório das Docas, nos Outeirinhos, onde a figura austera de administrador justiceiro que foi Ulrico de Sousa Mursa dar-me já os primeiros exemplos de disciplina e do amor ao trabalho.

"Finalmente Antônio de Freitas Guimarães, na então casa comissária Teles, Queiroz, Nogueira e Cia., ditando-me as contas de venda do café, cujas amostras tiveram seu preço regulado naquele tempo por influência até do galo que se empoleirava na torre da Igreja do Carmo.

"E foi muitas vezes nos domingos que entrecortavam esses dias saudosos de minha vida nesta nossa cidade de Santos que, pela mão de meu pai, aprendi a visitar desde a infância, esta grande casa, onde o carinho no amparo à dor dava exemplo do quanto podia a bondade humana mesmo no meio de tantas tentações de bens materiais.

"Não vos posso ocultar minha emoção, ao recordar esse tempo que já vai tão distante.

"E revendo todos estes fatos, todos nos orgulhamos desta cidade, para nós sempre inolvidável.

"A saudade é que tantas vezes aqui me tem trazido.

"Repito-vos: a saudade, esta força indômita que haveríamos de herdar de nossos heróicos antepassados.

"Agora, vou contar-vos pequena história que tanto se relaciona com esta comemoração, e foi por mim ouvida quando ainda criança, descuidado por estas paragens, história de alguns de vós talvez desconhecida:

"Havia na velha Lisboa a pequena colina de Santa Catarina, com sua igreja branca e a Torre de Belém ou S. Jerônimo. Para trás, ficava o Hospital de Todos os Santos. Dali partia Martim Afonso, na nau Nossa Senhora das Candeias, e trazendo em sua companhia os nobres José e Francisco Adorno, Pascoal Fernandes e Domingos Pires, Luiz de Góes e Pero de Góes, Braz Cubas e Pero Cubas, mestre Bartolomeu Fernandes Gonçalves e outros.

"Chegavam os colonizadores à ilha vicentina, e lembravam-se da pátria distante. Viam este esplêndido panorama e a visão do seu torrão natal mais lhes vinha à mente. Eles lá haviam deixado os outeiros de Santa Catarina e São Jerônimo. E aqui descobriram morros que lhes recordavam esses mesmos nomes.

"Havia outro, e a esse deram o nome de Desterro (sempre a saudade a dirigi-los), o qual mais arde se chamaria São Bento.

"Luiz de Góes ficou com o outeiro de Santa Catarina e Braz Cubas com o de São Jerônimo. E foram subindo igrejas, ainda como em Lisboa: a de Nossa Senhora da Graça e a de Santa Catarina.

"Faltava, como em Lisboa, o hospital. E  este era fundado por Braz Cubas, em 1543. Era o Hospital da Santa Casa da misericórdia de Santos. Foi construído e inaugurado com o seguinte lema: 'Casa de Deus para os Homens e porta aberta ao Mar'. Santos, em Lisboa.

"A saudade sempre a construir. E era igualmente conhecido como o 'Hospital de Todos os Santos'.

"E a igreja vizinha, a de Santa Catarina, ficou sendo continuação dele e de sua Irmandade ou Confraria (Irmandade ou Confraria da Misericórdia), como ainda em Lisboa.

"Por quê Porta Aberta ao Mar?

"Porque tinha por fim acudir aos navegantes e canoeiros que, vindos pelo canal da Bertioga, depois de penosa travessia pelo mar alto, aqui chegavam muitas vezes enfermos e necessitavam de auxílio.

"Depois da morte de seu fundador, ocorrida em 1597, o hospital entrou em decadência, de maneira que, em 1654, já não existia. Em 1665 ressurgia e, depois, novamente desaparecia, como a Fênix da fábula.

"Por isso é que se diz que esta Casa de Caridade, dentro da cidade de Santos, é um símbolo. Também ela, como a terra, teve seus momentos de amargura e de desolação, de júbilos e de triunfos. As dificuldades para sua manutenção se explicavam. A história deste hospital era a história da própria colônia. Este hospital era a Porta Aberta ao Mar.

"Mais tarde vinha a penetração dos bandeirantes, a dilatação das nossas fronteiras, o bezerro de ouro das Minas, o empobrecimento do litoral. E, nesse período, quando o hospital funcionava, era ele também porta aberta àqueles bandeirantes.

"O hospital, nesse ínterim, funcionou no antigo Colégio dos Jesuítas e, depois, no Campo da Chácara, hoje Praça dos Andradas. Era, então, seu provedor o capitão Antonio Martins dos Santos, que, com o médico dr. Cláudio Luiz da Costa, concorreu para a campanha em prol do reerguimento da irmandade e a construção de um edifício próprio para o mesmo hospital.

"Criou-se assim a Sociedade Filantrópica de Santos, a cuja frente se encontravam pessoas de relevo na sociedade santista, como Antonio Carlos e Martim Francisco de Andrada, além de muitas senhoras que, pela primeira vez no Brasil, ingressavam numa agremiação desse gênero.

"Desse modo foi que surgiu o 3º Hospital, inaugurado a 4 de setembro de 1836, já na provedoria do benemérito dr. Cláudio Luiz da Costa e na base do antigo morro de São Jerônimo (hoje Monte Serrat), junto à Capela de São Francisco de Paula, ali ereta havia 70 anos.

"A história de seu desenvolvimento daí por diante é conhecida.

"São Paulo se enriquecia; vários beneméritos o amparavam; seu provedor José Caballero legava-lhe grande fortuna; ele era bastante melhorado e considerado como o maior dos hospitais do Brasil.

"Eram seus complementos o Hospital para Tuberculosos e o pavilhão Soter de Araujo, perpetuando a memória de um dos apóstolos locais da ciência, um dos grandes humanitários servidores desta Santa Casa.

"Com o desastre do Monte Serrat, vinha a idéia logo coroada de completo êxito do 4º hospital, na várzea de Jabaquara, e próximo a ser inaugurado, graças aos esforços do ex-provedor Henrique Soler, dos donativos do generoso comércio santista e dos auxílios dos srs. Getúlio Vargas, Fernando Costa, Gomide Ribeiro dos Santos e Antônio Ezequiel Feliciano da Silva.

"Este o histórico, em linhas gerais, de tão notável instituição. Agora, há que assinalar seus grandes serviços.

"Primeiro, aos homens do mar; depois, aos bandeirantes; a seguir, contra a febre amarela, a varíola e outras epidemias; em 1918, contra a gripe espanhola; na revolta de 1924, amparando os que eram feridos em combate.

"É o que me cabe humildemente vos rememorar, nestes festejos do Quarto Centenário deste grande hospital, que deu seu nome a esta terra, em troca da vida que esta lhe dera.

"Os conceitos em meu favor de Henrique Soler, filho do velho amigo de meu pai, o inesquecível Manoel Soler, não chegam a me envaidecer porque sou o primeiro a reconhecer, por um lado, a minha pequenez, e, por outro, a generosidade em seus julgamentos, de tão eminente conterrâneo, que toda população desta cidade admira e estima.

"Eu vos sou, meus senhores, imensamente grato pela honra que me conferiste, de me elegerdes também Irmão Benfeitor dentre os desta casa que tanto bem já tem prodigalizado e há ainda de prodigalizar.

"Este título, eu o conservarei com justo orgulho; representa um pouco do muito que devo a este recanto e à sua gente trabalhadora; a este cenário, onde tive as primeiras alegrias de minha vida; e que me ensinou a confiar na própria iniciativa, na própria energia, no próprio esforço, não para a obra do ódio e da divisão, mas para a do congraçamento, a da construção, a da comunhão nacional.

"Houve a época das benfeitorias, da assistência particular, do amparo do indivíduo à coletividade pobre, desajudada.

"Hoje precisamos viver o período em que a assistência particular tem de encontrar seu ponto de união com a assistência pública, para que aquela não se apresente como privilégio dos ricos, mas como um dever e uma obrigação do indivíduo para com a coletividade".

Após essa sua oração, o sr. Valentim Bouças, de improviso, proferiu interessante palestra sobre "O hospital e sua influência, na conquista atual do Amazonas".

A segunda parte do trabalho do distinto orador foi feita de improviso. Foi um estudo interessante sobre a aplicação da higiene no saneamento do grande vale amazônico. Rememorou os dias de El Dorado, no começo deste século, quando a borracha já se apresentava como uma das necessidades mais prementes para a indústria e para o comércio. E todos os olhos se voltaram para a Amazônia fértil, mas fechada à civilização.

Focalizou os períodos penosos da construção da estrada Madeira-Mamoré, as dificuldades para o levantamento da arrojada obra, as epidemias que assolaram os trabalhadores, citando que cada dormente colocado na Madeira-Mamoré equivalia a uma vida perdida. A morte ceifava impiedosa e inexorável o homem de trabalho, que se debatia com a falta de recursos médico-hospitalares. Foi quando surgiu Osvaldo Cruz, o grande apóstolo da Medicina, o qual, recebendo a herança de um Rio cheio de focos de febre amarela, arrostou a descrença popular. E lutou. E venceu.

Osvaldo Cruz, abandonando o lar, foi à região amazônica, impenetrável e pestilenta. Topou dificuldades imensas na penetração nos baixos e altos rios. Mas chegou. E fez obra memorável. Deu quinino aos trabalhadores e evitou que se não repetissem os males. Desenvolveu, enfim, serviço grandioso. Ao regressar ao Rio, baixou instruções consubstanciadas em 20 itens, que foram a base da complexa obra de higienização da vasta região.

O sr. Valentim Bouças passa a focalizar a Amazônia dos dias atuais, recordando a ação do governo para o financiamento da produção da borracha, sem deixar de evidenciar a Missão Sousa Costa nos Estados Unidos, de que fez parte, que estabeleceu o acordo para a venda do produto amazônico.

É preciso visitar a Amazônia de hoje – frisou –, para se conhecer a transformação do ambiente agreste do grande vale.

Foi nessa parte que o orador evidenciou a colaboração do médico e do hospital no desbravamento amazônico. Os serviços de saúde pública estão disseminados: dispensários, laboratórios, centros de saúde, hospitais, postos médicos, controles de malária, postos de engenharia sanitária, enfim, um mundo de cuidado médico-sanitário, que possibilita o trabalho fecundo dos seringueiros, sem as tormentas dos outros tempos, que tantas experiências más ofereceram e marcaram um retrocesso de 40 anos na exploração do vale. Verdadeiro exército de médicos, de guardas gerais, servem e assistem aos milhares e trabalhadores.

Com a assistência médico-hospitalar, cresceu e se firmou a segurança do homem do trabalho,  que é o maior capital do Brasil.

O sr. Valentim Bouças enalteceu a dedicação e o trabalho dos médicos que servem na Amazônia. Não há ciúmes entre eles. É um trabalho uniforme, que todos nós devemos admirar. E também elogiou os serviços do Sava e do Senai, sem esquecer o filho do Ceará, intrépido e dedicado, que busca o solo amazônico para cooperar na grandeza econômica do Brasil.

Por fim, frisando que o agreste caminho estava desbravado, mercê do trabalho médico-hospitalar, o sr. Valentim Bouças levantou um hino de admiração à Amazônia, terminando por citar versos do Iracema, de José de Alencar.

O prof. Clementino Fraga, encerrando a solenidade, elogiou o trabalho do sr. Valentim Bouças, dizendo que ele fizera um estudo empolgante sobre a aplicação da higiene na função social. Também se referiu à obra de Osvaldo Cruz, mestre e glória da Medicina nacional, cujos ensinamentos e cuja capacidade profissional traçaram duas épocas na Medicina: a Medicina do tempo de Osvaldo Cruz e a Medicina depois de Osvaldo Cruz.

Homenagem do dr. Jordão de Magalhães à Mesa Administrativa

O casal Raul Jordão de Magalhães homenageou no dia 9 de novembro os mesários da Santa Casa de Misericórdia, oferecendo-lhes uma recepção em sua elegante vivenda.

Quis o distinto casal, por aquela forma, testemunhar sua simpatia e apreço aos dirigentes da Santa Casa, no período festivo das comemorações do quarto centenário da casa fundada por Braz Cubas.

Compareceram à reunião os srs. Benedito Gonçalves, provedor; J. J. de Azevedo Marques, vice-provedor; Henrique Soler, presidente do Conselho Deliberativo; Sinval de Barros Coelho e Melo, 1º tesoureiro; Josino Maia, 2º tesoureiro; dr. Gervásio Bonavides, 1º secretário; dr. Silvio Fortunato, 2º secretário; Vidal B. Sion, mordomo geral; dr. Hipólito do Rego, consultor; dr. Afonso Celso de Paula Lima, delegado auxiliar de Polícia; tenente-coronel Paulo Rosas Pinto Pessoa, comandante da Guarnição Militar; tenente-coronel Mário Mendes de Morais, comandante do 6º GMAC; prof. Clementino Fraga, dr. Valentim F. Bouças, dr. J. J. Cruz Sêco, inspetor-chefe da Polícia Marítima; cap. Joaquim Mauriti, assistente do capitão dos Portos; dr. Edgardo Boaventura, dr. Costa e Silva Sobrinho, dr. Edgard Falcão, tenente Benedito Dias Ramos, Atié Jorge Coury, exmas. sras. Senhoritas e representantes da imprensa.

Depois de uma visita ao interessante parque ornitológico, de propriedade do dr. Raul Jordão de Magalhães, foi oferecido fino serviço de buffet aos convidados.

Um grupo de violeiros santistas, sob a direção da senhorinha Lourdes Ramos e constituído por senhorinhas da nossa sociedade, fez-se aplaudir em canções folclóricas e declamações, constituindo esse programa, pela magnífica interpretação, a nota festiva da distinta reunião.

Esse apreciado conjunto musical é constituído pelas senhorinhas Lourdes Ramos, Maria Lúcia Pais Leme, Inês Caruso, Nícia Maria Falcão, Ivette Mesquita, Carmencita Martinez Vale, Iára Guimarães, Norma Freitas, Maria Mirthes Martins, Cléo Barreto, Arlete Soler Vota, Lucita Ramos, Didi Ponte, Aparecida Rette e o jovem Norton Freitas, apresentando-se em números de declamação as senhorinhas Aparecida Rette e Inês Caruso.

O dr. Raul Jordão de Magalhães expressou seu agradecimento pela visita dos membros da Mesa Administrativa da Santa Casa, do prof. Clementino Fraga, dr. Valentim Bouças e das autoridades civis e militares, estendendo-se em conceitos felizes sobre a comemoração do centenário da Santa Casa.

O prof. Clementino Fraga, em nome da Santa Casa, fez-se ouvir para agradecer a homenagem do casal Jordão de Magalhães.

Depois de encerrar seu discurso, o dr. Raul Jordão de Magalhães entregou ao provedor da Santa Casa um donativo de cinco mil cruzeiros para o Natal dos enfermos pobres daquela casa hospitalar.

O gesto do distinto cavalheiro, intimamente ligado às obras pias da cidade, foi acolhido entre manifestações de simpatia e reconhecimento.