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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ENSINO
A educação... e as antigas escolas (16-C)

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Fundado em 1927, o Conservatório Musical de Santos não resistiu ao século XXI, fechando suas portas no ano 2000. Mas, dez anos depois, continuava sendo lembrado, como nesta matéria do jornal santista A Tribuna, publicada na edição de 2 de agosto de 2010:
 


SOM DE OUTRAS ÉPOCAS - Na época em que uma reunião social só estava completa se fosse embalada ao som das teclas de um piano, o ensino de música clássica na região tinha endereço certo, o Conservatório Musical de Santos. Nele, deram aulas maestros como Camargo Guarnieri, Savino de Benedictis e Heitor Villa-Lobos. Em suas salas, se formaram maestros como Gilberto Mendes (na foto)
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria

Lembranças dos tempos do piano

Concorrido nos anos 60 e 70, o Conservatório Musical de Santos encerrou suas atividades em 2000. As memórias, porém, permanecem

Ronaldo Abreu Vaio
Da Reportagem

Houve um tempo em que o piano ocupava um espaço central nas salas de estar de muitas casas. Nesse tempo, as notas musicais davam o tom das reuniões em família ou de amigos. Ou seja, a música se fazia presente nos lares de uma forma bem distinta de hoje em dia. Nesse contexto, o Conservatório Musical de Santos erguia-se como o templo do ensino de música na Cidade.

Fundado em 1927 por Luiz Weterlé, pelo Conservatório passaram nomes que se tornaram expoentes da música erudita brasileira, como Almeida Prado e Gilberto Mendes. Isso, sem contar as inúmeras moças de família, que tinham incluída em sua lista de prendagens a formação musical. Por conta desse traço cultural, entre os anos 60 e 70, por exemplo, o Conservatório chegou a ter 300 alunos.

Esse sucesso se devia à qualidade do ensino. Não raro, geralmente às terças e quartas-feiras e nas sextas e sábados, nomes já consagrados ministravam aulas avulsas ou apenas passavam para dar um alô - o que atestava essa qualidade.

Assim, conheceram o prédio da Rua 7 de Setembro, 37, os maestros Camargo Guarnieri e Savino de Benedictis, o organista Ângelo Camin e até um dos maiores compositores brasileiros, o maestro Villa-Lobos.

"Essas visitas sempre terminavam com um jantar, preparado lá mesmo, pela zeladora, geralmente um caldo,um salsão, e vinho. Depois, o maestro, que já os havia trazido, levava de volta para São Paulo", recorda Daisy de Oliveira Valencia, que foi aluna, professora, secretária e diretora do Conservatório Musical de Santos.

O maestro a que se refere é o italiano Italo Tabarin, que foi diretor do Conservatório por cerca de 50 anos. Tabarin assumiu a direção ao mesmo tempo em que a pianista Antonietta Rudge se transformou em proprietária.

Os cursos oferecidos eram os de Bacharelado em Canto, em Regência e em Instrumentos - neste último, o aluno poderia optar por piano, trompete, flauta, violino, violoncelo e, posteriormente, violão.

No início dos anos 50, o prédio onde era o Conservatório Musical de Santos passou por uma grande reforma, que adaptou de vez o casarão inicial, transformando-o em um verdadeiro templo da música.

Os degraus das escadas, bifurcadas, eram em mármore carrara. Os corrimãos, de um lado, eram desenhados em Neumas - notação musical antiga, muito utilizada na Idade Média. Do outro, na notação moderna, do Pentagrama, com a Clave de Sol.

No andar superior, havia um mini-teatro, com um piano de 1/4 de cauda e um órgão que pertencera ao compositor Agostinho Cantu. Além de outro piano de 1/4 de cauda, também havia um francês da marca Pleyel, de cauda inteira, e vários pianos-baú pelas salas de aula.


Denise Smolka, coordenadora de música do Carmo, lamenta o desinteresse dos jovens pela música erudita
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

Mudanças - "Na época, nem avaliava o quanto estava sendo importante para minha formação para minha vida, essa vivência no Conservatório", resume Daisy, que hoje está com 77 anos.

Aos 16 anos, em 1952, formou-se em piano. Na seqüência, de aluna virou professora. Ficou até 1960. Seguiu-se um hiato de alguns anos, quando foi estudar na Capital. De volta a Santos e de volta ao Conservatório: dessa feita, como secretária do maestro Tabarin. Depois, assumiu a direção, até o fim. "Fiquei praticamente a vida inteira ali".

Para Daisy, um duro golpe nos conservatórios de um modo geral veio em 1977, quando os cursos passaram à tutela da Secretaria de Educação do Estado. "Antes, a avaliação era feita por músicos, por gente que falava a mesma língua, avaliava o nível do aluno. Depois, só vinham ver os papéis, se o aluno comparecia ou não".

Esse fato, aliado às mudanças na sociedade - cada vez mais rara era a visão dos pianos nas salas de estar - contribuíram para restringir a importância e a atuação dos conservatórios, que precisaram se reinventar para sobreviver.

Assim, em 1979, o Colégio do Carmo incorporou o Conservatório Musical de Santos, já com reconhecimento do Governo Federal, criando os cursos de Licenciatura Plena em Instrumento e Licenciatura em Educação Artística. Essa nova etapa durou até 2000, quando encerrou as atividades.

"Não tinha muita procura, as turmas eram pequenas", avalia Denise Smolka, coordenadora de música do Colégio do Carmo. "Hoje, a molecada só quer saber de banda, com baixo, guitarra, bateria. Até para teclado a procura é pouca. Ninguém mais quer estudar música erudita", lamenta.

Antiga sede da Rua Sete de Setembro em nada lembra os bons tempos
Foto: Irandy Ribas, publicadas com a matéria

Expoentes da música passaram pelo local

Há quase 50 anos, o maestro e compositor Gilberto Mendes está à frente do Festival Música Nova de Santos. Anualmente, o festival reúne os maiores nomes da música de vanguarda mundial.

Gilberto Mendes também já recebeu diversos prêmios em artes e música, como o Carlos Gomes, do Governo do Estado, e a insígnia da Ordem do Mérito Cultural, das mãos do presidente Lula, em 2004.

Tudo isso tem raízes no Conservatório Musical de Santos. "Ela tornou o Conservatório muito bom, por ser quem era", diz, referindo-se à grande pianista Antonietta Rudge. "Ela dava aulas para quem estava no nono e décimo anos (de piano) e só vinha às vezes ao Conservatório, na época dos exames".

Embora estivesse apenas no terceiro ou quarto ano de piano - não se recorda bem - teve aulas diretamente com Antonietta. "Fui a uma entrevista, e ela me aceitou".

Gilberto Mendes iniciou os estudos no Conservatório em 1941, aos 17 anos. "Comecei tarde. Os professores eram da minha idade e, na minha classe, tinha só um aluno com 19 anos. Os outros tinham 9, 12 anos", sorri. Nas mãos, exibe um diploma de Teoria Musical. A data: 21 de dezembro de 1945. "Era uma classe engraçada".

Reconhecido em todo o mundo, o maestro Gilberto Mendes entrou no Conservatório em 1941, aos 17 anos
Foto: Irandy Ribas, publicadas com a matéria

Altíssimo nível - Trajetória semelhante teve o também santista, e também maestro e compositor, José Antonio Resende de Almeida Prado. Fez os últimos 3 anos de piano no Conservatório, a partir de 1962, e ganhou o mundo. "Fui aluno do maestro Tabarin e de Caldeira Filho, que era crítico de música", relembra.

De 1965 a 1969 foi professor de piano do Conservatório, antes de prosseguir com os estudos na Europa. Em 1974, de volta ao Brasil, foi novamente professor no Conservatório durante um ano, antes de ser chamado para a Universidade de Campinas (Unicamp). Atualmente radicado em São Paulo, já teve obras executadas até no Carnegie Hall, de Nova Iorque. "Devo muito ao Conservatório. Foi maravilhosa a experiência, a convivência com professores e colegas de altíssimo nível".


Daisy Valencia foi aluna, professora, secretária e diretora da unidade
Foto: Davi Ribeiro, publicada com a matéria

Injustiça

Hoje, é com um sorriso nos lábios que Magaly Novoa de Paula Souza, 70 anos, relembra a história da nota 10 que nunca foi. Mas, em julho de 1958, quando a história aconteceu, não achou nada engraçada. "Saí de lá doida", recorda, entre risos. Foi assim: o professor - cujo nome faz questão de omitir - disse que quem não comparecesse no dia da prova teria zero de nota. Quis o destino que Magali tivesse um casamento para ir no mesmo dia. "Então fui falar com o maestro Tabarin, ele disse tudo bem, para eu falar com o professor".

Magali, que estava no último ano de piano, seguiu o conselho e, uma semana depois, fez a prova - uma chamada oral. Ela jura que acertou tudo, de ponta a ponta. "Aí o professor virou pra mim: 'sete tá bom?'". A resposta? "O senhor é quem sabe". Magali teve que engolir o sete. A nota arrancou-lhe das mãos o Prêmio Ricordi, distribuído anualmente aos alunos que tiravam as melhores notas, em cada matéria. "Como a gente era boba, né? Se preocupar com uma coisa assim", e cai na gargalhada. Mas é um pouco por conta dessas histórias que hoje afirma, sem titubear: "O estudo era perfeito. Foi um tempo maravilhoso".


Batuta de Villa-Lobos foi um presente a Ítalo Tabarin.

Magali Nóvoa de Paula lembra com carinho dos seus tempos de aluna
Montagem com foto de Nirley Sena, publicada com a matéria

A visita de um mestre
Tanto Daisy de Oliveira Valencia quanto Gilberto Mendes relembram bem aquele dia de outubro de 1957, quando o maestro Heitor Villa-Lobos (ao centro, na primeira fileira) visitou o Conservatório Musical de Santo pela última vez.

"Passei o dia com ele, de conversa mole", relembra Mendes. Além da conversa mole, Gilberto Mendes conseguiu o autógrafo do mestre, na partitura do Quarteto de Cordas nº 6. Contudo, as visitas de Villa-Lobos não eram raras. "Ele era amigo pessoal do maestro Tabarin. Sempre que vinha a Santos, passava no Conservatório", explica Daisy.

Foi assim também em setembro de 1939. Villa-Lobos esteve aqui regendo a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal de São Paulo, no Teatro Coliseu. E deixou a batuta, hoje no Colégio do Carmo. Nela, a inscrição: "Dirigi o conserto synphonico de S. Paulo illuminado pelos 'louros' dos cabellos da aluna, da intelligencia e do coração de Antonietta Rudge". Da aluna, quem seja, nada se sabe. Já Antonietta Rudge (à direita de Villa-Lobos) dispensa mais apresentações. O maestro e compositor Heitor Villa-Lobos, cuja obra inclui a série Bachianas Brasileiras, faleceu de câncer, no Rio de Janeiro, em 17 de novembro de 1959.


Foto: reprodução, publicada com a matéria

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