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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - QUILOMBOS (8)
Depoimentos de quem viveu os fatos de 1888

Os momentos finais da escravidão negra no País, pelas testemunhas
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Muito ainda precisa ser pesquisado sobre a história da escravatura negra no Brasil e particularmente em Santos. Importantes figuras do Abolicionismo nacional militaram em terras santistas, como foi destacado por Francisco Martins dos Santos, em sua História de Santos, publicada em 1937 (segunda edição em 1986 pela Editora Caudex Ltda., de São Vicente, junto com a Poliantéia Santista do pesquisador Fernando Martins Lichti). Esse trabalho prossegue, com a transcrição de depoimentos de pessoas que acompanharam esse período importante da história brasileira:
 
A campanha da Abolição

[...]

Encerrando o histórico da Abolição, propriamente dito, reproduzimos a seguir uma série de depoimentos, considerados importantes, que confirmam, com a autoridade dos depoentes, a veracidade dos nossos próprios relatos:

DEPOIMENTO DE ANTONIO AUGUSTO BASTOS [62]:

"A história do abolicionismo em Santos ainda está por fazer. Os verdadeiros heróis dessa campanha ainda são desconhecidos desta geração. Quem é que hoje sabe quem eram Santos Garrafão, Eugênio Wansuít, Quintino de Lacerda e major Xavier Pinheiro?

"Entretanto, esses obscuros homens do povo eram a alma da grande cruzada da libertação dos escravos em São Paulo. Santos Garrafão sacrificou tudo o que possuía. Os gêneros de sua casa de negócio sustentaram por muito tempo os escravos fugidos, acoutados no Jabaquara, acabando ele por sair pelas ruas da cidade, angariando gêneros e roupas para essa gente.

"Quintino de Lacerda, ex-cozinheiro do atual senador Lacerda Franco - o Totó Lacerda, já nesse tempo um dos chefes republicanos -, era o encarregado de governar o quilombo do Jabaquara e o fazia de forma a manter perfeitamente a disciplina em seus domínios. No Jabaquara se acoutavam alguns milhares de foragidos. A polícia e os célebres capitães-do-mato nunca se atreveram a transpor os domínios de Quintino de Lacerda, para de lá arrancar os foragidos.

"Eugênio Wansuít era um mulato pernóstico, falando muito, fazendo a propaganda no seio do povo com muito proveito.

"Em uma conferência que Campos Sales fez no Teatro Rink, Eugênio Wansuít lembrou-se de advertir ao fogoso orador republicano que precisava ser coerente, que um republicano não podia ser senhor de escravos. Silva Jardim, tomando a palavra, secundou a Wansuít, o que deu em resultado Campos Sales tomar o compromisso de libertar os escravos, recebendo uma grande ovação, uma verdadeira apoteose.

"Eram assim os abolicionistas de Santos, convictos e abnegados.

"O major Xavier Pinheiro não era um homem do povo, era mesmo um dos chefes do Partido Liberal, mas vivia com os moços, era o chefe revolucionário dos abolicionistas de Santos. Por iniciativa do major Pinheiro fundou-se a Sociedade Abolicionista, a 27 de Fevereiro.

"Da sua diretoria faziam parte o major Pinheiro, Joaquim Fernandes Pacheco e Antonio Augusto Bastos, como presidente, 1º e 2º secretários.

"No Paquetá, na residência do presidente, se faziam reuniões diárias, onde discutiam com entusiasmo o problema da Abolição. Em um sótão de um sobrado do largo do Carmo se reuniam os revolucionários para combinarem a fuga de escravos e o seu transporte para outras províncias e para o estrangeiro.

"Antonio Rosa, escravo da família Xavier de Morais, foi enviado para os Estados Unidos, e de lá, meses depois, escreveu aos senhores amável cartão, pondo os seus préstimos à sua disposição.

"A 27 de Fevereiro manteve-se sempre em atividade, durante a campanha abolicionista, prestando grandes serviços ao movimento, de acordo com Antonio Bento, o organizador da fuga em massa dos escravos das fazendas, que se dirigiam para Santos em busca do Jabaquara.

"A tragédia da Serra do Cubatão entre uma leva de escravos fugidos e a polícia, cantada nos belos versos de Vicente de Carvalho, é um dos episódios extraordinários do abolicionismo e precipitou o desfecho do problema que terminou com esse 13 de maio, uma das belas páginas da nossa história.

"A imprensa de Santos era toda abolicionista e com o Diário de Santos não dava tréguas aos escravocratas. A mocidade desse tempo mantinha jornais e sociedades abolicionistas, salientando-se O Piratiny, dirigido por Guilherme de Melo e Antonio Augusto Bastos. Era o órgão dos vermelhos, sendo um dos colaboradores Vicente de Carvalho. A Evolução, de Silvério Fontes; A Procelária de Júlio Ribeiro, A Idéia Nova de Constantino Mesquita, e outros, batiam-se pela libertação imediata dos escravos.

"Santos, enfim, era o Canaã dos escravos e aqui eles encontravam a liberdade, mesmo contra os senhores e os governos".

DEPOIMENTO DE AMÉRICO MARTINS DOS SANTOS [63]:

"Quintino de Lacerda foi um negro valente, o dominador do Jabaquara. Prezo-me de o ter descoberto, de lhe ter dado a mão, e, hoje, de venerar a sua memória. Orgulho-me de ter sido um dos contribuintes, o maior e mais devotado, para a manutenção do Jabaquara, e o meu amor por aquele reduto de liberdade era compreendido pelos quilombolas defendidos por Quintino de Lacerda, que sentiam por mim a maior simpatia.

"Quintino de Lacerda possuía um cavalo branco e nele subia a serra, à noite, para encontrar partidas de negros fugidos, que vinham em demanda do quilombo do Jabaquara. Às vezes, sem que eu esperasse, ele aparecia em minha casa, altas horas da noite, em busca de recursos para depois subir a serra e socorrer os fugitivos, que chegavam quase nus e famintos [64].

"Muitas vezes, ele, com sua gente, enfrentou na estrada de São Paulo os capitães-do-mato que pretendiam prender os fugitivos, e Quintino, que era valente como as armas, os fazia fugir, para não serem trucidados.

"As informações sobre a chegada de levas de fugitivos nós as tínhamos dos valentes abolicionistas de São Paulo, nossos amigos, Antonio Bento e João Cândido Martins, sócios que eram, donos da Drogaria Baruel, à Rua de São Bento, centro de todo o movimento da Abolição.

"Uma vez, o governo mandou para aqui um batalhão de engenheiros chefiado pelo major Dom Joaquim Baltazar da Silveira, engenheiro, e que veio com o propósito de arrasar o Jabaquara, por ocasião da descida de grandes levas de escravos que abandonavam as fazendas para se refugiarem em Santos.

"Seríamos destruídos daquele vez. Mas o major Joaquim Baltazar da Silveira tinha sido meu colega na Escola Militar e eu fui logo para bordo com a idéia de dissuadi-lo de tal intento. Fui bem sucedido. Dom Joaquim, que só então soube do que vinha fazer, reconheceu-me e resolveu não só deixar de arrasar o Jabaquara, mas ainda proteger os quilombolas, dizendo que nós podíamos ficar descansados, contando com ele.

"Assim, o Jabaquara ficou em paz; o refúgio dos escravos, que usavam a palavra Santos como sinônimo de Liberdade, continuou amparado por Quintino de Lacerda e pelos demais abolicionistas, que eram muitos, entre eles figuras interessantes como o Santos Garrafão, e cavalheiros da sociedade daquele tempo, como Ricardo Pinto de Oliveira, Teófilo de Arruda Mendes, Manoel Francisco de Araújo Viana, Xavier Pinheiro e tantos outros.

"Uns contribuíam com dinheiro próprio, outros angariavam donativos e gêneros, e outros ainda recolhiam os pretos em suas casas e sítios, dando-lhes trabalho e renda.

"Tenho a satisfação de lembrar, agora, que fui eu a comprar um trem de carroças, pela quantia de 14 contos, que ofereci a Quintino de Lacerda, para que ele pudesse trabalhar, ganhar algum dinheiro, e continuar sendo útil à causa, contribuindo para a manutenção do Jabaquara.

"Dom Joaquim Baltazar da Silveira é um nome que ainda há de ser um generoso símbolo".

DEPOIMENTO DE JÚLIO CONCEIÇÃO [65]:

"Quando se falar em Abolição no Brasil, não se poderá deixar de dizer que ela foi obra exclusivamente popular e principalmente paulista.

"Quem assistiu ao espetáculo soberbo do abolicionismo em São Paulo e Santos não poderá pensar de modo diferente, porque jamais esquecerá as cenas desenroladas em torno do ideal de libertação.

"Ninguém deve esquecer que, em princípios de 1887, o Presidente da Província, Queiroz Telez, traduzindo a importância da obra libertadora dos paulistas e a desmoralização em que se achava o Poder Público perante a sociedade, por incapaz de reprimir a desobediência geral à lei em toda a Província, mas especialmente em Santos e S. Paulo, telegrafava para o Governo do Rio de Janeiro que não era mais possível conter a evasão dos escravos na Província, porque os soldados haviam feito causa comum com os abolicionistas, favorecendo a passagem dos fugitivos para a Cidade de Santos. - Tal comunicação causou extraordinário alarme ao Governo, inspirando à Princesa D. Isabel a decretação da liberdade geral dos cativos. Este é um fato rigorosamente histórico, que diz bem claro onde nasceu verdadeiramente a Abolição.

"Participante que fui da gloriosa campanha, orgulho-me de haver concorrido com serviços materiais e morais e auxílios pecuniários, para a vitória do ideal comum, ao lado de inolvidáveis trabalhadores da causa, ao lado de Santos Garrafão, o português José Teodoro dos Santos Pereira, grande e destemido elemento da Abolição em Santos, o qual tinha seu pequeno escritório em espaço que lhe cedi em meu próprio escritório comercial na Rua de Santo Antonio, então sob a razão social de Júlio Conceição & Melo, sendo por isso testemunha das grandes ações do valente paladino da liberdade dos cativos.

"Santos Garrafão se dedicou também, um ano depois, à salvação pública, na calamidade do ano seguinte, a febre amarela de 1889. Ele vivia maritalmente com a preta Brandina, afamada cozinheira que dirigia uma casa de pasto de propriedade de ambos, onde hoje é a Praça da República, na antiga Rua Setentrional, muito procurada por toda gente daqui e de fora, a qual se tornou o braço direito de Garrafão e de todos os cabos abolicionistas, no socorro aos negros, aos quais fornecia comida, fumo e remédios, olhando por todos eles como uma verdadeira mãe.

"Nessa ocasião privei com muitos vultos da campanha memorável, entre os quais reputo necessário salientar as figuras principais de Quintino de Lacerda, o comandante de Jabaquara, Geraldo Leite da Fonseca, despachante de Augusto Leubá & Cia., e parece que sócio dessa firma, que representava uma companhia francesa de vapores, um bravo na acepção do vocábulo; Américo Martins dos Santos, um batalhador dedicado desta campanha e da campanha da República; Ricardo Pinto de Oliveira, professor e despachante da Alfândega; Guilherme Souto, honradíssimo negociante que até foi à falência, entregando a própria cama em que dormia para pagamento de sua dívida; o ilustre Martim Francisco, Júlio Ribeiro, o filólogo, ambos jornalistas das duas campanhas; Carlos Escobar, Afonso Veridiano, José Ignácio da Glória, com grandes serviços em São Vicente, o Cel. José Lopes, Dr. Lobo Viana, Dr. Silvério Fontes, Dr. Sóter de Araújo, Júlio Backeuser, Juca Leite, irmão de Geraldo Leite, Vicente de Carvalho, Antonio Augusto Bastos, José André do Sacramento Macuco, Antonio Carlos da Silva Teles, Henrique Porchat, Teófilo de Arruda Mendes, Antonio do Amaral Rocha, João Guerra, Joaquim Fernandes Pacheco, Francisco Martins dos Santos Júnior, e os eminentes Silva Jardim e Rubim César, como outros ainda, que seria longo enumerar.

"Todos nós trabalhávamos de acordo e em conjugação de esforços com Antonio Bento, Feliciano Bicudo e outros chefes abolicionistas de São Paulo, os quais encaminhavam para Santos todos os escravos subtraídos às chácaras e fazendas da capital e do interior, obra entregue aos famosos caifazes, cujo trabalho ninguém poderá esquecer na distribuição dos merecimentos dessa fase histórica do Brasil, grandes trabalhadores, como foram, nas cidades e nos sertões, que trabalhando, ora desassombradamente, ora sob mil artifícios, vencendo prejuízos e cansaços, ajudaram a libertar, em alguns anos de luta e com grande antecipação da Lei Áurea, mais de 200.000 escravos da Província, a ponto de se poder e dever dizer, como já disse, que a Abolição não foi obra da Princesa Isabel, nem dos seus titulares do Rio de Janeiro, como ingratamente se comemora, e sim do povo abnegado de algumas províncias, mais especialmente do povo de São Paulo.

"Que outros contem os pormenores do grande movimento em Santos, e terá a História a confirmação das minhas palavras.

"Santos foi o baluarte máximo da Abolição, o eixo de todo o movimento popular que venceu políticas e governos, e tem sido esquecida por quantos têm escrito sobre Abolição no Brasil, não recebendo pelo menos o destaque a que tem direito, na distribuição dos merecimentos da memorável campanha, e, na minha opinião, nela, os negros de todo o atual Estado de São Paulo e, em sua falta, os governos deviam levantar, no chão sagrado do Jabaquara, um monumento de glorificação a Santos, a Libertadora [66]".

DEPOIMENTO DO PROFESSOR CARLOS ESCOBAR [67]:

"Para mim é fora de dúvida que os fatores da Abolição foram as idéias próprias aos tempos modernos, a proibição do tráfico negro, a Lei do Ventre Livre, o fundo de emancipação, a desorganização do trabalho agrícola, o apostolado popular, a recusa do Exército em pegar negros fugidos.

"A Princesa, não obstante o respeito que nos merece, como o gabinete João Alfredo, entrou nessa coisa qual Pilatos no Credo. O Sr. Teixeira Mendes, o maior filósofo brasileiro e o coração mais puro que conheci até agora, provou que a Abolição foi conquista popular, como a Independência tinha sido antes obra de José Bonifácio, explorando a vaidade de D. Pedro.

"Recordo-me perfeitamente que o meu eminente amigo Sr. Júlio Conceição pôs ao serviço do movimento abolicionista a sua mocidade vigorosa, a sua inteligência esclarecida, a sua bolsa caridosa. Quantas vezes, ao lado de Quintino de Lacerda, de Santos Garrafão e de outros abolicionistas fomos receber os seus ponderosos conselhos.

"Assisti, na Capital, às prisões de Bicudo e de José Maria. Fui ao Consistório da Igreja dos Remédios, na Tipografia da Redenção, nessa tarde sombria, por ordem do Dr. Antonio Bento, compor o protesto contra essas prisões injustas, o qual foi profusamente distribuído à noitinha. Nesse Consistório realizei diversas conferências presididas pelo venerando chefe abolicionista.

"Estive em Moji-Mirim, onde realizei uma conferência abolicionista promovida pelos Drs. José Oscar de Araújo Cintra e Alexandre Coelho, no salão da Câmara Municipal, quando o Conde de Parnaíba enviou para aquela cidade um forte contingente destinado a deter a marcha de escravos que abandonavam as fazendas.

"Em Campinas, assíduo colaborador do jornal de Henrique Barcelos, valente abolicionista, assisti à intervenção do capitão Colatino, parece-me que hoje general, mandando espadeirar os abolicionistas. Estive no meio do povo na célebre noite do quebra-lampiões, em que resistimos à tropa desse capitão, dispersa no seio da massa, para nos espancar.

"Vi senhores embarcando escravos na estação daquela cidade e empregados da Paulista dando agasalhos aos fugitivos até nos vagões de carga.

"Antonio Bento tinha partidários por toda parte. Eram humildes trabalhadores e opulentos proprietários. As mulheres, os velhos, os jovens, enriqueciam as hostes abolicionistas.

"Mas a página brilhante da Abolição foi escrita em Santos, onde era um crime ser escravocrata, e toda a população rejubilava-se de proteger os fugitivos, com Júlio Conceição à frente.

"É uma nota de que nos devemos lembrar. Muito antes do Dr. Antonio Bento, numa reunião de libertos e de estudantes, na qual tomei parte, ficou deliberada a desorganização do trabalho agrícola, pela fuga dos escravos. Mas, só o grande Dr. Antonio Bento teve a subida honra de executar esse programa, pelo menos dois anos depois dessa reunião.

"Colaborei na Redenção até os seus últimos dias e conheço toda a trama para o assassinato do grande chefe abolicionista. Procurava-se com todo afinco o escritor da secção De casaca e sem casaca, com chapéu e sem chapéu.

"Na libertação dos escravos do Ceará, foi Santos que concorreu com o maior óbolo para abrigar os fugitivos, que já se tinham desviado para a Província de São Paulo, e devem existir nos arquivos de Quintino de Lacerda as provas desse fato [68]".

DEPOIMENTO DO CORONEL FELICIANO BICUDO [69]:

"Não fui propriamente um abolicionista santista, porque, saindo de Santos no ano de 1875, passei quase todo o tempo da grande e generosa campanha entregando-me inteiramente a ela, mas sempre apoiado no baluarte libertador que era para todos nós esta importante cidade litorânea, expressão legítima do abolicionismo generalizado, denodado, persistente e vitorioso.

"Santos era o rumo dos infelizes que nós conseguíamos arrancar ao cativeiro, conquistando-os nas cidades, nos sítios ou nas fazendas, de qualquer maneira e contra qualquer risco. Ficávamos satisfeitos quando os púnhamos a caminho do Jabaquara, o famoso reduto santista, e, quando sabíamos que os escravos subtraídos tocavam as raias do município do litoral, deixávamos de pensar neles, para pensar em novos infelizes, porque aqueles já estavam então entregues à própria liberdade, sintetizada pela terra santista.

"Em São Paulo, na generosa e grande São Paulo de José Bonifácio (o Moço), Dr. Fernandes Coelho, Cândido de Carvalho, Antonio de Paiva, Luiz Gama, Antonio Bento, Antonio Paciência, Manoel da Rosa Silveira, Vicente Éboli, Carlos Garcia, Antonio Batista Ebekem, João Joaquim do Nascimento, Roque de Carvalho, Roberto Nelsen, Hipólito da Silva e tantos grandes abolicionistas, cujos nomes não deviam morrer na gratidão do povo, fui o fundador e presidente do famoso Clube dos Abolicionistas do Braz, que tantas estripulias fez em São Paulo e tantos escravos libertou em situações as mais diversas e muitas vezes dramáticas.

"Companheiro de João Ferreira Granja e José Vila Maria, vultos de muito nome na São Paulo Abolicionista daquele tempo, fui, com eles, vítima da mesma prisão, em conseqüência de um furto de escravos que fizemos numa importantíssima chácara da Capital, quando se achava a família entretida com uma festa íntima, se não me falha a memória. Nessa ocasião, deixamos a importante família sem um criado sequer para servi-la, porque todos eram escravos e nós os encaminhamos para Santos, sob mil artifícios. Fomos, por isso, presos e processados.

"Vila Maria e Granja conseguiram, depois de algum tempo, escapar ao processo e deixar a prisão; eu, porém, só consegui desvencilhar-me da polícia, após uma série de circunstâncias, em que, disfarçado de tropeiro, até tive que refugiar-me em Santos, e após ter, algum tempo depois, respondido a júri, no qual fui unanimemente absolvido. Tive aí o oferecimento profissional de inúmeros advogados de São Paulo, mas só me utilizei dos eminentes drs. Fernandes Coelho e Joaquim José Vieira de Carvalho, conhecidos jurisconsultos, sendo este último santista [70].

"Lembro-me, também, de que um dia recebi de Santos um telegrama sem assinatura e somente com estas palavras: Encomenda segue hoje trem 10, espere estação.

"Surpreendido mas desconfiado de que algo de anormal seria, convidei um meu vizinho, grande e decidido abolicionista, membro do Clube do Braz, em cujo bairro morávamos, e fomos ambos para a pequena estação.

"A chegada do trem, tive a felicidade de ver, junto a um latagão espanhol, conhecidíssima preta de Santos, e percebi, imediatamente, que a encomenda era aquela.

"Tomamos ambos o mesmo vagão em que viajavam o senhor e a escrava, e, ao chegar à Luz, enquanto o meu companheiro, homem forte também, fingia um tropeção, caindo sobre o espanhol e atrapalhando-o por momentos, eu tomava a preta pela mão e saía com ela, rapidamente, vagão a fora, passando entre dois policiais que guarneciam a saída da estação e que nos ficaram a olhar, aturdidamente, sem poderem compreender a cena de primeira vista. Num ápice meti a escrava num dos carros da Luz - sendo justo que diga-se de passagem, todos os cocheiros de São Paulo eram abolicionistas e exerceram na campanha relevantíssimo papel - e, duas horas depois, já a tinha escondida num pequeno subterrâneo que fizera em minha casa para esse fim, cuja entrada ficava por baixo de uma grande arca onde guardávamos coisas velhas e objetos de família.

"Antonio Bento soube desse fato mais tarde e gabou muito a habilidade do raptor, mas só soube que fora eu esse raptor no primeiro encontro que tivemos.

"Pela preta subtraída, foi que soube que o telegrama recebido era do Santos Garrafão, a grande figura popular da cidade de Santos, que a avisara do que ia fazer, aconselhando-a a se fazer vista por mim na estação do Braz e a obedecer a todos os meus sinais ou atos em seu favor.

"Assim como eu, muito trabalharam centenas de abolicionistas em São Paulo, sendo justo lembrar os caifazes e os cometas, os chamados caixeiros viajantes, que, no interior, simulando visitas comerciais, aproximavam-se dos escravos pertencentes aos comerciantes visados, com sacrifício dos seus próprios interesses, combinando, com eles, a fuga em massa para Santos.

"Tal foi a atividade dos paulistas numa época em que era crime a proteção ao cativo, e, assim, Santos e São Paulo foram os realizadores da Abolição; nenhum governo, como nenhuma lei ou polícia seria capaz de impedir o grande trabalho libertador das duas cidades, que precipitavam a decretação da Lei Áurea, sob pena de breve e absoluta desmoralização do Governo Provincial e conseqüentemente Imperial, nessa questão importantíssima.

"Como o Tratado de 1750 veio dar ao Brasil os limites já dados ao País pelos Bandeirantes, ratificando apenas o que já fora feito, a Lei de 13 de maio de 1888 apenas fez isso também, ratificou o que já estava e o que vinha sendo feito contra todas as leis e disposições do Governo, e assim como ninguém pode tirar aos Bandeirantes a glória de realizadores da expansão territorial brasileira, ninguém poderá roubar também aos abolicionistas, especialmente aos da antiga Província de São Paulo, a glória da Abolição no Brasil".

DEPOIMENTO DE JOÃO SALERMO [71]:

"A propósito da propaganda abolicionista, recordo-me, dentre outros, dos abolicionistas João José Teixeira, proprietário do Diário de Santos, Aprígio Carlos de Macedo, jornalista e professor público (que com sua esposa Da. Joana Machado, também professora, inauguraram as escolas no prédio construído pelos então Viscondes de Embaré e Vergueiro, à Rua 2 de Dezembro, em que funcionava até pouco tempo o Grupo Escolar Olavo Bilac) [72], Dr. Antonio da Silva Jardim, Dr. João Galeão Carvalhal, Dr. Martim Francisco, João Guerra, além dos republicanos Henrique Porchat, João Bernardino de Lima, Joaquim Manoel Alves Lima, Guilherme Souto, Américo Martins dos Santos, Francisco Martins dos Santos (este Liberal), e, na rapaziada: Gastão Bousquet, Alberto Souza, Constantino Mesquita, Antonio Augusto Bastos, Leopoldo de Freitas, Joaquim Montenegro e tantos outros.

"Existia uma associação de abolicionistas sob a denominação de 27 de Fevereiro, data esta em que, em 1886, foram libertados os últimos escravos existentes em Santos, e, em homenagem ao fato, foi dada a denominação a uma via pública, hoje substituída por Conselheiro Saraiva, autor da lei que libertava os sexagenários.

"O caminho para o Jabaquara era por trás da Santa Casa, encontrando-se à subida da montanha a chácara de Benjamin Fontana e à esquerda do morro o caminho para o Monte Serrate, e no prosseguimento do caminho a estrada era estreita e tortuosa, com destino ao Jabaquara, Canaã dos escravos acolhidos por Quintino de Lacerda. Antes de lá chegar existia um sítio de propriedade de Geraldo Leite da Fonseca, despachante da Alfândega, trabalhando na Casa Augusto, Leubá & Cia.".

DEPOIMENTO DO DR. EVARISTO DE MORAIS [73]:

"Ao movimento abolicionista em S. Paulo está intimamente ligada a existência do famoso Quilombo do Jabaquara, na cidade de Santos, para onde, em regra, convergiam todos os evadidos das senzalas das vizinhanças.

"Antes, porém, de dedicarmos algumas linhas àquela verdadeira instituição abolicionista, cumpre não esquecer a Serra do Cubatão, a cavaleiro de Santos, caminho mais ou menos seguro para o trânsito dos que demandavam o citado quilombo.

"Celebrizou-se Cubatão, nos últimos anos de luta, porque era impenetrável à polícia paulista, sempre receosa de possíveis surpresas e emboscadas dos quilombolas.

"A propósito de Cubatão, ocorre-nos uma espécie de visão profética de Castro Alves. Quando ele, em São Paulo, supunha terminar o poema Os Escravos, comunicava ao seu amigo e cunhado Augusto Guimarães, na Bahia:

"Devo dizer-te que os meus Escravos estão prontos. Sabes como acaba o poema? Devo a São Paulo esta inspiração. Acabam no alto da Serra de Cubatão, ao romper da alvorada sobre a América. É um canto do futuro, o canto da esperança [74].

"No começo de 1888, desciam os quilombolas de Cubatão, quase francamente a Santos, uns voltando para a Serra, outros dirigindo-se definitivamente para o Jabaquara. O número total deles subia, talvez, a dez mil.

"Em Santos, a população lhes era acolhedora, e, em geral, as autoridades não se preocupavam com a sua existência mesmo no centro da cidade, fato observado pelo próprio chefe de polícia provincial e transmitido ao Presidente (N.E. presidente da província, cargo equivalente ao do atual governador estadual). Efeitos inevitáveis da contemporânea reviravolta de Antonio Prado e da atitude conseqüente da maioria dos proprietários rurais.

"Era figura central do movimento um preto sergipano, ex-escravo da firma Lacerda & Irmãos, por nome Quintino. Tomara o nome dos seus ex-senhores, que, aliás, o tiveram em grande estima: ficara sendo Quintino de Lacerda [75].

"Durante a presidência do Barão de Parnaíba e do Conselheiro Rodrigues Alves, surgiram pretensões de cercar a serra e capturar os escravos, que ali se haviam refugiado, mas nunca se chegou a tentar essa arriscada empresa.

"Muito haveria, se nos sobrasse espaço, para recordar acerca desse destemido e generoso chefe do Quilombo do Jabaquara, de quem Gastão Bousquet - um dos bons trabalhadores em Santos, pela causa dos escravos - disse que era 'um herói abençoado'.

"Efetivamente, ele exprimia o traço de união entre a cidade hospitaleira e os fugidos do eito. Sua simpatia, sua dignidade pessoal, sua coragem, davam-lhe o suficiente prestígio para manter no respeito e no trabalho aquelas centenas de criaturas cheias de justificados ódios, de insofridas ambições, de anseios de toda ordem.

"Chegou a ser, na expressão de Silva Jardim, que bem o conheceu, 'uma garantia da ordem para a cidade', pois exercia o cargo de inspetor do seu quarteirão (era Quintino, por seu turno, grande admirador de Silva Jardim, cujo nome escolheu para título de um batalhão patriótico, por ocasião da Revolta da Armada).

"Auxiliar valoroso de Quintino foi o português Santos Garrafão, intermediário do Quilombo e da Praça de Santos, onde o comércio era todo pelos escravos (seria imperdoável esquecer aqui o nome de Júlio Conceição, que, ao movimento abolicionista em Santos, prestou serviços de destaque, merecendo, por isto mesmo, homenagens da Confederação Abolicionista, a competente aferidora das atividades úteis ao mesmo movimento).

"Prestimosa testemunha de todo o movimento popular abolicionista de S. Paulo, nos últimos tempos (testemunha que nele exerceu salientíssimo papel) forneceu-nos as notas que se seguem, além de outras já por nós utilizadas.

"Onde, porém, o abolicionismo dominou todas as consciências, numa impressionante unanimidade de opiniões, foi na cidade de Santos. Desde que um escravo conseguia pisar as ruas daquele porto, era de fato homem livre, e, de mais a mais, encontrava emprego remunerador para seus braços.

"Na cidade de Santos guiavam o movimento popular Quintino de Lacerda e Santos Garrafão, fundadores do Quilombo do Jabaquara [76], Júlio Maurício e Vanssuitem, antigo sargento do exército[77]. Nos grupos proletários, estes eram figuras estimadíssimas.

"Henrique Porchat, rico proprietário e industrial, nunca mediu seus esforços para libertar cativos. Tornou-se ele, posteriormente, a mais preponderante influência republicana naquela cidade [78].

"Xavier Pinheiro, intransigente adversário da República, foi sempre um abolicionista intemerato e útil. Dono de caieiras, lá acoutou muitos fugitivos.

"Dois influentes republicanos da propaganda levaram todo o seu partido em Santos para o abolicionismo: Américo Martins dos Santos e Guilherme Souto.

"O poeta Vicente de Carvalho, desde mocinho, se entusiasmou pela santa causa. Formado em Direito, abriu sua banca de advogado na cidade de seu berço, ao mesmo tempo que negociava em sacos de aniagem. Na oficina de sua indústria asilou perseguidos. Sua enorme inteligência constituía o elemento intelectual de maior fulgor que o abolicionismo contava em Santos [79].

"Citei apenas os nomes que, de pronto, me ocorrem. Lembrar todos seria fazer o recenseamento da população, porque seria impossível descobrir entre os santistas um escravocrata [80].

"É São Bernardo uma vila situada nas base da Serra do Mar, entre Santos e São Paulo, ponto de passagem quase obrigatório para os que, do interior, demandavam o solo livre de Santos. Os companheiros que ali favoreceram nossas empresas foram o Dr. Luiz Flaker, o professor normalista Lindolfo e o coronel João Teco" (aqui termina a informação da testemunha do movimento, prestada a Evaristo de Morais).

"Servindo-nos dos jornais da época, da tradição oral e dos dois relatórios, façamos sucinta narração das ocorrências, que tamanhos sobressaltos motivaram.

"Os escravos, sem haver cometido qualquer atentado pessoal ou contra a propriedade, saíram de Capivari, e, como se dirigissem para Santos, tiveram de atravessar Itu. Seu número passava já de 100.

"No entanto, fora ao seu encontro uma pequena força policial, fiada, provavelmente, na antiga passividade dos escravos.

"Sem embargo da intervenção da força, os retirantes, sempre com rumo a Santos, seguiam pela estrada velha, quando próximo à Vila de Santo Amaro, nas vizinhanças de São Paulo, se deu o embate com outra força (esta da cavalaria) que o governo mandara ao seu encalço. Sucedeu que os soldados tinham inutilizadas as clavinas em razão da chuva. Atacaram, pois, os pretos, a arma branca e patas de cavalo.

"O encontro foi muito sério. Morreram um soldado e um preto (fatos posteriores vieram demonstrar dois equívocos no jornal paulista: os escravos não eram somente de uma fazenda e o seu número era superior) [81].

"O governo paulista, apavorado, ao mesmo tempo que pedia ao governo central auxílio de tropa de linha, expedia ao encontro dos retirantes uma força de 60 praças, sob o comando do tenente-coronel (capitão do Exército) Canto e Melo. O chefe de polícia, em pessoa, acompanhava a força.

"Já então se sabia em São Paulo que os pretos reagiam contra os soldados gritando:

"- Liberdade ou morte! Viva a Liberdade! Aqui ninguém se rende, preferimos morrer!...

"Afinal as autoridades desistiram da ofensiva. Adotaram novo plano: cercar os retirantes na fralda de Cubatão, caminho de Santos, tomando ali posição defensiva.

"Não logrou êxito a estratégia. Pelos matos, sorrateiramente, os escapos ao cativeiro lograram atingir a que era sua almejada Canaã, o alto daquela serra de onde, a pouco e pouco, desceram em grande número para Santos".

Encerramos com este depoimento o histórico do movimento da Abolição na cidade de Santos, com todas as suas ligações e articulações, no tempo e no espaço, isto é, na área cronológica (1823 a 1888 - de José Bonifácio à Princesa Isabel) e na área geográfica (Santos - Província de São Paulo - Brasil).

[...]

Notas:

[62] O Estado de S. Paulo - Inquérito histórico sobre a Abolição entre os abolicionistas vivos - 1926.

[63] O Estado de S. Paulo - Inquérito histórico sobre a Abolição entre os abolicionistas vivos - Coleção de 1926.

[64] Américo Martins comprometeu quase totalmente a boa fortuna que então possuía, chegando mesmo a dificuldades, mais tarde, em conseqüência do gasto excessivo que fizera nas duas campanhas.

[65] Depoimento escrito e enviado ao autor desta obra, em 5 de janeiro de 1937, e já publicado anteriormente no Diário, de Santos.

[66] Sempre pensado e falado, jamais foi levado a efeito este monumento à mais bela e mais rica de todas as páginas históricas da cidade.

Na Comissão do Plano da Cidade, existe trabalho produzido pelo autor desta obra, a convite da mesma Comissão e como representante do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, com a idéia da praça a ser criada em frente à saída do túnel, em pleno coração do antigo Jabaquara, na bonita avenida que lá existe agora; da praça e do monumento à Abolição a ser levantado nela.

A sugestão foi aceita e incluída na planta que faz parte do Plano da Cidade, a ser obedecido pela Diretoria de Obras e pela de Serviços Públicos. Entretanto... até agora nada, embora já possuamos os monumentos ao pescador, ao remador, e, decerto, muito breve, ao tenista, ao pugilista e ao jogador de futebol... como reflexos da mentalidade dominante.

[67] Depoimento igualmente publicado no jornal O Diário, de Santos, e fornecido depois ao autor desta obra, pelo próprio depoente, que se encontrava no momento em casa de Júlio Conceição, no famoso Parque Indígena, hoje desaparecido.

[68] É muito importante esta revelação de Carlos Escobar, o primeiro diretor da Escola Barnabé e grande propugnador da sua criação, defendendo a aplicação do legado Barnabé Francisco Vaz de Carvalhaes. Santos estava em toda parte, lutando pela Abolição.

[69] Depoimento entregue pessoalmente ao autor desta obra pelo depoente em casa da família Jocelyn Traindade, que era a casa de sua filha e de seus netos, no ano 1936 e ainda em vida de Jocelyn.

Foi nos braços deste grande abolicionista que morreu, em 1874, vitimado pela febre amarela, o precursor Xavier da Silveira.

[70] Este Joaquim José Vieira de Carvalho, defensor de Feliciano Bicudo, era filho do outro advogado de igual nome, que, em 1839, era presidente da Câmara Municipal de Santos e presidiu à solenidade e às festas da elevação de Santos à categoria de Cidade. Nesta família nasceria o grande Arnaldo Vieira de Carvalho, cirurgião afamado e fundador da Faculdade de Medicina de S. Paulo.

[71] O capitão João Salermo era um dos chefes de secção e diretores da Prefeitura Municipal de Santos. Seu depoimento nos foi entregue pessoalmente, em fins de 1936.

[72] Hoje, no lugar, funciona a Caixa Econômica Estadual (N.E.: informação de 1986, data da republicação da História de Santos).

[73] Pedimos a Evaristo de Morais um depoimento sobre a Abolição, na parte referente a Santos e S. Paulo. Foi isto em meados de 1936. Em resposta enviou-nos o grande criminalista, orador e historiador, esta transcrição do seu próprio livro A Campanha Abolicionista, declarando que considerássemos aquela transcrição o seu depoimento pessoal, pois não poderia fazer melhor, a não ser com muito vagar. Trata-se, é fácil reconhecer, de um grande depoimento, que se completaria com os dizeres de sua longa carta de 25 de junho de 1938, apreciando a primeira edição desta obra e, principalmente, o nosso capítulo sobre a Abolição, na qual, modestamente, confessava "ter aprendido muito num assunto que pensava conhecer bastante e que, em verdade, conhecia bem pouco", o que para nós era uma consagração.

[74] A epopéia santista da Abolição proporcionou matéria e inspiração a escritores, historiadores e poetas. Quanto aos poetas maiores, aí está a confissão de Castro Alves, em relação aos seus Escravos. Vicente de Carvalho tem outra confissão semelhante em seu Fugindo ao Cativeiro, cuja inspiração evidente é o Jabaquara, objetivo principal das fugas em massa e dos fujões.

[75] Era isto comum entre os escravos e ex-escravos, talvez em todo o Brasil, por gratidão e preito de admiração aos bons amos, senhores e ex-senhores. Muito pesquisador cometeu enganos em conseqüência disso. Ainda há pouco tempo um historiógrafo de Santos tomava Antonio Martins dos Santos, ex-escravo, pelo capitão Antônio Martins dos Santos, seu ex-senhor, ex-deputado provincial, ex-presidente da Câmara de Santos e conselheiro da Província de S. Paulo...

[76] Quintino de Lacerda e Santos Garrafão não foram os fundadores do Jabaquara. Os fatos estão bem esclarecidos neste capítulo. Júlio Maurício e Wansuit também não eram orientadores do povo, no sentido aqui dado à sua atuação; eram sim grandes colaboradores dos chefes do movimento popular e social.

[77] Wansuit e não Vanssuitem, não fora sargento do Exército e sim Imperial marinheiro. Houve engano do informante de Evaristo de Morais. Um filho de Wansuit - Eugênio Wansuit -, antigo campeão de futebol, era valente e forte como o pai.

[78] Sempre houve muita confusão entre Henrique Porchat (Henry Porchat), o pai, que era belga (N.E.: citado pelo pesquisador Olao Rodrigues como sendo suíço, de Genebra), e Henrique Porchat, o filho, que era muito jovem na campanha da Abolição e da República, e já nascido em Santos. É preciso cuidado no trato destas duas figuras. O filho formava entre os moços dos dois movimentos. Xavier Pinheiro podia ser pai dele, pela idade.

[79] Há evidente exagero ou erro de observação de parte do informante de Evaristo de Moraes, com grave injustiça aos numerosos e fulgurantes talentos, às grandes e até notáveis inteligências e culturas militantes na campanha, como Silva Jardim, Martim Francisco, Júlio Ribeiro, Rubim César, Gastão Bousquet, Emílio Ruéde, Alberto Souza, Alexandre Martins Rodrigues, Augusto Fomm, Luiz Ernesto Xavier, Carlos Escobar, Sílvério Fontes, João Guerra, Sacramento Macuco, Manoel Maria Tourinho, Sóter de Araújo, Cunha Moreira e outros ainda; vários deles conhecidíssimos, apenas alguns menos conhecidos dos nossos dias; todos, porém, de alto gabarito intelectual cultural e moral, formando mesmo uma admirável e rara constelação de valores do gênero, o que não deixava de ser uma das características valiosas do movimento e uma das razões da sua força, considerada a época em que ele se desenrolava, sabido que contava também com a força econômica e financeira, em conjugação.

[80] Outro exagero do informante. Em Santos nem tudo foi "mar de rosas" até 1886. Houve, até então, muitos Conservadores, que, por disciplina política e tradição, se mantiveram escravocratas até ali. Negociantes, traficantes e agiotas, proletários e burgueses continuaram escravocratas até então. Naquela altura é que houve, por diversas razões, a unanimidade, quase absoluta, da população, no sentido da Abolição, coroando um longo, sacrificado e custoso trabalho dos abolicionistas de todos os tipos e de todas as idades.

[81] Eram mais de 300 quando contornaram S. Paulo, a caminho de Santos.

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