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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - IGREJAS - Capelas e oratórios
Capelas e oratórios da Baixada Santista [42]


A passagem do tempo e as ações humanas vão levando consigo os vestígios de muitas construções de caráter religioso, como os inúmeros oratórios e as capelas espalhadas pelo terreno hoje ocupado pelas cidades da Baixada Santista. Em alguns casos, fica a memória. Em outros, até ela se vai, por não ser apoiada pelos vestígios de sua existência, que faz com que as lembranças se esfumem até desaparecerem ou virarem mitos e lendas. Por isso, o pesquisador de História e professor Francisco Carballa procurou recuperar essas memórias e relacionar as edificações religiosas menores, neste relato por ele enviado em novembro de 2015, para publicação em Novo Milênio:

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Capelas e igrejas particulares

Francisco Carballa

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[42] Capela de São Benedito da Rua Visconde de São Leopoldo

A Irmandade de São Benedito teve o seu endereço por cerca de 36 anos na Paróquia de Santo António do bairro do Valongo. Quiçá já em 1640, com a construção da igreja e do convento, ela já existiria, mas, como tantas irmandades, elas só seriam reconhecidas oficialmente no final do século XVIII
[17].

Até o ano de 1928, ela ainda estaria ocupando o seu lugar e altar na Igreja do Valongo [18], onde antes diziam haver uma capela que foi demolida por causa da venda do convento para a construção da E. F. Santos Jundiaí [19]. Assim, para manter a devoção, mais tarde colocaram o santo no segundo altar do lado direito de quem entra no templo cristão que ainda pode ser visitado. Os frades, pela forte tradição que havia no bairro ligado a São Benedito, trataram de colocar uma cópia mais simples em gesso do santo etíope, quando a irmandade saiu dali.

O início da construção, muito simples, se deveu à doação do terreno feita pelo devoto dr. Carlos Eduardo F. da Silva em 1898, conforme se lê em documento garimpado nos arquivos da irmandade pelo Irmão Sílvio Martinez Claro, que pelo que se entende se deveu ao prazo estipulado e ao pouco dinheiro que a mesma irmandade possuía. Sendo assim, está transcrito o que consta nesse documento, que marca o início da desaparecida capela:

Nº97
Doação
Data - 22 de julho de 1898
Outorgante - Dr. Eduardo Carlos F. da Silva
Outorgada - A Irmandade de São Benedito de Santos
Valor - 1.200.000
Vencimento – Nada consta.
Juros – Nada consta.
Objeto – Um terreno para ser edificada a Igreja de São Benedito dentro de dez anos.
Rua e Número – Rua Visconde do Embaré
Bairro - Paróquia de N. S. do Rosário de Santos.
Tabelião – 2º de Santos
Livro – F 2
Folhas – 116 V
Registro do Livro 1 folhas 1ª /3
Observações – Não consta nada ou se perdeu.


Documento de doação do terreno da capela

Imagem enviada a Novo Milênio por Francisco Carballa

Ainda com endereço no bairro do Valongo, podemos ver que a mesa administrativa se reuniu no dia 20 de agosto de 1911, conforme a data que pode ser lida na página 21 do livro de atas, onde são tratados vários assuntos como a doação  para a Irmandade, por uma senhora de nome Bárbara, de um imóvel na Rua do Rosário.

Mais adiante, na página 22, temos esse trecho: "O irmão João Lisboa fala sobre o mau estado em que se acha a capela da Irmandade sita à Rua Visconde do Embaré, perguntando se as pessoas que lá habitam são irmãos desta Irmandade. Com referência a esse assunto, foi lembrada pelo irmão Domingos Pessoa a conveniência em benefício da Irmandade que se dá a pessoa que habitar essa capela, não só a obrigação de a tratar convenientemente, trazendo-a sempre com asseio, como também a de zelar pela quadra que a Irmandade tem no Cemitério, trazendo assim uma economia de 10$000 mensais, que é quanto a irmandade dispõe com esse serviço. Posto em votação e aprovado esse alvitre, ficou o irmão escrivão autorizado a oficiar ao senhor Miguel, atual morador na capela, nesse sentido, e ao senhor Francisco Gomes, zelador do cemitério, dando a ciência dessa deliberação (...)".


Página 22 (parcial) do livro de atas

Imagem enviada a Novo Milênio por Francisco Carballa

Pouco tempo mais adiante, vem de novo o assunto da capela, constando na ata de reunião de 30 de abril de 1915, na página 42, o trecho onde se lê: "... a escritura de um terreno onde se acha em ruínas a capela da irmandade e bem assim um testamento de doação à mesma irmandade". [20].

Já há muito tempo um ex-irmão de São Benedito, o saudoso Clóvis Benedito de Almeida [21] se referia a essa capela, que existiu até pelo menos a década de 50 do século XX, e com seu pai várias vezes esteve ali.

Ele dizia que ela estava localizada na Rua Visconde do Embaré, bem de frente para a Rua Alexandre Rodrigues, em um quintal, rodeada por várias casas, as quais eram alugadas por um português [22]. Uma pequena capela de sua propriedade mais tarde passaria para a Irmandade de São Bendito.

Realmente, essa capela esteve sob a tutela da dita irmandade, o que pode ser marcado até os anos 50, pois as casas seriam demolidas e ali seria construído um grande armazém, como se fazia na época [23]. Segundo o mesmo irmão, as imagens foram levadas para a igreja da Irmandade.

Num dia chuvoso da década de 1950, o bonde prefixo 264, na linha 1, abalroou o caminhão de placas 49-20-03, na Rua Visconde do Embaré, defronte ao número 46

Foto: arquivo da Polícia de Santos, cedida a Novo Milênio pelo pesquisador Waldir Rueda

Para termos uma referência desse momento, temos conhecimento de uma fotografia do acidente com um bonde da linha 1, prefixo 264, quase em frente ao local, e podemos perceber que existe um conjunto de casas do estilo em voga nos anos 30 e ao lado das mesmas um terreno, o que indica que a vila ou conjunto de casas já não existiriam. Podemos perceber ainda a calçada padrão da época toda quebrada, assim como entulhos encostados na parede da casa vizinha. Hoje, o local pertence à prefeitura de Santos, é onde está localizado o terminal rodoviário de ônibus municipal.

Foi um local conhecido de devoção popular por parte dos antigos santistas daquela região. Havia um desnível do solo que lhe conferia certo ar de subida, pois, da Rua Visconde do Embaré para a Avenida Getúlio Dorneles Vargas, existia pelas proximidades do morro uma elevação do solo. Durante a construção do terminal, foi adequado e aplainado o terreno, que ainda apresenta alguma elevação.

Pela sua localização. mesmo pertencendo à irmandade a área ao Valongo, ou estando próxima do mosteiro de São Bento, quem atendeu essa capela nas celebrações das missas foram os padres seculares - motivo que pode ser explicado devido à origem da irmandade.

Essa capela nada mais era do que um cômodo pequeno, sendo desconhecida a existência de uma planta ou material que nos permita identificar a época [24].

Podemos apenas supor que possivelmente fora um depósito antigo, mas que -  pela necessidade ou desejo, demonstrando a forte devoção do proprietário - fora adaptado para servir como oratório [25].

Dentro, havia um pequeno altar, simples com seus degraus, tendo a imagem de São Bendito ao centro, ladeado por São Roque e Santo Onofre - com a cornucópia aos pés, curiosidade das imagens antigas de manufatura popular dos artistas, onde o santo seria o portador da fartura [26] de Deus, sendo também (como até hoje) invocado contra o alcoolismo e como protetor das meretrizes cristãs.

Seu frontão seria em formato de um triangulo, acompanhando as duas águas do telhado. Nele havia, fixada em mármore branco, uma figura do Divino Espírito Santo descendo dentro de um triângulo. Sua porta era curva, típica do período neoclássico em voga desde a metade do século XIX, mas careço do detalhe preciso da bandeira de porta.

O citado senhor, de origem portuguesa, alugava as casas do local - que seria uma vila, mas às vezes pode nos dar a ideia de um cortiço [27].

Remanescente dessa capela, existe apenas a pequena imagem de madeira que ainda se mantém no patrimônio da mesma irmandade: vemos o santo em pé, segurando nos braços o menino Jesus [28], com um lindo solar português, o que indica sua possível origem com características do século XIX. Já a imagem de São Roque - que um dia esteve na atual capela de Santa Cruz, antes conhecida por capela de São Benedito - tem seu paradeiro ignorado, assim como a de Santo Onofre.


NOTAS:

[17] Ocorriam muitos problemas entre o clero e as irmandades ou irmãos, quando houve a obrigação de fazer um registro em cartório das mesmas, para passarem a existir oficialmente e com certos direitos jurídicos - forma que lhes permitiriam administrar os bens imóveis que recebiam por doação de fiéis, devotos ou irmãos que preferissem deixar esses bens para que deles fossem aproveitados os rendimentos em favor da manutenção da devoção, altar, ou até da igreja. Por isso ocorreu o registro jurídico dessas irmandades, como a de São Benedito, assim instituída em 4 de abril de 1780 na antiga Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário de Santos.

[18] Sabemos que o prédio foi vendido em 1867 para a construção da futura estação de trens e começou a demolição da parte direita do convento, que segundo se dizia tinha uma capela dedicada a São Benedito.

Vendo a que ainda existe, pertencente aos irmãos da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, que está do lado esquerdo, podemos imaginar que fosse assim, mas como até o momento não temos uma planta da época, pouco sabemos de suas dimensões e do destino das ossadas presentes no seu piso, só a suposição de que existiu.

Também faço aqui a menção que em 1977 havia ainda guardado um gradil com entalhes em ferro fundido e o portal semelhante na arte ao que existe na capela de São Francisco, mas fora tudo vendido para o ferro velho por um frade, a contragosto do senhor Rivela, que era irmão e trabalhador na manutenção da igreja. Este senhor dizia ter zelado por aquele material por muitos anos e que o mesmo havia pertencido à capela de São Benedito da igreja.

[19] Ainda está guardado com carinho pela irmandade um antigo crucifixo que teve sua base refeita e escrita nela pode ser lido ISB – VALONGO SANTOS 1927, no que se traduz como Irmandade de São Benedito, Valongo que seria o endereço da mesma e a cidade que é Santos e a data do restauro do crucifixo que pertencia à irmandade 1927, assim se verifica uma transferência mais organizada e com demora, pois já estariam desde 1926 ocupando a igreja de Santa Cruz que passou a ser conhecida como igreja de São Benedito.

[20] Tanto o patrimônio sacro quanto as atas da Irmandade de São Benedito sofreram muito com as constantes mudanças de endereço, ficando muitas de suas imagens ainda nos nichos da Igreja agora conhecida como Santa Cruz ou São Camilo: ficaram partes da banqueta de altar, mobília e objetos sacros, assim como podem ter ficado atas ou documentos. Como ocorreu com quase todas as irmandades quanto à preservação desses documentos, o papel era destruído por insetos ou umidade, sem que se pudesse fazer alguma coisa, ou simplesmente por furto, como ocorreu com tantas irmandades santistas vítimas de colecionadores ou do descaso das autoridades competentes.

[21] Admitido em 1950, saiu dessa irmandade em 1963 devido a problemas particulares, mas nunca se esqueceu dela ou deixou de perguntar sobre ela e seu padroeiro; faleceu em 30 de junho de 2015.

[22] Aqui a referência vai de acordo com as atas da irmandade. Pelo que foi possível entender, designava-se um irmão para tomar conta da capela e das casas, não se sabendo aliás seu número exato ou se eram apenas cômodos.

[23] Com a expansão do porto e da exportação do café, muitas casas próximas ao cais e terrenos com baixo preço começaram a ser comprados por comerciantes, que demoliam as instalações antigas e construíam armazéns sem o mínimo critério de diferenciação entre bairro residencial e bairro comercial, o que ajudou a despovoar esses locais. Na sequência, o comércio foi embora e ficaram os armazéns abandonados, em ruínas. Seria necessário reciclar essas áreas com prédios modernos para moradores e assim reaproveitá-las, como o fez o comendador Neto em meados do século XIX.

[24] Se houvesse algum fragmento da parede saberíamos da época da construção e não da adaptação como local de preces, pois, se fosse de adobe ou barro batido, seria do século XVI/XVII; se de pedras de construção com argamassa de sambaqui, seria do século XVII/XVIII/XIX; se com tijolos de barro cozido, seria de meados do século XIX a início do XX.

[25] Recorde-se que muitos oratórios nada mais eram do que capelas de pequenas proporções, construídas para servir como espaço de oração, principalmente quando o lugar era tomado por chácaras ou sítios e os donos faziam questão de ter esse local em sua propriedade com a sua devoção. Também me contavam os antigos que havia uma capelinha tipo barracão na região da Ponta da Praia lá pelos anos 1940, tendo ao seu lado uma nascente: nunca achei outra referência da mencionada capela, o local onde existiu uma nascente que me relataram foi na Rua Bernardo Browne, onde o ditado popular também foi associado a essa fonte: "Onde há nascente, nada vai pra frente".

[26] A capela era visitada por pessoas que recorriam a Santo Onofre. até hoje invocado contra o alcoolismo e protetor das meretrizes cristãs. Isso lhe garantiu, numa cidade portuária, muitas visitas. Pela descrição da mesma, podemos ter ideia de que era muito antiga e semelhante à São Benedito, de manufatura única, mas sem referência do tamanho.

[27] Eram essas vilas feitas em antigos terrenos de grandes proporções que mais tarde foram divididos em lotes menores, quando se começou a construir conjuntos de casas populares geminadas. Isso fez aparecer uma nova divisão de terrenos existentes e desaparecerem os grandes quintais que um dia mantiveram cavalos, porcos, galinhas e até hortas. Para atender a demanda de moradias, pois o porto atraia muitas famílias de imigrantes e trabalhadores que precisavam de um local para viver, por mais pequenos e simples que fossem, a solução estava nos grandes quintais que podem ser vistos nas fotos antigas. Eles foram então, às pressas, divididos em pequenas moradias uma ao lado da outra, feitas com matérias impróprias como telhados de latão ou madeiras recicladas. Essa explosão demográfica mal acomodada foi um dos principais motivos de queixas por parte da Comissão Sanitária de Santos, pela falta de higiene, com fossas ao lado de poços d’água, contaminando o líquido tirado do poço. Também a água armazenada em tinas ficava contaminada e crivada por mosquitos que ali faziam seus criadouros, disseminando a febre amarela e demais doenças. Estas eram também transmitidas pelos ratos, pois na maioria dos casos não havia piso nessas moradias, apenas terra batida.

[28] São Benedito de Palermo segura nas mãos uma criança que ressuscitou após ser atropelada por uma carruagem, mas na tradição popular prevaleceu o momento em que Nossa Senhora lhe apareceu e deixou-o segurar o menino Jesus Cristo.


BIBLIOGRAFIA

- Pesquisa de campo
- Atas da Irmandade de São Benedito de Santos do ano de 1911 e 1915.
- Arquivos da Irmandade de São Benedito.
- Entrevista com munícipes e com o provedor da I. S. B., Daciano Rodrigues Rocha.
- Novo Milênio - O Bonde.
- A Comissão Sanitária de Santos - 1919.
- Clóvis Benedito Farias de Almeida, falecido em 2015 – In memorian.


Imagem de São Benedito de Palermo

Imagem enviada a Novo Milênio pelo professor e pesquisador Francisco Carballa

 


A imagem de São Benedito, no altar da capela de São Benedito

Foto: acervo da Irmandade de São Benedito, enviada a Novo Milênio por Francisco Carballa

 


A capela, na descrição feita por Clóvis Benedito de Almeida, falecido aos 86 anos em 30/6/2015

Imagem enviada a Novo Milênio pelo professor e pesquisador Francisco Carballa

 


Uma celebração festiva no local da capela, possivelmente em fins da década de 1950

Fotos: acervo da Irmandade de São Benedito, enviada a Novo Milênio por Francisco Carballa