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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - 250
250 anos depois (4)

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Em 2013, Santos comemorou os 250 anos do nascimento de José Bonifácio, culminando os festejos em 13 de junho, quando a cidade se tornou por um dia a capital do estado de São Paulo, graças a um antigo decreto, reeditado. Durante o primeiro semestre, o jornal santista A Tribuna publicou também uma série mensal de seis reportagens sobre a vida e obra do Patriarca da Independência. A primeira foi publicada na edição de 13 de abril de 2013, página A-8:


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O homem que desenhou o futuro do Brasil

 

Viviane Pereira [*]

Colaboradora

"Defender por todos os meios a integridade, categoria e independência do Brasil, como Reino, e a constituição legítima do Estado". O juramento ecoava no prédio da Rua da Guarda Velha, no coração do Rio de Janeiro, no dia 2 de junho de 1822, na reunião que criava a sociedade secreta Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz.

Os participantes faziam seu juramento: "promover,com todas as minhas forças e a custo da minha vida e riqueza materiais, a integridade, a independência e a felicidade do Brasil, como império constitucional, opondo-me tanto ao despotismo que o altera como à anarquia que o dissolve".

O discurso parece uma conspiração para derrubar o príncipe-regente Dom Pedro. E poderia passar como tal, não fossem as assinaturas na ata da reunião onde constam os apelidos Rômulo – seguido das iniciais D.P.A - e Tibiriçá – J.B.A.S.. As siglas referem-se, respectivamente, a Dom Pedro de Alcântara e José Bonifácio de Andrada e Silva, então ministro e principal conselheiro do príncipe-regente.

A sociedade criada por Bonifácio era mais um braço da maçonaria, entidade que esteve por trás das grandes ações envolvendo a Independência do País. Sua atuação ficou mais intensa no momento em que se agitaram as águas do mar da política brasileira, quando D. João VI deixou o Brasil rumo a Portugal, em 24 de abril de 1821.

Como nasce um patriarca - Para entender o que levou o homem que já era cientista, poeta, militar e metalúrgico a assumir sua vocação política e conduzir como um maestro as ações que o fariam receber o título de Patriarca da Independência, é preciso voltar dois anos na história. Em agosto de 1819, José Bonifácio, com 56 anos, retornou ao Brasil, depois de viver 36 anos em Portugal.

Bonifácio dizia que queria apenas "viver e morrer como simples roceiro", no seu Sítio dos Outeirinhos, em Santos, sua cidade natal. Por isso, recusou convite para ser ajudante de ministro e reitor de instituto acadêmico. Porém, achando sua cidade abandonada, já não tinha tanta certeza de que conseguiria viver longe da política.

Com o espírito de quem garantia que pela felicidade de sua terra daria a última gota de seu sangue, em 20 de maio de 1821 Bonifácio se viu envolvido na vida política, aclamado vice-presidente da Junta Governativa de São Paulo.

O articulador nos bastidores - O momento era crítico no cenário nacional, especialmente devido às divergências entre as províncias. Na Bahia, predominava a subordinação à Lisboa. Pernambuco acalentava a esperança de um golpe político com a instalação de um governo republicano.

Bonifácio liderava o grupo que percorria o caminho do meio: sabia da importância da Independência, mas acreditava na integridade nacional pelo governo geral do Rio de Janeiro.

O clima esquentou com um documento que chegou de Lisboa em 9 de dezembro de 1821, indicando o desmembramento do Brasil com a criação de governos independentes subordinados à Coroa Portuguesa e mandando que Dom Pedro regressasse a Portugal.

O material atiçou o furor de José Bonifácio. Ele queria dar voz ao brasileiro que não iria mais se deixar dominar. Com seu jeito passional, redigiu a carta, datada de 24 de dezembro de 1821, que foi enviada ao príncipe regente. "... ferveu em nossos corações uma nobre indignação (...) V.A. (Vossa Alteza) Real deve ficar no Brasil (...) Se V.A. Real estiver (o que não é crível) pelo deslumbrado e indecoroso decreto de 29 de setembro, além de perder para o Mundo a dignidade de homem e de príncipe, tornando-se escravo de um pequeno número de desorganizadores, terá também que responder, perante o céu, do rio de sangue que decerto vai correr pelo Brasil".

A carta de Bonifácio, que chegou ao Rio em 1º de janeiro de 1822, era a força que Dom Pedro precisava para tomar a decisão. O texto foi publicado no jornal Gazeta do Rio em 8 de janeiro e, no dia seguinte, Dom Pedro fez o anúncio: "Diga ao povo que fico".

Pouco mais de uma semana depois, no dia 16, Bonifácio foi nomeado ministro do Reino e dos Estrangeiros. Pela primeira vez o cargo era ocupado por um brasileiro.

Dom Pedro tinha então 23 anos. Bonifácio, quase 60. A jovialidade do santista, seu modo brincalhão e zombeteiro, de fala sincera e sem meias palavras, encantou o jovem regente. Além do jeito alegre, ambos tinham em comum o tom bravo e a impetuosidade.

Logo de início o novo ministro determinou que toda ordem vinda de Portugal deveria ser submetida a Dom Pedro. Para resguardar a unidade nacional, indicava a união das províncias com respeito ao regente.

Quando o príncipe fez uma viagem a Minas Gerais, para acalmar os ânimos naquela província, José Bonifácio substituiu Dom Pedro e ouviu histórias sobre um golpe ao governo. Em carta, narrava ao príncipe: "Eu que nada temo, ainda costumo rondar a pé a cidade, porém com mais cuidados para não dar caneladas (...) não durmo e vigio sobre tais energúmenos".

Como soube que os conspiradores dariam o golpe em 18 de abril, quando haveria eleições para o Conselho de Procuradores, adiou a votação e determinou a prisão de vários portugueses apontados como apoiadores da revolta.

Sua atuação foi assim, sem poupar esforços para a emancipação brasileira: mandou emissários para reunir as províncias do norte, estimulando conspirações contra o reino luso, formou exército, deu início à marinha de guerra...

A grande obra - "Deus lhe de anos bastantes de vida para, de comum acordo comigo, acabarmos a grande obra", escrevia o príncipe ao seu ministro. A grande obra era a Independência do Brasil.

Com o interesse na preparação da emancipação, a maçonaria cresceu e, em maio de 1822, com a união das lojas existentes, formou-se o Grande Oriente do Brasil. Apesar de fazer parte de uma das lojas, por conta de divergências internas José Bonifácio fundou o Apostolado em junho, chefiado por Dom Pedro, com o título de arconte-rei.

Depois de negociações e acordos na maçonaria, o santista, que usava o pseudônimo de Pitágoras, foi eleito o primeiro grão-mestre do Grande Oriente do Brasil. Meses depois levou Dom Pedro para a maçonaria, que ali assinaria como Guatimozim – o príncipe regente seria o próximo grão-mestre.

São Paulo vivia um período turbulento e Dom Pedro viajou àquela província em 14 de agosto, para apaziguar os ânimos. Sua esposa, Leopoldina, que era amiga de Bonifácio, ficou na regência.

No final do mês chegaram notícias de que Portugal resolveu tirar a força política de Dom Pedro. Indignado, Bonifácio escreveu uma carta ao príncipe:

"O dado está lançado e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha V. A. quanto antes e decida-se porque irresoluções e medidas d´água morna, à vista desse contrário que não nos poupa, para nada servem e um momento perdido é uma desgraça".

O documento chegou a Dom Pedro às 16h30 do dia 7 de setembro, às margens do Rio Ipiranga. Acredita-se que a carta do ministro tinha as palavras de passe do Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz: "Independência ou Morte".

Era a senha de Bonifácio para que Dom Pedro mudasse os rumos da história do Brasil.


Ilustração: cartunista DaCosta, publicada com a matéria

O que ele disse

"A sociedade civil tem por base primeira a justiça, e por fim principal a felicidade dos homens".

"Em vão o sábio ama a paz e o retiro: deve aos outros, a quem pode guiar, seus profundos pensamentos e seu engenho regenerador. Se a razão desenganada busca viver longe das paixões e dos acasos da fortuna, e ri das vaidades humanas, há circunstâncias que reclamam seus serviços à humanidade".

 Ajudante-de-ordens


Era comum a casa de José Bonifácio funcionar como sede do governo, sendo importantes documentos ali assinados. Também não era raro ver Dom Pedro ir ao local quando precisava conversar com seu ministro, em vez de mandar chamá-lo. Montava em seu cavalo e ia ao Largo do Rossio, esquina da Rua do Sacramento.

Por conta disso, falas maldosas davam conta de que certo dia um representante consular passava na frente da casa do ministro quando ouviu alguém perguntar se o príncipe regente estava no local, com a resposta: "sim, é o príncipe ajudante-de-ordens de José Bonifácio".

Imagem publicada com a matéria

 

Bibliografia

>> José Bonifácio, História dos Fundadores do Império do Brasil, Octávio Tarquínio de Sousa

>> Projetos para o Brasil, José Bonifacio de Andrada e Silva – Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro, organização Miriam Dolhnikoff

>> Construção da Nação e Escravidão no Pensamento de José Bonifácio, Ana Rosa Cloclet da Silva

>> José Bonifácio e a Unidade Nacional, Therezinha de Castro

>> José Bonifácio, Primeiro Chanceler do Brasil, João Alfredo dos Anjos

>> Grandes Personages da Nossa História, editora Abril

[*] Viviane Pereira é jornalista e escritora


Imagem: reprodução da página com a matéria original

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