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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS
Panteão dos Andradas (4)

Em 1970, José da Costa e Silva Sobrinho, reuniu em livro uma série de artigos sobre um monumento santista, o Panteão dos Andradas, que havia publicado no ano anterior no jornal A Tribuna, fruto de minucioso trabalho desse pesquisador da história de Santos. Vinte e dois anos depois, a Prefeitura santista reimprimiu em livrete esse material, já que a obra original estava esgotada. Agora, Novo Milênio coloca pela primeira vez em forma digital essas informações:

A "Pedra Tosca"
Imagem: captura de tela, TV Mar, em 16/6/2003, 13h54

Os versos na "Pedra Tosca"
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Muitas são as dívidas do Brasil, e particularmente de Santos, para com a memória dos três Andradas. Nesta cidade, algumas já foram resgatadas, como a estátua dos Andradas na Praça da Independência; o Panteão dos Andradas; a "pedra tosca"; a obra de Alberto Souza sobre Os Andradas, editada pela Câmara Municipal de Santos em contribuição para as festas do centenário de nossa Independência política (Lei Municipal nº 621, de 23 de outubro de 1918); finalmente, a publicação das Obras Científicas, Políticas e Sociais de José Bonifácio, determinada pela lei municipal nº 2.635 de 20 de dezembro de 1962, e entregue à reconhecida competência do dr. Edgard de Cerqueira Falcão, que as coligiu e reproduziu em três alentados volumes, no ano de 1965. Dentre as homenagens prestadas a José Bonifácio, foi esta, sem sombra de dúvida, a que alcançou, até hoje, maior ressonância dentro e fora do País.

Até então, o derradeiro preito dos santistas ao insigne Andrada fora a colocação, que ele pedira, de uma pedra tosca no seu túmulo.

Mais de um século já havia passado sobre esse pedido, quando bons brasileiros se interessaram pelo assunto. Deu-se o caso da seguinte maneira:

No dia 5 de setembro de 1947, durante a Semana da Pátria, o inspetor da Alfândega dos Portos, Hugo Bussmeyer Caminha, e mais diversos outros chefes de repartições federais da nossa cidade, visitaram, reunidos, o Panteão dos Andradas. Largo tempo estiveram em torno da estátua jacente de José Bonifácio, numa atitude de terna veneração. Encontravam-se ali, parados pela morte, um cérebro robusto e um coração extremoso que tanto amara a sua terra e a sua gente! Lembraram-se os visitantes da pedra tosca que o Patriarca pedira a D. Pedro I que mandasse colocar sobre a sua sepultura.

Do cumprimento desse pedido não havia no Panteão o mínimo sinal. A pedra tosca estava ausente. Resolveram, então, solicitar ao prefeito Rubens Ferreira Martins a colocação da aludida pedra, no que foram pronta e entusiasticamente atendidos.

Francisco Paíno, ilustre membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, onde ocupava a cadeira que tem como patrono José Bonifácio, era então diretor administrativo da Prefeitura e, nessa qualidade, teve de opinar sobre a matéria. Cumpre-nos transcrever, em resumo, a sua valiosa informação. Assim se exprime o distinto acadêmico e jornalista, no seu parecer:

"Para melhor esclarecimento, e como culto às tradições do passado, pedimos vênia para fazer um sucinto relato sobre o assunto, a fim de que se conheçam as razões que se influenciam no ânimo do Patriarca para a manifestação daquele desejo.

"Os historiadores e a primorosa obra Os Andradas, de Alberto Souza, fornecem-nos farta documentação a tal respeito. Logo após a sagração de D. Pedro I, em 1º de dezembro de 1822, assinou o Imperador Perpétuo e Constitucional do Brasil o decreto instituindo a imperial Ordem do Cruzeiro, destinada a remunerar os serviços dos súditos do Império e dos estrangeiros beneméritos.

"José Bonifácio, que figurava dentre os vultos que deveriam ser agraciados, recusou qualquer dignidade da Ordem, assim como recusara antes o título de marquês, apesar de instado pelo Imperador, pois o Patriarca era radicalmente contrário à instituição da nobreza, tanto assim que no projeto que elaborou sobre a organização política do Brasil consignou, no artigo 7º, a seguinte disposição: "A Constituição não reconhece nobreza privilegiada e legal".

"Em carta que dirigiu ao Imperador, naquele mês, o Patriarca, depois de declarar "que não aceitava e jamais aceitaria mercê alguma honorífica em recompensa de seus serviços prestados em prol da Independência, pedia a D. Pedro I a graça de mandar colocar, à custa do Estado, depois de sua morte, sobre a sepultura, uma pedra tosca, inscrevendo-se nela os conhecidos versos que os historiadores atribuem ao grande poeta português Antônio Ferreira:

"Eu desta glória só fico contente,
Que minha terra amei, e a minha gente."

"Até hoje, decorridos quase cento e dez anos da morte do Patriarca, não foi colocada sobre a sua sepultura, consoante sua vontade, a pedra tosca, com a inscrição referida.

"Digna de consideração é, pois, a exposição feita a V. Exa., pelos ilustres chefes de repartições federais, que demonstram um louvável sentimento de culto às tradições de nossa História.

"E como a cidade de Santos reverencia em caráter permanente a memória da trindade gloriosa dos Andradas, da qual José Bonifácio se constituiu em símbolo da nacionalidade, parece que ainda é tempo, não obstante o decurso de mais de um século, de se atender ao desejo manifestado pelo venerando santista, corrigindo-se destarte uma lastimável falha dos homens do passado na concretização desse episódio histórico da vida de José Bonifácio.

"Santos, 11 de setembro de 1947.

"Francisco Paíno - Diretor."

As palavras do poeta quinhentista Antônio Ferreira são em verdade assaz expressivas. Dizem elas, textualmente:

"Eu desta glória só fico contente,
Que minha terra amei, e a minha gente."

"Glória" está aí no sentido clássico de honra, homenagem; e o "que" como conjunção, corresponde a "porque".

O pensamento do poeta sairá mais claramente das suas palavras, se passadas para a linguagem moderna. Aqui está, pois, aquilo que o poeta quis dizer e o Patriarca esposou com encantadora humildade: "Eu, porque amei a minha terra e a minha gente, ficarei contente unicamente com a homenagem de uma pedra tosca sobre a minha sepultura".

José Bonifácio, cuja biblioteca tinha mais de seis mil volumes, fora sempre muito dado à leitura dos clássicos, principalmente latinos e portugueses. Lia, com mão diurna e noturna, as obras de Virgílio, Plauto, Horácio, Francisco Manuel do Nascimento (Filinto Elísio), Sá de Miranda, Antônio Ferreira e muitos outros. Foi, nos poemas lusitanos deste último, que ele encontrou os versos da pedra tosca colocada na sua sepultura no dia 1º de dezembro de 1947.

A solenidade, embora simples, teve o comparecimento de altas autoridades militares e civis da Cidade. Francisco Paíno, por determinação do prefeito Rubens Ferreira Martins, falou em nome da Prefeitura. Pelos chefes das repartições federais que haviam sugerido ao prefeito a colocação da pedra, usou da palavra  o dr. Eduardo Bruk.

Dessa maneira ficou reparada a omissão do governo imperial ao imortal Andrada.Leva para a página seguinte da série