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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Onde era o Largo dos Gusmões?

Erros históricos se reproduziram até na pintura

Embora fosse local importante de referência bem no centro da Santos antiga, o Largo dos Gusmões foi tão pouco documentado que sua localização foi erroneamente marcada em várias obras, numa sucessão de erros que não poupou nem mesmo o pintor Benedito Calixto, que o situou em posição diferente da real em uma de suas famosas telas. No Almanaque da Baixada Santista - 1973, o pesquisador e jornalista Olao Rodrigues tratou de elucidar o assunto:


O Largo dos Gusmões, com o texto manuscrito identificando um prédio colonial
na Rua Antonio Prado, esquina da Travessa Visconde de Vergueiro
Foto publicada com a matéria e nela citada

Largo dos Gusmões

Escreveu-nos estudante de história perguntando: "afinal, onde ficava o Largo dos Gusmões?"

Segundo velho mapa existente no Departamento Topográfico da Prefeitura de Santos, o Largo (ou Pátio) dos Gusmões ficava no terreno quadrangular entre o mar (do Valongo), o lado direito da Capela do Carvalho e o correr de prédios que começava no Hotel Palm (antiga Casa do Branco e agora Edifício do Telégrafo Western), ou para quem olhasse do mar, entre os trapiches do Consulado e da Capela.

Esse largo foi, durante os dois últimos decênios do Século XIX, ocupado pelo Mercado Provisório, conforme se lê in Santos Noutros Tempos, do mestre Costa e Silva Sobrinho (página 623: "...gastaram mais de um ano à procura de outro local. Enfim, foi preferido o Largo dos Gusmões.").

Com a construção do cais pela Companhia Docas de Santos, o Largo dos Gusmões e a Capela do Carvalho desapareceram para dar passagem à Rua Dr. Antônio Prado, defronte ao armazém 2 interno.

A foto que aqui reproduzimos mostra dois prédios coloniais pouco antes de serem demolidos, localizados no Pátio dos Gusmões, o que vem indicado na placa à esquerda, junto ao lampião de gás.

E aqui cabe uma pergunta: teria sido um desses prédios a residência dos irmãos Bartolomeu, Alexandre e Joana de Gusmão?

Convém ter em mente que do lado esquerdo da Capela do Carvalho desembocava, no mar, o riacho São Jerônimo, que nascendo no sopé do Monte Serrate (onde é hoje o Túnel Rubens Ferreira Martins) vinha serpeante pela Praça dos Andradas, Rua 15 de Novembro, atravessava a Rua do Comércio, prosseguindo pelo que é agora a ruazinha Conde D'Eu.

Chácaras - Até fins do século XIX, Santos fora o perímetro urbanizado (da Rua Fresca, hoje Bittencourt, para o mar do Valongo), era dividido em chácaras, algumas muito conhecidas, como a do Pescadinha, no Boqueirão (hoje ficaria entre a Av. Cons. Nébias e o Canal 3). (N.E.: faltou ao autor explicar melhor esse parágrafo: o perímetro urbanizado era a o Centro, e a partir da Rua Bittencourt havia a divisão em chácaras. Um século depois, os santistas continuavam se referindo ao bairro Centro como "a Cidade", como em "Vou à Cidade para ver a Catedral").

Pelo Caminho da Barra Grande alinhavam-se as seguintes chácaras: do Alfaia (entre as ruas João Pessoa e Amador Bueno), Dominguinhos (São Francisco e Bittencourt), Wright Americano (à altura da Rua 7 de Setembro), dos Faro ou do Rio dos Soldados (Av. Campos Sales), dos Macucos (Rua Luíza Macuco), do Vigário Scipião (na Encruzilhada) e finalmente a Chácara dos Bagrinhos. No Caminho da Barra estão hoje as ruas Braz Cubas, Luiz de Camões e Oswaldo Cruz.


Ampliação da planta de1878 de Jules Martin, em traço de Ribs.
O Páteo dos Gusmões é o trecho saliente da margem do estuário, entre os dois barcos a vela.
Os números, conforme a legenda desse mapa, indicam a localização:

15 - Escritório da Cia. de Melhoramentos
16 - English Bank R.J.
17 - Hotel Central
18 - Mesa das Rendas
19 - Praça do Comércio
20 - Igreja Jesus Maria José
21 - Cônsul Italiano
22 - Cônsul Americano
23 - Hotel do Brazil
24 - Cônsul Belga
25 - Hotel Europa
26 - Cônsul Alemão
27 - Cônsul Inglês
28 - Igreja da Graça
33 - Câmara e Cadeia Nova
35 - Igreja do Rosário
36 - Teatro

O tema também foi abordado pelo pesquisador Costa e Silva Sobrinho, no terceiro e último artigo de uma série, publicado no jornal santista A Tribuna em 13 de agosto de 1972:

A casa dos Gusmões na Vila de Santos

Hoje, dificilmente conseguiremos verificar o parentesco da Cidade de nossos dias com a pequenina vila de outrora. Aquilo que tantas vezes vimos há sessenta anos está diluído no compacto casario da Cidade, sobretudo o do centro da Cidade. Não mais existe aquele correr de casas velhas que ainda chegamos a conhecer no antigo largo denominado agora Senador Vergueiro.

Os santistas de nossos dias, embora usando os processos mágicos da sua inventiva, não poderão saber com precisão como teria sido interiormente a casa dos Gusmões.

Faltam testemunhas abonadoras de episódios e coisas do nosso passado. Desapareceram todos os irmãos do Mestrinho que aqui viveram intensamente. Os membros da família Vieira de Carvalho aos poucos foram rareando. Podemos dizer quase o mesmo acerca dos Carvalhais, apesar de ainda subsistirem alguns representantes de gente tão distinta.

Diligenciamos, no entanto, conhecer o velho comendador Barnabé Francisco Vaz de Carvalhais.

Nasceu o comendador Barnabé em 1790, na Vila de Barcelos, no arcebispado de Braga, em Portugal. Foram seus pais Manuel Francisco Vaz de Carvalhais e d. Maria Joana Rodrigues. Orçava ele pelos seus 22 anos de idade quando veio para Santos, em 1812. Era bem moço, moço na plena energia da mocidade, favorecido na atividade, econômico e cheio de aspirações a um folgado futuro. Trazia ademais algum numerário para o seu começo de vida. Enfim, dois anos depois já se encontrava estabelecido na Rua da Praia, 1, bem na esquina dessa rua com o Largo da Praia ou dos Gusmões.

Tudo naquele homem parecia concorrer para o mesmo fim. Ao ver que já podia montar casa e constituir família, começou a cortejar uma prendada e rica vizinha, filha do coronel José Antônio Vieira de Carvalho. Demonstrava o jovem, pouco tempo depois, estar perdido de amores pela gentil jovem. O enlace matrimonial, por isso, não se fez esperar.

No dia 4 de março de 1822, à meia-noite, em casa dos pais da nubente, que ficava na Travessa da Alfândega Velha, esquina do Pátio dos Gusmões, atualmente Rua Frei Gaspar n. 2, esquina do Largo Senador Vergueiro, onde está a firma Hard Rand & Cia., houve uma festa de arromba! (Santos Noutros Tempos, pág. 324).

O novo casal, admirado sobretudo pela consonância dos caracteres, passou a residir nos altos do prédio n. 1 da Rua da Praia - diríamos hoje Rua Tuiuti, 90. No andar térreo ficava o estabelecimento comercial do comendador Barnabé, com três portas para a R. Tuiuti e três para o Largo dos Gusmões. A prosperidade, como uma sentinela, sentara-se em cada uma daquelas portas!

Eles ali moraram durante longos anos. Sua progênie se constituía de sete mulheres e três homens. Damo-la em seguida pela ordem de nascimento: Carolina, nascida em 1823; José, em 1824; Gabriela, em 1825; Constantino, em 1826; Barnabé, em 1829; Josefina, em 1931 (N.E.: SIC: correto é 1831); Elisa, em 1832; Flora, em 1833; Júlia, em 1834; e finalmente Carlota, em 1835.

Dessas pessoas, as que casaram constituíram famílias da mais elevada distinção. Elisa Barnabé Carvalhais, por exemplo, está no Silva Leme Genealogia Paulista, vol. III, pág. 413.

Os Carvalhais do Brasil procedem dos de Portugal; e estes vão encontrar sua origem no fidalgo espanhol d. Álvaro Gil de "Carvajal". Os apelidos Carvalhal e Carvalhais são de gente nobre, honrada e merecedora de geral estima. As armas de ambos são as mesmas. O comendador Barnabé representava em Santos a tradição da família, legada pelos seus maiores. Veio este a falecer em 1867, contando então 77 anos de idade. Sua viúva, d. Ana Zeferina Vieira de Carvalhais, envelheceu docemente entre os carinhos e as amizades. Finou-se em 1872, contando então 76 anos. Ambos os consortes envelheceram ao mesmo tempo.

Cai a propósito aqui, aquilo que Diogo de Paiva de Andrade escreveu no curioso e instrutivo trabalho intitulado Casamento Perfeito. Assim se enunciou ele: - "É uma felicidade para o casal quando marido e mulher envelhecem juntos".

Faz ainda Diogo de Paiva, no mencionado livro, esta advertência: - "Que não haja entre os casados desconfiança". A essa opinião aditou ele este tópico: - "A confiança que convém que tenham de parte a parte é para conservar a união e conformidade, porque o dar das mãos antigamente era sinal de firmeza e lealdade, como afirma Marco Tullio e Sebastião Stocamero e ainda entre nós é hoje vulgar costume", pág. 75.

Anda corrente na tradição que a confiança entre Barnabé Francisco e Anna Zeferina formava o melhor exemplar de dois corações unidos para sempre. Foi o fiel esposo, por isso mesmo, comparado certa vez a Santo Efrem.

- Qual seria o motivo de tal comparação? - indagará o leitor curioso.

Um trecho do oratoriano Bernardes responderá por nós. Ei-lo aqui: - "Solicitou uma ruim mulher a Santo Efrem: ele piedosamente astuto, deu-lhe a entender que consentiria, se escolhesse por lugar o meio da praça". (Nova Floresta, v. 4, pág. 283).

Cumpre-nos explicar o sentido incisivo e preciso do verbo "solicitar"; o clássico seiscentista usou-o no sentido de requestar, cortejar, procurar coabitar com uma pessoa. A fidelidade do nosso primeiro Carvalhais fez com que alguém o comparasse a Santo Efrem. Tal procedimento é, sem dúvida, da mais insigne raridade em nossos dias. Certos maridos de hoje, sobretudo quando casados com mulheres mais velhas do que eles, são via de regra perigosos calaceiros de patroas e criadas. Como estão mudados os tempos e os costumes!

Revertamos ao ponto principal. Barnabé Francisco Vaz de Carvalhais pelo lado materno pertencia à família Rodrigues, de Portugal, pois o nome de sua genitora era Maria Joana Rodrigues.

O apelido Rodrigues designa grande número de famílias Rodrigues, de Portugal. Gusmões pelo lado paterno eram também Rodrigues. Logo, deveriam ser até parentes. A existência de alguns bens do espólio de Francisco Lourenço no patrimônio do comendador Barnabé constitui presunção de tal fato. A própria casa dos Gusmões, situada no Largo dos Gusmões, aparece no inventário de bens de Barnabé, cuja sucessão foi aberta no dia 3 de abril de 1867. Caso curioso nos anais forenses de Santos: o inventário do comendador Barnabé só foi requerido trinta anos após o seu falecimento, vale dizer, no dia 20 de agosto de 1897, sendo distribuído ao Cartório do 3º Ofício.

Assim foi descrita e avaliada nesse inventário a referida casa:

"Uma casa de sobrado na Rua da Praia, 18, com três portas de frente para a Rua da Praia e três par o Largo dos Gusmões, partindo de um lado com a casa de José Joaquim Moreira Guimarães e do outro com casas dos herdeiros de d. Ana de Jesus Vieira, avaliada em 8 contos".

Duas entradas tinha portanto a casa dos Gusmões, uma pelo Largo dos Gusmões e a outra pela Rua da Praia, 18 (hoje Rua Tuiuti). Apresentava a forma de um "L" maiúsculo com três portas em cada extremidade. As portas do Largo dos Gusmões eram divididas em duas partes. Transformavam-se as portas em janelas quando aberta a parte superior. Isso naquele tempo era bastante comum.

Eis aí a casa dos Gusmões tal qual a encontramos em documentos dos séculos XVIII e XIX. Se ela ainda existisse hoje, daria, sem dúvida, para um belo museu: o "Museu dos Gusmões".

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