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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE! - LIVROS
Uma saga em um porto do Atlântico (6)

Em 1994, durante a gestão do prefeito David Capistrano, do Partido dosClique nesta imagem para ir ao índice da obra Trabalhadores, diversas publicações foram produzidas pela Prefeitura Municipal, resgatando a história de Santos e especialmente a sua atividade sindical. Uma dessas obras é o livro Caixeiro, Conferente, Tally Clerk - Uma saga em um porto do Atlântico, dos jornalistas Paulo Matos e Carlos Mauri Alexandrino, aqui reproduzido integralmente a partir de sua edição única, de março de 1996.

Com 144 páginas e ilustrações (registros CDD - 331.879816 - M433c), o livro inclui ainda textos de Marcos Augusto Ferreira e fotos de Carlos Nogueira, dos arquivos do Sindicato dos Conferentes de Santos e do Departamento de Comunicação da Prefeitura. Esta primeira edição digital, por Novo Milênio, foi autorizada em 19/2/2010 por Paulo Matos. Veja:

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Caixeiro - Conferente - Tally Clerk

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 Uma saga em um porto do Atlântico


Recriação em line-art digital de foto de Juscelino e Jango em um comício em Santos, durante a campanha presidencial de 1955. Foto de A Tribuna

Imagem: reprodução parcial da página 53

 

Capítulo III - Os tempos de bronze

O período de grandes conquistas, como o reconhecimento da categoria, o rodízio e o pagamento por produção. As grandes mudanças promovidas por um momento democrático da vida nacional

"O Brasil deixou de ser um vira-latas entre as nações", escreveu Nelson Rodrigues em uma de suas crônicas, em 1958. Falava da Copa do Mundo que acabava de ser conquistada, mas falava mais além. Referia-se aos tempos de bronze que o País vivia, esperanças difusas de que, enfim, se forjava um futuro de prosperidade. Fazia treze anos que o fim da guerra trouxera expectativas novas, apesar de traumáticos episódios políticos.

Foi um período pródigo em festas e dramas aquele do pós-guerra, em todo o mundo. No Brasil havia a democratização, produzindo novos desafios e fazendo brotar a força das contradições. Os solavancos do caminho nos levariam ao encontro de nosso destino dezenove anos depois de caladas as armas na Europa e no Pacífico.

Como numa história de final anunciado, as sombras que cobriam intermitentes o tenro sol da primavera democrática transformaram-se em intransponível nebulosidade, a partir do outono de 64.

Para nossa categoria, o primeiro sinal dos tempos de bronze, após o final da guerra, teve a marca da guerra fria.

O presidente Joaquim Augusto de Oliveira fora destituído, acusado de "envolvimento com entidades operárias ligadas aos comunistas". Entre os "fatos denunciados" estava, por exemplo, ter emprestado as cadeiras do Sindicato para uma reunião da União Geral dos Trabalhadores de Santos, organização ligada ao PCB. Era dirigida por Taibo Cadórniga e Joaquim era o secretário.

A denúncia ao Ministério do Trabalho fora feita pelo grupo de Nestor Bittencourt, espécie de troco dos episódios da eleição de 43.

A gestão de Joaquim deveria terminar em 46, mas o governo do general Eurico Gaspar Dutra, que substituíra Getúlio Vargas após o fim do Estado Novo, decretou a continuidade dos mandatos sindicais por um ano.

Dutra estava empenhado em reverter as conquistas trabalhistas obtidas durante o governo de Vargas e, embalado pela guerra fria, deflagrara uma pesada retórica anti-comunista. Vendo aí o momento apropriado, Nestor Bittencourt foi à forra esperada.

Em maio de 47, exatamente uma semana depois do Dia do Trabalho, um decreto federal estabelece que deveriam ser substituídas "as direções operárias que tenham se filiado ou contribuído para a Federação dos Trabalhadores do Brasil ou para as uniões sindicais".

Era dinamite pura, considerando que o delegado do Sindicato dos Conferentes de Santos ao Congresso da Federação fora o próprio Joaquim. Mais ainda: fora ele que, naquele congresso, propusera que os institutos pagassem uma "pensão-reclusão" às famílias dos detidos, muitos, espalhados pelo País. A participação na central nacional, é bom que se diga, fora definida em assembléia, com resultado esmagador, 80 votos contra 1.

Pouco mais de um mês depois do decreto, no dia 13 de junho, uma lacônica portaria do governo botou para fora nosso presidente Joaquim.

Mais uma Junta Interventora assume. O presidente é José De Abreu Nabo, homem de Nestor, que se torna o tesoureiro. Vingança, como se vê, com juros.

Mas o comunismo funcionou mesmo é como pano de fundo. Sob as luzes da ribalta daquele momento turbulento estava também uma questão bem mais doméstica.

O quadro era composto por 450 conferentes e eram constantes as intromissões governamentais, via Delegacia do Trabalho Marítimo, enfiando gente de fora na categoria, em geral pessoas indicadas pelas agências. Com trabalho raro ainda no cais, mais gente significava menos dinheiro. A resistência de consecutivas direções sindicais, portanto, tinha razões objetivas. Em 46, por exemplo, ingressam 38 por este meio - e se anunciou que os quadros de trabalhadores avulsos seriam ampliados em 10% pelo governo, para dar trabalho aos ex-pracinhas que retornavam da guerra.

Contra a intromissão da Delegacia do Trabalho Marítimo, que realizava concursos usurpando o que era direito do Sindicato, Joaquim usou todos os meios, inclusive os bons canais que tinha junto ao Ministério do Trabalho.

Com a cruzada anti-comunista de Dutra, a ingerência do governo chega a cassar matrículas de conferentes. Arbitrariedade que, em 46, atinge a Antonio de Lima, mesmo repudiada e não aceita em assembléia da categoria.

Durante uma negociação salarial emperrada pelas agências, lá se foi o Joaquim, de novo, ao Rio de Janeiro. "O que você faz aqui?", perguntou o procurador do ministro. "Vim defender os direitos de 400 famílias", disse o Joaquim. "Pois então - torna o homem - tome lá esta decisão, em duas cópias; entregue uma ao capitão dos portos e a outra para os jornais". A solução foi bem rápida, mas a ira das agências cresceu na mesma proporção.

Foi esse estado permanente de tensão que azeitou as denúncias contra Joaquim e levou à sua destituição da presidência.

Dutra havia colocado o Partido Comunista na ilegalidade, cassado os mandatos de todos os parlamentares eleitos pelo partido no País, inclusive 14 dos 31 vereadores da Câmara de Santos, em janeiro de 48. Rompeu relações diplomáticas com a então União Soviética. A barra pesou.

Mas como em tudo há sempre dois lados, é bom voltar um pouquinho. O mesmo decreto que ampliou o quadro para a reserva de mercado dos pracinhas, garantiu 50% das vagas que fossem abertas para os filhos dos associados, conforme pedia a categoria - um pouco de prevenção, receio quanto ao futuro, e, claro, nepotismo mesmo, no duro.

A intervenção de Nabo e Bittencourt vai até março de 49, sob denúncias e problemas já comuns e previsíveis nos períodos em que o empedernido polêmico Nestor dirige o Sindicato. E lá vamos nós de novo na ladeira das soluções pouco ortodoxas que fizeram boa parte de nossa história. Acabava derrubada aquela Junta, substituída por outra, desta vez com Remo Petrarchi à frente.

Sobre o período de Nabo praticamente não existem registros nas atas do Sindicato, mas uma contabilidade independente, concluída em novembro daquele ano de 49, apontou problemas graves naquela primeira intervenção, entre outros, a venda das "Obrigações de Guerra", espécie de bônus do governo, por valor inferior ao nominal e sem autorização do ministério.

Mesmo sendo nomeado, Remo inicia um período de vitórias que darão à categoria boa parte da feição que tem hoje. É um período de intensa afirmação, a ponto de levá-lo à direção novamente, agora pelo voto livre, na eleição de fins de 50.

As mudanças também são intensas no País. A posse de Petrarchi como presidente eleito, no dia 1º de janeiro de 51, antecede em trinta dias a posse do novo presidente da República, Getúlio Vargas, desta vez igualmente apoiado pelas urnas da eleição geral de 1950.

Getúlio chega ao poder sustentado também por forças nacionalistas empenhadas na construção de um novo período histórico e de desenvolvimento. É, na verdade, um outro Getúlio Vargas. "Bota o retrato do velho de novo, bota no mesmo lugar", propagandeia uma canção extremamente popular, espécie de vingança contra sua deposição cinco anos antes - o Brasil, de epidêmica amnésia, lembra dos avanços alcançados no "Estado Novo", mas esquece da iniqüidade e da violência dos esbirros que toda ditadura junta em torno de si.

Em novembro de 49 Petrarchi relata à assembléia suas andanças para garantir o pagamento do Repouso Semanal Remunerado, direito constitucional, regulamentado em decreto, aprovado pelo Senado, sancionado pelo presidente da República. Conta que, do governo, recebera a orientação de que bastaria informar aos empregadores a quantia a ser paga a cada conferente desde janeiro daquele ano e tudo estaria terminado.

Mas como fazer isso se as fichas de recebimento eram enviadas ao Iapetec, no Rio de Janeiro, para escrituração geral?

Bem, entrava aí o jeitinho brasileiro, e o chefe da Arrecadação Federal, "o sr. Rogério", fez contas rápidas, baseadas sabe-se lá em quê, para garantir: "O levantamento de 250 mil fichas vai custar Cr$ 250 mil. São despesas com pessoal, horas extraordinárias, o senhor sabe bem como são essas coisas". E, por decisão da assembléia, devidamente registrada - provavelmente a única que se conhece do gênero - topamos pagar a caixinha. Como dava para notar, o cheirinho da lama da República já estava presente antes de Getúlio.

Em 52 a coisa estava bem mais feia.

Em agosto, por exemplo, discutia-se como era possível aceitar o aumento do quadro em mais de 30% naquele período de vacas magras. Cerca de três mil homens da Docas estavam sem trabalho e as demissões eram feitas seguidamente, devido ao movimento escasso.

O bate-boca entrou por setembro, confirmando que desde janeiro haviam ingressado 110 novos membros no Sindicato, entre os quais 45 pracinhas, sete filhos, cinco irmãos e vai por aí afora, com base na lei de 1945. Para maior complicação, 498 são os sócios, mas se localiza 503 fichas.

E são os pracinhas chegados sob resistência geral que deflagram mais uma crise. Sem a preferência ou simpatia dos controlistas nas escalações no costado dos navios, eles vão diretamente à Delegacia do Trabalho Marítimo e reivindicam, como solução, a implantação imediata do rodízio. Para surpresa geral, a Delegacia determina a implantação da medida.

Não havia, como se sabia desde antes da fundação do Sindicato, qualquer coisa que lembrasse a mais remota unidade sobre esta questão. Vai daí que Petrarchi e outros diretores iniciam uma série enorme de manobras para colocar panos quentes.

Comissões sobre comissões para avaliação das mudanças, as ameaças, as protelações e, o que deveria vigorar a partir de 1º de outubro, acaba adiado por prazo indeterminado.

Tudo, na verdade, eram novos desafios surgidos desde o início do ano, quando a categoria fora legalizada definitivamente, com a entrada em vigor da lei 1.561, a "Lei dos Conferentes".

A conquista da lei que legaliza a categoria em 1952 equivale a uma alforria, nas palavras de nosso presidente. Ao consagrar a existência do conferente, amplia a força do Sindicato, inibe a ingerência das agências. Pelo lado do governo, isso reforça sua base trabalhadora.

As agências buscavam transgredir, de todas as formas possíveis, os direitos dos conferentes, a começar pela precariedade do sistema de escalações. Feitas em bares ou no costado dos navios, era um jogo de cartas marcadas.

Havia erros constantes no pagamento, tanto no montante quanto nos atrasos abusivos; a manipulação de relatórios pelos encarregados das agências eram quase uma norma de funcionamento; chamar um conferente para a tarefa que deveria ser de dois é um dos arranjos mais freqüentes.

Tudo contribuía para a queda da qualidade do trabalho - uma espécie de suicídio coletivo. Reclamações nem pensar, que os poucos valentes acabavam ficando sem trabalho.

Dentro do próprio Sindicato estavam plantadas as sementes de grandes problemas.

O ingresso crescente de pessoas estranhas à profissão, patrocinado tanto pelo governo quanto pelos próprios dirigentes e associados, é regra durante largo período. A pretensão de usar a categoria familiarmente cria riscos à sua própria existência.

Quem denuncia o perigo da idéia de uma categoria familiar, naquele ano de 1952, é Orlando dos Santos, a quem estariam destinadas outras mudanças profundas, dez anos depois, Naquele momento, um clamor no deserto.

Em 1953 assume a direção do Sindicato outro polêmico personagem de nossa história. Serafim Mendes é tido como representante das agências, ligado aos interesses patronais, frase que em nosso Sindicato tem um caráter diferente do que seria normal.

Trata-se de uma posição frente à organização do trabalho - Serafim reforça a posição de controle do cartel das agências e o sistema de gangs. Isso não impediu, porém, que impetrasse ações contra todas as agências, inclusive a Dickinson, onde trabalhava, reclamando o pagamento do repouso semanal remunerado.

Uma assembléia em julho de 54 é um sintoma daqueles tempos. O rodízio volta a ser discutido, desta vez como um dos itens das "Normas Regulamentadoras da Atividade do Conferente", elaboradas pela própria Delegacia do Trabalho Marítimo e remetida ao Sindicato para discussão.

Serafim, em seu pronunciamento, mostra numa curta frase tanto sua aversão à idéia de rodízio quanto o espírito e o caráter daquele período da história nacional. Para ele, era preciso elaborar outro anteprojeto regulador da profissão, "gaste-se o que gastar".

De certa forma esse "passo atrás" na organização do trabalho e no trato com os órgãos públicos tem sintonia com os tempos. As esperanças em Vargas se esvaem nas ruas, sob a intensa pressão udenista; o País se agita sob o peso das denúncias contra o "mar de lama" que desaguava nos porões do Catete - Carlos Lacerda é a linha de frente da articulação que envolve militares, a elite econômica e a maior parte dos grandes veículos da imprensa.

Lacerda é um grande ás numa nova maneira de comunicar: a televisão.

O rosto de Lacerda nos lares brasileiros, o pé ferido no atentado da Rua Toneleros bem visível sobre uma cadeira, confere um novo caráter ao fazer político, cala fundo nos sentimentos, convence mesmo os mais reticentes. O País se divide entre os que são contra o presidente e os que crêem que Vargas é uma vítima inocente de seus agregados. De qualquer forma, ele está só.

A intenção dos adversários era mais que evidente: destituir Getúlio por corrupção, com base em forte apoio militar e com Lacerda à frente - uma espécie de golpe de 64 dez anos antes é o que se pretendia naquele ano de 54.

Getúlio, porém, muda tudo em 24 de agosto, com um tiro seco em seu próprio peito, no Palácio do Catete, no RIo, ao deixar a vida para entrar na história".

O mesmo homem que impedira por tanto tempo o florescimento das liberdades democráticas, agora, noutra situação, nos salva de um golpe de estado.

A perplexidade tomou o País naqueles dias. Nada mais contava, nada parecia grande o suficiente para ser visível frente à dimensão épica daquele caixão no palácio de governo e das lágrimas de milhões a molharem a carta testamento do ex-presidente.

A tragédia produzia um novo pacto de corações e mentes.

Foi no clima francamente anti-empresarial, de um nacionalismo exaltado, de reafirmação de valores trabalhistas e sindicais, que se dá nossa eleição no final daquele ano de reviravoltas poderosas o bastante para abalar o Brasil durante uma década. Serafim, identificado com os patrões, é substituído por Nelson Mattos, que assume em 1955, dia 22 de janeiro.

A lei dos conferentes, de 1952, estabelecia que "o trabalho deveria ser distribuído eqüitativamente", mas, sem especificar como. Não é de estranhar, então, que recrudescesse o movimento pela implantação do rodízio, que tantas e tantas vezes fora derrotado nas assembléias desde a fundação do Sindicato e mesmo antes dela. Mas prosseguiria irresolvida a questão que, a rigor, fora o motivo do movimento que levou à fundação de nossa entidade.

Foi nesta gestão de Mattos que se conseguiu o pagamento da Taxa de Serviços de Conferência na cabotagem, calculada em razão da taxa de estiva que, por sua vez, já era remunerada por produção desde 53. Por vias indiretas, abre caminho para que, por analogia legal, se passasse a reivindicar o pagamento equivalente aos conferentes.

Mattos deixa o cargo para o mesmo Serafim Mendes, na eleição de 56. A posse de Serafim, em 57, já vem marcada por uma oposição crescente aos métodos das agências, à submissão aos interesses e preferências. Vencera a eleição, mas suas bases estão mais que desconfiadas, estão quase em pé de guerra.

A própria questão do pagamento por produção é tratada de forma equivocada. Serafim, em conjunto com o governo e as empresas, elabora uma tabela de pagamento por produção e convoca uma assembléia para homologá-la, na forma de uma Convenção Coletiva Nacional, e acaba derrotado. Em muitas cargas a tabela proposta era muito inferior às taxas que já eram cobradas dos armadores pelos espertalhões das agências.

Em 1958 é preciso esconder os nomes dos que contribuem no levantamento de fundos para combater o projeto da lei 850, do deputado Adilson Viana, que pretendia acabar com a categoria. O medo de ficar "queimado" nas agências era grande. Orlando dos Santos e Orlando Leopoldino de Souza é que recolhem o dinheiro no cais, quase em segredo, à boca-pequena, sem alarde. Conseguir "vinte mangos" do pessoal era uma dureza naquele tempo de vacas magras e as pessoas pediam que seu nome não fosse incluído nas listas, por medo da reação das agências, o pavor de ficar queimado e não conseguir mais trabalho.

O período de grandes embates desemboca, curiosamente, na recondução à presidência, no final de 58, do polêmico Nestor Bittencourt de tantas histórias. Como sempre, sua permanência é tumultuada, repleta de lutas políticas que, mais de uma vez, quase chegam às vias de fato.

Sintomática é a brincadeira sempre repetida por Nestor, parafraseando Vargas: "Aos amigos, tudo; aos inimigos, fotografia na mesa, que é para poder identificá-los nas assembléias".

Leopoldino é seu segundo-secretário que, irritado demais contra o que considera "desmandos de toda ordem", consegue articular a queda da diretoria. Desta vez, Nestor fica apenas dez meses contados na presidência.

Orlando Leopoldino de Souza, há dois anos apenas na categoria, é empossado presidente em novembro daquele ano e abre caminho para a necessária mudança de rumos. MEnos de um mês depois entrega a direção da entidade a mais uma Junta Governativa, agora sob o comando de Orlando dos Santos.

Será um curto período de três meses. Suficiente, porém, para reformas profundas. Orlando tem, primeiro, de vencer resistências internas, inclusive na própria Junta, para poder criar os "Postos de Escalação", a pedra fundamental do rodízio, um corte mais que profundo e sentido no controle das agências sobre a distribuição do trabalho. Um processo de democratização que avançaria ainda mais pela instituição do Câmbio, da Dobra e da Avançada. O ininteligível jargão conferente, por si mesmo, já demonstra a complexidade que a organização do trabalho da categoria havia alcançado.

A mobilização patronal após o estabelecimento das mudanças, e por isso mesmo, foi enorme na eleição seguinte. Para eles, que sabiam onde iria chegar a caminhada iniciada por Orlando, o pleito significava a possibilidade de colocar um ponto final em tudo aquilo. Mais uma vez ajudam, com seus homens e poder econômico, à eleição de Serafim Mendes.

Ele inicia sua gestão em 1960, dia 18 de março, e vai até o fim do mandato titubeando frente a uma categoria extremamente divida. Se não prossegue nos avanços iniciados por Orlando, também não faz nada para reverter as conquistas. As condições impedem que seja tentado um movimento neste sentido. Deixar como está parece ser a essência de sua política naquele período. E são tantas as tropelias no País que a situação específica dos conferentes pouco chama atenção dos jornais e até da própria categoria. Deixar tudo como estava parece até sábio, considerando Jânio, renúncia, posse de Jango Goulart com parlamentarismo, plebiscito...

A eleição do início de 62, num Brasil agitado por uma nova situação, leva novamente à presidência Orlando dos Santos, disposto a completar o trabalho iniciado antes. O País está mergulhado numa grande marola política, mas desta vez Orlando tem dois anos pela frente, um projeto completo de trabalho, o que não acontecera antes, e tem ainda o apoio de uma nova consciência que brota das ruas enxameadas de lutas sociais de toda ordem.

Aquela eleição não foi nada fácil. A chapa comandada por Manoel Bento de Souza, apoiada por Serafim, é a representação da vontade de "deixar como está para ver como é que fica"; a chapa de Orlando é a retomada da luta pelas mudanças. A clareza dos projetos em disputa é tanta que a categoria, dividida como habitualmente, bate cabeça de frente: pela primeira vez - e inacreditavelmente - uma eleição sindical termina empatada.

Não foi brincadeira a encrenca. A situação defendendo a posse de Bento de Souza com base num mais que duvidoso critério de idade; a oposição defendendo a realização de nova eleição. E veio mesmo o novo pleito. Venceu Orlando, por 14 votos de diferença apenas.

Os jornais da cidade e de São Paulo trombeteiam o feito: depois de 25 anos acontece uma vitória da oposição no Sindicato dos Conferentes de Santos. Sábias trombetas pelo que se veria.

Os jornais sabiam que estava ali, firmemente fincada agora, a raiz de mais um desafio ao "cartel dos portos" que, como hoje, tinha enorme influência política e de mídia. E sabiam também que surgia em Santos, com aquela eleição, mais um ponto de apoio da tensão sindical que estava estabelecida, o fato mais importante daqueles anos - espaços desmesurados nos jornais já em campanha aberta contra Jango, "encontravam" armamento em entidades de trabalhadores, documentos secretos para o estabelecimento de uma república sindicalista e tantas outras sandices tão mentirosas quanto assustadoras para uma classe média temerosa e desinformada.

Tudo é lançado sobre as costas da "política sindical irresponsável do presidente", tivesse ele a ver com os fatos ou não, pouco importava. É o caso dos conferentes. Pouco importava, por exemplo, que o Fórum Sindical de Debates, a poderosa intersindical da região, ligada à política oficial de Jango, tivesse até emitido uma nota "de pesar" quando da eleição de Orlando, pouco afeito à retórica e métodos da esquerda ortodoxa.

As vitórias, porém, não tardam. Implanta-se definitivamente o rodízio, conquista-se o pagamento na sede do Sindicato, institui-se a conferência e contagem do pagamento para acabar com as fraudes, as mudanças parecem não ter mais fim. Garantir, de uma vez por todas, o pagamento por produção, foi uma das lutas exemplares daqueles tempos.

A greve vitoriosa, mais uma vez com o apoio dos estivadores, foi o xeque-mate definitivo do caso, depois de décadas de idas e vindas que consumiram muito tempo e desgastes enormes.

E foram de tal ordem as mudanças que a categoria não teve dúvida em reeleger Orlando no início de 1964, para dar continuidade ao que vinha sendo feito. Orlando tomou posse no dia 18 de março daquele ano e, poucos dias depois, tudo mudaria e tempos de ferro cobriram o Brasil por um longo, muito longo, período.

A guerra fria às portas do Sindicato

Joaquim Augusto de Oliveira nasceu em fins da primeira guerra mundial, em 1918, e já aos 14 anos contava bananas para a "Garcia Rojas". Aos 18 já era conferente matriculado. Iniciou-se na vida sindical em 1943, como suplente da chapa de João Bento de Souza. Sucessivas renúncias da diretoria o levariam à presidência em agosto daquele ano, pouco tempo depois de terminada a guerra.

Era integrante da "célula Antonio Carneiro", do Partido Comunista no Sindicato, desde bom tempo antes, e como durante a guerra tudo eram flores de aliança entre as potências contra o Eixo, nem chegou a ser surpresa a prorrogação de seu mandato, junto com todos os outros dirigentes sindicais da época.

Suas ligações com entidades organizadas e fomentadas pelo partidão é que lhe custariam o mandato em julho de 47.

"Me disseram que o senhor é um socialista de idéias avançadas", disse-lhe o capitão dos portos. "Quem me dera - responde o Joaquim -. Só conheço dois socialistas de idéias avançadas: o Otávio e o João Mangabeira". A brincadeira, é claro, não caiu bem nos humores do capitão. Naqueles tempos complicados, Joaquim buscou defender-se empregando todos os meios. Foi à Justiça, por exemplo, munido de uma certidão, assinada por diversas empresas e dirigentes sindicais que garantiam desconhecer "que o mesmo professe ou tenha professado idéias incompatíveis com o nosso regime democrático", coisa que, vista de hoje, não queria dizer absolutamente nada, mas do ponto de vista da época lhe rendeu bons dividendos. Tanto que em 51 recebe uma "certidão inocência".

Durante o período em que presidiu o Sindicato é que foi fundado o Departamento de Assistência Social.

Era mensalista da Wilson Sons, ocupando o cargo de supervisor. Sustenta que, em sua época, não havia problemas e poucos eram os privilégios das gangs. "Eu ia para a parede e escolhia os colegas de minha confiança: eram sempre dois ou três, incluindo meu irmão; tinha certeza de que eles não iam abandonar o navio". Na prática, a declaração confirma o sistema injusto de distribuição do trabalho.


Foto publicada com o texto

O maior aliado político de Nestor Bitencourt

José de Abreu Nabo tem uma longa folha de serviços prestados à categoria em diversos cargos, mas acabou entrando em nossa história, infelizmente, pela porta dos fundos.

Aliado permanente de Nestor Bittencourt, é um dos integrantes do grupo de lixas que enfrentou com vigor e coragem as gangs, mas em 47, provavelmente por influência do próprio Nestor, meteu os pés pelas mãos.

No fragor do combate político contra Joaquim Augusto de Oliveira, usa o pior argumento, porém definitivo, naqueles tempos de guerra fria: ao lado de Nestor e Louzada, Nabo denuncia Joaquim ao Ministério do Trabalho, como "comunista convicto", incorporando a retórica daqueles dias, criminalizando a idéia e o pensar político diferente da ordem vigente.

Com isso, vai à presidência, comandando uma Junta Governativa que dura de julho de 47 a março de 49. Entrega a tesouraria ao próprio Nestor que é, de fato, quem manda no Sindicato. Acaba destituído e acusado de malversação de recursos.


Foto: publicada com o texto

A encrenca sobre o retrato do "velho", um sinal dos tempos, para além da retórica

Foi lá por volta de meados de 51 que estourou a confusão do quadro. Nada mais emblemático: que fim havia levado o quadro de Getúlio Vargas que havia na sede e que fora substituído na moldura pelo retrato de Gaspar Dutra?

Nestor Bittencourt havia encomendado o quadro ao pintor Antonio Godoy, em 1936, ao custo de 700$000, importância resgatada por Alfredo Gonçalves.

Com o fim do Estado Novo, Dutra eleito, "nada mais natural" que, aproveitando-se a moldura, fosse colocada ali a figura de Dutra, festivamente inaugurada.

A tela de Getúlio, que segundo Nestor não era patrimônio sindical, foi oferecida a José Bezerra de Melo, que, por sua vez, doou-a ao PTB santista.

O hábil negociador da lei dos conferentes, nossa carta de alforria

Remo Petrarchi chegou à presidência do Sindicato, pela primeira vez, dirigindo uma Junta Governativa nomeada pelo Ministério do Trabalho, em março de 1949. Estava na categoria desde 38. Finda a intervenção, Remo é eleito presidente, através do voto livre, em 51, mesmo ano em que se torna vereador pelo PSD.

No Sindicato ficou até 53, mas da Câmara Municipal só sairia em 1972, ano em que morreu. Por cinco anos foi presidente do Legislativo da Cidade, onde ocupou também os cargos de vice-presidente e secretário.

Remo tinha um grande tino político, negociador hábil, um "agregador de pessoas e vontades", segundo vários depoimentos. Talvez tenha sido essa a raiz da conquista da definição legal da Categoria dos Conferentes com a lei 1.561, de 1952.

O projeto dessa lei foi elaborado em nosso Sindicato e apresentado na Câmara dos Deputados por Antonio Feliciano, de modo a consagrar os direitos e as vantagens até então regulamentados precariamente pela analogia com as garantias legais dos estivadores.

"Essa lei contempla a vontade de sua categoria, senhor Petrarchi?", perguntou-lhe Getúlio Vargas, no Palácio do Catete, para onde havia sido chamado juntamente com dirigentes conferentes de outros portos. O deputado Feliciano também estava lá, vestindo qualquer cor menos o marrom, sua paranóia e superstição. "Senhor presidente - respondeu Remo - essa lei é nossa carta de alforria". E assistiu, orgulhoso, Vargas sorrir e assinar o papel, sancionando a lei que, saída de Santos, legalizava definitivamente os conferentes de todo o País. Tempos depois prestou homenagens solenes do Sindicato a Vargas, em Petrópolis, e a Feliciano, em Santos.

Um exemplo do estilo de Petrarchi foi o bate-boca com o capitão dos portos Raja Gabaglia. Remo havia conseguido um acordo com as agências para acabar com o pagamento de "meias noites" aos conferentes - "meia noite é coisa de morcego e lobisomem".

Mas o capitão recusou-se a homologar o tal acordo e Remo, sem meias palavras, o chamou de "bêbado". Foi o diabo. Para acabar com o atrito, foram ambos ao ministro do Trabalho, Segadas Viana.

Para espanto do oficial, enquanto sua audiência era recusada, a de Remo foi imediata - não só foi autorizado o acordo como o capitão levou um pito danado por sua interferência.

"Consegui a audiência rápido por causa da secretária, a quem nunca esqueci de levar um mimo quando ia ao Rio", explicaria depois, divertindo-se: "A República ainda precisa aprender o poder das moças das mesinhas das antesalas".


Foto: publicada com o texto

Um homem de confiança das agências

Serafim Mendes é um produto típico da época em que predominavam no Sindicato os interesses das agências. Entrou na categoria em 1933 e chegaria por quatro vezes à presidência, três através de eleição e uma como interventor nomeado, esta última justamente em 64, o que o marcaria definitivamente para a história da entidade, talvez de modo um tanto injusto. Que tinha uma postura patronal, lá isso tinha, mas naqueles tempos, em nosso Sindicato, isso não significava, necessariamente, jogar contra.

Tratava-se muito mais de uma concepção sobre a maneira de organizar o trabalho do que filiar-se ao adversário. Tanto que aciona as agências pelo pagamento do Repouso Semanal, inclusive a Dickinson, onde trabalhava. Tinha um grande apoio na base há décadas dividida em torno do mesmo - e quase eterno - problema: rodízio ou não, eis a questão.

Nunca concorreu à reeleição, indicando à categoria um candidato de sua preferência. Seus mandatos foram sempre intercalados por outros, e a cada eleição enfrentou sempre a mesma campanha acusatória de estar recebendo ajuda das agências, que insistiam com seus empregados para que ele vencesse a eleição.

Em 64, ao ser nomeado interventor pelos militares, acabou meio que assinando embaixo das acusações que os opositores lhe faziam.

Ficou muito chato o fato de ter inaugurado a sede atual, comprada pelo presidente deposto e preso, Orlando dos Santos, fazendo uma homenagem ao almirante Júlio de Sá Bierrembach, que havia mandado Orlando para o navio Raul Soares, e para Carlos Lacerda, o "comandante civil do golpe militar". Ambos estiveram presentes para a homenagem. Mesmo tendo sido ele, Serafim, que reformou e equipou o imóvel, como se dizia, "pegou mal". Era um tempo complicado aquele.


Foto: publicada com o texto

Vinte dias que mudaram o Sindicato

Orlando Leopoldino de Souza, que abriu caminho para as grandes transformações, detém dois recordes: foi o presidente que mais rapidamente escalou a direção do Sindicato a partir da entrada na categoria, em apenas dois curtos anos; por outro lado, foi o que menos tempo ficou no cargo, um minúsculo período de vinte dias. Explica-se: foi o segundo-secretário empossado em mais uma das inúmeras confusões que sempre cercaram os mandatos de Nestor Bittencourt, que ficou no cargo apenas até que assumiu a Junta Governativa presidida por Orlando dos Santos.

Leopoldino fora o centro nervoso da destituição de Nestor, porque cansou-se de uma série de desmandos que presenciou e abriu o bico, desencadeando a crise.

No curtíssimo período em que ficou na presidência, integrou o Sindicato ao Fórum Sindical de Debates, naquele agitado final de 1959, já prenunciando a vitória de Jânio Quadros.

Leopoldino foi, entretanto, antes e depois de sua curta passagem pela presidência, um crítico enfático das humilhantes condições de trabalho a que eram submetidos os conferentes que não tinham vínculo com as agências e foi um dos impulsionadores da luta pelo rodízio democratizador e pelo pagamento por produção, idéias que ganhavam corpo.

Desde cedo, pela parecença com Eduardo Gomes, ganhou de Salvador Sanches o apelido de brigadeiro, com o qual passou a identificar-se pelos telefones de bordo com um bordão de suas lavra: "Aqui fala brigadeiro, a maior autoridade do porto". Certo dia, do outro lado da linha estava o capitão dos portos Coimbra, um mal humorado conhecido, que mandou buscar o brigadeiro e lhe passou tremenda carraspana.


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Os passos decisivos para o rodízio

Se não é possível de uma vez, então que seja feito aos poucos. Foram tantas décadas de luta pela conquista do rodízio que parece ter baixado um espírito zen na direção do Sindicato, com a Junta Governativa de Orlando dos Santos.

Os postos de escalação foram uma espécie de pontapé inicial do jogo duro daquele período. Com isso, os conferentes deixavam de correr atrás dos encarregados que, agora, viriam até eles. E, a partir dos postos, era possível organizar melhor a categoria, paralisar o trabalho se fosse preciso... Enfim, estava criada a condição básica.

Mas não foi fácil. Como se tratava de uma junta de três membros, primeiro foi necessário vencer a resistência de Carlos Pereira e Sílvio Vaz, ligados às agências, que eram contra o novo sistema. Recuaram quando Orlando Leopoldino de Souza articulou, em duas horas, numa mesa do Café Carioca, um abaixo-assinado pedindo a destituição de ambos.

O começo da mobilização se deu em torno de uma dívida quase histórica das agências, uma pilha de faturas não pagas que passavam de gestão em gestão até que... Greve! Nove navios foram paralisados a partir dos postos de escalação, no começo de 1960, princípio daquela década danada. Aquilo serviu para mostrar a todos o poder da organização e da mobilização conjunta da categoria. Foi uma tomada de consciência.

Depois do intervalo da gestão de Serafim Mendes, as mudanças, passo a passo, prosseguem, na nova gestão de Orlando dos Santos, desta vez eleito em 1962. Câmbio, Dobra e Avançada - eis a grande descoberta que iria dar no rodízio, definitivamente.

Para evitar que um pequeno grupo pegasse os melhores trabalhos, o câmbio transferia a escolha do homem da agência para o conferente "da vez", o "pole position", como se diz hoje, termo apropriado das corridas de Fórmula Um.

Ainda havia falhas, já que havia quem deixasse passar a vez nos serviços ruins, para pegar só os bons. Dessa sistemática, que ainda vigora na estiva, se evoluiu para o rodízio por número, que democratizou de uma vez a distribuição do salário.

Foi também nesta época que se implantou o "câmbio livre", questão de justiça com o pessoal perto da aposentadoria. Como ela era calculada com base no ganho do último ano, ela se reduzia à medida em que faltasse energia ao cidadão para trabalhar mais e mais. No acordo salarial de 1963, acertado entre o Sindicato e o Sindarma, previa-se dois por cento a mais para a criação de um Fundo de Aposentadoria. E foi também desta ocasião que o Sindicato passou a ser remunerado por equivalência, três por cento dos ganhos para a entidade.

O ganho por produção, a virada

A reivindicação do ganho por produção era quase tão antiga quanto a do rodízio e, a partir de 1953, quando os estivadores conseguiram legalizar o sistema em sua categoria, parecia mesmo uma grande injustiça. O caso passou a ser mais sério a partir da primeira gestão de Nelson Mattos, percorreu a de Serafim Mendes e, com Orlando dos Santos e as novas condições criadas pelos postos de escalação e o rodízio, superou-se o impasse, afinal.

Formar a União dos Sindicatos da Orla Marítima de Santos, que atendia pela sigla de USOMS, garantindo uma intersindical local ligada aos problemas específicos dos que trabalhavam no porto, foi um passo muito importante. A entidade consolidou ainda mais a unidade entre conferentes e estivadores, dando mais força às reivindicações, a partir de maio de 1963.

Foi dessa união que foi possível articular a greve de agosto daquele ano, que daria um xeque-mate na questão da produção, citada em vão nos quinze acordos anuais anteriores. Foi no dia 5. "Se conferente de Liverpool consegue fazer greve..." Nem a Federação dos Portuários tinha conhecimento da greve de Santos. Mas não teria sido possível sem o apoio da estiva que, como sempre, se recusou a trabalhar sem conferente, criando um fato consumado.

Onze e meia da noite o Sindicato foi convocado ao Rio, para falar com o ministro do Trabalho, e foi um esforço danado chegar ao aeroporto, em São Paulo, a tempo de pegar o corujão, o avião que saía à meia noite.

Quando Orlando e o pessoal chegaram ao Rio, já estavam lá Gilberto Crockett de Sá, assessor do ministro, representando o governo, e o almirante Ari Gonçalves, representando as agências. Telefonemas, consultas...

Lá pelo meio da madrugada o acordo estava feito. Foi redigido ali mesmo na maquininha de escrever que o prevenido Orlando levava a toda parte. Estava feito. Mais uma vez, uma vitória de nosso Sindicato valia para o Brasil inteiro.

O pagamento que estava "errado"

No dia do primeiro pagamento depois da conquista da produção, houve reações de incredulidade. Houve conferente que não quis pegar o envelope, dizendo que era muito, que aquilo devia estar errado e não queria ficar na situação de ter de devolver dinheiro.

Em algumas cidades pequenas do País, ocorreram casos de conferentes, tão lambuzados com o mel, que na falta de costume compraram logo um carro e ficaram esperando um tempão: nem ponte havia para que o novo símbolo de status chegasse até eles.