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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE!
Contatos internacionais

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Antes do período de crise e desarticulação que sobreveio na última década do século XX, decorrente das mudanças profundas no sistema portuário introduzidas pela Lei 8.630/1993 ("Lei de Modernização dos Portos", antes projeto de lei 08/1991), o movimento sindical santista chegou a ensaiar o início de uma troca de experiências e apoios em nível internacional. O plano foi relatado pelo editor de Novo Milênio, então responsável pela edição do caderno semanal Marinha Mercante em Todo o Mundo (publicado no jornal O Estado de São Paulo), na edição de 9 de abril de 1991:

A Praça Mauá e as escadaria da Prefeitura, em maio de 1990, voltaram a ser palco
de grande concentração trabalhista
Foto publicada com a matéria

Portuários articulam união internacional

Enquanto o empresariado de comércio exterior - que sempre criticou a ineficiência e os altos custos dos portos brasileiros, afirmando ter dificuldades para atuar no comércio exterior em razão desses problemas - mantém atitude passiva, não defendendo seus interesses junto aos congressistas que estudam as mudanças no sistema portuário (lideranças empresariais já demonstraram preferir a manipulação do câmbio ao invés de erradicar os fatores reais de custo que oneram as exportações), os trabalhadores estão colecionando apoios crescentes dentro e fora do país, em sua luta pela manutenção do status quo.

Como noticia o boletim O Conferente, do Sindicato dos Conferentes de Carga e Descarga do Porto de Santos, "entidades internacionais de trabalhadores e de direitos humanos estão acompanhando os fatos que acontecem nos portos brasileiros, dispondo-se a pôr em prática formas concretas de apoio. Os contatos foram iniciados por sindicalistas brasileiros, no ano passado (N.E.: 1990), com o objetivo de estabelecer canais de intercâmbio técnico e profissional, como exige um mercado de trabalho claramente internacionalizado e com vários aspectos de interesse comum.

Luiz Fernando Barbosa Santos, conferente de Vitória e assessor da comissão que discute em Brasília o projeto de lei sobre a nova sistemática de operação dos portos, conta que todos os detalhes da greve dos portuários de Santos já foram encaminhados a organismos norte-americanos e europeus, que em caso de necessidade estariam dispostos a manifestar apoio e solidariedade ao movimento.

"Esse relacionamento é indispensável na época atual, de economia internacionalizada, de busca de um sindicalismo adulto, maduro, sem corporativismo. No nosso caso, a hora é de somar esforços no sentido de obter maior eficiência em tudo que se relaciona com o sistema portuário, de forma séria e responsável", disse Luiz Fernando.

Segundo Luiz, o noticiário sobre a greve foi enviado a diversas entidades, como a Anistia Internacional de Londres, que mantém departamento específico para a área portuária. O intercâmbio foi consolidado a partir de uma viagem de Luiz Fernando, Jairo Louzada (do Sindicato dos Portuários do Espírito Santo) e José Carlos Guimarães (engenheiro do porto de Vitória) aos Estados Unidos, em agosto e setembro passado. A viagem foi feita a convite da ILWU, uma confederação que reúne todas as categorias profissionais de portos estadunidenses.

Como resultado imediato desses contatos, foram agendadas reuniões para este ano e programadas visitas de sindicalistas norte-americanos aos portos brasileiros. "A idéia é aproveitar a convenção nacional que os trabalhadores dos portos dos Estados Unidos realizarão no mês de julho, em Seattle, para ampliar o intercâmbio com os trabalhadores brasileiros", informa Luiz Fernando, destacando também os contatos com a UFCW, que reúne trabalhadores norte-americanos da área de alimentos, e a Brazil Network, que representa grupos com interesses técnicos e trabalhistas, relacionados com o nosso país.

Esses contatos destinam-se à troca permanente de informações sobre o que acontece de importante nos portos de todo o mundo, incluindo experiências bem sucedidas de sistemas de administração dos portos, aperfeiçoamentos técnicos, questões ligadas à segurança do trabalhador, avanços tecnológicos que podem tornar mais eficientes as operações portuárias etc.

Além disso, "esse trabalho cria uma rede internacional de solidariedade entre os trabalhadores dos portos, em termos práticos e objetivos. Com isso é possível, por exemplo, em caso de necessidade, conseguir que portuários norte-americanos tenham participação direta em movimentos trabalhistas brasileiros. Entre outras coisas, eles podem até se recusar a movimentar cargas brasileiras em portos dos Estados Unidos, se isso for julgado necessário. E não se trata de simples especulação, mas de alternativas reais, que já aconteceram em outros países, como na Austrália, recentemente", acrescenta o sindicalista de Vitória.

Por sua vez, portuários espanhóis, de todas as categorias, reuniram-se em Barcelona dias 20 e 21 de março e decidiram se engajar à causa dos trabalhadores brasileiros da orla marítima, "com apoio total e de formas práticas e objetivas. Essa decisão foi tomada por representantes de 90% dos portos espanhóis, tendo sido comunicada por correspondência enviada ao presidente do Sindicato dos Conferentes de Santos, Ricardo Wagner Villarinho, em 22 de março, pelo coordenador geral da Federacion Estatal de Estibadores Portuarios, Julián Garcia Gonzalez.

"A solidariedade dos sindicatos espanhóis - destaca o boletim O Conferente - envolve cinco pontos principais:

"1 - Divulgar na imprensa especializada espanhola a luta dos trabalhadores do porto de Santos.

"2 - Destacar, em caso de solicitação dos sindicatos de Santos, um representante para vir ao Brasil oferecer a colaboração que for necessária.

"3 - Custear os gastos de viagem e estadia de um representante dos trabalhadores do porto de Santos designado para participar do congresso internacional que se realizará em Barcelona no último trimestre do ano.

"4 - Difundir nossa luta na publicação interna da federação espanhola, promover assembléias informativas em todos os portos da Espanha e estender esse trabalho aos trabalhadores dos portos da Itália e da França.

"5 - Propor aos representantes dos portos espanhóis as medidas de solidariedade que os sindicatos de Santos julgarem oportunas".

Na correspondência, Julián Garcia cita que os trabalhadores espanhóis lembram da solidariedade mostrada pelos colegas de Santos em 1946, "em favor da luta democrática espanhola contra a ditadura fascista, o que confirma a necessidade da coordenação internacional dos trabalhadores de todos os portos do mundo para fazer frente à opressão das multinacionais".

É que o Estado Novo, apoiando o generalissimo Francisco Franco Bahamonde, da Espanha, tentou embarcar um lote de café para os franquistas espanhóis. Mesmo em meio a uma ditadura no Brasil, os trabalhadores do porto de Santos recusaram-se a embarcar o café. "Essa resistência resultou em prisões, violência, demissões, mortes e intervenção federal em Santos, e para os republicanos espanhóis tornou-se um símbolo da solidariedade entre todos os trabalhadores do mundo".

Apoio interno - No Brasil, além de conseguirem a retirada do caráter de urgência na votação do projeto de desregulamentação portuária - e quase que o governo recuava de vez e retirava o projeto da pauta de debates -, os trabalhadores obtiveram dias atrás o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cujo presidente, Marcello Lavenére Machado, enviou ofícios aos presidentes da República, da Câmara Federal e do Senado, propondo a rejeição do projeto 08/91 por estar "viciado de inconstitucionalidades, além de ferir direitos sociais dos trabalhadores avulsos dos portos". A OAB propõe uma ampla discussão do tema com os trabalhadores e toda a sociedade.

As lideranças trabalhistas também estão mantendo intensos contatos com a classe política, visando a rejeição do projeto de lei, e nos próximos dias o presidente do Sindicato dos Estivadores de Santos, Vanderlei José da Silva, pretende solicitar a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a navegação brasileira, entendendo ser necessário um levantamento completo da situação real do transporte marítimo no Brasil, incluindo a construção naval: "Se isto ocorrer, ficará comprovado que esse é o segundo melhor negócio do mundo: o primeiro é ser banqueiro e o segundo é ser armador, pois constrói navios com dinheiro da União para transportar a carga do usuário, que também paga pelos serviços".

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