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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CIDADE FESTIVA
Boca de muitas histórias

Uma radiografia de como era a zona de diversões noturnas de Santos, a famosa Boca santista, no bairro do Paquetá e na época áurea de 1970, foi dada nesta matéria, publicada no Almanaque Santos 1970, editado em Santos naquele ano pelo falecido jornalista Olao Rodrigues e pela empresa Roteiros Turísticos de Santos (páginas 177 a 186).

Muitos dos estabelecimentos aqui descritos já não mais existem ou mudaram de donos, e de qualquer forma a Boca teve seu movimento fortemente reduzido em relação ao que existia naquela época, encolhendo também significativamente a sua área de abrangência (que naquela década chegou a alcançar a Praça dos Andradas):


Imagem publicada com a matéria

As bocas que a Boca tem

Ana Maria acaricia os cabelos de um jovem japonês que poderia ser seu filho. É empregada do La Barca, o luxuoso bar e restaurante da Rua João Otávio. Como todas, tem seus problemas, porém sua fisionomia é calma e serena, não exibindo, nos modos e no semblante, as características das mundanas.

O movimento é intenso, vários cargueiros norte-americanos estão no porto, e a força do dólar também ali se faz sentir. A andança é grande - da bomba do chope aos fregueses.

Loiros escandinavos, norte-americanos, japoneses, chineses e filipinos, negros e mulatos, debruçam-se sobre o balcão de fórmica mostrando seus musculosos braços com uma orgia de tatuagens. Entre eles, discrepando, um efeminado de cabelos sobre os ombros admira, embevecido, os másculos freqüentadores.

Jeane, a loira, vinda do interior de Santa Catarina, está triste. Serve como se fora um robô. Seu homem deixou-a depois de explorá-la durante muito tempo. É um crioulo forte e veste-se de maneira a chamar atenção pelo colorido gritante das camisas e calças. Sua maior luta, porém, não é com as mulheres, mas sim, para alisar o cabelo, rebelde como um joão-teimoso.

A radio-vitrola rompe, a todo o vapor, uma belicosa marcha alemã; uma nuvem de fumaça começa a flutuar, e Ana Maria, o olhar distante, continua a acariciar o seu japonês.


Em pleno centro, na famosa "boca", você poderá escutar a melhor música grega no Love Story ou então ao lado na recém inaugurada Pireus. Ambas localizadas no final da Gal. Câmara
Foto (de Carlos Marques) e legenda: revista Santos 78, editada naquele ano por União Santista de Economia, Santos/SP

ABC - Na esquina das Ruas General Câmara e João Otávio situa-se o ABC. É um ambiente bem diferente. Seu balcão é envernizado e entalhado. Velhas e jovens garçonetes passeiam entre pequenas mesas, de aventais brancos muito engomados.

Armênio, um dos sócios, sempre risonho, posta-se em um pequeno móvel isolado, que lembra um púlpito.

Em uma das mesas, um marinheiro imberbe, rosto infantil, escreve uma carta; fazendo pausa, levanta os olhos tristes e acena pedindo mais um chope.

Uma risada escandalosa quebra o silêncio: era a Cacilda que acabava de ouvir uma anedota, picante sem dúvida alguma, contada por um embarcadiço argentino.

Armênio, em seu púlpito, continua a sorrir beatamente.


Anúncio da boate Love Story
Imagem: revista Santos Verão 1987, editada em 1987
pela União Santista de Economia (USE), de Santos/SP

Tatoo - Ao lado do ABC, um tatuador conhecido e famoso tem a sua tenda de trabalho. É dinamarquês, mas, como diz, "brasileiro de coração". Fala diversos idiomas, orgulha-se de sua arte de tatuar e vende souvenirs, desde pedras semipreciosas até caveiras de boi. Percorreu todo o mundo e afirma que grandes dificuldades encontrou em tatuar os negros de Camarões, somente conseguindo efeitos depois de aplicar, como fundo, tinta amarela.

Começou sua arte na Alemanha há mais de vinte anos (N.E.: portanto, cerca de 1950) e afirma que não só os embarcadiços apreciam aquela maneira de enfeitar o corpo, mostrando-nos uma foto do marechal Rommel e outra do rei Frederico da Dinamarca, ambos com o tronco coberto de tatuagens.

Cartões postais, flâmulas, quinquilharias, quadros a óleo e uma centena de outros artigos são diariamente vendidos em sua pequena loja. Com seu falar arrevezado e sempre com um sorriso, Tatoo Lucky promove o nosso país, sem nenhuma ajuda oficial ou oficiosa.

Casou-se com brasileira e tem dois filhos aqui nascidos. Disse que Santos é o seu último porto e concluiu: "O Prassil é uma crande país, e eu non fô fiajar mais".


Anúncio da boate Las Vegas
Imagem: revista Santos Verão 1987, editada em 1987
pela União Santista de Economia (USE), de Santos/SP

Comércio no asfalto - Aumenta mais o movimento na Boca santista. Dois marinheiros passam abraçados e adernados pelo excesso de álcool, guinam de bombordo a estibordo executando estranhos e grotescos passos de balé.

Na rua, em frente do Chave de Ouro, Suomi, Amsterdam, Casablanca, Flamingo, El Congo e Sweden, criou-se um comércio sobre o asfalto. Em carrinhos e fogões improvisados com latões, vendem-se milho verde cozido e assado, frutas e churrasquinho. O cachorro-quente está fora de moda. Por ocasião das festas juninas, os ambulantes esmeram-se em oferecer pinhão, pipocas, batata-doce e quentão. Além disso, há o comércio circulante. Alguns vendem, de mesa em mesa, de balcão em balcão, amendoim torrado com casca, gravuras e flores. Há vendedoras de lingerie, sempre atenciosas com as freguesas, controlando até o faturamento que está sendo feito, para garantia de suas prestações.


O Love Story é o grande sucesso de nossas noites. Possui 3 ambientes distintos: um amplo terraço muito convidativo, um restaurante de primeira linha, com ótimo cardápio internacional, e uma boate muito bonita, com muitas atrações e bastante música grega.
O Love Story deve ser visitado
Foto (de Carlos Marques) e legenda: revista Santos 77, editada em 1977 por União Santista de Economia, de Santos/SP

O Chave - Na mesma esquina do ABC, porém do outro lado, está o velho Chave de Ouro, que há pouco foi adquirido e será modernizado. Foi o ponto alto da Boca, e sua fama era internacional. Foi também o oposto de seu psicodélico vizinho, o Suomi, que orgulhosamente mostra seu letreiro: Suomi Bar - Served by Girls.

O interior do Suomi é desconcertante. Uma luz especial cria fantasmagóricos efeitos nas figuras e roupagem. Além disso, um conjunto de magriços cabeludos, que se diz "bossa-nova", faz tal barulho com seus estridentes instrumentos, que ninguém consegue conversar. É um dos bares preferidos pela chamada "safra nova".


Com ar condicionado e decoração de bom gosto, a boate A Boneca apresenta shows contínuos durante toda a noite. Os melhores strip-teases são exibidos até as 5 horas.
Fica na Rua General Câmara, 460
Foto (de Carlos Marques) e legenda: revista Santos 77, editada em 1977 por União Santista de Economia, de Santos/SP

Casablanca - Passando pelo Amsterdam chegamos ao Casablanca. A Boca homenageia portos e nações.

Foi a boate Casablanca há alguns anos o ponto chique da noite santista. Hoje acompanhou a evolução. À entrada, um grande balcão atende à clientela. Mariza Montes, simpática e risonha, corre de um lado para outro. É conhecida de todos, pois participou de muitos shows antes das reformas atuais.

Em volta do balcão, travestis, de longos cílios postiços, perucas e lânguidos olhares, conversam entre si, delicada e mansamente, como educadas senhoras.

No fim do balcão inicia-se o salão, com dezenas de mesas, pista de danças e um pequeno palco para a orquestra.


Contratados exclusivos da rede de boates de Oscar Guerra, o Carib Steel Band é atração permanente nas noites santistas. Atualmente fazem a boa música do Casablanca
Foto (de Carlos Marques) e legenda: revista Santos 77, editada em 1977 por União Santista de Economia, de Santos/SP

Flamingo - El Moroco foi até há pouco a grande boate daquele bairro. Sua decoração foi realizada pelo pintor italiano Franco da Sermide e, sob a orientação de d. Eliza, tornou-se mundialmente famosa, freqüentada também por casais da sociedade santista. Seu ambiente era acolhedor e seus shows espetaculares.

Jesus Castro Duran, um espanhol que nasceu com o dom de realizar, adquiriu o El Moroco e transformou-o no Flamingo. Respeitando sua tradição, a casa do Jesus tem grande movimentação.

À direita de quem entra, quase em meio ao balcão, é a praça da Nair, mulata bonita e insinuante. Atracam no seu balcão muitos admiradores, que ingerem bebidas enquanto palestram com a vênus em negativo.

Um trio paraguaio executa guarânias, e logo mais uma bandinha ié-ié-ié azucrina o tímpano dos freqüentadores.

Sua disposição é idêntica ao Casablanca; aliás, essas instalações estão se padronizando nos principais estabelecimentos do Paquetá.

Letreiros - As ruas General Câmara e João Otávio, principalmente, e a Aguiar de Andrade e a Travessa D. Adelina apresentam à noite, com seus letreiros, um feérico espetáculo. Os luminosos dizem em alegre policromia os nomes dos estabelecimentos: Hamburg Bar, Sweden Bar, Battan Bar, Bar Porto Rico, Zanzibar, Bar Lucky Strike, Moby Dick Bar, Bergen Bar e muitos outros, entre os quais o estranho Midnattsolen Bar.

Gregos e chineses também lá se encontram, sendo que aqueles fazem em seus bares alarde de sua rústica música e folclore, e estes assam frangos e fritam pastéis.

Brooklin - Na esquina das ruas General Câmara e Aguiar de Andrade, em um prédio da belle époque, encontra-se o Brooklin Hotel. Uma escada de pedras à entrada leva ao único pavimento. Pelos degraus, no pequeno jardim e na mureta, algumas mulheres exibem-se em estudadas posturas na tentativa de atrair os passantes. É espetáculo diferente e deprimente. Outros hotéis existem, miseráveis e luxuosos, repetindo-se os extremos, que constantemente se encontram.

Passam três paquidermes de rostos flácidos e grotesca roupagem: são lésbicas. Ao cruzarem a Aguiar de Andrade, alguém exclama: "Paraíba, muié macho, sim sinhô".


Anúncio da boate ABC House
Imagem: revista Santos Verão 1987, editada em 1987
pela União Santista de Economia (USE), de Santos/SP

Quebrou o pau - O movimento da Boca agora é enorme. Torna-se difícil andar pelos passeios. De repente a grande massa começa a oscilar e dirige-se para a Rua Aguiar de Andrade, nos fundos do Sweden Bar.

Formou-se grande aglomerado, e ao centro duas mulheres lutam furiosamente. A cena é triste e ridícula. Lutam desajeitadamente, unhando-se e rasgando-se. As mulheres que observam assanham-se e os homens assistem a tudo passivamente. Logo mais chegam Cosme e Damião (N.E.: apelido dado às duplas de policiais que faziam o patrulhamento da área), e após uns pescoções as duas briguentas são atiradas para um carro policial.

Espraia-se a assistência, e as mulheres comentam longamente a briga. Todas dão razão a Marlene, que soube defender o seu homem. Um irreverente que passava falou ao amigo: "As duas disputam o mesmo osso".

Vagalume - Na esquina da Rua Aguiar de Andrade e Travessa D. Adelina encontramos o Canto do Galo, ponto de atração dos que circulam pelo Vagalume e Ile de France. É um barzinho agradável, e seu toca-discos está sempre ocupado por Nelson Gonçalves, Altemar Dutra e Agnaldo Timóteo (N.E.: cantores famosos no Brasil de então).

A seu lado, na Aguiar de Andrade, está o Vagalume.

Julinho e Abel são os grandes anfitriões da boate Vagalume. Ambos começaram no El Moroco e hoje demonstram grande categoria no atendimento e direção dessa casa, uma das mais acolhedoras da Boca santista.

Um bom conjunto alegra o ambiente, fazendo fundo para a voz quente de Inajara, e números de strip-tease se sucedem.

Julinho e Abel são amigos de toda a boemia de Santos e por isso vivem pelo centro da Cidade para resolver situações criadas com vales assinados e cheques frios.

Ile de France - A boate Ile de France pontificava em São Vicente. Perdendo seu alvará, transferiu-se para a Boca, instalando-se na Travessa D. Adelina, também ao lado do Canto do Galo. Seu gerente, Rudolf de Montmorency, é um cavalheiro; suas maneiras são as de um autêntico diplomata. Belas mulheres enfeitam a casa e dançam ao som de ótimo conjunto musical. Variados shows são apresentados, e o Ile de France alinha-se entre as primeiras boates do bairro. Sua freqüência é selecionada, encontrando-se sempre senhores e senhoras das sociedades santista e paulistana.

D. Adelina - A Travessa D. Adelina liga as ruas Aguiar de Andrade e João Otávio. Até bem pouco era um beco mal-cheiroso, escuro e perigoso. Hoje se entrosa no conjunto. Hotéis e modernos bares lá se instalaram, não faltando os multicoloridos letreiros. Nada tem de seu anterior aspecto e percebe-se que dentro em breve se equiparará às ruas General Câmara e João Otávio. Suas velhas casas são hoje de altos aluguéis.

Atualização - As reformas são uma constante na Boca santista. O American Star Bar e o Night and Day estão fechados. Substanciais reformas estão se processando nas duas casas que, dentro em breve, reabrirão com novas, modernas e funcionais instalações.

Da velha-guarda, somente o ABC continua firme e ilhado.

Os novos - Na esquina da Rua Eduardo Ferreira, em frente do Restaurante Galo de Ouro, foi inaugurada há pouco a boate Monte Carlo.

Na Rua João Otávio, algum tempo depois inaugurava-se o moderníssimo Tropicália, esbanjando, em suave escuridão, uma decoração violenta, com cenas reais de amor.

Na Travessa D. Adelina, Julino e Abel inauguraram o Las Vegas. Uma excelente e agradável casa que está fadada a projetar-se entre as primeiras.

Beer House - Aurélio Gomes de Almeida é um jovem dinâmico e empreendedor. Construiu na Rua João Otávio o Beer House, uma autêntica cervejaria que nos lembra as clássicas do Tirol. Tudo é rústico, menos as garçonetes que servem. Além disso, em amplo espaço, à frente, muitas mesas ao ar livre recebem também clientela.

A Beer House vencerá sem dúvida, pois tem ainda um bom conjunto musical e pista para dança.

Contraste - A sereia (N.E.: também chamada de sirene) da Cia. Docas de Santos assinala estridentemente 6,45 horas. Faltam quinze minutos para os trabalhadores iniciarem nova jornada.

A paisagem transmuta-se totalmente. O nascente projeta proas, mastros, cordame, chaminés e casas de comando, e os operários, paletós às costas, dirigem-se para os portões de entrada.

Alguns tomam o café matinal nos bares da Rua João Otávio, ao lado de notívagos embriagados que perambulam há muitas horas.

Algumas mulheres passeiam cambaleantes e sonolentas e ainda tentam "caçar" alguma coisa.

É uma manhã de cinzas, apesar da limpidez do dia. Lembra-nos um fim de carnaval.

Essa é a famosa Boca santista, onde marinheiros de todos os mares, de todas as bandeiras, de todas as raças e religiões buscam lenitivos para as saudades ou dissabores. Uns conseguem o que procuram, e outros encontram o que nunca desejariam achar.

Uma noite, um poeta boêmio sentenciou: "A Boca é bela, mas tem a beleza das feras".


Anúncio da boate The Fugitive
Imagem: revista Santos Verão 1987, editada em 1987
pela União Santista de Economia (USE), de Santos/SP


Santos à noite:
Bar:
ABC - Rua João Otávio n. 4
La Barca - Rua João Otávio n. 10
Night and Day - Rua João Otávio n. 22
Tropicalia Bar - Rua João Otávio n. 28

Beer House
A Casa da Cerveja - Rua João Otávio n. 32

Boate
Vagalume - Rua Aguiar de Andrade n. 55
Ile de France - Travessa D. Adelina n. 8
Las Vegas - Travessa D. Adelilna n. 20
Flamingo - Rua General Câmara n. 490
Casablanca - Rua General Câmara n. 504

Bar e Lanches Canto do Galo - música, drinks, chope - Travessa D. Adelina n. 2


Anúncio da boate My Love
Imagem: revista Santos Verão 1987, editada em 1987
pela União Santista de Economia (USE), de Santos/SP