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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - MADEIRENSES
Madeirenses em Santos (1)

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Quando habitantes da montanhosa ilha da Madeira resolveram migrar para o Brasil, encontraram na região de Santos um dos melhores lugares, a começar pelo nome da ilha, São Vicente, que recordava localidade homônima em seu arquipélago do meio do Atlântico. Além disso, ilustres patrícios já os antecederam, trazendo na bagagem os instrumentos e as técnicas para a usinagem do açúcar e o preparo do vinho, além de atuarem como entreposto no comércio entre Brasil e Portugal.

E, em Santos, as encostas dos morros lembraram também sua montanhosa terra natal. Em terras santistas, a colônia madeirense ficou conhecida por suas festas e pelas bordadeiras, que continuaram em terras brasileiras as técnicas ancestrais que deram fama à sua ilha.

O texto a seguir estava disponível, em 1996, em página Web do Centro de Estudos de História do Atlântico (Ceha), na Ilha da Madeira. Essa página não mais existe na Internet, mas foi arquivada por Novo Milênio, que resgata assim para o meio digital este estudo do madeirense Alberto Vieira, do Ceha:

No rastro de uma ancestral ligação:
a Madeira e o Brasil

Alberto Vieira

As ligações da Madeira ao Brasil são ancestrais. O madeirense esteve nas origens da ocupação portuguesa do solo brasileiro, iniciado no século XV a partir da ilha de S. Vicente. Foi graças ao contributo dos nossos antepassados que o Brasil entrou na esfera do mercado europeu, tornando-se numa periferia de respeito pela contribuição dos produtos cultivados (açúcar e café) ou das riquezas do solo, como o ouro.

No século XVI foi a atracção pelo exotismo das plumas ostentadas pelos indígenas, o colorido dos papagaios. A isto sucedeu a garantia de uma inexcedível riqueza arrancada à terra. A água abundante e o solo fértil assim o indiciavam. Por tudo isto, o Brasil ficou no nosso imaginário como a esperança, a via para o lucro fácil, quando a fome e a guerra entravam pela nossa porta adentro. Mas, esta é uma situação recente que surgiu no limiar da independência da colónia. Aqui estamos perante um fenómeno diferente daquele que sucedeu até ao século XVIII.

Para tràs ficou a colonização, que no entender de Oliveira Martins foi uma oportunidade perdida, em que o movimento de gentes seguiu os impulsos da política de colonização. Primeiro foi o movimento livre de aventureiros em que se integraram muitos madeirenses ligados à safra do açúcar: lavradores, carpinteiros e mestres de engenho seguiram o rastro dos canaviais e transferiram-se de armas e bagagem para o outro lado do Atlântico.

Em Recife, um dos principais bastiões do açúcar brasileiro, a presença madeirense foi evidente. Entre muitos destaca-se a figura de João Fernandes Vieira, que ficou célebre, não pelos engenhos que conseguiu assenhorear-se no momento da ocupação holandesa, mas sim pela bravura com que se bateu contra estes que lhe havia propiciado tamanha fortuna.

No século XVIII afirma-se uma nova política de colonização, incentivada pela necessidade de preservar a soberania nacional em face das espoliações castelhanas. Foi a época da descoberta dos sertão pelos bandeirantes, mas também, de povoamento das terras do Sul por casais madeirenses e açorianos. A cidade de Portalegre é um marco deste movimento. Quem a fundou foi um madeirense, mas foram os açorianos que lhe deram vida e a transformaram numa grande metrópole. Aqui tudo começou pela ilha de Santa Catarina e avançou no continente até às fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Madrid (1750). Povoar era assim uma forma de preservar a soberania e de encontrar um recanto de felicidade para estes esfomeados e espoliados das ilhas. Só da Madeira sabe-se da saída de 226 casais.

Hoje, para o visitante que percorre estas paragens, é fácil deparar-se com alguns vestígios da presença insular, misturados com os de outros que os seguiram no século XIX, como os italianos e alemães. Aqui e acolá, uma construção que denuncia terra açoriana: o teatro das festas do Espírito Santo. Falando com as gentes do campo descobre-se a presença insular - madeirense e açoriana - remanescente na nomenclatura dos produtos e artefeactos.

Todavia, o grande momento da emigração brasileira estava para chegar. Foi a segunda metade do século XIX que o propiciou, sendo o principal motivo desta diáspora européia a abolição da escravatura. O europeu, espoliado e indefeso, é contratado para o lugar do escravo negro em condições em todo semelhantes às que alimentaram a diáspora africana. Por isso, não será de admirar se vermos repetir que estamos perante a "escravatura branca". Esta voz foi levantada pelos políticos na ilha, mas também, expressa na voz pungente de algumas das vítimas. É o caso da carta de João José Basílio Pereira, remetida do Rio a 14 de maio de 1852 e que foi publicada em O Progressista como forma de aviso. Mesmo assim, o Brasil continuou a ser o principal destino da emigração madeirense.

E as portas continuaram abertas, sempre prontas a receber os fugitivos da guerra e fome que assolou a Europa na primeira metade da presente centúria. [N.E.: século XX].

É desta última leva que restam vestígios inolvidáveis das tristezas e alegrias que o movimento propiciou. À partida a esperança dos que saem misturava-se com as lágrimas dos que ficam. Aqui, a Bahia de Todos os Santos foi a porta de entrada para S. Paulo, mas também o local de permanência de muitos. A euforia do tráfico portuário, aliada à vivência nostálgica que a Bahia propiciava foram fortes motivos para a existência de uma forte colónia madeirense, reconhecida nas bordadeiras ou na casa da Madeira, sinónimo de uma saudade acumulada.

Depois, as cartas trocadas a avivar as esperanças e o permanente olhar ao firmamento à procura do "vapor" que desembarcaria no cais os parentes transfigurados, com tecidos de cores garridas, mãos e dedos cobertos de grossas pulseiras e anéis de um dourado vivo e chamativo. Tudo ornando um corpo roliço, denunciando a abundância e fazendo esquecer a figura cadavérica da partida. Perante a curiosidade de familiares e estranhos estava a figura do brasileiro, tão prosaicamente celebrada na literatura oitocentista. Ele é a expressão do sonho feito realidade.

Mais próximo de nós a literatura veio revelar-nos outra face recôndita do brasileiro. Ferreira de Castro, também ele emigrante, traçou com um cruel realismo o quotidiano desses aventureiros. "A selva" é o retrato das esperanças e frustrações deste emigrante que nunca conseguiu regressar coroado de glória.

A figura do brasileiro, o nosso parente de regresso à terra, tem origem no demerarista - o que retornou rico de Demerara - e reflecte-se, a partir da década de cinquenta no venezuelano ou sul-africano. Em qualquer dos casos, ela é fruto de uma aculturação e a representação perfeita da miséria e opulência. É a imagem reflectida dos anseios dos que ficaram e dos que partiram sem nunca regressar. Sim, porque o regresso é o prémio para os vencedores e não para os vencidos...!

Novo Milênio promoveu uma revisão do texto, notadamente ajustando a pontuação e a divisão em parágrafos, mantendo quanto possível a forma lusitana de grafia do original.

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