Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0121m.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 03/01/11 11:44:07
Clique na imagem para voltar à página principal

HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - TEATROS
Nossos primeiros teatros (13)

Leva para a página anterior
Texto publicado na revista Depois da Cena, produzida pelo jornal A Tribuna para distribuição ao final de espetáculos culturais, edição 2/ano 2, distribuída em 30 de abril de 2009, páginas 36 a 41:


Reprodução da página 36 da revista: a autora Neyde Veneziano

Foto: Alberto Marques, publicada com o texto


Teffi - Gextus & Cia. – universitários, amadores, experimentais SANTISTAS!

Neyde Veneziano

Fiz o colegial no Colégio São José. Era colega de Jandira Martini e Eliana Rocha. Formamos um grupo de declamação. Não riam. Éramos moderninhas. Declamávamos com a voz empostada que ouvíamos dos Jograis de São Paulo. A experiência durou quatro anos e deu muito certo. Chegamos até a nos apresentar, com microfones, diante da Igreja do Embaré, na cerimônia da chegada da imagem portuguesa de Nossa Senhora de Fátima. E o povo respondia ao nosso decidido comando.

Destes fatos, quase não há registros. Ficaram na memória.

Assim que entrei na faculdade, nos primeiros dias do curso de Letras, entrou na sala um cara do quarto ano convidando a todos para um teste no Teffi – Teatro Escola da Faculdade de Filosofia. Era Carlos Alberto Soffredini. Entramos para o grupo. Eu e a Jandira Martini. Naquele ano, ele encenou Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. Depois vieram Eliana Rocha, Ney Latorraca, Perito Monteiro, Rubens Ewald Filho e muitos outros. Fizemos, juntos, muitos espetáculos e uma trajetória fantástica. Essa história já foi tantas vezes contada que já deve ser a hora de algum pesquisador lhe dedicar o olhar atento. E a outros tantos grupos e a todo o movimento teatral santista.

Ainda na Faculdade de Letras, recebemos uma carta da Universidade de Nancy convidando nosso grupo de teatro a se inscrever no Festival Mondial du Théatre Universitaire. Jacques Langue era o então diretor de recherches dramatiques da universidade francesa e havia tomado conhecimento do nosso trabalho (através do diretor da nossa faculdade). A Comissão Central Organizadora do Festival convidava anualmente 40 grupos teatrais, da França e do exterior, dos quais selecionava apenas 25. A participação estaria condicionada à prévia remessa das peças e da documentação dos trabalhos anteriores.

Fomos aprovados entre os 25. Nosso texto (A Crônica, de Carlos Alberto Soffredini) foi considerado o melhor texto do festival. Não conseguimos recursos para a viagem dos 24 componentes do grupo. Foi o Tuca. Nós não fomos. Restou-nos a experiência de lidar com toda a papelada exigida, com políticos, com campanhas, e com a própria censura que não liberou nosso espetáculo a tempo de ser visto por pessoas que, com certeza, teriam colaborado conosco. Estreamos em Santos e viajamos, pelo Brasil, com as duas peças do grande santista Soffredini: A Crônica e Cristo Nu.

Destas montagens, participei, ainda, como atriz. E, destes fatos, quase não há registros. Ficaram na lembrança.

Foi em 1983 que comecei a dirigir. Naquele ano, nascia o Pinta o Sete & Cia., grupo com o qual eu trabalharia até 1988. Escolhi A Árvore que Andava, de Oscar Von Pfuhl (que morava em Santos), como espetáculo de minha estréia como encenadora.

No ano seguinte (1984), Ruth Rocha lançou um livro chamado Procurando Firme, cuja temática abordava a igualdade de direitos entre meninos e meninas. A obra tornou-se, rapidamente, sucesso de crítica e vendas. Adaptei a história para o teatro e acabei construindo o espetáculo que mais me deu prêmios até hoje. Tudo aconteceu na hora certa: havia o TV Mulher, com a Marta Suplicy e Marília Gabriela, e também o Malu Mulher. Era a época do feminismo.

Foi no Procurando Firme que entrou a Renata Zanetta no papel da princesinha Linda Flor. A Valentina Rezende fazia a ama, formamos um belo elenco. O espetáculo resistiu por três anos, com o mesmo elenco. Em 1989, com algumas modificações no elenco e reformulações no cenário e figurinos, o grupo começou carreira profissional, em São Paulo. Valentina, com sua engraçada ama, ganhou o Mambembe, nesta segunda versão de 1989. Eu levei o APCA de dramaturgia. Renata, além de muitos prêmios em festivais, já deixava entrever o futuro brilhante.

Procurando Firme voltou em 1994 com outro elenco (ganhou outro Mambembe e APCA) e, em 2000, novamente, com outro grupo. Procurando Firme foi remontado cinco vezes. E continua por aí, até hoje.

No início de 1984, o Sesc de Santos me convidou para coordenar um curso de teatro cujo objetivo era a formação de grupos para ocupar o novo espaço cultural que a instituição oferecia à Cidade. A partir de junho daquele ano, iniciei, com os alunos selecionados pelo projeto, duas montagens que obtiveram excelentes retornos de público e de crítica: Jeremias, o Herói, de Oscar Von Pfhul, texto inédito, e O Noviço, de Martins Pena.

O ator que fazia o Jeremias, que se transformava em Jere-lates e Jere-mordes, teve o nome do personagem incorporado ao seu. Até hoje, é conhecido como Beto Jerê. Ele era palhaço. Fazia shows em Santos. Hoje, dirige em São Vicente. Foi, também, um de meus assistentes na Encenação de São Vicente.

Apesar de estar trabalhando com amadores, o Sesc me deu a oportunidade de ousar, experimentando técnicas e truques do teatro popular, sobre um texto considerado clássico da nossa literatura dramática. Foi com a ousada montagem de O Noviço que comecei a chamar a atenção da classe teatral. O Noviço também recebeu muitos prêmios em festivais. Começaram neste espetáculo vários atores que, hoje, estão no teatro profissional: Charles Moeller, Dagoberto Feliz, Beto Bellini, ao lado da Renata Zanetta e do Beto Jerê. O nosso pianista era o Lincoln Antonio, agora um grande profissional em São Paulo.

Minhas pesquisas no terreno da revista brasileira, combinadas aos diálogos habilidosos de Perito Monteiro e à vontade de acertar de todo o grupo, resultaram no espetáculo mais legal da minha vida: Revistando o Teatro de Revista. Fundamos o Gextus – Grupo Experimental de Teatro UniSantos. Fiquei "na moda".

O Revistando… estreou em 21 de junho de 1988. Recebeu todos os prêmios em festivais, os melhores elogios da crítica e conquistou uma temporada no Teatro Anchieta, em São Paulo. Em seguida, veio o prêmio do projeto Mambembão. Ganhamos uma temporada no Teatro Rival, no Rio de Janeiro, pois foi selecionado pela Fundacen (antiga Funarte), como representante de São Paulo.

Durante a estada no Rio, a Fundacen organizou uma homenagem a todos aqueles que fizeram teatro de revista, quando se apresentou o espetáculo. Foram muitos aplausos entusiasmados e emoções incontidas.

O respeitado pesquisador Roberto Ruiz estava na platéia. No dia seguinte à estréia, enviou-me uma carta dizendo "àqueles que, sebastianisticamente, esperavam pela revista, ela voltou!" O espetáculo ficou durante dois anos em cartaz. Mais do que um espetáculo, Revistando reviveu uma época, fez história e provou que podemos "exportar" teatro, de Santos para o Brasil.

Foi nessa ocasião que comecei a sentir minha vocação "formadora de atores" que ultrapassava a missão de professora universitária. Como disse o Claudinho (o iluminador do Municipal), "a Neyde Veneziano estava se especializando em formar atores e mandar pra São Paulo". Realmente, era difícil manter um grupo de pesquisa de linguagem em Santos, uma cidade em que as universidades ainda não se empenharam em oferecer apoio às investigações cênicas supervisionadas.

Passado algum tempo, tive a honra de dirigir os Pernilongos Insolentes. O texto Geração Trianon era um prato cheio para mim, acostumada ao teatrão brasileiro. A montagem foi bem. Trabalhei nove meses. Os atores enlouqueceram. Os figurinos e cenários eram belíssimos, pois parti de uma idéia que, talvez, tenha vindo de uma antiga revista de Arthur Azevedo: o "palco da época" ficava no fundo e os atores representavam de costas para a platéia real, no início do espetáculo. O texto sugeria "ao longe, ouve-se a Ceia dos Cardeais". Fiz a Ceia dos Cardeais, toda virada para o fundo, enquanto a platéia real entrava. Assim as pessoas eram recebidas.

O espetáculo teve pouca duração. Um dia, ainda se fará uma revisão do teatro santista. Se, de um lado, lamentei o final de Geração…, por outro lado, foi parte desse elenco que me incitou a fazer um outro espetáculo, dessa vez, com características de mega-espetacularidade.


Encenação da Fundação da Vila de São Vicente (reprodução da página 40 da revista)

Foto: Davi Ribeiro, publicada com o texto

Foi em 1999, e o secretário de Cultura de São Vicente, Amauri Alves, me chamou para dirigir a Encenação da Fundação da Vila de São Vicente. Trabalhei com mais de 600 atores. Participaram os amigos Ney Latorraca, Oscar Magrini, Jonas Melo e Bárbara Bruno.

Confesso: sempre tive vontade de dirigir uma ópera. Mas a experiência na praia, com 600 pessoas, foi melhor que a de uma ópera.

Ensaiei durante três meses com 12 assistentes. Tinha ao meu lado Ney Carrasco, com quem faço boa dupla "diretor e diretor musical". Tinha Perito fazendo o texto, especialmente, para a montagem. Tudo era pensado e cronometrado previamente. Usei pernas de pau, bandeiras, tochas, tudo o que tinha direito. Neste momento, apresentei à Baixada o Grupo Pavanelli, hoje conhecido em Santos pelas oficinas e pelo trabalho com teatro de rua.

Mais do que um espetáculo feito para o povo e pelo próprio povo, mais do que uma manifestação popular, mais do que um teatro espetacular, mais do que um megaevento, a Encenação da Fundação da Vila de São Vicente representa o respeito de toda uma comunidade por sua própria história. A História Oficial, mostrada sob a forma teatral, passou a fazer parte do cotidiano do povo vicentino. Como no teatro grego, a maioria da platéia já sabe, de cor, o enredo. Mas sempre lota as arquibancadas para saber "como", a cada ano, esta história vai ser contada. Do acontecimento cívico passa-se ao fato artístico. Quem ainda não sabe… aprende. Os que já sabem vêm para apreciar, para curtir, para se emocionar com a beleza de um espetáculo diferente, realizado neste magnífico cenário natural.

Para aquele ano, o texto foi escrito por Perito Monteiro, recontando os fatos de forma totalmente inusitada. As músicas de Ney Carrasco foram especialmente compostas para as cenas. Os figurinos de Sérgio Guerreiro e os cenários de Amauri Alves assumiram, magnífica e criativamente, a nova linguagem. Juntou-se uma equipe de assistentes, técnicos, produtores e coordenadores, capaz de montar o espetáculo em três semanas! Trabalho duro. Logística precisa. Competência pura. Profissionalismo exemplar.

Após um ano de pós-doutorado na Itália, voltei ao Brasil e à minha Santos. Trabalhei no Sesc/Santos, ao lado do meu grande amigo Roberto Barbosa com novo texto do Perito: Ouvindo a Vós. E veio outro convite de São Vicente: a encenação de 2002. Desta vez com 800 atores, novo texto de Perito. De novo os Pavanelli se juntavam aos atores da Baixada. Novamente uma equipe competente de assistentes. E mais alguns atores "de fora": Ary Fontoura, Maurício Mattar, Suzana Alves. A música do Ney Carrasco emocionava. Foi o último texto do Perito, um autor santista cuja obra aguarda uma redescoberta.

Tive muita sorte em conviver com essa gente toda. Tive muita sorte por ter conhecido Soffredini no início da minha carreira. E muita sorte pelo meu casamento de intensa parceria com Perito Monteiro. E por ter participado desta história ao lado de tanta gente boa. Quando conto um pouco desse "passado", teria de me referir aos outros grupos amadores santistas. Mas não trabalhei com eles. Apenas respeitava, olhava e caminhava lado a lado. Esta é uma outra pesquisa em que vale a pena insistir. Certamente esqueci de citar muita gente. Mas este texto não é uma crônica. É só um relato de memórias.

Os fazedores e influenciadores da cultura santista vivem entre os que "vão para São Paulo" e os que "vêm de São Paulo". Essa é uma realidade. Orgulhamo-nos do Ney Latorraca, do Rubinho Ewald, da Carmelinda Guimarães e de tantos outros aqui lembrados porque vivem nesse indo e vindo. Falamos com alegria do sucesso de Charles Möeller, da competência da Renata Zanetta, da versatilidade do Dagoberto Feliz. Sabemos que estão todos fazendo e vivendo para o que mais gostam: o teatro. Muitos levam seus talentos "pra fora", mas voltam para ajudar e incentivar. Santista que é santista sempre volta!

E há os que ficam, lutando e produzindo aqui. Tenho o maior orgulho dessa gente: da Miriam Vieira, do Ronaldo Fernandes, do Pedro e da Karla do Tescom, do Márcio de Souza, do Toninho Dantas, do Ricardo Vasconcelos, do Júnior e de todos esses novos atores que garantem o movimento santista. A eles se deve a permanência e a consolidação do movimento santista de teatro amador. A eles, o meu maior carinho e respeito.