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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS
Cargas, da cremalheira para a esteira (5)

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A inauguração da São Paulo Railway, transpondo a Serra do Mar, em 1865, foi lembrada 140 anos depois, em análise conjuntural publicada no caderno Economia do jornal paulistano O Estado de São Paulo, em 4 de setembro de 2005, página B7 (Acervo Digital Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):

PARANAPIACABA – Cidade guarda o traço inglês, origem da 1ª ferrovia
Foto: Valeria Gonçalvez/AE, publicada com a matéria

SETOR FERROVIÁRIO
Maior gargalo do País faz 140 anos

Ligação ferroviária entre Santos e São Paulo enfrenta o desafio de expandir o principal corredor de exportação do Brasil

Agnaldo Brito

A cidade de São Paulo deveria comemorar a próxima terça-feira. No dia 6, há exatos 140 anos, a tecnologia ferroviária venceu a muralha de 800 metros que separam a Baixada Santista do Planalto Piratininga, em São Paulo. Naquele dia foi realizada a viagem inaugural pela estrada de ferro, hoje conhecida como a Santos-Jundiaí. Uma ousadia que deu ao País seu principal corredor de exportação.

Mas em nome da precisão histórica, vale o adendo. Aquela viagem não terminou. O trem da São Paulo Railway descarrilou próximo ao destino, já em São Paulo, depois de subir a Serra do Mar. Segismundo José das Flores, pseudônimo de Pedro Taques, em tom ácido escreveu numa página de jornal: "Trem não é cabrito para subir serra". A Capitania de São Paulo respirava progresso e ferrovia parecia mais vantajosa do que os tropeiros. Apesar do fiasco inaugural, a percepção foi certeira.

Duas ferrovias respondem hoje pelas rotas que apontam para o mar. A MRS Logística (herdeira do espólio da primeira linha férrea) e Brasil Ferrovias operam hoje os principais corredores de saída e entrada do País. Sobre os trilhos, sobem e descem a Serra do Mar milhões de toneladas de carga. Em 2004, das 67,6 milhões de toneladas movimentadas no Porto de Santos (calculadas as importações e exportações), 8,703 milhões foram transportadas em ferrovias. No primeiro semestre deste ano, as locomotivas que cruzaram a Serra do Mar transportaram 4,989 milhões de toneladas de carga.

Grande parte desse volume, segundo a Portofer (a concessionária ferroviária responsável pela movimentação interna no Porto de Santos), é de soja e de farelo de soja. Produtos vindo do interior do Brasil, principalmente do Centro-Oeste do País, onde em 30 anos floresceu a agricultura em zona tropical. Apesar de estar a mais de 1.000 quilômetros da área agrícola do Cerrado, o corredor Santos-São Paulo também é responsável por uma fração da competitividade do agronegócio. Grandes exportadores de commodities (N.E.: bens comercializados na forma de granel) como Cargill, ADM, Bunge, Coopersucar, dependem dessa ligação.

O fracasso da primeira viagem virou história. Em tempos de retomada do setor ferroviário, os trechos de 10 a 15 quilômetros, dependendo da linha, beiram o limite da capacidade de tráfego, dão sentido ao que os especialistas chamam de "gargalo logístico".

 

O fracasso da viagem inaugural virou ironia:

 Pedro Taques escreveu: "Trem não é cabrito"

 

Inovações – Sobre o mesmo leito que há 140 anos um maquinista, em viagem de teste, faleceu tentando levar um trem ao topo da Serra do Mar, será construído um dos projetos logísticos mais ousados do País. A MRS Logística escolhe um dos sete grupos industriais que construirão a maior correia transportadora do Brasil.

Com extensão de 18 quilômetros, a linha de transporte através da qual se levará minério de ferro – trazido em composições da MRS do quadrilátero ferrífero de Minas Gerais até Paranapiacaba – para os fornos da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), em Cubatão. O projeto orçado em milhões de dólares carregará 5 milhões de toneladas de minério por ano.

Hoje, o sistema cremalheira, linha que substituiu desde a década de 70 a primeira linha, chamada de funicular, desce com no máximo 500 toneladas de carga, seja para abastecer a siderúrgica, seja para levar carga às margens direita e esquerda do Porto de Santos, onde vários terminais recebem a carga para abastecer os navios que atracam no litoral paulista.

Quando estiver pronta no início de 2008, segundo estimativa da operadora, a correia transportadora liberará até 5 milhões de toneladas para transporte nos trens. A MRS admite que o sistema já beira o limite. Deve levar até a Baixada Santista em 2005 até 10 milhões de toneladas de carga, minério para virar aço na Cosipa ou commodity para exportação a partir do cais de Santos.

Em outra ligação entre São Paulo e a Baixada Santista, a Brasil Ferrovias se prepara para novos saltos no transporte de carga, principalmente depois de concluir uma operação de reestruturação econômico-financeira. Investirá, segundo previsão da direção, R$ 1,3 bilhão, uma parte na ligação com Santos.

A companhia, que opera os corredores de exportação que interligam Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ao Porto de Santos, trabalha agora com um projeto importante: ter o próprio corredor na Baixada Santista. A única ligação, hoje controlada pela MRS, é motivo de discórdia. A Brasil Ferrovia conseguiu uma autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e terá um ano para construir, sobre a faixa de domínio da MRS, uma estrada de ferro para chegar à margem direita do Porto de Santos.

Os investimentos projetados para o setor ferroviário nos próximos anos em todo o Brasil tendem a ampliar os volumes de carga transportados também entre São Paulo e Santos. Passados 140 anos de uma inauguração fracassada, a resposta a Pedro Taques foi dada: o trem virou cabrito.

NÚMEROS
2 operadoras ferroviárias (MRS Logística e Brasil Ferrovias) mantêm e operam as duas ligações ferroviárias entre SP e Santos a partir do interior do Brasil
67,6 milhões de toneladas de carga é o volume total movimentado, entre produtos importados exportados em 2004, dentro do Porto de Santos, o mais importante do Brasil
8,7 milhões de toneladas foi o total de carga que chegou ou saiu do Porto de Santos no ano passado pelas linhas de trem
4,989 milhões de toneladas de carga foram transportadas no primeiro semestre pelas locomotivas que cruzam a Serra do Mar

VIAGEM FATAL – No dia 6 de setembro de 1865, era inaugurada a linha São Paulo-Santos e, no mesmo dia, o trem descarrila perto do Rio Tamanduateí, matando o maquinista
Imagens: reproduções, publicadas com a matéria

OPINIÃO
Importância logística da ferrovia é redescoberta

José Alfredo V. Pontes [*]

O vício político brasileiro de realizar inaugurações festivas de obras inconclusas resultou em tragédia na primeira viagem experimental de trem ligando Santos a São Paulo, no dia 6 de setembro de 1865, há exatamente 140 anos. Apesar desse infortúnio, ocorrido quase no final da viagem inaugural, essa ligação ferroviária foi um fator decisivo para o desenvolvimento posterior da cidade e do País.

Pode-se dizer, sem nenhum exagero, que o marco inicial da modernização da cidade e do Estado de São Paulo ocorreu nesse dia, quando o primeiro trem da São Paulo Railway vindo de Santos para São Paulo descarrilou próximo do Rio Tamanduateí antes de atingir a primitiva e inacabada Estação da Luz.

Como consolo atenuante do vexame, a história registra que a poderosa e progressista Inglaterra também sofreu um constrangimento acidental por ocasião da inauguração de sua primeira linha interurbana ligando Liverpool a Manchester, em 1830, quando um assessor do primeiro-ministro morreu ao ser atropelado por uma locomotiva que se movia lenta e silenciosamente.

No caso brasileiro, a desgraça atingiu duplamente o maquinista, única vítima fatal dentre os feridos e, ainda assim, responsabilizado pelo acidente por ter imprimido a extraordinária velocidade de 60 km por hora. Uma investigação posterior, porém, revelou que os dormentes estavam mal fixados, provocando a demissão de um engenheiro fiscal.

Até então, a cidade de São Paulo tinha cerca de 25 mil habitantes em toda a área do município, com apenas 19 mil residindo no perímetro urbano. A mancha urbana crescera timidamente desde a época colonial, pois mesmo a instalação da Faculdade de Direito, em 1828, embora muito importante do ponto de vista cultural e político, pouco agregara à cidade em termos econômicos. A atividade urbana, restrita à burocracia provincial e à passagem de tropas em trânsito para o litoral, era monótona e sossegada, como registraram diversos cronistas que residiram ou passaram pela cidade em meados do século 19.

Desde 1834, durante o governo do Regente Feijó, pensava-se na construção de uma estrada de ferro ligando Santos a São Paulo. A barreira representada pela muralha de 800 metros da Serra do Mar inibia o desenvolvimento do planalto desde o século 16, quando foi fundada a cidade de São Paulo, pois o transporte de cargas por tropas de mulas era extremamente precário e limitado. A declividade abrupta da Serra, porém, tornava o custo de construção de uma ferrovia altíssimo para as possibilidades da época.

Posteriormente, no entanto, com a expansão da cafeicultura para o Oeste do Estado nas décadas seguintes, criaram-se condições objetivas para a viabilização de um investimento de grandes proporções. Mais próximo das novas áreas produtoras, o Porto de Santos passava a rivalizar com o de São Sebastião e o de Ubatuba, tradicionais portos de escoamento da decadente produção do Vale do Paraíba.

Cientes da potencialidade da nova cafeicultura do Oeste paulista, baseada no trabalho assalariado de imigrantes e assentada em melhores técnicas de plantio e beneficiamento, capitalistas brasileiros liderados pelo Barão de Mauá conseguiram formar uma empresa com o propósito de viabilizar a ligação ferroviária de São Paulo com Santos, iniciando sua construção em 1860. E, posteriormente, por carência de mais capital de investimento, associaram-se ao Banco Rotschild.

Com o advento da ferrovia, a cidade alterou-se irreversivelmente com a febre de progresso da "São Paulo que não pode parar". Uma vez regularizadas as viagens, a partir de 1867, a cidade transformou-se no principal polo urbano da próspera economia cafeeira paulista.

A circunstância geográfica de grande entroncamento das rotas de acesso ao interior da Bacia do Prata foi potencializada enormemente, resultando na consolidação de São Paulo como um "porto do planalto", atraindo tanto o comércio atacadista como a nascente industrialização. A antiga "boca de sertão" havia entrado inexoravelmente em um ciclo econômico virtuoso que caracterizaria o final do século 19 e se estenderia a todo o século 20.

Como desdobramento desse processo, a cidade atingiu o número de 250 mil habitantes em 1900, ou seja, a população havia decuplicado em apenas 35 anos decorridos após a chegada da ferrovia. Em 1915, já era o maior centro industrial brasileiro. Em 1930 alcança uma população de mais de 800 mil habitantes. Vinte anos depois, serão 1,5 milhão de moradores. E, durante todo esse período, a estrutura do transporte de cargas no interior do estado e do Brasil era predominantemente ferroviária, utilizando uma malha que interligava todo o Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste. Essa hegemonia só seria quebrada a partir dos anos 50.

A malha ferroviária paulista não foi a primeira do Brasil, mas certamente foi a mais importante, pois contribui decisivamente para alavancar o formidável desenvolvimento econômico do Estado nas últimas décadas do século 19 e na primeira metade do século 20. Em 1867, primeiro ano de funcionamento regular da São Paulo Railway, foram transportadas 26 mil toneladas anuais de carga. Apenas 3 anos depois, foram transportadas 71.531 toneladas de mercadorias entre São Paulo e Santos. E, em 1900, seriam 1.965.920 toneladas, ou seja, 75 vezes o movimento do primeiro ano.

Tamanho crescimento exigiu a duplicação da ligação São Paulo/Santos, concluída em 1901. Nesse período, houve uma extraordinária ampliação da malha paulista interiorana, com a abertura sucessiva de novas linhas e empresas nacionais: Paulista (1868), Ituana (1870), Sorocabana e Mogiana (1872). Em 1940, a malha ferroviária brasileira atingia 34.252 quilômetros, sendo 7.540 no Estado de São Paulo (22%).

Dez anos após (1950), porém, um estudo da Câmara dos Deputados alertava sobre as ameaças que pairavam sobre o sistema ferroviário brasileiro. Alguns pontos críticos eram apontados:

1) Fraca densidade de tráfego;
2) Diversidade das mercadorias trocadas;
3) Escoamento sazonal da produção agrícola;
4) Congelamento das tarifas;
5) Concorrência dos transportes rodoviários.

Um artigo do jornalista Júlio de Mesquita Neto publicado no Estado em 30 de junho de 1950 informava que o ápice do sistema ferroviário paulista fora atingido em 1948. A partir daí, já se vislumbrava uma possível decadência: "pois o sistema ferroviário nacional não tem acompanhado, nos últimos anos, o desenvolvimento econômico do Brasil".

A falta de melhor integração Norte-Sul, parcialmente atendida pela navegação de cabotagem, era, na opinião de Júlio de Mesquita Neto, um dos maiores problemas, visto que a maior parte das linhas eram direcionadas para o sentido Leste-Oeste.

E, de fato, os anos 50 e 60 assistiram à rápida deterioração dos serviços ferroviários, época caracterizada pela priorização excessiva dada ao transporte rodoviário. Mas, sem nenhum exagero, pode-se afirmar que as ferrovias alavancaram a modernização do Brasil por mais de 80 anos como principal protagonista do setor de transportes.

E, nos dias de hoje, sua importância logística vem sendo novamente defendida em diversos estudo sobre os chamados "corredores de exportação" em decorrência da sua condição potencial de redução do "custo Brasil".

[*] José Alfredo V. Pontes é historiador

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