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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS - BIBLIOTECA
Pequeno histórico da Mayrink-Santos (20)

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Em 1962, foi publicado em Sorocaba/SP este livro de 200 páginas (exemplar no acervo do historiador santista Waldir Rueda), composto e impresso nas Oficinas Gráficas da Editora Cupolo Ltda., da capital paulista (ortografia atualizada nesta transcrição):

Pequeno histórico da Mayrink-Santos

Meus serviços prestados a essa linha entre Mayrink e Samaritá

Antonio Francisco Gaspar

[...]


2ª PARTE - ESTUDOS E CONSTRUÇÃO
XX - Aguassahy

Jamais me esquecerei de um serviço que fiz sozinho na esplanada da estação de Aguassahy, linha da Mayrink-Santos, segunda-feira, 25 de maio de 1936.

O prédio da nova estação de tijolos estava pronto. A estação velha funcionava em dois vagões usados, no lado oposto à estação nova. Era mister que fosse mudado o aparelho telegráfico e o telefone Seletivo, sem serem interrompidos.

O sr. Conrado Milly, encarregado das instalações elétricas, da chefia dos telégrafos e iluminação, designou-me a mim, Antônio Francisco Gaspar, para, como mais prático, ir fazer essa mudança, sem interromper os aparelhos e as linhas dos mesmos.

Então, segui incontinenti, sem levar nenhum ajudante, pois tinha eu de fazer todo o serviço sem auxílio de ninguém. Um serviço daqueles, eram necessárias duas pessoas!

Cheguei ali logo cedo, num trem de carga, que partira de Mayrink às 5 horas da manhã. Eu levava todo o material preciso para ser empregado na nova estação. Também levava minha caixa de ferramentas, coberta para cama, travesseiro, moitões com caranguejos para puxar e cortar as linhas telegráfica e telefônica.

O agente de Aguassahy era o sr. Palhares (substituto), pois o agente efetivo estava de férias.

Fiz o que pude sozinho, sem interromper as comunicações do telégrafo e telefone. Ora subia ou descia simultaneamente nos dois postes necessários para cortar os fios e colocar separadores de linhas da entrada do novo prédio e isolar os fios que entravam nos vagões que tinham servido de estação. A mudança dos aparelhos na estação de tijolos ficou pronta e funcionando às 19 horas.

Naquele tempo, não havia onde se alimentar ou comer alguma coisa. Eu havia levado pão, mortadela, lata de sardinhas, salsicha, e com esses ingredientes passei o dia. Pernoitei em Aguassahy no usado vagão e, no dia seguinte, retirei todo o material dele, despachando tudo para a oficina telegráfica, em São Paulo, e no trem de lastro nº 14 segui à Aldeinha, fazer também a mesma coisa que em Aguassahy. Em Aldeinha havia um armazém e, então, ali almocei e jantei. Fiz, também, em Cipó (Mário Souto) mudança dos aparelhos e dia 28 e 29 voltei a Mayrink, a fim de instalar na casa nº 19, residência do dr. Orozimbo Nogueira Soares, chefe do 2º Distrito de Construção, um telefone Seletivo. Foi feito todo o serviço, que ficou pronto às 19 horas.

Até aqui, tudo ia indo muito bem.

Eu nunca me queixei dos árduos serviços que, sozinho, executava sob as ordens da Inspetoria dos Telégrafos e Iluminação, com todo o cuidado e critério, mormente nas funções de guarda-fios, eletricista ou ultimamente como mestre eletricista do departamento de Mecânica, de onde me aposentei com 38 anos de serviço.

Porém, após esse - jamais me esquecerei - com que acima dei princípio a este capítulo e quando já terminadas as mudanças das instalações dos vagões para os prédios novos, tive a surpresa de receber um telegrama nos seguintes termos: "Iti a oficial Gaspar. Deveis vos recolher hoje à sede. Serviço de um dia não é para ser feito em dois. São Paulo, junho 1936".

Fiquei aborrecido com esses dizeres; porém, como sempre fui cumpridor de ordens, não fiz caso desse telegrama e apresentei-me no escritório do Iti, em São Paulo.

O sr. Conrado Milly, encarregado, tinha-me dado ordem para fazer as três mudanças na Mayrink-Santos e instalar em Mayrink o telefone Seletivo. O sr. Iti não sabia da ordem e, por equívoco, talvez, pensando que eu estava na Mayrink-Santos a bel-prazer ou a dolce far niente, enviou-me aquela mensagem desagradável.

Para ficar sanado esse engano, então, escrevi ao sr. Iti uma carta, com data de 1-6-1936, justificando minha estadia na Mayrink-Santos; não de um dia, mas de seis dias, em que sozinho, sem ajudante, fiz serviços em diversos lugares, o que outros eletricistas com ajudantes levariam mais tempo, e portanto eu tinha ordem do sr. Conrado Milly: "Uma vez que ia a Aguassahy, mudasse também os aparelhos das estações que já se achavam construídas".

O sr. Iti devolveu-me a carta que lhe enviei, escrevendo nela, com sua rubrica, o seguinte: - "Todo e qualquer assunto pode ser tratado com menor justificação. Não tenho tempo para ler isso tudo. assig. ilegível. 1-6-1936".

O sr. Iti tinha razão num ponto, porém eu lhe havia enviado um relatório geral dos seis dias que estive em serviço, nesse trecho da Mayrink-Santos.

Resultado: de nada valeu também a justificativa do sr. encarregado eletricista, o saudoso Conrado Milly.

Fui censurado!...

Ainda no mês de junho desse ano, fui pernoitar em Aguassahy, onde no dia seguinte substituí uma cruzeta de madeira no poste de entrada da estação. No trem Inspeção Médica, segui a Rio dos Campos colocar telefone Seletivo na residência do mestre-linha sr. Manoel Simões. Regressei trem Inspeção Médica a Mayrink.

O sr. Iti parece que ficou de "olho" comigo, devido eu ter-lhe, ainda, mandado uma carta resumindo o relatório sobre o caso do malfadado telegrama. Ele não quis ficar por baixo e esperava uma outra oportunidade para me melindrar, perante meus colegas.

Em 29 de novembro de 1937, recebi ordem de ir a Mayrink-Santos com o fim instalar aparelhos telegráficos em Chapéu, Pae Mathias, Mãe Maria e Acarahu.

Foi despachado, dentro de um vagão de cargas, Cr$ 100.000,00 de materiais, correspondente para as quatro estações. O vagão era fechado com cadeado nas duas portas. Eu e o ajudante Laureano Cunha tínhamos ordem de não abandonar o vagão e dormir dentro dele.

De Mayrink, às 3 horas e meia, partimos no trem CX 3. Chegamos à tarde em Pae Mathias, onde mandamos ficar o vagão, para facilitar o serviço das instalações, quer para Chapéu, quer para Acarahu.

Em Pae Mathias, Mãe Maria e Acarahu, como as estações eram de tijolos, as instalações foram feitas definitivamente, com conduites sólidos, fios RC 12 e 14, aparelhos novos, material todo novo e, como não tínhamos onde ir, em vez de 8 horas de serviço, trabalhávamos 10 e 12 horas. Em Chapéu, motivo a estação ser provisória e de madeira, foi todo material novo, menos colocados os conduítes, pois não necessitava desse material.

Essas instalações, que estavam escaladas para eu e Laureano darmos prontos em 18 dias de serviço, ficaram terminadas em 12 dias, devido trabalharmos horas extraordinárias.

Despachei para a Oficina Telegráfica, em São Paulo, os materiais que sobraram e via Cubatão, da S.P.R., eu e Laureano regressamos à sede. Qual não foi nosso espanto ao entrar na oficina. Havia uma ordem para seguirmos a Piraju, urgente. Eu quis ver essa ordem. A carta do sr. Iti era com data de 12 de dezembro. Nós, como estávamos na Mayrink-Santos, nessa data, o sr. Iti devia mandar outros eletricistas a Piraju. Nós estávamos sem dinheiro para as despesas de viagem. Fui falar com o sr. dr. Raul Cavalcante que, nessa ocasião, era vice-diretor da estrada. Ele deu razão e perguntou-me se eu não recusava a ordem. Disse-lhe que não. Só que estávamos sem "gaita". Então, muito graciosamente, ofereceu-me Cr$ 300,00.

Seguimos naquele mesmo dia a Piraju, no trem noturno. Em Piraju continuamos os serviços que o eletricista sr. João Ângelo não terminara, devido à fratura de um pé e estar no hospital.

Dia 30 de dezembro, às 5 horas da tarde, recebi um telegrama urgente para vir a São Paulo. O trem do ramal de Piraju partia às 5,20 horas. Não tínhamos tempo a perder. Guardamos os materiais e ferramentas e no carro de bagagem fomos trocar as vestes. Viajamos a noite toda, chegando em São Paulo às 8 horas de 31. Era um sábado.

O sr. Conrado Milly disse que chamou-nos a São Paulo porque o nosso pagamento ia ser efetuado nesse dia, véspera de 1º de janeiro de 1938. Nós, que sempre tivemos a regalia de ter passe livre de 1ª classe para viajar, foi também entregue passe livre de 2ª classe para nós todos. Eu, de posse do meu, que naquele ano, lembro-me bem, era nº 10, fui sigilosamente falar com o sr. dr. Raul Cavalcante e expus-lhe o motivo porque ali me achava. "O sr. diretor tinha dado por circular, as boas festas a todo o pessoal da Estrada e suas famílias e o sr. Iti, as boas festas, deu passe de 2ª classe em vez de 1ª classe". O dr. Raul Cavalcante gentil como sempre o foi, chamou o sr. Cesar Ciampolini e deu ordem de trocar imediatamente todos os passes antes de meio-dia.

Mas não ficou só nisso. Passados uns meses, fui chamado no escritório do sr. Iti. Era 11 de março de 1938.

- Bom dia, dr. Aqui estou às suas ordens.

- Sr. Gaspar. Mandei chamá-lo com o fim de fazer-lhe ciente que sei existir serviços mal-feitos na Mayrink-Santos, principalmente na estação de Chapéu, onde o sr. colocou o conduíte de entrada dos fios telegráficos, com a curva virada de boca para cima, sujeito a entrar água para dentro do cano, danificando os fios e aparelhos.

- O dr. viu? perguntei. Se tem conduíte na entrada da estação de Chapéu? Ou está fazendo pouco caso dos meus serviços! Um novato em eletricidade, um simples eletricista, não faria isso: colocar a curva de entrada de fios com a boca do conduíte para cima! Logo eu ia fazer isso, sr. dr.? Eu perco o dia e vamos de automóvel a Chapéu e lhe faço ver que lá não foi empregado na instalação cano algum. Os fios RC 12 entram com tubinhos de porcelana e não com conduíte. O dr. não viu.

- Vi.

- Não viu.

E naquela lenga-lenga, ficamos algum tempo.

- Eu pago automóvel, gasolina, perco dias de serviço... e vamos lá. É muito fácil, vamos pela estrada de rodagem, ou de auto de linha, via Mayrink ou Santo Amaro.

- Bem - disse o sr. Iti -. Pode ir para a oficina. Estou convicto que o sr. colocou o conduíte de acordo.

- Mas, dr. Lá em Chapéu não existe nenhum conduíte na instalação. A estação é provisória e está funcionando num barracão de madeira e, devido a isso, o sr. Conrado Milly deu-me ordem de não colocar conduíte nessa instalação.

Passados outros meses, soube que o dr. Iti esteve sozinho em Chapéu e ele, constatando que não havia conduíte na instalação de Chapéu, disse para si: "O Gaspar tem razão, aqui não tem conduíte!"

E, assim, fiquei mais uma vez isento de culpas.

Enfim, fui desligado da Inspetoria de Telégrafos e Iluminação, em 7 de janeiro de 1940.

No Departamento de Mecânica, até 30 de setembro de 1947, creio que trabalhei a contento de meus superiores.


[...]
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